Senhores ou escravos?
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Senhores ou escravos?

Você é senhor ou escravo da tecnologia? Descubra como o uso excessivo pode afetar sua atenção, bem-estar e qualidade de vida.

Data da Publicação: 10/03/2025
Tempo de leitura:
Autor: Rayhanne Zago
Data da Publicação: 10/03/2025
Tempo de leitura:
Autor: Rayhanne Zago

Primeiro ato ao acordar, último antes de dormir: estar conectado através da internet. Durante todo o dia – e até durante a noite – diversas são as motivações para buscarmos algum dispositivo eletrônico. Nem todas elas são boas como imaginamos. Quase ninguém se dá conta do uso problemático das novas tecnologias. Estamos submersos nelas – e apenas suspeitamos o quanto estamos sufocados. Redes sociais, streamings, celulares e tablets, relógios tech entre tantos outros fazem parte do dia a dia de boa parte da humanidade. É realmente difícil perceber entre tantas coisas boas quais os malefícios que estamos acumulando diariamente.

Há muitos motivos para gostarmos de nossos celulares, da tecnologia, da internet. Eles trouxeram benefícios e facilidades consideráveis para nós. Acordam-nos na hora programada, tocam nossas músicas favoritas, através deles fotografamos nossos momentos preciosos, temos acesso a conhecimento, pagamos contas evitando aquelas filas enormes, podemos comprar sem sair de casa, informam sobre o trânsito, podemos assistir nossas séries favoritas, fazer chamada de vídeo com quem está longe, entre tantas outras coisas que mostram que a tecnologia é uma ferramenta incrível. 

Mas há algo no uso das novas tecnologias da informação e comunicação (as TICs) que nos condiciona. Alguns exemplos de TICs são celulares, computadores, redes sociais, e-mails, câmeras, televisão, serviços de streaming.  Elas proporcionaram um grande avanço quando falamos de comunicação. Em contrapartida, boa parte das pessoas manifesta sua dificuldade em deixar de olhar os dispositivos eletrônicos, especialmente o celular. A maior parte já tentou fazer um detox digital e, apesar de provar os benefícios do tempo longe das telas, acabou retornando ao lugar de partida. A maioria das pessoas está cansada de sentir que se tornou escrava de seus celulares.

O Brasil ficou em terceiro lugar no ranking de países que mais consumiram redes sociais em 2021. Os dados são de um levantamento divulgado pelas empresas WeAreSocial e Hootsuite e mostram que o brasileiro gastou, em média, cerca de 3 horas e 42 minutos por dia navegando pelas redes sociais.1 Em nosso país, são mais de 150 milhões de usuários de redes sociais. A taxa, pelo total de habitantes, é de 70,3%, um dos maiores dentre todos os países do mundo.2 O vício em tecnologia acaba se desenrolando de forma sutil e sem suspeita. Afinal, é socialmente aceito e estimulado. Está na moda viver hiper conectado ao virtual, ainda que isso implique toda uma sorte de prejuízos concretos. 

Vivemos uma crise de atenção. A crescente incapacidade de focar em uma atividade por muito tempo é uma das reclamações mais recorrentes do mundo contemporâneo. Provavelmente comportamentos assim não devem ser incomuns para você: pular de um aplicativo para o outro, checar inúmeras vezes as notificações, rolar o feed até perder noção do tempo, ter dificuldade em focar em uma tarefa única por mais de meia hora, necessidade de um esforço maior para se concentrar em uma leitura, tentar descansar usando as redes sociais e perceber que ficou ainda mais cansado, ter dificuldade em estar presente nos momentos e em lembrar das coisas, ansiedade para checar o celular, entre outros.

Se estamos focados em alguma coisa e somos interrompidos, leva em média 23 minutos para recuperarmos o foco, segundo um estudo de Michael Posner (Universidade de Oregon).3 Para Larry Rosen, professor da Universidade Estadual da Califórnia e pesquisador da chamada ‘psicologia da tecnologia’, a capacidade média de concentração dos participantes de suas pesquisas é de apenas 3 a 5 minutos. Depois disso, eles se distraem, sem conseguir terminar seus estudos ou trabalhos.4 Se ficamos trocando de tarefa nunca passamos tempo o bastante para nos aprofundarmos em nenhuma delas. Outra descoberta interessante é a de que pessoas que não são capazes de ter foco são mais atraídas para soluções autoritárias e simplistas, como informou Johann Hari em seu livro ‘Foco roubado’.3 Talvez não seja à toa a grande multiplicidade de gurus virtuais após a popularização de redes como Instagram, Facebook e Twitter. A crise da atenção acomoda as pessoas em um estado de superficialidade e de alienação de si mesmas, o que é uma brecha propícia para que qualquer figura charlatanista ou minimamente extremista e autoritária seja tomada como uma referência total de sabedoria.

Muitos dizem: O problema não são os celulares, mas como nos relacionamos com eles. Será? Bem, precisamos mesmo levar em conta que parte da responsabilidade é nossa, sim. Mas a verdade é que algumas dessas ferramentas são programadas para cultivar vícios comportamentais, o que torna nossos esforços mais difíceis ainda. Adam Alter, autor do livro “Irresistível, porque você é viciado em tecnologia” afirma que os criadores de aplicativos, especialmente redes sociais e jogos, sabem como provocar e estimular a usar seus produtos não apenas uma vez, mas de novo, e de novo e de novo. Os designers manipulam nossa química cerebral valendo-se de neurociência para isso. Tudo isso está relacionado com a famosa dopamina. Os vícios comportamentais tendem a ser moderados, comparados com as adições químicas, mas esses vícios ainda são bastante prejudiciais à nossa saúde. 

Passamos tanto tempo distraídos nos celulares porque novidades são irresistíveis e estimulantes. Não saber o que vai vir na próxima “rolada” do feed aumenta o desejo de estar ali. Não sabemos lidar com nossas emoções e acabamos nos anestesiando nos hiper estímulos. Odiamos o tédio, a ansiedade e a tristeza, e não nos damos conta (ao menos não totalmente) que quanto mais tempo passamos no celular, mais aumentamos tudo isso em nós. Além disso, queremos ser amados e fazer parte, não queremos nos sentir de fora de algo (seja da família, comunidade, grupo, ciclo de amigos, igreja, etc). Se estamos sempre exaustos, tendemos a procrastinar e a buscar atividades de baixo esforço. Por isso constantemente nos pegamos usando o celular em vez de realizar as atividades do dia a dia. 

Quando falamos sobre uma relação saudável com o celular e a internet, tendemos a partir para uma solução dicotômica e extremista. Parece mais fácil, mas ela não é eficiente nem efetiva.  O detox digital em geral não funciona porque continuamos sem consciência a respeito do uso do celular. Não sabemos como nos sentimos, porque acessamos o celular, em quais momentos, nem desenvolvemos bons hábitos para  suprir o tempo que gastamos na internet. 

Para a reabilitação e atenuação dos efeitos da tecnologia sobre a memória, Cristiano Nabuco, renomado pesquisador da área, defende a prática de atividades que envolvam o exercício do foco, em especial as que envolvam concentração. Além disso, evitar atividades multitarefas, que fragmentam a atenção necessária, podem auxiliar no processo de retomada cognitiva.5

O dr James Williams tem razão quando diz que “Se quisermos fazer algo importante em qualquer domínio – em qualquer contexto da vida –, precisamos ser capazes de dar atenção às coisas certas.”3 Quando vivemos focados no que não é importante, estamos constantemente desconectados do que é essencial e vital. Mas então o que é verdadeiramente indispensável? Se estamos dia após dia dando mais atenção ao que é irrelevante do que ao que consideramos como necessário, não estamos em uma grande incoerência?

É inegável que sofremos todos uma grande pressão cultural e social que nos conduz inevitavelmente a este estado desfocado. A cultura da multitarefa e da produtividade, a normalização do estar hiper conectado, a força do consumo, o próprio funcionamento dos dispositivos tecnológicos e dos aplicativos somam-se e transformam-se em uma força sutil poderosa. Afinal, quanto mais tempo ficamos conectados, mais alguém está lucrando – e não somos nós mesmos. A nossa atenção é o ouro nesta crise.

O estado de dispersão somado ao excesso de estímulos nos coloca em um estilo de vida estressante, ansioso e acelerado. O resultado? A exaustão, a depressão e a angústia. A boa notícia é que dá para recuperar o foco roubado. É possível utilizar a tecnologia de modo favorável. Tudo começa a partir da tomada de consciência, pois enquanto vivemos alienados somos incapazes de mudar. Depois é preciso assumir que há mesmo um problema. Afinal, negar e seguir a correnteza dos maus hábitos como a maioria faz parece ser menos trabalhoso.

A tecnologia é um excelente instrumento, mas também é sedutora. Potencialmente capaz de nos arrastar para comportamentos destrutivos. Viciantes. Desumanos. De nos deixar em um estilo de vida de caça níqueis, num looping constante em busca de mais e mais moedas de dopamina. Entediados com a realidade do cotidiano e enredados em inúmeras ilusões.

A repetição da gratificação instantânea afeta negativamente nossa capacidade de manter o foco em tarefas importantes. A cada nova notificação, mensagem ou atualização de status, somos tentados a interromper nossas atividades e verificar. Além disso, a abundância praticamente infinita de opções, possibilidades, interesses e novidades nos incita a permanecer conectados àquilo que nos injeta mais dopamina.

Tudo isso é favorecido pelo sentimento de obrigação de estar conectado continuamente à tecnologia. Através da pressão social e da normalização deste mau hábito, parece uma revolução ou até mesmo que não temos o direito de estarmos desconectados. Somado a isso, o fenômeno do FOMO – fear of missing out – aumenta o sentimento de que desconectados do mundo virtual estaremos perdendo muitas coisas interessantes e, consequentemente, ficando para trás.6 

Mas por que não nos fazemos a mesma pergunta quando passamos tempo demais conectados ao virtual? A nossa vida fora das telinhas continua acontecendo, vamos perdendo tempo, momentos, memórias, mas parecemos não nos dar conta de que quando nos conectamos ao virtual de modo passivo e sem objetivo, nos desconectamos da vida concreta.

Quando me conecto a uma coisa, me desconecto de outra. Não há como ter dois focos de atenção. E nem por isso precisamos entrar em uma perspectiva dicotômica e superficial que considera que devemos escolher exclusivamente o mundo virtual ou o mundo concreto. O que precisamos de fato é aprender a andar na corda bamba entre a conexão e a desconexão.

Vivemos em um mundo onde quase todos estão conectados à tecnologia o tempo inteiro. Da forma como nos comportamos parece que tudo com o que nos importamos mudou para o mundo digital e que a vida fora dos dispositivos eletrônicos é agora apenas um apêndice. A área digital cada vez mais se torna o destino para tudo o que fazemos. Inconscientemente estamos nos deixando guiar por uma filosofia e um estilo de vida que acredita que estar conectado virtualmente só apresenta benefícios e que quanto mais conectado, melhor. 

Estamos todos mais ocupados, afinal dá um trabalho enorme administrar tanta conectividade virtual. A consequência é inevitável: estamos todos mais cansados e sobrecarregados. O excesso de informações nos satura e paralisa. Conectados a tantas telas, vivemos desconectados de nós mesmos. Vivemos acelerados, anestesiados, insatisfeitos, infelizes e com sensação de vazio interior.

O que perdemos enquanto nos conectamos virtualmente? Será que não estamos vivendo pelas telas e para as telas?  A conexão virtual será mais saudável se soubermos como sair dela de vez em quando. A verdadeira conexão é colocar a atenção no lugar certo. Precisamos nos reabilitar a viver o momento em sua completude, a estar presente de modo inteiro. 

As TIC`s (tecnologias da informação e comunicação) sem dúvidas nos trouxeram benefícios ímpares. Contudo, o seu uso imoderado e excessivo nos traz consequências maléficas inevitáveis. Talvez nos falte ter mais claro que a tecnologia veio para facilitar as nossas relações sociais e não para substituí-las. E quando nos damos conta disto, percebemos que precisamos voltar a trilhar um caminho mais artesanal.

Por fim, o caminho é encontrar aquilo que é valioso e importante na própria vida, percebendo como a tecnologia pode servir a este fim em vez de atrapalhar. Eliminar as distrações para dar atenção ao que merece e precisa verdadeiramente da nossa atenção. Consumirmo-nos em uma vida significativa. Na simplicidade da vida nos tornamos mais leves e felizes quando compreendemos que a internet, o celular e os aplicativos são ferramentas e não o centro da nossa existência. Elas devem nos servir, sendo utilizadas para o nosso bem e o do próximo. O problema é quando permitimos que as ferramentas se tornem os senhores, nos transformando em seus escravos.

Referências

  1. https://jornal.usp.br/atualidades/tempo-excessivo-nas-redes-virtuais-pode-causar-desestimulos-sociais/[]
  2. https://www.dgabc.com.br/Noticia/3779001/infografico-brasil-e-3-em-ranking-mundial-no-uso-de-redes-sociais[]
  3. Foco Roubado, Johann Hari[][][]
  4. The distracted mind, Larry Rosen[]
  5. https://jornal.usp.br/atualidades/amnesia-digital-e-fruto-do-volume-de-informacao-disponibilizado-pelo-avanco-tecnologico/[]
  6. https://www.conexasaude.com.br/blog/fear-of-missing-out-fomo/[]
Rayhanne Zago

Rayhanne Zago

Psicoterapeuta e escritora. Especialista em Saúde Mental, Dependência de Tecnologia e Abuso Espiritual. Autora do livro ‘A corrupção do bem: quando um grupo católico se comporta como uma seita”.

O que você vai encontrar neste artigo?

Primeiro ato ao acordar, último antes de dormir: estar conectado através da internet. Durante todo o dia – e até durante a noite – diversas são as motivações para buscarmos algum dispositivo eletrônico. Nem todas elas são boas como imaginamos. Quase ninguém se dá conta do uso problemático das novas tecnologias. Estamos submersos nelas – e apenas suspeitamos o quanto estamos sufocados. Redes sociais, streamings, celulares e tablets, relógios tech entre tantos outros fazem parte do dia a dia de boa parte da humanidade. É realmente difícil perceber entre tantas coisas boas quais os malefícios que estamos acumulando diariamente.

Há muitos motivos para gostarmos de nossos celulares, da tecnologia, da internet. Eles trouxeram benefícios e facilidades consideráveis para nós. Acordam-nos na hora programada, tocam nossas músicas favoritas, através deles fotografamos nossos momentos preciosos, temos acesso a conhecimento, pagamos contas evitando aquelas filas enormes, podemos comprar sem sair de casa, informam sobre o trânsito, podemos assistir nossas séries favoritas, fazer chamada de vídeo com quem está longe, entre tantas outras coisas que mostram que a tecnologia é uma ferramenta incrível. 

Mas há algo no uso das novas tecnologias da informação e comunicação (as TICs) que nos condiciona. Alguns exemplos de TICs são celulares, computadores, redes sociais, e-mails, câmeras, televisão, serviços de streaming.  Elas proporcionaram um grande avanço quando falamos de comunicação. Em contrapartida, boa parte das pessoas manifesta sua dificuldade em deixar de olhar os dispositivos eletrônicos, especialmente o celular. A maior parte já tentou fazer um detox digital e, apesar de provar os benefícios do tempo longe das telas, acabou retornando ao lugar de partida. A maioria das pessoas está cansada de sentir que se tornou escrava de seus celulares.

O Brasil ficou em terceiro lugar no ranking de países que mais consumiram redes sociais em 2021. Os dados são de um levantamento divulgado pelas empresas WeAreSocial e Hootsuite e mostram que o brasileiro gastou, em média, cerca de 3 horas e 42 minutos por dia navegando pelas redes sociais.1 Em nosso país, são mais de 150 milhões de usuários de redes sociais. A taxa, pelo total de habitantes, é de 70,3%, um dos maiores dentre todos os países do mundo.2 O vício em tecnologia acaba se desenrolando de forma sutil e sem suspeita. Afinal, é socialmente aceito e estimulado. Está na moda viver hiper conectado ao virtual, ainda que isso implique toda uma sorte de prejuízos concretos. 

Vivemos uma crise de atenção. A crescente incapacidade de focar em uma atividade por muito tempo é uma das reclamações mais recorrentes do mundo contemporâneo. Provavelmente comportamentos assim não devem ser incomuns para você: pular de um aplicativo para o outro, checar inúmeras vezes as notificações, rolar o feed até perder noção do tempo, ter dificuldade em focar em uma tarefa única por mais de meia hora, necessidade de um esforço maior para se concentrar em uma leitura, tentar descansar usando as redes sociais e perceber que ficou ainda mais cansado, ter dificuldade em estar presente nos momentos e em lembrar das coisas, ansiedade para checar o celular, entre outros.

Se estamos focados em alguma coisa e somos interrompidos, leva em média 23 minutos para recuperarmos o foco, segundo um estudo de Michael Posner (Universidade de Oregon).3 Para Larry Rosen, professor da Universidade Estadual da Califórnia e pesquisador da chamada ‘psicologia da tecnologia’, a capacidade média de concentração dos participantes de suas pesquisas é de apenas 3 a 5 minutos. Depois disso, eles se distraem, sem conseguir terminar seus estudos ou trabalhos.4 Se ficamos trocando de tarefa nunca passamos tempo o bastante para nos aprofundarmos em nenhuma delas. Outra descoberta interessante é a de que pessoas que não são capazes de ter foco são mais atraídas para soluções autoritárias e simplistas, como informou Johann Hari em seu livro ‘Foco roubado’.3 Talvez não seja à toa a grande multiplicidade de gurus virtuais após a popularização de redes como Instagram, Facebook e Twitter. A crise da atenção acomoda as pessoas em um estado de superficialidade e de alienação de si mesmas, o que é uma brecha propícia para que qualquer figura charlatanista ou minimamente extremista e autoritária seja tomada como uma referência total de sabedoria.

Muitos dizem: O problema não são os celulares, mas como nos relacionamos com eles. Será? Bem, precisamos mesmo levar em conta que parte da responsabilidade é nossa, sim. Mas a verdade é que algumas dessas ferramentas são programadas para cultivar vícios comportamentais, o que torna nossos esforços mais difíceis ainda. Adam Alter, autor do livro “Irresistível, porque você é viciado em tecnologia” afirma que os criadores de aplicativos, especialmente redes sociais e jogos, sabem como provocar e estimular a usar seus produtos não apenas uma vez, mas de novo, e de novo e de novo. Os designers manipulam nossa química cerebral valendo-se de neurociência para isso. Tudo isso está relacionado com a famosa dopamina. Os vícios comportamentais tendem a ser moderados, comparados com as adições químicas, mas esses vícios ainda são bastante prejudiciais à nossa saúde. 

Passamos tanto tempo distraídos nos celulares porque novidades são irresistíveis e estimulantes. Não saber o que vai vir na próxima “rolada” do feed aumenta o desejo de estar ali. Não sabemos lidar com nossas emoções e acabamos nos anestesiando nos hiper estímulos. Odiamos o tédio, a ansiedade e a tristeza, e não nos damos conta (ao menos não totalmente) que quanto mais tempo passamos no celular, mais aumentamos tudo isso em nós. Além disso, queremos ser amados e fazer parte, não queremos nos sentir de fora de algo (seja da família, comunidade, grupo, ciclo de amigos, igreja, etc). Se estamos sempre exaustos, tendemos a procrastinar e a buscar atividades de baixo esforço. Por isso constantemente nos pegamos usando o celular em vez de realizar as atividades do dia a dia. 

Quando falamos sobre uma relação saudável com o celular e a internet, tendemos a partir para uma solução dicotômica e extremista. Parece mais fácil, mas ela não é eficiente nem efetiva.  O detox digital em geral não funciona porque continuamos sem consciência a respeito do uso do celular. Não sabemos como nos sentimos, porque acessamos o celular, em quais momentos, nem desenvolvemos bons hábitos para  suprir o tempo que gastamos na internet. 

Para a reabilitação e atenuação dos efeitos da tecnologia sobre a memória, Cristiano Nabuco, renomado pesquisador da área, defende a prática de atividades que envolvam o exercício do foco, em especial as que envolvam concentração. Além disso, evitar atividades multitarefas, que fragmentam a atenção necessária, podem auxiliar no processo de retomada cognitiva.5

O dr James Williams tem razão quando diz que “Se quisermos fazer algo importante em qualquer domínio – em qualquer contexto da vida –, precisamos ser capazes de dar atenção às coisas certas.”3 Quando vivemos focados no que não é importante, estamos constantemente desconectados do que é essencial e vital. Mas então o que é verdadeiramente indispensável? Se estamos dia após dia dando mais atenção ao que é irrelevante do que ao que consideramos como necessário, não estamos em uma grande incoerência?

É inegável que sofremos todos uma grande pressão cultural e social que nos conduz inevitavelmente a este estado desfocado. A cultura da multitarefa e da produtividade, a normalização do estar hiper conectado, a força do consumo, o próprio funcionamento dos dispositivos tecnológicos e dos aplicativos somam-se e transformam-se em uma força sutil poderosa. Afinal, quanto mais tempo ficamos conectados, mais alguém está lucrando – e não somos nós mesmos. A nossa atenção é o ouro nesta crise.

O estado de dispersão somado ao excesso de estímulos nos coloca em um estilo de vida estressante, ansioso e acelerado. O resultado? A exaustão, a depressão e a angústia. A boa notícia é que dá para recuperar o foco roubado. É possível utilizar a tecnologia de modo favorável. Tudo começa a partir da tomada de consciência, pois enquanto vivemos alienados somos incapazes de mudar. Depois é preciso assumir que há mesmo um problema. Afinal, negar e seguir a correnteza dos maus hábitos como a maioria faz parece ser menos trabalhoso.

A tecnologia é um excelente instrumento, mas também é sedutora. Potencialmente capaz de nos arrastar para comportamentos destrutivos. Viciantes. Desumanos. De nos deixar em um estilo de vida de caça níqueis, num looping constante em busca de mais e mais moedas de dopamina. Entediados com a realidade do cotidiano e enredados em inúmeras ilusões.

A repetição da gratificação instantânea afeta negativamente nossa capacidade de manter o foco em tarefas importantes. A cada nova notificação, mensagem ou atualização de status, somos tentados a interromper nossas atividades e verificar. Além disso, a abundância praticamente infinita de opções, possibilidades, interesses e novidades nos incita a permanecer conectados àquilo que nos injeta mais dopamina.

Tudo isso é favorecido pelo sentimento de obrigação de estar conectado continuamente à tecnologia. Através da pressão social e da normalização deste mau hábito, parece uma revolução ou até mesmo que não temos o direito de estarmos desconectados. Somado a isso, o fenômeno do FOMO – fear of missing out – aumenta o sentimento de que desconectados do mundo virtual estaremos perdendo muitas coisas interessantes e, consequentemente, ficando para trás.6 

Mas por que não nos fazemos a mesma pergunta quando passamos tempo demais conectados ao virtual? A nossa vida fora das telinhas continua acontecendo, vamos perdendo tempo, momentos, memórias, mas parecemos não nos dar conta de que quando nos conectamos ao virtual de modo passivo e sem objetivo, nos desconectamos da vida concreta.

Quando me conecto a uma coisa, me desconecto de outra. Não há como ter dois focos de atenção. E nem por isso precisamos entrar em uma perspectiva dicotômica e superficial que considera que devemos escolher exclusivamente o mundo virtual ou o mundo concreto. O que precisamos de fato é aprender a andar na corda bamba entre a conexão e a desconexão.

Vivemos em um mundo onde quase todos estão conectados à tecnologia o tempo inteiro. Da forma como nos comportamos parece que tudo com o que nos importamos mudou para o mundo digital e que a vida fora dos dispositivos eletrônicos é agora apenas um apêndice. A área digital cada vez mais se torna o destino para tudo o que fazemos. Inconscientemente estamos nos deixando guiar por uma filosofia e um estilo de vida que acredita que estar conectado virtualmente só apresenta benefícios e que quanto mais conectado, melhor. 

Estamos todos mais ocupados, afinal dá um trabalho enorme administrar tanta conectividade virtual. A consequência é inevitável: estamos todos mais cansados e sobrecarregados. O excesso de informações nos satura e paralisa. Conectados a tantas telas, vivemos desconectados de nós mesmos. Vivemos acelerados, anestesiados, insatisfeitos, infelizes e com sensação de vazio interior.

O que perdemos enquanto nos conectamos virtualmente? Será que não estamos vivendo pelas telas e para as telas?  A conexão virtual será mais saudável se soubermos como sair dela de vez em quando. A verdadeira conexão é colocar a atenção no lugar certo. Precisamos nos reabilitar a viver o momento em sua completude, a estar presente de modo inteiro. 

As TIC`s (tecnologias da informação e comunicação) sem dúvidas nos trouxeram benefícios ímpares. Contudo, o seu uso imoderado e excessivo nos traz consequências maléficas inevitáveis. Talvez nos falte ter mais claro que a tecnologia veio para facilitar as nossas relações sociais e não para substituí-las. E quando nos damos conta disto, percebemos que precisamos voltar a trilhar um caminho mais artesanal.

Por fim, o caminho é encontrar aquilo que é valioso e importante na própria vida, percebendo como a tecnologia pode servir a este fim em vez de atrapalhar. Eliminar as distrações para dar atenção ao que merece e precisa verdadeiramente da nossa atenção. Consumirmo-nos em uma vida significativa. Na simplicidade da vida nos tornamos mais leves e felizes quando compreendemos que a internet, o celular e os aplicativos são ferramentas e não o centro da nossa existência. Elas devem nos servir, sendo utilizadas para o nosso bem e o do próximo. O problema é quando permitimos que as ferramentas se tornem os senhores, nos transformando em seus escravos.

Referências

  1. https://jornal.usp.br/atualidades/tempo-excessivo-nas-redes-virtuais-pode-causar-desestimulos-sociais/[]
  2. https://www.dgabc.com.br/Noticia/3779001/infografico-brasil-e-3-em-ranking-mundial-no-uso-de-redes-sociais[]
  3. Foco Roubado, Johann Hari[][][]
  4. The distracted mind, Larry Rosen[]
  5. https://jornal.usp.br/atualidades/amnesia-digital-e-fruto-do-volume-de-informacao-disponibilizado-pelo-avanco-tecnologico/[]
  6. https://www.conexasaude.com.br/blog/fear-of-missing-out-fomo/[]

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