Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu sob a lei mosaica, como narram os Evangelhos: no oitavo dia depois de seu nascimento é circuncidado 1; sobe ao Templo aos doze anos, indicando a devoção de seus pais 2; frequenta a sinagoga aos sábados 3 e vai a Jerusalém três vezes ao ano para celebrar as grandes festas judaicas: Páscoa 4, Tabernáculos 5 e Dedicação 6.
Porém, Nosso Senhor lança a semente de uma liturgia nova, estabelecendo a lei da necessidade da oração 7, os Sete Sacramentos com as suas graças específicas (feito o Batismo em Jo 3,5) e a ceia pascal pela Eucaristia, ao mesmo tempo sacrifício e comunhão.
No Antigo Testamento todo o culto do povo de Israel foi ordenado por lei divina. A Igreja do Novo Testamento devia abranger todos os povos do mundo, tão distantes, tão diferentes em costumes. Um novo culto público tornou-se indispensável.
O Legislador divino criou-o e estatuiu para a nova liturgia, que consiste mormente na Missa e numas poucas leis, encarregando a sua Igreja de alargá-las com cerimônias convenientes, sob a direção do Espírito Santo. As partes essenciais da Missa, a forma essencial dos Sacramentos e a oração do pai-nosso são os elementos da liturgia divina.
Após a Ascensão de Nosso Senhor e, de forma específica, após Pentecostes, iniciaram os Apóstolos a celebrar a Santa Missa, gerando a chamada liturgia cristã primitiva. Ainda que não participassem de certos ritos anteriores, como as oblações e os sacrifícios, os apóstolos também não romperam diretamente com os judeus.
Porém, é interessante que, desde cedo e compreendendo que eram epíscopos (bispos), usaram o seu poder de legislar sobre a liturgia. São Paulo, por exemplo, ordenou que as mulheres fossem de cabeça velada para a reunião dos fiéis. 8
Os primeiros cristãos se encontravam no Dia do Senhor em uma nova sociedade: a Igreja. Renovavam a ceia eucarística, louvavam a Deus e celebravam o ágape fraterno, uma espécie de refeição comunitária na qual cada um levava alimentos a serem divididos entre os irmãos. Por ter havido excessos, como narra São Paulo 9, muito cedo o ágape foi separado da celebração eucarística, caindo em desuso ainda na época apostólica ou pouco tempo depois.
A Ceia Eucarística, em que ocorria a fração do pão, citada pelos Apóstolos 10, era a renovação da ceia pascal de Nosso Senhor. Para tal, era necessário um novo culto, trazendo influências da Antiga Lei (como a pregação da Palavra de Deus durante a celebração e o louvor divino), mas também elementos essenciais próprios do culto cristão: oblação, consagração e comunhão. É tradição da Igreja que na Liturgia há partes instituídas pelos Apóstolos. São Basílio diz que os ritos litúrgicos usados por toda parte e cujo autor é desconhecido provêm deles.
Expulsos da Terra Santa, os cristãos se espalharam por todo o território do Império Romano, tendo escolhido fixar-se nos grandes centros de civilização. Os apóstolos buscavam de preferência cidades importantes: Antioquia, Corinto, Éfeso e Roma. Os seus sucessores fizeram a mesma coisa. Ao redor de suas cidades episcopais, fundaram outras comunidades religiosas, dependentes do centro, pois eram sacerdotes da metrópole que plantavam a nova vinha do Senhor. Pouco a pouco se formou uma liturgia comum a muitos lugares e, finalmente, a uma região inteira.
No princípio, não havia igrejas. Os fiéis se reuniam nas casas de seus membros geralmente mais abastados, dando origem às chamadas casas-igrejas, em geral propriedades particulares de um grande senhor ou matrona.
Os cristãos se colocavam sob a proteção do nome de seus patrícios, muitos dos quais foram martirizados por conta disso. Os nobres romanos tinham em suas casas os túmulos da família. Ao acolherem os cristãos, também lhes deram novos andares para sepultarem os mortos – coemeteria – onde se reuniam para a deposição do irmão e seu nascimento para o Céu – dies natalis.
Em épocas de perseguição aguerrida, os fiéis também se reuniam nas catacumbas, embora muitos historiadores digam que isso ocorria apenas ocasionalmente, em especial durante a celebração do dies natalis do mártir lá enterrado.
Quanto à liturgia em si, havia duas assembleias distintas, como atestam os documentos mais antigos. A primeira modelada na Ceia tinha quatro elementos: oblação, sacrifício, fração do pão e comunhão, interligadas por uma prece de ação de graças.
Esse canto da ação de graças se iniciava com a Criação e se encerrava com as maravilhas da Nova Criação, operadas pelo sacrifício redentor de Nosso Senhor, tendo como centro a narração da ceia pascal. Basicamente, é aquilo que mais tarde, quando consolidado, dará origem às Orações Eucarísticas. Em seguida, rezava-se a Oração Dominical e se comungava. Inicialmente celebrada junto da ágape, após o seu desaparecimento foi unida à Assembleia Catequética.
A segunda era a Assembleia Catequética, oficiada durante a noite, e também chamada de Vigília. Era composta por salmos, hinos, leituras, pregação e oração. Pouco se sabe de sua estrutura formal, mas se imagina que o Hino do Glória, cantado na Santa Missa, originou-se dela. Com o desaparecimento do ágape, ligou-se a Celebração Eucarística como sua preparação, sendo muitas vezes celebrada antes da Eucaristia.
Com o tempo, esse ofício de vigília tomou uma forma fixa, sendo separado da Santa Missa. Ele é hoje o Ofício das Leituras. Dois outros ofícios se ajuntaram à Celebração Eucarística e às Vigílias, um como preparação e outro como ação de graças: Vésperas e Laudes, respectivamente.
Como dia de reunião, os cristãos santificavam a semana, especialmente o domingo, como Dies Domini. A Vigília se iniciava na noite do sábado e culminava na Celebração Eucarística na manhã do domingo, encerrando-se o culto com a oração de louvor matutino, as Laudes.
O calendário litúrgico se desenvolveu em torno da Páscoa. Roma e o resto do mundo celebravam a Páscoa no primeiro domingo após a primeira lua cheia, depois do equinócio de primavera, a 20 de março.
À Páscoa seguiam-se sete semanas, que culminavam na celebração de Pentecostes. Também apareceu o ciclo do Natal e da Epifania, na segunda metade do século III. Igualmente devagar, o calendário da festa dos mártires foi se formando e é celebrado anualmente.
Não sabemos quando se rezou a primeira Santa Missa pelos Apóstolos. Mas é provável que tenha sido no próprio dia de Pentecostes, pois a Missa é a parte essencial do culto da Igreja, e nesse dia ela principiou a desempenhar as funções sagradas.
Santo Tomás diz que celebramos a instituição do Santíssimo Sacramento especialmente naquele tempo em que o Espírito Santo ensinou os corações dos discípulos a conhecer perfeitamente os mistérios deste sacramento. O Cardeal Bona acredita que antes de Pentecostes não se podia propriamente celebrar a Missa, pois não convinha oferecer o novo sacrifício enquanto o sacerdócio ainda não fora transferido.
A Sagrada Escritura concorda ao dizer que os apóstolos, antes da vinda do Espírito Santo, perseveraram unânimes em oração 11, sem mencionar a comunhão do pão. Tendo recebido o Espírito Santo, continuaram na “comunhão da fração do pão” 10, pois então havia missa e comunhão.
O rito é como a linguagem: a forma que um povo encontrou, com o aval da Igreja, para adorar a Deus e reconhecer a sua soberania sobre toda a humanidade. Também é por meio do rito que o homem é santificado, como diz o Apóstolo: Porquanto esta é a vontade de Deus, que vos santifiqueis 12.
No início, havendo uma sociedade basicamente oral, as fórmulas litúrgicas eram improvisadas na Santa Missa, com exceção daquilo que fora de instituição divina. Com o tempo, o improviso deu lugar à regra, e os ministros, conhecedores de cor dos textos, passaram a escrever as orações, a fim de não as perder. As cerimônias se fixaram pelo costume, pouco a pouco as fórmulas se cristalizaram e, a partir das grandes cidades, se irradiaram.
Com o Édito de Milão do Imperador Constantino, em 313, que garantia a liberdade de culto aos cristãos, iniciou-se um processo de aprimoramento da suntuosidade e da complexidade dos ritos, o que se acelerou quando Teodósio tornou o cristianismo a religião oficial do Império.
A divisão do Império Romano em duas metades, em 395, acabou por criar dois grandes centros de atração, Roma e Constantinopla, e, de certa forma, duas culturas religiosas bastante distintas. As metrópoles deram origem a ritos que foram adaptados nas províncias. Havia duas famílias rituais básicas: a oriental, com os ritos siríaco, alexandrino e bizantino, e a Ocidental, com os ritos galicano, moçárabe e romano.
A liturgia siríaca já aparece nos mais antigos documentos da Igreja, enquanto a antioquina será a base das liturgias bizantinas, sem dúvida obra do primeiro bispo de Jerusalém. Da mesma região da Síria nasce a chamada liturgia persa dos santos Addai e Mari, ainda hoje celebrada pela Igreja Católica Caldeia.
Se o modelo das liturgias orientais foi a antiga liturgia de São Tiago, de forma geral, aquela que entendemos como oriental por excelência é a bizantina. O seu centro impulsionador foi Constantinopla, que rapidamente tomou consciência de seu papel como cidade imperial.
A presença da corte, com seu cerimonial solene, conduziu a igreja de Constantinopla a criar uma liturgia independente e de grande esplendor e majestade, pela assimilação e elaboração de elementos cerimoniais da corte e das observâncias litúrgicas dos grandes centros de então: Cesareia na Capadócia, Antioquia e Jerusalém.
A liturgia bizantina é composta de três grandes ritos: a liturgia de São Basílio, a de São João Crisóstomo e uma missa dos pré-santificados, espécie do que hoje seria a Celebração da Palavra, atribuída a São Gregório Magno.
Da Capadócia veio a mais antiga liturgia eucarística, a de São Basílio, mais extensa, com elementos salmódicos e alguns outros em comum com a antiga liturgia armênia. A Influência de Antioquia, o grande centro do cristianismo sírio e palestino, foi reforçada pelos bispos que vieram desse distrito, como Nectário de Tarso (381–397) e São João Crisóstomo (398–407).
Os elementos da tradição antioquina na estrutura do Ofício e dos Sacramentos, além da adoção da anáfora, atribuída a São João Crisóstomo, menor e mais antiga, são a razão pela qual os ritos bizantinos são frequentemente considerados um ramo da família antioquina. A contribuição de Jerusalém pode ser notada especialmente na Liturgia das Horas e nos rituais da Semana Santa. A liturgia bizantina tomou sua forma clássica entre os séculos VI e IX na Basílica de Santa Sofia e Mosteiro de Estúdio em Constantinopla. O uso do vernáculo é elemento comum nessa liturgia.
A liturgia armênia parece ser uma versão primitiva do rito bizantino e continua em uso entre os ortodoxos armênios, recebendo uma versão reformada para os armênios católicos após o Concílio Vaticano II. Há diversas outras liturgias orientais que hoje se encontram extintas ou celebradas em pequenos grupos, como a alexandrina, da região do Egito.
A respeito da origem das liturgias ocidentais, escreve o Papa Inocêncio I (419): “É manifesto que ninguém em toda a Itália, Gália, Espanha, África e ilhas adjacentes fundou igrejas, senão as que o Apóstolo Pedro ou seus sucessores estabeleceram como bispos. Daí se segue que estes têm de guardar o que guarda a Igreja romana, da qual, sem dúvida, tiram sua origem”.
O rito romano propriamente dito, no século V, foi celebrado pelo Santo Padre na cidade de Roma, e devagar se irradiou para todo o Ocidente. Em Roma havia quatro basílicas onde o Papa celebrava a Santa Missa. Os fiéis das sete regiões da cidade se encontravam em uma igreja, onde depois de uma oração se dirigiam rezando as ladainhas até a basílica onde se celebrava a Santa Missa.
O Papa saía processionalmente do Palácio em Latrão; ao se aproximar da porta da basílica, o subdiácono dava o sinal ao coro para se iniciar a Santa Missa, com o canto da Antífona de Entrada. Seguia-se o Kýrie, que, com São Gregório Magno, assumiu a tríplice repetição de cada invocação. Em seguida, havia o canto do Gloria, inicialmente restrito à solenidade do Natal e apenas ao Papa.
As três orações do dia – Coleta, Sobre as Oferendas e Pós-comunhão – já existiam. As leituras, inicialmente treze, foram reduzidas a duas. Após a homilia, havia a Prece dos Fiéis. O Cânon, hoje a Oração Eucarística I, era fragmentado em diversas orações. O Pai-Nosso era rezado depois do Cânon. Se, de início, a maior parte dos fiéis comungava, devagar esta prática foi se tornando cada vez mais rara. Naquela época todos os sacerdotes concelebravam a Santa Missa com o Santo Padre.
Com os mosteiros, que se espalhavam pela Europa, e o crescimento do número dos sacerdotes, a concelebração foi caindo em desuso e os altares laterais começaram a abundar. No mesmo espaço litúrgico cada sacerdote celebrava de forma privada, com o auxílio de um único acólito, a Santa Missa. Como complemento à liturgia eucarística, tomava forma o Ofício Divino, oração realizada pelo clero em coro ou sozinho, aperfeiçoada por São Bento.
O calendário litúrgico romano se desenvolveu rapidamente. O Tríduo Sacro é o núcleo do ano litúrgico. O período que o precede é fixado em quarenta dias de jejum; para os catecúmenos é tempo de preparação para o Batismo. No século IV nasceu o Tempo Pascal, com as celebrações da Ascensão e de Pentecostes em grande solenidade. O Natal recebeu também um tempo de preparação. No século VI surgiram as três missas do dia do Natal, e logo a associação de vários santos do Novo Testamento com a oitava natalícia.
Também houve o nascimento de duas grandes celebrações tipicamente romanas e que, infelizmente, ainda que possam ser celebradas, estão basicamente esquecidas: as Quatro Têmporas, associadas à santificação das estações, e as Rogações, em que se reza a Deus pelas diversas necessidades do mundo.
O culto mariano, já presente nas catacumbas, recebeu uma comemoração especial no tempo próximo do Natal, hoje a Festa da Santa Mãe de Deus em 1º de janeiro. Do Oriente surgiram as festas da Purificação, Anunciação, Natividade e Assunção. Com o descobrimento do corpo dos mártires, iniciou-se a celebração de suas memórias. Os Apóstolos e os confessores passaram a ter suas próprias festas. A solenidade de Todos os Santos surgiu para comemorar a dedicação do Panteão a Santa Maria e todos os santos em 1º de novembro.
Enquanto a liturgia romana se desenvolvia na Cidade Eterna, além dos Alpes, na região da Gália, hoje na atual França, surgia a família litúrgica chamada de galicana. Por muito tempo se atribuiu sua origem a São João Evangelista, tendo sido introduzida na região por Santo Irineu no século II. Acredita- se que o centro de irradiação fora a cidade bizantina de Milão, no norte da Itália, a qual ligava Oriente e Ocidente. Um dos grandes bispos que antecederam Santo Ambrósio provinha da Ásia Menor, irradiando de lá para a Gália diversos elementos litúrgicos orientais.
Nas igrejas da Gália e da Espanha havia uma herança litúrgica de tradições procedentes do Oriente e da Itália, mas acima de tudo da África Latina. Com esses materiais litúrgicos, os ritos galicano e moçárabe foram formados. Tentou-se fazer nesses locais algo semelhante ao que havia ocorrido em Roma no século V, a organização de um rito próprio. Foi um período de desenvolvimento das liturgias locais, pois não havia ponto autoridade de centralização.Havia uma luta no Ocidente entre duas tendências que, ao final, se amalgamaram.
Panteão, Roma
A liturgia galicana não se desenvolveu completamente como as liturgias ambrosiana e moçárabe. Ela se assemelha em vários pontos às liturgias orientais, porém, em sua essência, parece com o rito romano. O tempo de esplendor para a liturgia galicana foi o século VI, com Cesário de Arles. Pela primeira vez, surgiu variação de fórmulas, algo não existente nas liturgias orientais. O rito moçárabe seguiu basicamente o mesmo quadro histórico.
Com a aproximação dos reis francos à Igreja de Roma, a partir do século VIII, especialmente com os papas, o rito romano atravessou os Alpes, por obra do imperador Carlos Magno (800–814), amalgamou-se com o rito galicano e, tempos depois, retornou à Cidade Eterna, onde é visto, ainda que com adições, como o verdadeiro rito romano: velas, incenso, a confissão dos pecados… A maior parte dos elementos mais sensíveis e simbólicos da liturgia romana são basicamente de origem galicana.
Com a ascensão das ordens mendicantes no século XIII e sua obra de evangelização entre povos distantes, houve a necessidade de se utilizar um único missal, simples, completo e romano. Escolheu-se aquele usado na corte do Papa. Assim, entre os séculos XIV e XV, basicamente toda a Europa celebrava o rito romano segundo um único missal.
Com a Revolução Protestante, iniciada em 1517, e seus ataques ao dogma da Eucaristia, os papas perceberam a necessidade de se reformar o rito para fazer transparecer de forma clara a verdade eucarística. O Concílio de Trento (1546–1563) iniciou a reforma, consolidada por São Pio V com a reforma do Missal, promulgada em 1570 na bula Quo Primum. Os papas Clemente VIII, Urbano VIII e Leão XIII modificaram o missal. No início do século XX, Bento XV também o fez, e Pio XII reformou a Semana Santa. Depois, São João XXIII simplificou as rubricas. Tudo isso se consolidou nos livros litúrgicos de 1962, a que o Papa Bento XVI chamou de “Forma Extraordinária do Rito Romano”.
Houve algumas versões do rito romano nas ordens religiosas, mas que caíram em desuso ainda antes do Concílio Vaticano II. Por sua vez, o rito moçárabe se manteve ainda bastante romanizado na liturgia bracarense, ou seja, da cidade de Braga, Portugal, hoje pouco celebrada, com uma única grande celebração na Sexta-feira Santa. Há outras variações do rito romano, como o moçárabe, na cidade de Toledo, e o ambrosiano, celebrado em Milão. Ambos foram reformados de acordo com as diretrizes do Concílio Vaticano II.
No século XIX, com o desenvolvimento das Ciências Humanas e, ao mesmo tempo, a necessidade de centralizar-se a liturgia na vida do cristão, surgiu o chamado Movimento Litúrgico, que desembocaria no Concílio Vaticano II (1962–1965), propondo uma reforma do rito romano. A constituição Sacrosanctum Concilium, no número 21, diz: “A Santa Madre Igreja, para permitir ao povo cristão um acesso mais seguro à abundância de graça que a Liturgia contém, deseja fazer uma acurada reforma geral da mesma Liturgia. Na verdade, a Liturgia compõe-se duma parte imutável, de instituição divina, e de partes susceptíveis de modificação, as quais podem e devem variar no decorrer do tempo, se porventura se tiverem introduzido nelas elementos que não correspondam tão bem à natureza íntima da Liturgia ou se tenham tornado menos apropriados”.
Formou-se uma comissão para a reforma do rito romano ainda em 1962, a Consilium ad exsequendam constitutionem de sacra liturgia. Todo o rito passou por uma grande reforma, com o Papa São Paulo VI em 1969, sendo promulgado o novo Missal e o novo calendário em 1969. Essa é a forma cultual que celebramos todos os dias em nossas igrejas, chamada de “Forma Ordinária do Rito Romano” por Bento XVI, tendo sido a última edição do Missal lançada pelo próprio Bento, com algumas emendas e adições àquele de 2002 do Papa São João Paulo II.
Como católicos, enxerguemos a grandeza dos ritos litúrgicos, tal como afirma a Sacrosanctum Concilium: “O sagrado Concílio, guardião fiel da tradição, declara que a Santa Madre Igreja considera iguais em direito e honra todos os ritos legitimamente reconhecidos, quer que se mantenham e sejam por todos os meios promovidos”.
O maior clube de leitores católicos do Brasil.
Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu sob a lei mosaica, como narram os Evangelhos: no oitavo dia depois de seu nascimento é circuncidado 1; sobe ao Templo aos doze anos, indicando a devoção de seus pais 2; frequenta a sinagoga aos sábados 3 e vai a Jerusalém três vezes ao ano para celebrar as grandes festas judaicas: Páscoa 4, Tabernáculos 5 e Dedicação 6.
Porém, Nosso Senhor lança a semente de uma liturgia nova, estabelecendo a lei da necessidade da oração 7, os Sete Sacramentos com as suas graças específicas (feito o Batismo em Jo 3,5) e a ceia pascal pela Eucaristia, ao mesmo tempo sacrifício e comunhão.
No Antigo Testamento todo o culto do povo de Israel foi ordenado por lei divina. A Igreja do Novo Testamento devia abranger todos os povos do mundo, tão distantes, tão diferentes em costumes. Um novo culto público tornou-se indispensável.
O Legislador divino criou-o e estatuiu para a nova liturgia, que consiste mormente na Missa e numas poucas leis, encarregando a sua Igreja de alargá-las com cerimônias convenientes, sob a direção do Espírito Santo. As partes essenciais da Missa, a forma essencial dos Sacramentos e a oração do pai-nosso são os elementos da liturgia divina.
Após a Ascensão de Nosso Senhor e, de forma específica, após Pentecostes, iniciaram os Apóstolos a celebrar a Santa Missa, gerando a chamada liturgia cristã primitiva. Ainda que não participassem de certos ritos anteriores, como as oblações e os sacrifícios, os apóstolos também não romperam diretamente com os judeus.
Porém, é interessante que, desde cedo e compreendendo que eram epíscopos (bispos), usaram o seu poder de legislar sobre a liturgia. São Paulo, por exemplo, ordenou que as mulheres fossem de cabeça velada para a reunião dos fiéis. 8
Os primeiros cristãos se encontravam no Dia do Senhor em uma nova sociedade: a Igreja. Renovavam a ceia eucarística, louvavam a Deus e celebravam o ágape fraterno, uma espécie de refeição comunitária na qual cada um levava alimentos a serem divididos entre os irmãos. Por ter havido excessos, como narra São Paulo 9, muito cedo o ágape foi separado da celebração eucarística, caindo em desuso ainda na época apostólica ou pouco tempo depois.
A Ceia Eucarística, em que ocorria a fração do pão, citada pelos Apóstolos 10, era a renovação da ceia pascal de Nosso Senhor. Para tal, era necessário um novo culto, trazendo influências da Antiga Lei (como a pregação da Palavra de Deus durante a celebração e o louvor divino), mas também elementos essenciais próprios do culto cristão: oblação, consagração e comunhão. É tradição da Igreja que na Liturgia há partes instituídas pelos Apóstolos. São Basílio diz que os ritos litúrgicos usados por toda parte e cujo autor é desconhecido provêm deles.
Expulsos da Terra Santa, os cristãos se espalharam por todo o território do Império Romano, tendo escolhido fixar-se nos grandes centros de civilização. Os apóstolos buscavam de preferência cidades importantes: Antioquia, Corinto, Éfeso e Roma. Os seus sucessores fizeram a mesma coisa. Ao redor de suas cidades episcopais, fundaram outras comunidades religiosas, dependentes do centro, pois eram sacerdotes da metrópole que plantavam a nova vinha do Senhor. Pouco a pouco se formou uma liturgia comum a muitos lugares e, finalmente, a uma região inteira.
No princípio, não havia igrejas. Os fiéis se reuniam nas casas de seus membros geralmente mais abastados, dando origem às chamadas casas-igrejas, em geral propriedades particulares de um grande senhor ou matrona.
Os cristãos se colocavam sob a proteção do nome de seus patrícios, muitos dos quais foram martirizados por conta disso. Os nobres romanos tinham em suas casas os túmulos da família. Ao acolherem os cristãos, também lhes deram novos andares para sepultarem os mortos – coemeteria – onde se reuniam para a deposição do irmão e seu nascimento para o Céu – dies natalis.
Em épocas de perseguição aguerrida, os fiéis também se reuniam nas catacumbas, embora muitos historiadores digam que isso ocorria apenas ocasionalmente, em especial durante a celebração do dies natalis do mártir lá enterrado.
Quanto à liturgia em si, havia duas assembleias distintas, como atestam os documentos mais antigos. A primeira modelada na Ceia tinha quatro elementos: oblação, sacrifício, fração do pão e comunhão, interligadas por uma prece de ação de graças.
Esse canto da ação de graças se iniciava com a Criação e se encerrava com as maravilhas da Nova Criação, operadas pelo sacrifício redentor de Nosso Senhor, tendo como centro a narração da ceia pascal. Basicamente, é aquilo que mais tarde, quando consolidado, dará origem às Orações Eucarísticas. Em seguida, rezava-se a Oração Dominical e se comungava. Inicialmente celebrada junto da ágape, após o seu desaparecimento foi unida à Assembleia Catequética.
A segunda era a Assembleia Catequética, oficiada durante a noite, e também chamada de Vigília. Era composta por salmos, hinos, leituras, pregação e oração. Pouco se sabe de sua estrutura formal, mas se imagina que o Hino do Glória, cantado na Santa Missa, originou-se dela. Com o desaparecimento do ágape, ligou-se a Celebração Eucarística como sua preparação, sendo muitas vezes celebrada antes da Eucaristia.
Com o tempo, esse ofício de vigília tomou uma forma fixa, sendo separado da Santa Missa. Ele é hoje o Ofício das Leituras. Dois outros ofícios se ajuntaram à Celebração Eucarística e às Vigílias, um como preparação e outro como ação de graças: Vésperas e Laudes, respectivamente.
Como dia de reunião, os cristãos santificavam a semana, especialmente o domingo, como Dies Domini. A Vigília se iniciava na noite do sábado e culminava na Celebração Eucarística na manhã do domingo, encerrando-se o culto com a oração de louvor matutino, as Laudes.
O calendário litúrgico se desenvolveu em torno da Páscoa. Roma e o resto do mundo celebravam a Páscoa no primeiro domingo após a primeira lua cheia, depois do equinócio de primavera, a 20 de março.
À Páscoa seguiam-se sete semanas, que culminavam na celebração de Pentecostes. Também apareceu o ciclo do Natal e da Epifania, na segunda metade do século III. Igualmente devagar, o calendário da festa dos mártires foi se formando e é celebrado anualmente.
Não sabemos quando se rezou a primeira Santa Missa pelos Apóstolos. Mas é provável que tenha sido no próprio dia de Pentecostes, pois a Missa é a parte essencial do culto da Igreja, e nesse dia ela principiou a desempenhar as funções sagradas.
Santo Tomás diz que celebramos a instituição do Santíssimo Sacramento especialmente naquele tempo em que o Espírito Santo ensinou os corações dos discípulos a conhecer perfeitamente os mistérios deste sacramento. O Cardeal Bona acredita que antes de Pentecostes não se podia propriamente celebrar a Missa, pois não convinha oferecer o novo sacrifício enquanto o sacerdócio ainda não fora transferido.
A Sagrada Escritura concorda ao dizer que os apóstolos, antes da vinda do Espírito Santo, perseveraram unânimes em oração 11, sem mencionar a comunhão do pão. Tendo recebido o Espírito Santo, continuaram na “comunhão da fração do pão” 10, pois então havia missa e comunhão.
O rito é como a linguagem: a forma que um povo encontrou, com o aval da Igreja, para adorar a Deus e reconhecer a sua soberania sobre toda a humanidade. Também é por meio do rito que o homem é santificado, como diz o Apóstolo: Porquanto esta é a vontade de Deus, que vos santifiqueis 12.
No início, havendo uma sociedade basicamente oral, as fórmulas litúrgicas eram improvisadas na Santa Missa, com exceção daquilo que fora de instituição divina. Com o tempo, o improviso deu lugar à regra, e os ministros, conhecedores de cor dos textos, passaram a escrever as orações, a fim de não as perder. As cerimônias se fixaram pelo costume, pouco a pouco as fórmulas se cristalizaram e, a partir das grandes cidades, se irradiaram.
Com o Édito de Milão do Imperador Constantino, em 313, que garantia a liberdade de culto aos cristãos, iniciou-se um processo de aprimoramento da suntuosidade e da complexidade dos ritos, o que se acelerou quando Teodósio tornou o cristianismo a religião oficial do Império.
A divisão do Império Romano em duas metades, em 395, acabou por criar dois grandes centros de atração, Roma e Constantinopla, e, de certa forma, duas culturas religiosas bastante distintas. As metrópoles deram origem a ritos que foram adaptados nas províncias. Havia duas famílias rituais básicas: a oriental, com os ritos siríaco, alexandrino e bizantino, e a Ocidental, com os ritos galicano, moçárabe e romano.
A liturgia siríaca já aparece nos mais antigos documentos da Igreja, enquanto a antioquina será a base das liturgias bizantinas, sem dúvida obra do primeiro bispo de Jerusalém. Da mesma região da Síria nasce a chamada liturgia persa dos santos Addai e Mari, ainda hoje celebrada pela Igreja Católica Caldeia.
Se o modelo das liturgias orientais foi a antiga liturgia de São Tiago, de forma geral, aquela que entendemos como oriental por excelência é a bizantina. O seu centro impulsionador foi Constantinopla, que rapidamente tomou consciência de seu papel como cidade imperial.
A presença da corte, com seu cerimonial solene, conduziu a igreja de Constantinopla a criar uma liturgia independente e de grande esplendor e majestade, pela assimilação e elaboração de elementos cerimoniais da corte e das observâncias litúrgicas dos grandes centros de então: Cesareia na Capadócia, Antioquia e Jerusalém.
A liturgia bizantina é composta de três grandes ritos: a liturgia de São Basílio, a de São João Crisóstomo e uma missa dos pré-santificados, espécie do que hoje seria a Celebração da Palavra, atribuída a São Gregório Magno.
Da Capadócia veio a mais antiga liturgia eucarística, a de São Basílio, mais extensa, com elementos salmódicos e alguns outros em comum com a antiga liturgia armênia. A Influência de Antioquia, o grande centro do cristianismo sírio e palestino, foi reforçada pelos bispos que vieram desse distrito, como Nectário de Tarso (381–397) e São João Crisóstomo (398–407).
Os elementos da tradição antioquina na estrutura do Ofício e dos Sacramentos, além da adoção da anáfora, atribuída a São João Crisóstomo, menor e mais antiga, são a razão pela qual os ritos bizantinos são frequentemente considerados um ramo da família antioquina. A contribuição de Jerusalém pode ser notada especialmente na Liturgia das Horas e nos rituais da Semana Santa. A liturgia bizantina tomou sua forma clássica entre os séculos VI e IX na Basílica de Santa Sofia e Mosteiro de Estúdio em Constantinopla. O uso do vernáculo é elemento comum nessa liturgia.
A liturgia armênia parece ser uma versão primitiva do rito bizantino e continua em uso entre os ortodoxos armênios, recebendo uma versão reformada para os armênios católicos após o Concílio Vaticano II. Há diversas outras liturgias orientais que hoje se encontram extintas ou celebradas em pequenos grupos, como a alexandrina, da região do Egito.
A respeito da origem das liturgias ocidentais, escreve o Papa Inocêncio I (419): “É manifesto que ninguém em toda a Itália, Gália, Espanha, África e ilhas adjacentes fundou igrejas, senão as que o Apóstolo Pedro ou seus sucessores estabeleceram como bispos. Daí se segue que estes têm de guardar o que guarda a Igreja romana, da qual, sem dúvida, tiram sua origem”.
O rito romano propriamente dito, no século V, foi celebrado pelo Santo Padre na cidade de Roma, e devagar se irradiou para todo o Ocidente. Em Roma havia quatro basílicas onde o Papa celebrava a Santa Missa. Os fiéis das sete regiões da cidade se encontravam em uma igreja, onde depois de uma oração se dirigiam rezando as ladainhas até a basílica onde se celebrava a Santa Missa.
O Papa saía processionalmente do Palácio em Latrão; ao se aproximar da porta da basílica, o subdiácono dava o sinal ao coro para se iniciar a Santa Missa, com o canto da Antífona de Entrada. Seguia-se o Kýrie, que, com São Gregório Magno, assumiu a tríplice repetição de cada invocação. Em seguida, havia o canto do Gloria, inicialmente restrito à solenidade do Natal e apenas ao Papa.
As três orações do dia – Coleta, Sobre as Oferendas e Pós-comunhão – já existiam. As leituras, inicialmente treze, foram reduzidas a duas. Após a homilia, havia a Prece dos Fiéis. O Cânon, hoje a Oração Eucarística I, era fragmentado em diversas orações. O Pai-Nosso era rezado depois do Cânon. Se, de início, a maior parte dos fiéis comungava, devagar esta prática foi se tornando cada vez mais rara. Naquela época todos os sacerdotes concelebravam a Santa Missa com o Santo Padre.
Com os mosteiros, que se espalhavam pela Europa, e o crescimento do número dos sacerdotes, a concelebração foi caindo em desuso e os altares laterais começaram a abundar. No mesmo espaço litúrgico cada sacerdote celebrava de forma privada, com o auxílio de um único acólito, a Santa Missa. Como complemento à liturgia eucarística, tomava forma o Ofício Divino, oração realizada pelo clero em coro ou sozinho, aperfeiçoada por São Bento.
O calendário litúrgico romano se desenvolveu rapidamente. O Tríduo Sacro é o núcleo do ano litúrgico. O período que o precede é fixado em quarenta dias de jejum; para os catecúmenos é tempo de preparação para o Batismo. No século IV nasceu o Tempo Pascal, com as celebrações da Ascensão e de Pentecostes em grande solenidade. O Natal recebeu também um tempo de preparação. No século VI surgiram as três missas do dia do Natal, e logo a associação de vários santos do Novo Testamento com a oitava natalícia.
Também houve o nascimento de duas grandes celebrações tipicamente romanas e que, infelizmente, ainda que possam ser celebradas, estão basicamente esquecidas: as Quatro Têmporas, associadas à santificação das estações, e as Rogações, em que se reza a Deus pelas diversas necessidades do mundo.
O culto mariano, já presente nas catacumbas, recebeu uma comemoração especial no tempo próximo do Natal, hoje a Festa da Santa Mãe de Deus em 1º de janeiro. Do Oriente surgiram as festas da Purificação, Anunciação, Natividade e Assunção. Com o descobrimento do corpo dos mártires, iniciou-se a celebração de suas memórias. Os Apóstolos e os confessores passaram a ter suas próprias festas. A solenidade de Todos os Santos surgiu para comemorar a dedicação do Panteão a Santa Maria e todos os santos em 1º de novembro.
Enquanto a liturgia romana se desenvolvia na Cidade Eterna, além dos Alpes, na região da Gália, hoje na atual França, surgia a família litúrgica chamada de galicana. Por muito tempo se atribuiu sua origem a São João Evangelista, tendo sido introduzida na região por Santo Irineu no século II. Acredita- se que o centro de irradiação fora a cidade bizantina de Milão, no norte da Itália, a qual ligava Oriente e Ocidente. Um dos grandes bispos que antecederam Santo Ambrósio provinha da Ásia Menor, irradiando de lá para a Gália diversos elementos litúrgicos orientais.
Nas igrejas da Gália e da Espanha havia uma herança litúrgica de tradições procedentes do Oriente e da Itália, mas acima de tudo da África Latina. Com esses materiais litúrgicos, os ritos galicano e moçárabe foram formados. Tentou-se fazer nesses locais algo semelhante ao que havia ocorrido em Roma no século V, a organização de um rito próprio. Foi um período de desenvolvimento das liturgias locais, pois não havia ponto autoridade de centralização.Havia uma luta no Ocidente entre duas tendências que, ao final, se amalgamaram.
Panteão, Roma
A liturgia galicana não se desenvolveu completamente como as liturgias ambrosiana e moçárabe. Ela se assemelha em vários pontos às liturgias orientais, porém, em sua essência, parece com o rito romano. O tempo de esplendor para a liturgia galicana foi o século VI, com Cesário de Arles. Pela primeira vez, surgiu variação de fórmulas, algo não existente nas liturgias orientais. O rito moçárabe seguiu basicamente o mesmo quadro histórico.
Com a aproximação dos reis francos à Igreja de Roma, a partir do século VIII, especialmente com os papas, o rito romano atravessou os Alpes, por obra do imperador Carlos Magno (800–814), amalgamou-se com o rito galicano e, tempos depois, retornou à Cidade Eterna, onde é visto, ainda que com adições, como o verdadeiro rito romano: velas, incenso, a confissão dos pecados… A maior parte dos elementos mais sensíveis e simbólicos da liturgia romana são basicamente de origem galicana.
Com a ascensão das ordens mendicantes no século XIII e sua obra de evangelização entre povos distantes, houve a necessidade de se utilizar um único missal, simples, completo e romano. Escolheu-se aquele usado na corte do Papa. Assim, entre os séculos XIV e XV, basicamente toda a Europa celebrava o rito romano segundo um único missal.
Com a Revolução Protestante, iniciada em 1517, e seus ataques ao dogma da Eucaristia, os papas perceberam a necessidade de se reformar o rito para fazer transparecer de forma clara a verdade eucarística. O Concílio de Trento (1546–1563) iniciou a reforma, consolidada por São Pio V com a reforma do Missal, promulgada em 1570 na bula Quo Primum. Os papas Clemente VIII, Urbano VIII e Leão XIII modificaram o missal. No início do século XX, Bento XV também o fez, e Pio XII reformou a Semana Santa. Depois, São João XXIII simplificou as rubricas. Tudo isso se consolidou nos livros litúrgicos de 1962, a que o Papa Bento XVI chamou de “Forma Extraordinária do Rito Romano”.
Houve algumas versões do rito romano nas ordens religiosas, mas que caíram em desuso ainda antes do Concílio Vaticano II. Por sua vez, o rito moçárabe se manteve ainda bastante romanizado na liturgia bracarense, ou seja, da cidade de Braga, Portugal, hoje pouco celebrada, com uma única grande celebração na Sexta-feira Santa. Há outras variações do rito romano, como o moçárabe, na cidade de Toledo, e o ambrosiano, celebrado em Milão. Ambos foram reformados de acordo com as diretrizes do Concílio Vaticano II.
No século XIX, com o desenvolvimento das Ciências Humanas e, ao mesmo tempo, a necessidade de centralizar-se a liturgia na vida do cristão, surgiu o chamado Movimento Litúrgico, que desembocaria no Concílio Vaticano II (1962–1965), propondo uma reforma do rito romano. A constituição Sacrosanctum Concilium, no número 21, diz: “A Santa Madre Igreja, para permitir ao povo cristão um acesso mais seguro à abundância de graça que a Liturgia contém, deseja fazer uma acurada reforma geral da mesma Liturgia. Na verdade, a Liturgia compõe-se duma parte imutável, de instituição divina, e de partes susceptíveis de modificação, as quais podem e devem variar no decorrer do tempo, se porventura se tiverem introduzido nelas elementos que não correspondam tão bem à natureza íntima da Liturgia ou se tenham tornado menos apropriados”.
Formou-se uma comissão para a reforma do rito romano ainda em 1962, a Consilium ad exsequendam constitutionem de sacra liturgia. Todo o rito passou por uma grande reforma, com o Papa São Paulo VI em 1969, sendo promulgado o novo Missal e o novo calendário em 1969. Essa é a forma cultual que celebramos todos os dias em nossas igrejas, chamada de “Forma Ordinária do Rito Romano” por Bento XVI, tendo sido a última edição do Missal lançada pelo próprio Bento, com algumas emendas e adições àquele de 2002 do Papa São João Paulo II.
Como católicos, enxerguemos a grandeza dos ritos litúrgicos, tal como afirma a Sacrosanctum Concilium: “O sagrado Concílio, guardião fiel da tradição, declara que a Santa Madre Igreja considera iguais em direito e honra todos os ritos legitimamente reconhecidos, quer que se mantenham e sejam por todos os meios promovidos”.