“Nenhum grande planejador nem fazedor de promessas, mas quem é fiel nas menores coisas: essa é a pessoa que produz o que é bom e duradouro.”
Goethe
Um dos sinais mais graves — e, ao mesmo tempo, menos reconhecidos — do declínio civilizacional moderno é o abandono do uso do ornamento. Todas as culturas e civilizações que precedem a modernidade, das mais complexas e multiculturais até as mais simplórias e fortuitas, sempre apresentaram diferentes estilos ornamentativos em suas expressões plásticas.
É somente na modernidade que surge sua negação como recurso estético. Um dos mandamentos da cultura moderna é a submissão das formas às suas funções mais utilitaristas, excluindo o enfeite e o embelezamento da equação criativa. É impossível que essa forma de expressão tão fundamental e humana seja varrida do horizonte cultural sem deixar consequências em nossa autocompreensão e identidade humana.
A discussão a respeito do sumiço dos ornamentos — e o concomitante desenvolvimento do estilo modernista — pode parecer de uma especificidade enfadonha, considerando que o modernismo se consolidou como estilo universal e todos os estilos clássicos são hoje ignorados na arte, na arquitetura e na cultura.
Porém, foi no detalhe que Aquiles perdeu a batalha ao expor seu calcanhar, assim como foi no detalhe que Davi venceu Golias ao mirar uma pedra no local de fraqueza do gigante. É no detalhe que encontramos a manifestação de nossas mazelas, bem como a possibilidade de suas soluções.
O ditado alemão diz que “o diabo está nos detalhes”. Podemos corrigir, afirmando que Deus e o diabo estão nos detalhes, porque a disputa pelo mundo e pelo coração dos homens encontra-se manifestada em cada fenômeno da arte, da cultura e do pensamento humano.
A negação do ornamento tem um início perfeitamente rastreável. Em 1910, o arquiteto vienense Adolf Loos começou um círculo de palestras intitulado “Ornamento e Crime”. Em seu discurso, ele defendia a abolição do uso do ornamento e acusava esse recurso estético como sinal de decadência cultural e fraqueza espiritual. Esse é um marco na ruptura com o estilo clássico e uma pedra basilar na construção do edifício ideológico modernista.
A radicalização no uso de formas abstratas e “puras” nas expressões plásticas da arquitetura e das artes leva a um aniquilamento da expressão da cultura humana. O uso do ornamento é uma das principais marcas de distinção de expressão entre os povos. As expressões folclóricas são sempre ricamente ornamentadas e, através desses diferentes estilos, podemos entender as características de cada cultura.
A riqueza em suas formas e cores sinaliza os diferentes traços de uma cultura. Na gaúcha, por exemplo, temos a apropriação das ornamentações geométricas das tribos guarani na mesma medida em que há expressões oriundas da cultura espanhola e portuguesa. É justamente a união da cultura indígena, espanhola e portuguesa que marca a identidade cultural gaúcha.
O radicalismo modernista acabou por gerar o hoje famigerado estilo universal. Esse nome procura designar um estilo que poderia ser usado em qualquer lugar do mundo, pois não carrega nenhuma identidade cultural própria. Ora, a ausência de identidade cultural é por si própria o fruto de uma cultura específica: neste caso, a cultura do modernismo europeu. Nenhuma outra cultura roga a si mesma a missão de ser universal — simplesmente porque essa é uma contradição em termos que qualquer ser humano de épocas anteriores teria notado.
A Igreja Católica, que é a maior e mais antiga de todas as instituições, também não busca impor uma cultura específica. Pelo contrário: recomenda que as culturas locais sejam infladas pelo espírito cristão, mantendo o máximo possível sua riqueza artística. Ou seja, a tentativa de criar um estilo universal que se sobreponha a outras culturas é o maior ato de tirania cultural jamais visto.
Decepar modos de representação nas artes é decepar modos de pensar o mundo e de imaginar soluções e possibilidades. A extinção do ornamento é sintoma da padronização imposta pelo radicalismo modernista e a subsequente perda do nosso arcabouço de expressões plásticas clássicas. Toda redução em nosso vocabulário poético acarretará em um achatamento nos campos filosóficos e científicos. Uma humanidade incapaz de imaginar diferentes formas é uma humanidade incapaz de compreender as diferentes formas do mundo.
Diretor de arte, fotógrafo, produtor, ensaísta e fundador das empresas Minha Biblioteca Católica e Lumine.
“Nenhum grande planejador nem fazedor de promessas, mas quem é fiel nas menores coisas: essa é a pessoa que produz o que é bom e duradouro.”
Goethe
Um dos sinais mais graves — e, ao mesmo tempo, menos reconhecidos — do declínio civilizacional moderno é o abandono do uso do ornamento. Todas as culturas e civilizações que precedem a modernidade, das mais complexas e multiculturais até as mais simplórias e fortuitas, sempre apresentaram diferentes estilos ornamentativos em suas expressões plásticas.
É somente na modernidade que surge sua negação como recurso estético. Um dos mandamentos da cultura moderna é a submissão das formas às suas funções mais utilitaristas, excluindo o enfeite e o embelezamento da equação criativa. É impossível que essa forma de expressão tão fundamental e humana seja varrida do horizonte cultural sem deixar consequências em nossa autocompreensão e identidade humana.
A discussão a respeito do sumiço dos ornamentos — e o concomitante desenvolvimento do estilo modernista — pode parecer de uma especificidade enfadonha, considerando que o modernismo se consolidou como estilo universal e todos os estilos clássicos são hoje ignorados na arte, na arquitetura e na cultura.
Porém, foi no detalhe que Aquiles perdeu a batalha ao expor seu calcanhar, assim como foi no detalhe que Davi venceu Golias ao mirar uma pedra no local de fraqueza do gigante. É no detalhe que encontramos a manifestação de nossas mazelas, bem como a possibilidade de suas soluções.
O ditado alemão diz que “o diabo está nos detalhes”. Podemos corrigir, afirmando que Deus e o diabo estão nos detalhes, porque a disputa pelo mundo e pelo coração dos homens encontra-se manifestada em cada fenômeno da arte, da cultura e do pensamento humano.
A negação do ornamento tem um início perfeitamente rastreável. Em 1910, o arquiteto vienense Adolf Loos começou um círculo de palestras intitulado “Ornamento e Crime”. Em seu discurso, ele defendia a abolição do uso do ornamento e acusava esse recurso estético como sinal de decadência cultural e fraqueza espiritual. Esse é um marco na ruptura com o estilo clássico e uma pedra basilar na construção do edifício ideológico modernista.
A radicalização no uso de formas abstratas e “puras” nas expressões plásticas da arquitetura e das artes leva a um aniquilamento da expressão da cultura humana. O uso do ornamento é uma das principais marcas de distinção de expressão entre os povos. As expressões folclóricas são sempre ricamente ornamentadas e, através desses diferentes estilos, podemos entender as características de cada cultura.
A riqueza em suas formas e cores sinaliza os diferentes traços de uma cultura. Na gaúcha, por exemplo, temos a apropriação das ornamentações geométricas das tribos guarani na mesma medida em que há expressões oriundas da cultura espanhola e portuguesa. É justamente a união da cultura indígena, espanhola e portuguesa que marca a identidade cultural gaúcha.
O radicalismo modernista acabou por gerar o hoje famigerado estilo universal. Esse nome procura designar um estilo que poderia ser usado em qualquer lugar do mundo, pois não carrega nenhuma identidade cultural própria. Ora, a ausência de identidade cultural é por si própria o fruto de uma cultura específica: neste caso, a cultura do modernismo europeu. Nenhuma outra cultura roga a si mesma a missão de ser universal — simplesmente porque essa é uma contradição em termos que qualquer ser humano de épocas anteriores teria notado.
A Igreja Católica, que é a maior e mais antiga de todas as instituições, também não busca impor uma cultura específica. Pelo contrário: recomenda que as culturas locais sejam infladas pelo espírito cristão, mantendo o máximo possível sua riqueza artística. Ou seja, a tentativa de criar um estilo universal que se sobreponha a outras culturas é o maior ato de tirania cultural jamais visto.
Decepar modos de representação nas artes é decepar modos de pensar o mundo e de imaginar soluções e possibilidades. A extinção do ornamento é sintoma da padronização imposta pelo radicalismo modernista e a subsequente perda do nosso arcabouço de expressões plásticas clássicas. Toda redução em nosso vocabulário poético acarretará em um achatamento nos campos filosóficos e científicos. Uma humanidade incapaz de imaginar diferentes formas é uma humanidade incapaz de compreender as diferentes formas do mundo.