A qualidade infantil de cada coisa
Data da Publicação: 25/06/2024
Tempo de leitura:
Autor: Matheus Bazzo

“The readiness is all.” Hamlet | Shakespeare

Muitas pessoas acreditam que devemos aprender com as crianças. Essa ideia quase sempre vem acompanhada de uma certa amargura para com a vida adulta. Frustrados com o resultado de suas escolhas e cansados dos ciclos repetitivos da vida, muitos adultos projetam nos pequenos uma imagem de inocência que ainda não foi corrompida pelas fases avançadas da vida com seus boletos, reuniões e responsabilidades.

Não é necessário dizer que essa é uma ideia própria de pessoas fracas que não conseguiram realizar sua própria vocação e que, por isso, romantizam a infância como um refúgio mental para suas aflições. A vida adulta é uma grande dádiva e uma deliciosa responsabilidade que nos convoca todos os dias a ser mais pelo próximo. É inclusive o que as crianças esperam de nós. Esperam adultos maduros capazes de solucionar os problemas da vida e construir empreendimentos sólidos sobre os quais a próxima geração irá usufruir.

No entanto, há sim um aspecto onde as crianças podem nos ensinar. Não por elas deterem uma sabedoria esquecida pelos adultos, mas justamente por nos obrigar a revisitar o processo de formação e educação de uma vida humana. Acompanhar o crescimento de uma criança é testemunhar o desenvolvimento natural de uma consciência e de uma personalidade. Essa experiência – quando testemunhada com atenção e carinho – nos oferece um reencontro com os processos fundantes da vida humana.

Entre esses processos, o que mais chama atenção é o valor que a criança dá às coisas em si mesmas. Uma criança se envolve profundamente com os aspectos qualitativos das coisas. Elas gostam de observar e brincar com um brinquedo específico, uma canetinha específica, um guarda-chuva específico. Elas se apegam a esses objetos não por qualidades externas, mas por qualidades intrínsecas a eles. Elas se apegam porque esses objetos são bons neles mesmos. Experimente tirar um desses objetos preciosos das mãos delas e veja no que isso vai dar. A pessoa que inventou o ditado que diz que há coisas tão fáceis “quanto tirar o doce de uma criança” claramente não tinha filhos. As crianças se apegam a esses objetos como se fosse questão de vida ou morte.

Há diversos motivos para essa reação e a pedagogia moderna apresenta diversas explicações. Um dos principais motivos é que esses objetos comunicam o mundo exterior para a criança. Tirar de suas mãos um brinquedo representa para ela a remoção de um objeto que garante a existência da realidade material – que é naturalmente desesperador. Porém, não deixa de ser perceptível o apego à qualidade dos objetos. As crianças os amam porque os amam. Não estão preocupadas com o aspecto quantitativo, não se preocupam em ter e acumular exaustivamente. É por isso que a questão financeira é bastante indiferente no processo de desenvolvimento de uma criança. Riqueza e pobreza não significam nada para elas.

Mesmo o desejo por repetir brincadeiras infinitamente não está ligado à quantidade de repetições, mas exatamente à característica intensamente qualitativa daquela brincadeira em si. O desejo por repetição se dá para reviver a verdade do evento. É nesse sentido que G. K. Chesterton nos fala sobre o nascer do sol:

“Poderia ser verdade que o sol se levanta regularmente por nunca se cansar de levantar-se. Sua rotina talvez se deva não à ausência de vida, mas a uma vida exuberante. O que quero dizer pode ser observado, por exemplo, nas crianças, quando elas descobrem algum jogo ou brincadeira com que se divertem de modo especial. Uma criança balança as pernas ritmicamente por excesso de vida, não pela ausência dela. Pelo fato de as crianças terem uma vitalidade abundante, elas são espiritualmente impetuosas e livres; por isso querem coisas repetidas, inalteradas. Elas sempre dizem: “Vamos de novo”; e o adulto faz de novo até quase morrer de cansaço. Pois os adultos não são fortes o suficiente para exultar na monotonia.” – G. K. Chesterton.

Essa é talvez a principal contribuição das crianças para o nosso desenvolvimento pessoal e profissional. Esse aprendizado nos obriga a estarmos sempre atentos ao que estamos fazendo: qual a finalidade qualitativa dos nossos atos? É muito comum nos esquecermos disso. É comum ficarmos apegados aos aspectos quantitativos da vida – quanto dinheiro vamos ganhar, quantas viagens iremos fazer, quantos filhos queremos ter, etc – e esquecermos das qualidades intrínsecas de cada coisa. Estamos no mundo para criar o bem. E só faremos isso com eficiência se soubermos detectar o bem de cada coisa.

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    Matheus Bazzo

    Matheus Bazzo

    É diretor de arte, fotógrafo, produtor, empresário e ensaísta. Fundador das empresas Minha Biblioteca Católica, Lumine e Peregrino.

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    “The readiness is all.” Hamlet | Shakespeare

    Muitas pessoas acreditam que devemos aprender com as crianças. Essa ideia quase sempre vem acompanhada de uma certa amargura para com a vida adulta. Frustrados com o resultado de suas escolhas e cansados dos ciclos repetitivos da vida, muitos adultos projetam nos pequenos uma imagem de inocência que ainda não foi corrompida pelas fases avançadas da vida com seus boletos, reuniões e responsabilidades.

    Não é necessário dizer que essa é uma ideia própria de pessoas fracas que não conseguiram realizar sua própria vocação e que, por isso, romantizam a infância como um refúgio mental para suas aflições. A vida adulta é uma grande dádiva e uma deliciosa responsabilidade que nos convoca todos os dias a ser mais pelo próximo. É inclusive o que as crianças esperam de nós. Esperam adultos maduros capazes de solucionar os problemas da vida e construir empreendimentos sólidos sobre os quais a próxima geração irá usufruir.

    No entanto, há sim um aspecto onde as crianças podem nos ensinar. Não por elas deterem uma sabedoria esquecida pelos adultos, mas justamente por nos obrigar a revisitar o processo de formação e educação de uma vida humana. Acompanhar o crescimento de uma criança é testemunhar o desenvolvimento natural de uma consciência e de uma personalidade. Essa experiência – quando testemunhada com atenção e carinho – nos oferece um reencontro com os processos fundantes da vida humana.

    Entre esses processos, o que mais chama atenção é o valor que a criança dá às coisas em si mesmas. Uma criança se envolve profundamente com os aspectos qualitativos das coisas. Elas gostam de observar e brincar com um brinquedo específico, uma canetinha específica, um guarda-chuva específico. Elas se apegam a esses objetos não por qualidades externas, mas por qualidades intrínsecas a eles. Elas se apegam porque esses objetos são bons neles mesmos. Experimente tirar um desses objetos preciosos das mãos delas e veja no que isso vai dar. A pessoa que inventou o ditado que diz que há coisas tão fáceis “quanto tirar o doce de uma criança” claramente não tinha filhos. As crianças se apegam a esses objetos como se fosse questão de vida ou morte.

    Há diversos motivos para essa reação e a pedagogia moderna apresenta diversas explicações. Um dos principais motivos é que esses objetos comunicam o mundo exterior para a criança. Tirar de suas mãos um brinquedo representa para ela a remoção de um objeto que garante a existência da realidade material – que é naturalmente desesperador. Porém, não deixa de ser perceptível o apego à qualidade dos objetos. As crianças os amam porque os amam. Não estão preocupadas com o aspecto quantitativo, não se preocupam em ter e acumular exaustivamente. É por isso que a questão financeira é bastante indiferente no processo de desenvolvimento de uma criança. Riqueza e pobreza não significam nada para elas.

    Mesmo o desejo por repetir brincadeiras infinitamente não está ligado à quantidade de repetições, mas exatamente à característica intensamente qualitativa daquela brincadeira em si. O desejo por repetição se dá para reviver a verdade do evento. É nesse sentido que G. K. Chesterton nos fala sobre o nascer do sol:

    “Poderia ser verdade que o sol se levanta regularmente por nunca se cansar de levantar-se. Sua rotina talvez se deva não à ausência de vida, mas a uma vida exuberante. O que quero dizer pode ser observado, por exemplo, nas crianças, quando elas descobrem algum jogo ou brincadeira com que se divertem de modo especial. Uma criança balança as pernas ritmicamente por excesso de vida, não pela ausência dela. Pelo fato de as crianças terem uma vitalidade abundante, elas são espiritualmente impetuosas e livres; por isso querem coisas repetidas, inalteradas. Elas sempre dizem: “Vamos de novo”; e o adulto faz de novo até quase morrer de cansaço. Pois os adultos não são fortes o suficiente para exultar na monotonia.” – G. K. Chesterton.

    Essa é talvez a principal contribuição das crianças para o nosso desenvolvimento pessoal e profissional. Esse aprendizado nos obriga a estarmos sempre atentos ao que estamos fazendo: qual a finalidade qualitativa dos nossos atos? É muito comum nos esquecermos disso. É comum ficarmos apegados aos aspectos quantitativos da vida – quanto dinheiro vamos ganhar, quantas viagens iremos fazer, quantos filhos queremos ter, etc – e esquecermos das qualidades intrínsecas de cada coisa. Estamos no mundo para criar o bem. E só faremos isso com eficiência se soubermos detectar o bem de cada coisa.

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