Ação e contemplação
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Ação e contemplação

Data da Publicação: 07/06/2024
Tempo de leitura:
Autor: Matheus Bazzo
Data da Publicação: 07/06/2024
Tempo de leitura:
Autor: Matheus Bazzo

   “O que quer que um homem se torne, ele encontrará alguém que precisa dele.”

Albert Schweitzer

O compromisso mata o poeta?

O compromisso mata o poeta. Escrevi essa frase ao final da minha adolescência em meu caderno de poesias quando percebi que meu recém adquirido emprego estava aniquilando meus dotes de poeta marginal. As responsabilidades de trabalho estavam consumindo o tempo ocioso que eu usava para dar vazão à minha criatividade. Um gosto amargo acompanhou a grave suspeita de que eu estava testemunhando a morte da minha vocação artística. Essa preocupação – um verdadeiro fantasma – rondou minha cabeça por muito tempo até eu descobrir que, na verdade, aquele era um medo que brotava da inexperiência e imaturidade de um jovem em fase de formação. Não poderia ser diferente porque a experiência é algo que se adquire experimentando e errando, mas eu poderia ter perdido menos tempo com um problema que não tem solução exatamente porque não é um problema. A verdade é que esse é um sentimento comum para todos que tem uma vocação criativa: a sensação de que os compromissos e responsabilidades irão estagnar nossa inspiração e corromper nosso olhar contemplativo. Todos que pensam assim estão errados. 

Albert Schweitzer foi um dos principais biógrafos de Bach. Schweitzer é uma dessas personalidades que nos arrancam de nosso sedentarismo e nos provam que é possível conciliar a inspiração poética e a disposição contemplativa com as grandes responsabilidades e compromissos da vida profissional. Albert Schweitzer era pastor luterano, publicou diversos livros de teologia e era um estudioso do órgão responsável por desencadear um novo movimento de estudo e performance com o instrumento. Conciliou essas realizações de ordem intelectual e artística com uma atuação filantrópica invejável fundando um hospital beneficente na África e publicando livros, biografias e estudos variados. 

Assim como Schweitzer, existem inúmeras outras biografias de homens grandiosos que não deixaram seus ideais morrerem diante dos desafios da vida corrente. Então por que temos essa sensação – que muitas vezes volta a nos assombrar em outras fases da vida – e que nos faz ter medo de perder aquela chama de inspiração que antes ardia em nosso coração? 

Em parte nos sentimentos assim justamente por desconhecer de biografias como a de Schweitzer. A falta de exemplos biográficos estreita a nossa própria biografia. Não conhecer outras vidas é algo que encurta a nossa vida e faz nosso horizonte vocacional reduzir-ze a gama de histórias que encontramos em nossas famílias e círculo de amigos. Ora, é evidente que somente nas vidas à nossa volta não iremos encontrar todas as possibilidades de realização da nossa própria vida. Essa é, aliás, uma das funções da grande literatura: nos apresentar exemplos de vida para que tenhamos o arcabouço biográfico necessário para discernir diante da nossa própria vida.

Outra causa para nossa preocupação juvenil é o esquecimento – ou até mesmo o desconhecimento – a respeito da finalidade da nossa vida e das nossas ações. Não teremos espaço aqui para aprofundar nesse tema agora, mas a verdade é que existe uma finalidade para a vida humana. Quando conhecemos essa finalidade, entendemos como organizar nossas decisões e projetos para atingir esse objetivo final. Quando fazemos isso, é como se todas as nossas atividades estivessem conectadas com um fim último e supremo. Essa articulação impede o sentimento de frustração. Tudo está alinhado para um bem maior e, portanto, mesmo as responsabilidades correntes mais enfadonhas podem ser inseridas no quadro de uma estratégia maior. No fim das contas, aquela preocupação inicial de quem iremos perder a inspiração motivadora diante das nossas responsabilidades torna-se justamente seu contrário. Aprendemos a traduzir nossa verdadeira finalidade em responsabilidade corrente. A dicotomia deixa de existir não porque ela foi resolvida, mas porque adquirimos a consciência de que ela não existe. O compromisso não só não mata o poeta, como lhe oferece gasolina para sua chama interior.

Essa realidade se manifesta em muitas outras áreas da vida. Até mesmo quando pensamos em nossa vida profissional e na condução dos nossos negócios. Tive uma experiência recente que comprovou essa tese. Em breve iremos lançar nossa edição da Bíblia Sagrada na Minha Biblioteca Católica. Passamos mais de três anos trabalhando nesse projeto e o resultado é monumental. É uma verdadeira obra de arte com altíssimo valor intelectual e espiritual. Porém, ela não seria criada se não tivéssemos comprometidos em horas de reuniões, planejamentos, tarefas, prazos, imprevistos, etc. A verdade é que esse trabalho não seria possível se as dezenas de pessoas envolvidas nele não tivessem conectado a criação dessa Bíblia com seu objetivo maior. Foi a consciência do propósito do nosso trabalho que nos levou a criação de algo tão grandioso. 

Por fim, a própria vida de Johann Sebastian Bach escrita por Albert Schweizter é por sua vez um exemplo para todos nós sobre como conciliar a ação e a contemplação. Bach e sua segunda esposa tiveram nada mais nada menos do que 13 filhos. Bach manteve um casamento sólido e trabalhou toda sua vida como professor em escolas além de compor para as igrejas locais onde trabalhava. Durante sua vida, sua obra foi conhecida apenas por um círculo pequeno de amigos e conhecidos. Foi somente após sua morte que o compositor Felix Mendelssohn descobriu o trabalho de Bach e o revelou ao mundo. Hoje Bach é reconhecido como o mais importante e prolífico compositor de todos os tempos. A verdade é que a riqueza de sua arte brotou de uma vida comprometida com as responsabilidades familiares e profissionais. Essa é a verdadeira nota de um gênio: fazer de sua vida e sua obra a matéria para a grande obra de arte que é a biografia humana.

Matheus Bazzo

Diretor de arte, fotógrafo, produtor, ensaísta e fundador das empresas Minha Biblioteca Católica e Lumine.

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O que você vai encontrar neste artigo?

   “O que quer que um homem se torne, ele encontrará alguém que precisa dele.”

Albert Schweitzer

O compromisso mata o poeta?

O compromisso mata o poeta. Escrevi essa frase ao final da minha adolescência em meu caderno de poesias quando percebi que meu recém adquirido emprego estava aniquilando meus dotes de poeta marginal. As responsabilidades de trabalho estavam consumindo o tempo ocioso que eu usava para dar vazão à minha criatividade. Um gosto amargo acompanhou a grave suspeita de que eu estava testemunhando a morte da minha vocação artística. Essa preocupação – um verdadeiro fantasma – rondou minha cabeça por muito tempo até eu descobrir que, na verdade, aquele era um medo que brotava da inexperiência e imaturidade de um jovem em fase de formação. Não poderia ser diferente porque a experiência é algo que se adquire experimentando e errando, mas eu poderia ter perdido menos tempo com um problema que não tem solução exatamente porque não é um problema. A verdade é que esse é um sentimento comum para todos que tem uma vocação criativa: a sensação de que os compromissos e responsabilidades irão estagnar nossa inspiração e corromper nosso olhar contemplativo. Todos que pensam assim estão errados. 

Albert Schweitzer foi um dos principais biógrafos de Bach. Schweitzer é uma dessas personalidades que nos arrancam de nosso sedentarismo e nos provam que é possível conciliar a inspiração poética e a disposição contemplativa com as grandes responsabilidades e compromissos da vida profissional. Albert Schweitzer era pastor luterano, publicou diversos livros de teologia e era um estudioso do órgão responsável por desencadear um novo movimento de estudo e performance com o instrumento. Conciliou essas realizações de ordem intelectual e artística com uma atuação filantrópica invejável fundando um hospital beneficente na África e publicando livros, biografias e estudos variados. 

Assim como Schweitzer, existem inúmeras outras biografias de homens grandiosos que não deixaram seus ideais morrerem diante dos desafios da vida corrente. Então por que temos essa sensação – que muitas vezes volta a nos assombrar em outras fases da vida – e que nos faz ter medo de perder aquela chama de inspiração que antes ardia em nosso coração? 

Em parte nos sentimentos assim justamente por desconhecer de biografias como a de Schweitzer. A falta de exemplos biográficos estreita a nossa própria biografia. Não conhecer outras vidas é algo que encurta a nossa vida e faz nosso horizonte vocacional reduzir-ze a gama de histórias que encontramos em nossas famílias e círculo de amigos. Ora, é evidente que somente nas vidas à nossa volta não iremos encontrar todas as possibilidades de realização da nossa própria vida. Essa é, aliás, uma das funções da grande literatura: nos apresentar exemplos de vida para que tenhamos o arcabouço biográfico necessário para discernir diante da nossa própria vida.

Outra causa para nossa preocupação juvenil é o esquecimento – ou até mesmo o desconhecimento – a respeito da finalidade da nossa vida e das nossas ações. Não teremos espaço aqui para aprofundar nesse tema agora, mas a verdade é que existe uma finalidade para a vida humana. Quando conhecemos essa finalidade, entendemos como organizar nossas decisões e projetos para atingir esse objetivo final. Quando fazemos isso, é como se todas as nossas atividades estivessem conectadas com um fim último e supremo. Essa articulação impede o sentimento de frustração. Tudo está alinhado para um bem maior e, portanto, mesmo as responsabilidades correntes mais enfadonhas podem ser inseridas no quadro de uma estratégia maior. No fim das contas, aquela preocupação inicial de quem iremos perder a inspiração motivadora diante das nossas responsabilidades torna-se justamente seu contrário. Aprendemos a traduzir nossa verdadeira finalidade em responsabilidade corrente. A dicotomia deixa de existir não porque ela foi resolvida, mas porque adquirimos a consciência de que ela não existe. O compromisso não só não mata o poeta, como lhe oferece gasolina para sua chama interior.

Essa realidade se manifesta em muitas outras áreas da vida. Até mesmo quando pensamos em nossa vida profissional e na condução dos nossos negócios. Tive uma experiência recente que comprovou essa tese. Em breve iremos lançar nossa edição da Bíblia Sagrada na Minha Biblioteca Católica. Passamos mais de três anos trabalhando nesse projeto e o resultado é monumental. É uma verdadeira obra de arte com altíssimo valor intelectual e espiritual. Porém, ela não seria criada se não tivéssemos comprometidos em horas de reuniões, planejamentos, tarefas, prazos, imprevistos, etc. A verdade é que esse trabalho não seria possível se as dezenas de pessoas envolvidas nele não tivessem conectado a criação dessa Bíblia com seu objetivo maior. Foi a consciência do propósito do nosso trabalho que nos levou a criação de algo tão grandioso. 

Por fim, a própria vida de Johann Sebastian Bach escrita por Albert Schweizter é por sua vez um exemplo para todos nós sobre como conciliar a ação e a contemplação. Bach e sua segunda esposa tiveram nada mais nada menos do que 13 filhos. Bach manteve um casamento sólido e trabalhou toda sua vida como professor em escolas além de compor para as igrejas locais onde trabalhava. Durante sua vida, sua obra foi conhecida apenas por um círculo pequeno de amigos e conhecidos. Foi somente após sua morte que o compositor Felix Mendelssohn descobriu o trabalho de Bach e o revelou ao mundo. Hoje Bach é reconhecido como o mais importante e prolífico compositor de todos os tempos. A verdade é que a riqueza de sua arte brotou de uma vida comprometida com as responsabilidades familiares e profissionais. Essa é a verdadeira nota de um gênio: fazer de sua vida e sua obra a matéria para a grande obra de arte que é a biografia humana.

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