Se Deus é o Criador de todas as coisas, então quem criou Deus? Neste artigo, entenda essa questão à luz da fé e da razão.
Se Deus é o Criador de todas as coisas, então quem criou Deus? Neste artigo, entenda essa questão à luz da fé e da razão.
A pergunta “quem criou Deus?” parece natural, porque tudo o que conhecemos tem um começo e uma causa. Mas será que essa pergunta faz sentido? Ou revela uma limitação do nosso modo de pensar?
Para responder corretamente, precisamos olhar além da nossa experiência limitada pelo tempo e pela mudança. A fé e a filosofia nos mostram que Deus não é uma criatura entre outras, mas o Ser eterno e necessário. Entender isso transforma completamente a maneira como enxergamos a origem de tudo.
Essa é uma das perguntas mais intrigantes e recorrentes da filosofia, da teologia e da ciência: se Deus criou todas as coisas, quem criou Deus? À primeira vista, parece um questionamento lógico, mas para respondê-lo corretamente, é preciso revisar conceitos fundamentais sobre tempo, causalidade e a própria natureza de Deus.
Trata-se de um questionamento que emerge de uma limitação da experiência humana: tudo o que conhecemos tem um início, um fim e uma causa. Por isso, o conceito de um Ser eterno, sem começo nem fim, desafia nossa compreensão. A própria linguagem humana é inadequada para expressar plenamente a realidade divina, como já alertava Santo Agostinho: “Se compreendeste, não é Deus” 1.
Esse tipo de pergunta também aparece em muitos debates entre crentes e ateus. É comum que seja usada como uma objeção à ideia de um Deus criador. Mas como veremos, ela parte de uma compreensão equivocada da natureza divina.
Nosso modo de existir está preso à sequência de eventos: passado, presente e futuro. Isso significa que tudo o que acontece em nossa experiência está submetido ao tempo, e cada coisa tem um antes e um depois.
O tempo é, portanto, uma dimensão criada. Ele mede a mudança, a sucessão de eventos. Mas Deus não muda, não se move, não tem sucessão. Ele é eterno. Como observa Boécio, “a eternidade é a posse total, simultânea e perfeita da vida sem fim” 2. Deus, portanto, não “vive no tempo”, mas está além dele, contemplando tudo com um único e eterno olhar.
Outro aspecto da nossa experiência é a causalidade: tudo o que existe parece ter vindo de algo anterior. Nada surge do nada. Um filho vem de pais, um livro é escrito por um autor, uma casa é construída por um pedreiro. Estamos acostumados a ver efeitos que têm causas anteriores.
Essa constatação é tão evidente que serve de base para a ciência: observamos o mundo, buscamos entender suas causas, estabelecemos leis. E também para a filosofia: Aristóteles, por exemplo, afirmava que tudo o que se move é movido por algo. Por isso, ao falarmos de Deus, devemos considerar se Ele está sujeito a essa mesma regra.
Mas essa regra — de que tudo precisa de uma causa — só se aplica a coisas que “começam a existir”. Se algo não teve começo, não precisa de uma causa. E essa é precisamente a definição de Deus.
Perguntar “quem criou Deus?” é cometer um erro categórico. É como perguntar “o que há ao norte do Polo Norte?”. Não faz sentido, pois o Polo Norte já é o limite superior.
A própria pergunta já parte de um mal-entendido: ela pressupõe que Deus está dentro da realidade criada e, portanto, também precisaria ter vindo de algo. Mas Deus não faz parte da criação. Ele é o Criador.
Como explica C. S. Lewis, em “Cristianismo Puro e Simples”, Deus é como o autor de uma história. Ele não está dentro do tempo da narrativa. Ele é a fonte dela. O erro da pergunta está em confundir Criador com criatura.
Deus não está dentro do universo criado. Ele é o Criador, e como tal, não pertence à categoria das criaturas. Ele transcende o tempo, o espaço e a matéria.
Toda criatura começa a existir. Mas Deus não começou. Ele é, por definição, eterno. O Catecismo da Igreja Católica ensina que “Deus é, desde sempre, eterno: não tem princípio nem fim” 3. Ele é a fonte de toda a existência — e não um ser dentro da existência que precisa ser explicado por outra coisa.
Se Deus tivesse sido criado, Ele não seria Deus. Seria uma criatura. A própria definição de Deus exige que Ele seja o Ser necessário, eterno, incriado.
Enquanto nós somos seres contingentes — ou seja, que poderiam não existir —, Deus é o único Ser Necessário. Isso significa que Ele existe por Si mesmo, desde sempre, sem depender de nenhuma outra realidade. Ele não foi causado, não foi criado e não surgiu: Ele simplesmente é.
Essa ideia já estava presente na filosofia antiga. Aristóteles falava do “motor imóvel”: algo que dá início ao movimento do universo sem ser movido por nada. Santo Tomás de Aquino, retomando esse conceito, afirma que “é impossível que tudo que existe tenha sua causa em outro ser; deve haver uma causa primeira, e essa todos chamam de Deus” 4.
Deus é o único ser com “aceidade” — termo filosófico que significa que Ele é a própria causa do seu ser. Em outras palavras, Deus não depende de nada fora d’Ele para existir. Ele é o “Eu sou aquele que sou” 5, como Ele mesmo revelou a Moisés.
Essa autossuficiência absoluta distingue Deus de tudo o mais. Toda criatura tem uma origem, uma dependência. Deus não. Ele é, como ensina o Catecismo, “a plenitude do ser e de toda perfeição, sem origem e sem fim” 6.
Imagine uma fileira de peças de dominó. Cada peça que cai faz a próxima cair. Mas para que qualquer uma comece a cair, é necessário que alguém empurre a primeira. Se ninguém tocar a primeira peça, todas permanecerão paradas.
Essa analogia, usada por Santo Tomás, ilustra bem a necessidade de uma Causa Primeira. O universo está cheio de causas e efeitos, mas essa cadeia não pode ser infinita para trás. Tem que haver um início — um empurrão que não seja, ele mesmo, causado. E esse “empurrão” é Deus.
A Igreja ensina com clareza que Deus pode ser conhecido pela razão natural. O Concílio Vaticano I declara: “Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pelo lume natural da razão humana, a partir das coisas criadas” 7.
Isso significa que mesmo sem a fé, um ser humano pode chegar, com honestidade intelectual, à conclusão de que Deus existe e que Ele é incriado. A fé, por sua vez, confirma e aprofunda esse conhecimento, revelando que esse Deus é também Pai, amor e misericórdia.
A filosofia começa muitas vezes com as coisas mais simples. E um dos primeiros passos é admitir: algo existe. Você existe, este texto existe. Isso significa que o nada absoluto nunca existiu, porque o nada não pode gerar o ser.
Essa é uma das reflexões fundamentais da metafísica: se alguma coisa existe, então sempre houve algo que existisse. Porque, se em algum momento só existisse o nada, esse nada permaneceria para sempre. O nada não pode produzir coisa alguma, nem mesmo a si próprio. Portanto, precisa haver um Ser que exista por Si, desde sempre. A isso chamamos Deus.
Como afirma o filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos: “Algo existe. Eis o ponto de partida. Negar isso seria já afirmar alguma coisa. Esse algo existe. Se existe alguma coisa, então o nada absoluto jamais existiu”. Essa constatação, aparentemente simples, tem consequências profundas para a nossa visão do mundo.
Esse Ser eterno, que nunca começou e nunca deixará de existir, é o que os filósofos e teólogos chamam de Deus. Ele é simples (isto é, não composto de partes), imutável (não muda), necessário (não pode não existir) e infinito (não tem limites).
Ele é Aquele em quem ser e existir são a mesma coisa. Deus não apenas “está sendo”; Ele É. Essa ideia está presente de modo claro na revelação do Antigo Testamento: “Eu sou aquele que sou” 5.
Na linguagem da tradição cristã, Deus é “ato puro”, expressão usada por Santo Tomás de Aquino para indicar que n’Ele não há nenhuma potencialidade, nenhuma mudança. Ele é plena realidade, plena atualidade, a fonte de todo o ser.
O Evangelho de João inicia com uma das declarações mais profundas da Sagrada Escritura: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Tudo foi feito por meio dele, e sem ele nada foi feito” 8.
Esse texto nos mostra que o Verbo — isto é, o Filho eterno, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade — já existia “no princípio”. Ele não começou a existir, Ele é Deus. E tudo o que foi criado, foi feito por meio d’Ele. Isso reforça o ensinamento de que Deus não foi feito. Se Ele tivesse sido criado, não poderia ter criado todas as coisas.
A fé cristã reconhece, assim, que Deus não apenas é eterno, mas que Ele é ativo, criador, presente. Ele não é uma ideia abstrata, mas o fundamento real e pessoal de tudo o que existe.
Um erro comum é imaginar Deus como se fosse “mais um ser” entre outros — só que mais poderoso, mais inteligente, mais velho. Mas isso é um equívoco. Deus não é um ser entre outros: Ele é o Ser em sua plenitude, a própria Existência.
O apóstolo Paulo, ao falar aos filósofos em Atenas, disse: “Em Deus vivemos, nos movemos e existimos” 9. Isso significa que toda a criação está sustentada por Deus. Ele é o fundamento do ser — a realidade mais profunda que existe.
Portanto, Deus não é um “ser dentro do universo”. Ele está além, mas ao mesmo tempo próximo. Ele sustenta o universo como um autor sustenta sua obra. Se Ele deixasse de querer que o mundo existisse, tudo voltaria ao nada.
Deus não é parte do universo. É o universo que está em Deus. Essa distinção é essencial para evitar erros graves, como o panteísmo (que identifica Deus com o universo). Deus é infinitamente maior do que tudo o que criou.
O Catecismo da Igreja afirma: “Deus é infinitamente maior do que todas as suas obras: ‘Vós colocastes tudo sob os seus pés’ (Sl 8,7), sendo Ele soberanamente exaltado sobre os céus” 10.
Assim, quando nos perguntamos sobre a origem do universo, precisamos lembrar que sua origem está em um Ser que não faz parte dele, mas que o sustenta continuamente. Esse Ser é Deus.
Imagine um quadro belíssimo. Ele é composto por tinta, tela, formas e cores. Tudo ali existe dentro de uma lógica própria: a lógica da pintura. No entanto, por mais perfeito que seja, o quadro só existe porque alguém, fora dele, o pintou. Esse alguém é o pintor. E o pintor não é feito de tinta, nem está contido na moldura. Ele é totalmente distinto da obra.
Assim também é com Deus. O universo — com suas galáxias, leis físicas e formas de vida — é como o quadro. E Deus, como o pintor, não é feito de matéria, tempo ou espaço. Ele é o Criador, que está fora e acima de tudo isso, embora mantenha tudo em existência.
Pense em um rio. Ele tem um ponto de partida: a nascente. Toda a água do rio vem daquela fonte. Seria um erro perguntar “de que rio veio a nascente?”, porque a nascente não vem do rio — é o rio que vem dela.
Fazer a pergunta “quem criou Deus?” é como perguntar “de que rio veio a nascente?”. A lógica está invertida. Deus é a fonte da existência, e tudo o que existe flui d’Ele. Não faz sentido procurar uma origem para Aquele que é a origem de tudo.
A teoria científica do Big Bang, amplamente aceita hoje, afirma que o universo teve um começo: tempo, espaço e matéria surgiram a partir de um estado inicial extremamente denso. Isso nos leva naturalmente à pergunta: o que causou esse começo? A própria ciência reconhece que essa questão ultrapassa seus métodos, pois trata de algo anterior (ou exterior) ao próprio tempo.
A Igreja não se opõe a essa teoria — pelo contrário. Ela vê no Big Bang uma confirmação científica de que o universo teve um início, algo que a fé sempre afirmou. Não por acaso, o próprio formulador da teoria, o sacerdote católico belga Pe. Georges Lemaître, sustentava que a ciência busca o como do universo, enquanto a fé responde ao porquê. Filosofia e teologia mostram que somente um Ser que não depende do tempo, do espaço ou da matéria poderia dar origem a todas essas coisas. Esse Ser é Deus.
O Catecismo ensina: “Deus criou o mundo do nada, de modo livre, com sabedoria e amor” 11. Isso significa que a criação não é fruto do acaso, mas de uma vontade livre, inteligente e transcendente.
A pergunta “quem criou Deus?” revela uma limitação natural do nosso modo de pensar. Estamos tão acostumados com um mundo onde tudo tem começo e fim, que esquecemos que o próprio tempo também teve um início. Deus está além do tempo, da matéria, da sucessão de causas.
Compreender isso é fundamental para que possamos crescer em fé e razão. Deus não é mais uma criatura entre outras. Ele é o fundamento de tudo o que existe, Aquele que é por essência, Aquele que sustenta o ser de todas as coisas.
Como resume Santo Tomás de Aquino: “Deus é a causa primeira e não causada, o Ser por essência, aquele que é ato puro, sem potencialidade” 4. E como diz a Escritura: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim” 12.
Este artigo foi baseado no vídeo apresentado por Guilherme Cadoiss, catequista do Santa Carona, no nosso canal no YouTube. Se você prefere consumir este conteúdo em formato audiovisual ou quer compartilhar com alguém, o vídeo completo está disponível abaixo. Vale a pena conferir!
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A pergunta “quem criou Deus?” parece natural, porque tudo o que conhecemos tem um começo e uma causa. Mas será que essa pergunta faz sentido? Ou revela uma limitação do nosso modo de pensar?
Para responder corretamente, precisamos olhar além da nossa experiência limitada pelo tempo e pela mudança. A fé e a filosofia nos mostram que Deus não é uma criatura entre outras, mas o Ser eterno e necessário. Entender isso transforma completamente a maneira como enxergamos a origem de tudo.
Essa é uma das perguntas mais intrigantes e recorrentes da filosofia, da teologia e da ciência: se Deus criou todas as coisas, quem criou Deus? À primeira vista, parece um questionamento lógico, mas para respondê-lo corretamente, é preciso revisar conceitos fundamentais sobre tempo, causalidade e a própria natureza de Deus.
Trata-se de um questionamento que emerge de uma limitação da experiência humana: tudo o que conhecemos tem um início, um fim e uma causa. Por isso, o conceito de um Ser eterno, sem começo nem fim, desafia nossa compreensão. A própria linguagem humana é inadequada para expressar plenamente a realidade divina, como já alertava Santo Agostinho: “Se compreendeste, não é Deus” 1.
Esse tipo de pergunta também aparece em muitos debates entre crentes e ateus. É comum que seja usada como uma objeção à ideia de um Deus criador. Mas como veremos, ela parte de uma compreensão equivocada da natureza divina.
Nosso modo de existir está preso à sequência de eventos: passado, presente e futuro. Isso significa que tudo o que acontece em nossa experiência está submetido ao tempo, e cada coisa tem um antes e um depois.
O tempo é, portanto, uma dimensão criada. Ele mede a mudança, a sucessão de eventos. Mas Deus não muda, não se move, não tem sucessão. Ele é eterno. Como observa Boécio, “a eternidade é a posse total, simultânea e perfeita da vida sem fim” 2. Deus, portanto, não “vive no tempo”, mas está além dele, contemplando tudo com um único e eterno olhar.
Outro aspecto da nossa experiência é a causalidade: tudo o que existe parece ter vindo de algo anterior. Nada surge do nada. Um filho vem de pais, um livro é escrito por um autor, uma casa é construída por um pedreiro. Estamos acostumados a ver efeitos que têm causas anteriores.
Essa constatação é tão evidente que serve de base para a ciência: observamos o mundo, buscamos entender suas causas, estabelecemos leis. E também para a filosofia: Aristóteles, por exemplo, afirmava que tudo o que se move é movido por algo. Por isso, ao falarmos de Deus, devemos considerar se Ele está sujeito a essa mesma regra.
Mas essa regra — de que tudo precisa de uma causa — só se aplica a coisas que “começam a existir”. Se algo não teve começo, não precisa de uma causa. E essa é precisamente a definição de Deus.
Perguntar “quem criou Deus?” é cometer um erro categórico. É como perguntar “o que há ao norte do Polo Norte?”. Não faz sentido, pois o Polo Norte já é o limite superior.
A própria pergunta já parte de um mal-entendido: ela pressupõe que Deus está dentro da realidade criada e, portanto, também precisaria ter vindo de algo. Mas Deus não faz parte da criação. Ele é o Criador.
Como explica C. S. Lewis, em “Cristianismo Puro e Simples”, Deus é como o autor de uma história. Ele não está dentro do tempo da narrativa. Ele é a fonte dela. O erro da pergunta está em confundir Criador com criatura.
Deus não está dentro do universo criado. Ele é o Criador, e como tal, não pertence à categoria das criaturas. Ele transcende o tempo, o espaço e a matéria.
Toda criatura começa a existir. Mas Deus não começou. Ele é, por definição, eterno. O Catecismo da Igreja Católica ensina que “Deus é, desde sempre, eterno: não tem princípio nem fim” 3. Ele é a fonte de toda a existência — e não um ser dentro da existência que precisa ser explicado por outra coisa.
Se Deus tivesse sido criado, Ele não seria Deus. Seria uma criatura. A própria definição de Deus exige que Ele seja o Ser necessário, eterno, incriado.
Enquanto nós somos seres contingentes — ou seja, que poderiam não existir —, Deus é o único Ser Necessário. Isso significa que Ele existe por Si mesmo, desde sempre, sem depender de nenhuma outra realidade. Ele não foi causado, não foi criado e não surgiu: Ele simplesmente é.
Essa ideia já estava presente na filosofia antiga. Aristóteles falava do “motor imóvel”: algo que dá início ao movimento do universo sem ser movido por nada. Santo Tomás de Aquino, retomando esse conceito, afirma que “é impossível que tudo que existe tenha sua causa em outro ser; deve haver uma causa primeira, e essa todos chamam de Deus” 4.
Deus é o único ser com “aceidade” — termo filosófico que significa que Ele é a própria causa do seu ser. Em outras palavras, Deus não depende de nada fora d’Ele para existir. Ele é o “Eu sou aquele que sou” 5, como Ele mesmo revelou a Moisés.
Essa autossuficiência absoluta distingue Deus de tudo o mais. Toda criatura tem uma origem, uma dependência. Deus não. Ele é, como ensina o Catecismo, “a plenitude do ser e de toda perfeição, sem origem e sem fim” 6.
Imagine uma fileira de peças de dominó. Cada peça que cai faz a próxima cair. Mas para que qualquer uma comece a cair, é necessário que alguém empurre a primeira. Se ninguém tocar a primeira peça, todas permanecerão paradas.
Essa analogia, usada por Santo Tomás, ilustra bem a necessidade de uma Causa Primeira. O universo está cheio de causas e efeitos, mas essa cadeia não pode ser infinita para trás. Tem que haver um início — um empurrão que não seja, ele mesmo, causado. E esse “empurrão” é Deus.
A Igreja ensina com clareza que Deus pode ser conhecido pela razão natural. O Concílio Vaticano I declara: “Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pelo lume natural da razão humana, a partir das coisas criadas” 7.
Isso significa que mesmo sem a fé, um ser humano pode chegar, com honestidade intelectual, à conclusão de que Deus existe e que Ele é incriado. A fé, por sua vez, confirma e aprofunda esse conhecimento, revelando que esse Deus é também Pai, amor e misericórdia.
A filosofia começa muitas vezes com as coisas mais simples. E um dos primeiros passos é admitir: algo existe. Você existe, este texto existe. Isso significa que o nada absoluto nunca existiu, porque o nada não pode gerar o ser.
Essa é uma das reflexões fundamentais da metafísica: se alguma coisa existe, então sempre houve algo que existisse. Porque, se em algum momento só existisse o nada, esse nada permaneceria para sempre. O nada não pode produzir coisa alguma, nem mesmo a si próprio. Portanto, precisa haver um Ser que exista por Si, desde sempre. A isso chamamos Deus.
Como afirma o filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos: “Algo existe. Eis o ponto de partida. Negar isso seria já afirmar alguma coisa. Esse algo existe. Se existe alguma coisa, então o nada absoluto jamais existiu”. Essa constatação, aparentemente simples, tem consequências profundas para a nossa visão do mundo.
Esse Ser eterno, que nunca começou e nunca deixará de existir, é o que os filósofos e teólogos chamam de Deus. Ele é simples (isto é, não composto de partes), imutável (não muda), necessário (não pode não existir) e infinito (não tem limites).
Ele é Aquele em quem ser e existir são a mesma coisa. Deus não apenas “está sendo”; Ele É. Essa ideia está presente de modo claro na revelação do Antigo Testamento: “Eu sou aquele que sou” 5.
Na linguagem da tradição cristã, Deus é “ato puro”, expressão usada por Santo Tomás de Aquino para indicar que n’Ele não há nenhuma potencialidade, nenhuma mudança. Ele é plena realidade, plena atualidade, a fonte de todo o ser.
O Evangelho de João inicia com uma das declarações mais profundas da Sagrada Escritura: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Tudo foi feito por meio dele, e sem ele nada foi feito” 8.
Esse texto nos mostra que o Verbo — isto é, o Filho eterno, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade — já existia “no princípio”. Ele não começou a existir, Ele é Deus. E tudo o que foi criado, foi feito por meio d’Ele. Isso reforça o ensinamento de que Deus não foi feito. Se Ele tivesse sido criado, não poderia ter criado todas as coisas.
A fé cristã reconhece, assim, que Deus não apenas é eterno, mas que Ele é ativo, criador, presente. Ele não é uma ideia abstrata, mas o fundamento real e pessoal de tudo o que existe.
Um erro comum é imaginar Deus como se fosse “mais um ser” entre outros — só que mais poderoso, mais inteligente, mais velho. Mas isso é um equívoco. Deus não é um ser entre outros: Ele é o Ser em sua plenitude, a própria Existência.
O apóstolo Paulo, ao falar aos filósofos em Atenas, disse: “Em Deus vivemos, nos movemos e existimos” 9. Isso significa que toda a criação está sustentada por Deus. Ele é o fundamento do ser — a realidade mais profunda que existe.
Portanto, Deus não é um “ser dentro do universo”. Ele está além, mas ao mesmo tempo próximo. Ele sustenta o universo como um autor sustenta sua obra. Se Ele deixasse de querer que o mundo existisse, tudo voltaria ao nada.
Deus não é parte do universo. É o universo que está em Deus. Essa distinção é essencial para evitar erros graves, como o panteísmo (que identifica Deus com o universo). Deus é infinitamente maior do que tudo o que criou.
O Catecismo da Igreja afirma: “Deus é infinitamente maior do que todas as suas obras: ‘Vós colocastes tudo sob os seus pés’ (Sl 8,7), sendo Ele soberanamente exaltado sobre os céus” 10.
Assim, quando nos perguntamos sobre a origem do universo, precisamos lembrar que sua origem está em um Ser que não faz parte dele, mas que o sustenta continuamente. Esse Ser é Deus.
Imagine um quadro belíssimo. Ele é composto por tinta, tela, formas e cores. Tudo ali existe dentro de uma lógica própria: a lógica da pintura. No entanto, por mais perfeito que seja, o quadro só existe porque alguém, fora dele, o pintou. Esse alguém é o pintor. E o pintor não é feito de tinta, nem está contido na moldura. Ele é totalmente distinto da obra.
Assim também é com Deus. O universo — com suas galáxias, leis físicas e formas de vida — é como o quadro. E Deus, como o pintor, não é feito de matéria, tempo ou espaço. Ele é o Criador, que está fora e acima de tudo isso, embora mantenha tudo em existência.
Pense em um rio. Ele tem um ponto de partida: a nascente. Toda a água do rio vem daquela fonte. Seria um erro perguntar “de que rio veio a nascente?”, porque a nascente não vem do rio — é o rio que vem dela.
Fazer a pergunta “quem criou Deus?” é como perguntar “de que rio veio a nascente?”. A lógica está invertida. Deus é a fonte da existência, e tudo o que existe flui d’Ele. Não faz sentido procurar uma origem para Aquele que é a origem de tudo.
A teoria científica do Big Bang, amplamente aceita hoje, afirma que o universo teve um começo: tempo, espaço e matéria surgiram a partir de um estado inicial extremamente denso. Isso nos leva naturalmente à pergunta: o que causou esse começo? A própria ciência reconhece que essa questão ultrapassa seus métodos, pois trata de algo anterior (ou exterior) ao próprio tempo.
A Igreja não se opõe a essa teoria — pelo contrário. Ela vê no Big Bang uma confirmação científica de que o universo teve um início, algo que a fé sempre afirmou. Não por acaso, o próprio formulador da teoria, o sacerdote católico belga Pe. Georges Lemaître, sustentava que a ciência busca o como do universo, enquanto a fé responde ao porquê. Filosofia e teologia mostram que somente um Ser que não depende do tempo, do espaço ou da matéria poderia dar origem a todas essas coisas. Esse Ser é Deus.
O Catecismo ensina: “Deus criou o mundo do nada, de modo livre, com sabedoria e amor” 11. Isso significa que a criação não é fruto do acaso, mas de uma vontade livre, inteligente e transcendente.
A pergunta “quem criou Deus?” revela uma limitação natural do nosso modo de pensar. Estamos tão acostumados com um mundo onde tudo tem começo e fim, que esquecemos que o próprio tempo também teve um início. Deus está além do tempo, da matéria, da sucessão de causas.
Compreender isso é fundamental para que possamos crescer em fé e razão. Deus não é mais uma criatura entre outras. Ele é o fundamento de tudo o que existe, Aquele que é por essência, Aquele que sustenta o ser de todas as coisas.
Como resume Santo Tomás de Aquino: “Deus é a causa primeira e não causada, o Ser por essência, aquele que é ato puro, sem potencialidade” 4. E como diz a Escritura: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim” 12.
Este artigo foi baseado no vídeo apresentado por Guilherme Cadoiss, catequista do Santa Carona, no nosso canal no YouTube. Se você prefere consumir este conteúdo em formato audiovisual ou quer compartilhar com alguém, o vídeo completo está disponível abaixo. Vale a pena conferir!