Desde que Santo Agostinho se tornara bispo de Hipona, no norte da África, em 395, muitas missões e dificuldades encontrou para propagar a nossa fé. Mas o que abalou mesmo o santo foi a notícia de que a cidade de Roma havia sido saqueada pelos bárbaros em 410, sob a liderança do rei visigodo Alarico, que era adepto da heresia ariana. A repercussão foi tão rápida que outras regiões pertencentes ao Império começaram a receber tropas bárbaras de todos os cantos, ao ponto de o santo comentar: “Coisas horrendas nos contam: ruínas, incêndios, saques, torturas, desonras. Mil vezes nos contaram, e outras tantas as lamentamos e choramos, sem ainda podermos nos consolar”.1 O fato não abalou somente Santo Agostinho, mas também São Jerônimo: “Minha voz embarga, e os soluços me interrompem […]. A cidade que conquistou o universo foi conquistada […] a cabeça do mundo foi abatida”. 2 A tristeza assolou toda a cristandade do Ocidente, que há pouco tinha visto tamanha alegria com o cristianismo oficializado como religião romana. A preocupação dos doutores estava no fato de Roma ser a sede da Igreja, a cidade memorável de Pedro e Paulo e fonte da graça universal, que agora estava sendo dominada pela barbárie, promiscuidade e imoralidade.
Aquela considerada a cidade eterna desmoronou, mostrou suas fraquezas. O saque de Roma abalou a sociedade antiga como um todo. Já Santo Agostinho, mesmo abalado, não agiu só pela emoção, mas pelo seu ofício (escritor e professor), pela sua moral filosófica e pela sua fé cristã. Ao examinar o episódio com veemência, concluiu que as civilizações são como os seres mortais, sujeitas a mudanças, perdas e a um fim. Assim, agregando filosofia com teologia, Santo Agostinho comparou a queda de Roma à queda de Tróia, descrita nos livros de Homero, e à queda de Sodoma,3 descrita na Bíblia, contemplando a ideia de que a “queda de Roma não era o fim do mundo, mas o anúncio do fim de um mundo”.4 Nessas reflexões Santo Agostinho encontrou uma forma de compreender a Providência Divina, sob a razão da qual tragédias e sofrimentos fazem parte da vida humana no presente, e que o futuro será modificado pela ação divina, de modo que Deus está e sempre estará no comando, com o rumo da vitória e da glória.
Com sua racionalidade aguçada e um olhar profundamente cristão, Santo Agostinho analisou a situação com uma finalidade: legitimar a história e visualizar as consequências. Dessa maneira, ficou evidente que a tomada de Roma não era o “fim dos tempos” – assim pensavam muitos cristãos romanos – e não era um simples fato para ser lembrado de forma individual e supérflua, mas sim algo para ser contemplado como uma possibilidade de construção do amanhã, sem mágoas, choros nem tristezas, tendo em vista a civilização do amor inspirada na vida dos Apóstolos.
Um grande santo é forçado pelas provações e dificuldades que ele supera por amor a Deus. Não foi diferente com Santo Agostinho. Paralelamente ao fato já citado, o santo iniciou mais duas missões: combater os boatos sobre a Igreja em relação a Roma e iniciar o seu ofício de sábio e doutor. O primeiro episódio se justificava pelas afirmações de que a queda de Roma teria ocorrido por causa da nova religião, o cristianismo, que impedira a adoração aos deuses romanos, os quais, em vingança, destruíram a cidade, o que acarretou divisão e medo entre os cristãos; o segundo episódio, por causa de Pelágio (350–423), que começara a espalhar a sua heresia pelo norte da África e Europa, segundo a qual o homem, com as forças naturais do livre-arbítrio, poderia cumprir com todos os preceitos divinos, superar todas as tentações e paixões e alcançar a perfeição sem a ajuda da graça.5 Assim, a partir do ano de 412 e inspirado pelos seus amigos, Santo Agostinho iniciou o trabalho de refutação à heresia pelagiana e de construção de uma nova perspectiva de visão histórica. Mesmo sem abandonar as funções episcopais, Santo Agostinho se dedicou intensamente à escrita, fazendo com que sua obra ganhasse uma amplitude magnífica, compilada em vinte e dois livros. Treze anos se passaram para a conclusão, sendo publicada somente no ano de 426, sob o título De Civitate Dei (“A Cidade de Deus”).
A obra é realmente inigualável, sendo uma das primeiras a relacionar filosofia clássica – com inspiração em Platão – e teologia cristã. Dentro dos vinte e dois livros que englobam a obra, é possível elencar inúmeros assuntos tratados: filosofia da história, teoria do sistema de Estado e de vida social, e a visão do plano imanente (ou histórico) a partir da dimensão transcendente. Enfim, o livro percorre assuntos desde a queda de Roma até o Juízo Final, mostrando costumes bárbaros e cristãos, alguns sistemas filosóficos, relações entre conflitos imperiais e a hierarquia dos anjos e às vezes sintetizando ideias em pequenos conceitos, o que torna o livro inesgotável, denso e complexo pelas obras que a completam:
A obra de Santo Agostinho De Civitate Dei responde a uns e outros. Neste mundo, estão confundidas e em luta constante a cidade do demônio e a cidade de Deus. A Providência prepara a vitória da cidade de Deus, que não consiste no bem temporal, mas no eterno. Quaisquer que sejam os acontecimentos, a cidade de Deus triunfará, embora na terra ela seja sempre militante.6
A relação entre eventos terrestres e vontade divina é constante no decorrer da obra, percorrendo tempos históricos distintos, revelando o passado, contemplando o presente e planejando o futuro. O interessante da obra é a habilidade com que o santo revela como todos os destinos e feitos humanos giram em torno da religião cristã, sendo “um valor permanente do espírito”, ou seja, tudo começa e tudo termina em Deus. A obra de Santo Agostinho não é superficial por se tratar de vários assuntos e ideias, muito pelo contrário, retrata os problemas terrenos com profundidade e ênfase nas consequências eternas que esses problemas nos causam, evidenciando que os conflitos existentes estão em todos os homens, interna e externamente. Assim, “A Cidade de Deus é a teologia vivida no marco histórico da humanidade, tal como As confissões são a teologia vivida numa alma; em ambos os livros, Deus é a única e a suprema razão”.4
O título A Cidade de Deus nos traz à mente a ideia do céu ou de uma cidade governada por seres divinos, ou até mesmo pelo próprio Deus. É aí que ocorre o equívoco, pois Santo Agostinho se inspirou nos Salmos e na Epístola aos Hebreus, nos quais é apresentada a promessa divina aos homens de fé de instaurar uma cidade perfeita, inenarrável, bela, movida pelas coisas divinas. Mas em meio à construção dela haveria uma outra, movida pelo pecado. Por isso Santo Ambrósio esclarece na antítese do livro de Santo Agostinho: “Dois amores fundaram duas cidades. A cidade terrena, pelo amor de si próprio, levado até o desprezo de Deus; a cidade celeste, pelo amor de Deus, levado até o desprezo de si próprio… Nós dividimos o gênero humano em duas categorias, uma composta por aqueles que vivem segundo o homem, outra formada pelos que vivem segundo Deus”. Ou seja, a história se desenvolve no conflito entre duas civilizações constituídas por humanos. Enquanto uma se preocupa com os amores terrenos e a si própria, a outra busca, de todas as maneiras, elevar a cidade dos homens ao modelo divino. Basicamente a obra nos leva a compreender e contemplar as finalidades que têm guiado a nossa vida: ou elas são terrenas, baseadas nas coisas supérfluas e passageiras, cedendo ao pecado, ou são divinas, baseadas nas virtudes e coisas eternas, em luta contra o pecado.
O título A Cidade de Deus nos traz à mente a ideia do céu ou de uma cidade governada por seres divinos, ou até mesmo pelo próprio Deus. É aí que ocorre o equívoco, pois Santo Agostinho se inspirou nos Salmos e na Epístola aos Hebreus, nos quais é apresentada a promessa divina aos homens de fé de instaurar uma cidade perfeita, inenarrável, bela, movida pelas coisas divinas. Mas em meio à construção dela haveria uma outra, movida pelo pecado. Por isso Santo Ambrósio esclarece na antítese do livro de Santo Agostinho: “Dois amores fundaram duas cidades. A cidade terrena, pelo amor de si próprio, levado até o desprezo de Deus; a cidade celeste, pelo amor de Deus, levado até o desprezo de si próprio… Nós dividimos o gênero humano em duas categorias, uma composta por aqueles que vivem segundo o homem, outra formada pelos que vivem segundo Deus”. Ou seja, a história se desenvolve no conflito entre duas civilizações constituídas por humanos. Enquanto uma se preocupa com os amores terrenos e a si própria, a outra busca, de todas as maneiras, elevar a cidade dos homens ao modelo divino. Basicamente a obra nos leva a compreender e contemplar as finalidades que têm guiado a nossa vida: ou elas são terrenas, baseadas nas coisas supérfluas e passageiras, cedendo ao pecado, ou são divinas, baseadas nas virtudes e coisas eternas, em luta contra o pecado.
Contemplando A Cidade de Deus, é possível dividi-la em duas partes: do livro I ao livro X, e do livro XI ao livro XXII. Na primeira, o santo faz uma intensa crítica ao paganismo e suas limitações, uma vez que as suas filosofias e imoralidades tornariam seus seguidores inaptos para a prosperidade humana e a felicidade eterna. Na segunda parte, apresenta as duas cidades, revelando suas doutrinas, origens, desdobramentos e finalidades. Aprofundando mais sobre a obra, a perspectiva lógica é desenvolvida acerca de atitudes e ações divino-humanas, relacionando o ordinário ao extraordinário. Essa perspectiva se desenvolveu em cinco ações: a criação do homem como semelhança de Deus, o homem sendo corrompido pelo seu orgulho e assim afundando em si mesmo, a educação dada por Deus pelo ensinamento dos princípios éticos, a vida de Cristo como modelo e exemplo de vida para a aplicação da semelhança divina e a decisão final que coloca a eternidade como escolha do próprio homem pela sua vida. A sequência teológica que fica sobre esses ensinamentos se constitui em Criação, Queda, Revelação, Encarnação e Ressurreição. O que torna essa obra mais primorosa é a relação que Santo Agostinho faz desses conceitos teológicos com a filosofia, edificando todo o ensinamento em algo aplicável na vida ativa e na contemplativa.
É nessa reflexão que se encontra a essência dessa obra-prima, o que a torna um ponto chave na história da Igreja e na história da filosofia. Santo Agostinho se assemelhou aos antigos filósofos do século II, porém ultrapassou os meios eruditos e polemistas por sua integração de filosofia e teologia, apresentando o cristianismo como única prova do tempo passado, presente e futuro, logo inegável.
Santo Agostinho, ao escrever essa obra, mostrou ao mundo que a cidade que possivelmente morrerá será substituída por outra cidade que jamais irá sucumbir a qualquer outra. O esforço, a vontade e a dedicação são cruciais para aplicar os princípios apostólicos ensinados por Cristo na Cidade dos Homens. Essa obra foi tão profética e propícia para aquele tempo que houve uma mudança drástica no campo filosófico e teológico, pois não mostrou somente que a queda de Roma seria superada pela Cidade de Deus, mas que qualquer outro fato que venha a ocorrer na história não superará a Cidade de Deus, pois ela é uma fortaleza, um baluarte.
Por fim, esse livro dramático e enfático em aventuras trágicas comparadas com os grandes escritores e literatos romanos de seu tempo revela que Santo Agostinho buscou atingir todos aqueles que buscam firmemente o que é bom, belo e verdadeiro, vencendo qualquer tipo de contrariedade existente entre os céticos e críticos do santo. Com o afinco de alimentar a esperança da humanidade por tempos melhores e com um fim eterno, Santo Agostinho expõe que as coisas terrenas envelhecem e morrem, que o próprio mundo está propenso a envelhecer e morrer, mas um verdadeiro cristão não se abalará com isso, pois saberá que no final sua juventude será revigorada na eternidade.
Desde que Santo Agostinho se tornara bispo de Hipona, no norte da África, em 395, muitas missões e dificuldades encontrou para propagar a nossa fé. Mas o que abalou mesmo o santo foi a notícia de que a cidade de Roma havia sido saqueada pelos bárbaros em 410, sob a liderança do rei visigodo Alarico, que era adepto da heresia ariana. A repercussão foi tão rápida que outras regiões pertencentes ao Império começaram a receber tropas bárbaras de todos os cantos, ao ponto de o santo comentar: “Coisas horrendas nos contam: ruínas, incêndios, saques, torturas, desonras. Mil vezes nos contaram, e outras tantas as lamentamos e choramos, sem ainda podermos nos consolar”.1 O fato não abalou somente Santo Agostinho, mas também São Jerônimo: “Minha voz embarga, e os soluços me interrompem […]. A cidade que conquistou o universo foi conquistada […] a cabeça do mundo foi abatida”. 2 A tristeza assolou toda a cristandade do Ocidente, que há pouco tinha visto tamanha alegria com o cristianismo oficializado como religião romana. A preocupação dos doutores estava no fato de Roma ser a sede da Igreja, a cidade memorável de Pedro e Paulo e fonte da graça universal, que agora estava sendo dominada pela barbárie, promiscuidade e imoralidade.
Aquela considerada a cidade eterna desmoronou, mostrou suas fraquezas. O saque de Roma abalou a sociedade antiga como um todo. Já Santo Agostinho, mesmo abalado, não agiu só pela emoção, mas pelo seu ofício (escritor e professor), pela sua moral filosófica e pela sua fé cristã. Ao examinar o episódio com veemência, concluiu que as civilizações são como os seres mortais, sujeitas a mudanças, perdas e a um fim. Assim, agregando filosofia com teologia, Santo Agostinho comparou a queda de Roma à queda de Tróia, descrita nos livros de Homero, e à queda de Sodoma,3 descrita na Bíblia, contemplando a ideia de que a “queda de Roma não era o fim do mundo, mas o anúncio do fim de um mundo”.4 Nessas reflexões Santo Agostinho encontrou uma forma de compreender a Providência Divina, sob a razão da qual tragédias e sofrimentos fazem parte da vida humana no presente, e que o futuro será modificado pela ação divina, de modo que Deus está e sempre estará no comando, com o rumo da vitória e da glória.
Com sua racionalidade aguçada e um olhar profundamente cristão, Santo Agostinho analisou a situação com uma finalidade: legitimar a história e visualizar as consequências. Dessa maneira, ficou evidente que a tomada de Roma não era o “fim dos tempos” – assim pensavam muitos cristãos romanos – e não era um simples fato para ser lembrado de forma individual e supérflua, mas sim algo para ser contemplado como uma possibilidade de construção do amanhã, sem mágoas, choros nem tristezas, tendo em vista a civilização do amor inspirada na vida dos Apóstolos.
Um grande santo é forçado pelas provações e dificuldades que ele supera por amor a Deus. Não foi diferente com Santo Agostinho. Paralelamente ao fato já citado, o santo iniciou mais duas missões: combater os boatos sobre a Igreja em relação a Roma e iniciar o seu ofício de sábio e doutor. O primeiro episódio se justificava pelas afirmações de que a queda de Roma teria ocorrido por causa da nova religião, o cristianismo, que impedira a adoração aos deuses romanos, os quais, em vingança, destruíram a cidade, o que acarretou divisão e medo entre os cristãos; o segundo episódio, por causa de Pelágio (350–423), que começara a espalhar a sua heresia pelo norte da África e Europa, segundo a qual o homem, com as forças naturais do livre-arbítrio, poderia cumprir com todos os preceitos divinos, superar todas as tentações e paixões e alcançar a perfeição sem a ajuda da graça.5 Assim, a partir do ano de 412 e inspirado pelos seus amigos, Santo Agostinho iniciou o trabalho de refutação à heresia pelagiana e de construção de uma nova perspectiva de visão histórica. Mesmo sem abandonar as funções episcopais, Santo Agostinho se dedicou intensamente à escrita, fazendo com que sua obra ganhasse uma amplitude magnífica, compilada em vinte e dois livros. Treze anos se passaram para a conclusão, sendo publicada somente no ano de 426, sob o título De Civitate Dei (“A Cidade de Deus”).
A obra é realmente inigualável, sendo uma das primeiras a relacionar filosofia clássica – com inspiração em Platão – e teologia cristã. Dentro dos vinte e dois livros que englobam a obra, é possível elencar inúmeros assuntos tratados: filosofia da história, teoria do sistema de Estado e de vida social, e a visão do plano imanente (ou histórico) a partir da dimensão transcendente. Enfim, o livro percorre assuntos desde a queda de Roma até o Juízo Final, mostrando costumes bárbaros e cristãos, alguns sistemas filosóficos, relações entre conflitos imperiais e a hierarquia dos anjos e às vezes sintetizando ideias em pequenos conceitos, o que torna o livro inesgotável, denso e complexo pelas obras que a completam:
A obra de Santo Agostinho De Civitate Dei responde a uns e outros. Neste mundo, estão confundidas e em luta constante a cidade do demônio e a cidade de Deus. A Providência prepara a vitória da cidade de Deus, que não consiste no bem temporal, mas no eterno. Quaisquer que sejam os acontecimentos, a cidade de Deus triunfará, embora na terra ela seja sempre militante.6
A relação entre eventos terrestres e vontade divina é constante no decorrer da obra, percorrendo tempos históricos distintos, revelando o passado, contemplando o presente e planejando o futuro. O interessante da obra é a habilidade com que o santo revela como todos os destinos e feitos humanos giram em torno da religião cristã, sendo “um valor permanente do espírito”, ou seja, tudo começa e tudo termina em Deus. A obra de Santo Agostinho não é superficial por se tratar de vários assuntos e ideias, muito pelo contrário, retrata os problemas terrenos com profundidade e ênfase nas consequências eternas que esses problemas nos causam, evidenciando que os conflitos existentes estão em todos os homens, interna e externamente. Assim, “A Cidade de Deus é a teologia vivida no marco histórico da humanidade, tal como As confissões são a teologia vivida numa alma; em ambos os livros, Deus é a única e a suprema razão”.4
O título A Cidade de Deus nos traz à mente a ideia do céu ou de uma cidade governada por seres divinos, ou até mesmo pelo próprio Deus. É aí que ocorre o equívoco, pois Santo Agostinho se inspirou nos Salmos e na Epístola aos Hebreus, nos quais é apresentada a promessa divina aos homens de fé de instaurar uma cidade perfeita, inenarrável, bela, movida pelas coisas divinas. Mas em meio à construção dela haveria uma outra, movida pelo pecado. Por isso Santo Ambrósio esclarece na antítese do livro de Santo Agostinho: “Dois amores fundaram duas cidades. A cidade terrena, pelo amor de si próprio, levado até o desprezo de Deus; a cidade celeste, pelo amor de Deus, levado até o desprezo de si próprio… Nós dividimos o gênero humano em duas categorias, uma composta por aqueles que vivem segundo o homem, outra formada pelos que vivem segundo Deus”. Ou seja, a história se desenvolve no conflito entre duas civilizações constituídas por humanos. Enquanto uma se preocupa com os amores terrenos e a si própria, a outra busca, de todas as maneiras, elevar a cidade dos homens ao modelo divino. Basicamente a obra nos leva a compreender e contemplar as finalidades que têm guiado a nossa vida: ou elas são terrenas, baseadas nas coisas supérfluas e passageiras, cedendo ao pecado, ou são divinas, baseadas nas virtudes e coisas eternas, em luta contra o pecado.
O título A Cidade de Deus nos traz à mente a ideia do céu ou de uma cidade governada por seres divinos, ou até mesmo pelo próprio Deus. É aí que ocorre o equívoco, pois Santo Agostinho se inspirou nos Salmos e na Epístola aos Hebreus, nos quais é apresentada a promessa divina aos homens de fé de instaurar uma cidade perfeita, inenarrável, bela, movida pelas coisas divinas. Mas em meio à construção dela haveria uma outra, movida pelo pecado. Por isso Santo Ambrósio esclarece na antítese do livro de Santo Agostinho: “Dois amores fundaram duas cidades. A cidade terrena, pelo amor de si próprio, levado até o desprezo de Deus; a cidade celeste, pelo amor de Deus, levado até o desprezo de si próprio… Nós dividimos o gênero humano em duas categorias, uma composta por aqueles que vivem segundo o homem, outra formada pelos que vivem segundo Deus”. Ou seja, a história se desenvolve no conflito entre duas civilizações constituídas por humanos. Enquanto uma se preocupa com os amores terrenos e a si própria, a outra busca, de todas as maneiras, elevar a cidade dos homens ao modelo divino. Basicamente a obra nos leva a compreender e contemplar as finalidades que têm guiado a nossa vida: ou elas são terrenas, baseadas nas coisas supérfluas e passageiras, cedendo ao pecado, ou são divinas, baseadas nas virtudes e coisas eternas, em luta contra o pecado.
Contemplando A Cidade de Deus, é possível dividi-la em duas partes: do livro I ao livro X, e do livro XI ao livro XXII. Na primeira, o santo faz uma intensa crítica ao paganismo e suas limitações, uma vez que as suas filosofias e imoralidades tornariam seus seguidores inaptos para a prosperidade humana e a felicidade eterna. Na segunda parte, apresenta as duas cidades, revelando suas doutrinas, origens, desdobramentos e finalidades. Aprofundando mais sobre a obra, a perspectiva lógica é desenvolvida acerca de atitudes e ações divino-humanas, relacionando o ordinário ao extraordinário. Essa perspectiva se desenvolveu em cinco ações: a criação do homem como semelhança de Deus, o homem sendo corrompido pelo seu orgulho e assim afundando em si mesmo, a educação dada por Deus pelo ensinamento dos princípios éticos, a vida de Cristo como modelo e exemplo de vida para a aplicação da semelhança divina e a decisão final que coloca a eternidade como escolha do próprio homem pela sua vida. A sequência teológica que fica sobre esses ensinamentos se constitui em Criação, Queda, Revelação, Encarnação e Ressurreição. O que torna essa obra mais primorosa é a relação que Santo Agostinho faz desses conceitos teológicos com a filosofia, edificando todo o ensinamento em algo aplicável na vida ativa e na contemplativa.
É nessa reflexão que se encontra a essência dessa obra-prima, o que a torna um ponto chave na história da Igreja e na história da filosofia. Santo Agostinho se assemelhou aos antigos filósofos do século II, porém ultrapassou os meios eruditos e polemistas por sua integração de filosofia e teologia, apresentando o cristianismo como única prova do tempo passado, presente e futuro, logo inegável.
Santo Agostinho, ao escrever essa obra, mostrou ao mundo que a cidade que possivelmente morrerá será substituída por outra cidade que jamais irá sucumbir a qualquer outra. O esforço, a vontade e a dedicação são cruciais para aplicar os princípios apostólicos ensinados por Cristo na Cidade dos Homens. Essa obra foi tão profética e propícia para aquele tempo que houve uma mudança drástica no campo filosófico e teológico, pois não mostrou somente que a queda de Roma seria superada pela Cidade de Deus, mas que qualquer outro fato que venha a ocorrer na história não superará a Cidade de Deus, pois ela é uma fortaleza, um baluarte.
Por fim, esse livro dramático e enfático em aventuras trágicas comparadas com os grandes escritores e literatos romanos de seu tempo revela que Santo Agostinho buscou atingir todos aqueles que buscam firmemente o que é bom, belo e verdadeiro, vencendo qualquer tipo de contrariedade existente entre os céticos e críticos do santo. Com o afinco de alimentar a esperança da humanidade por tempos melhores e com um fim eterno, Santo Agostinho expõe que as coisas terrenas envelhecem e morrem, que o próprio mundo está propenso a envelhecer e morrer, mas um verdadeiro cristão não se abalará com isso, pois saberá que no final sua juventude será revigorada na eternidade.