Formação

Santo Agostinho: tão antigo e tão novo!

Você já leu Santo Agostinho? Se não, com certeza deveria! O autor é extremamente atual e neste artigo contamos o motivo. Confira!

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Santo Agostinho: tão antigo e tão novo!

Você já leu Santo Agostinho? Se não, com certeza deveria! O autor é extremamente atual e neste artigo contamos o motivo. Confira!

Data da Publicação: 14/09/2023
Tempo de leitura:
Autor: P. Bonaventure Chapman, OP
Data da Publicação: 14/09/2023
Tempo de leitura:
Autor: P. Bonaventure Chapman, OP

Eu ainda lembro da primeira vez que me deparei com os escritos de Santo Agostinho. Estava fazendo uma aula chamada “Agostinho e Aquino” na faculdade e tive que ler as Confissões de Santo Agostinho junto com o Compêndio de teologia de Santo Tomás de Aquino. A diferença entre os dois era espantosa. Por exemplo, comparamos Santo Tomás e Santo Agostinho no que diz respeito ao fim último do homem:

Por conseguinte, o desejo natural de conhecer não pode estar em nós satisfeito senão quando conhecermos a primeira causa, não de qualquer modo, mas na sua essência. Ora, já foi acima demonstrado que a primeira causa das coisas é Deus. Logo, o fim último da criatura racional é ver Deus na sua essência.1

E agora Santo Agostinho:

Tu mesmo o incitas a deleitar-se nos teus louvores, porque nos fizeste para ti e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em ti.2

Veja também: A história de Santo Agostinho para além das Confissões.

Qual delas você acha que cativou mais a um aluno universitário em busca de Deus?

Agora, admito que isso poderia ser um pouco injusto para Santo Tomás; ele estava escrevendo numa época diferente e em um contexto diferente, para um público diferente, com um objetivo diferente. Na encíclica Aeterni Patris, do Papa Leão XIII, Santo Agostinho é aquele que recebe os méritos de “quem arrebatou a glória” de todos os Padres da Igreja. “Quem com uma poderosa inteligência, e perfeitamente imbuído das ciências sagradas e profanas, lutou com firmeza contra todos os erros de seu tempo, com suprema fé e não menor doutrina”.  Mas é de Santo Tomás que se fala que recolheu e aumentou com seus próprios esforços todo o ensinamento escolástico, de modo que “ele é justamente e merecidamente considerado como o baluarte especial e a glória da fé católica”. De fato, “a razão, carregada nas asas de Santo Tomás até sua altura humana, dificilmente pode subir mais alto, enquanto a fé dificilmente poderia esperar da razão mais ajuda ou mais força do que já obteve através dele”.  É assim que Santo Tomás, e não Santo Agostinho, é o professor de teologia recomendado pelo Papa Leão XIII a toda a Igreja. 

Você também pode conferir sobre a amizade entre os dois neste vídeo:

A influência de Santo Agostinho

No entanto, na festa de Santo Agostinho, é oportuno refletir um pouco sobre sua permanente transcendência e seu amplíssimo alcance. Não acredito que minha admiração sobre Santo Agostinho tenha sido a única; seu pensamento teológico e seu estilo encantaram a tantos ao longo da história e, ainda hoje, continuam dando frutos  de contemplação.

Carlos Magno, o Imperador do Sacro Império Romano Germânico, admirava tanto a Cidade de Deus de Santo Agostinho que dormia com o livro debaixo de seu travesseiro.

Nas sentenças de Pedro Lombardo, Santo Agostinho é citado dez a quinze vezes mais do que qualquer outro Padre da Igreja, e na Suma Teológica de Santo Tomás, Santo Agostinho é a autoridade mais importante depois da Bíblia. A reverência de Santo Tomás por Santo Agostinho foi tão profunda que mesmo quando ele tinha uma opinião muito diferente, recusava-se a criticá-lo. 

Esta influência agostiniana não terminou após a Idade Média. Foi um agostiniano (Martinho Lutero) que iniciou a reforma, e seu maior sistematizador, João Calvino, que declarou certa vez: “Augustinus . . . totus noster est” (“Agostinho é todo nosso”). O teólogo reformador B. B. Warfield declarou: “Agostinho nos deu a Reforma”.  Pois a reforma, considerada interiormente, não era nada mais do que o triunfo final da doutrina agostiniana da graça sobre a doutrina agostiniana da Igreja. Ou seja, Santo Agostinho estava em ambos os lados do debate!

Após a Reforma, Santo Agostinho permaneceu preeminente na mente de muitos pensadores influentes. No século XVII, tanto René Descartes como Blaise Pascal viram nele o fundamento de seus próprios projetos filosóficos e teológicos, mesmo que fundamentalmente discordassem3. No século XIX, Friedrich Nietzsche escreveu A genealogia moral, que poderia ser descrita como a Cidade de Deus de Santo Agostinho em sentido inverso. No século XX, as Confissões de Santo Agostinho tornaram-se o modelo para as autobiografías religiosas e seculares: A The Seven Storey Mountain do monge trapista americano Thomas Merton se contrapõe ao Circonfession de Jacques Derrida. E mais ainda, não esqueçamos que é Santo Agostinho quem encabeça a lista de citações de escritores eclesiásticos no Catecismo da Igreja Católica. 

Santo Agostinho parece ter uma influência perene, uma capacidade de conversar através de milênios e com todo o mundo. Ele foi chamado de o primeiro medievalista, o primeiro modernista, o primeiro existencialista e o primeiro autobiógrafo. Ele parece ter seguido o “dictum” (ditame)de São Paulo de “Fiz-me tudo para todos”4. Ele tem ensinado ao mundo sobre Deus e seu relacionamento com Ele, histórica e cosmologicamente. Ele ajudou a Igreja a compreender a Santíssima Trindade, os sacramentos e a doutrina da Graça (ele é, afinal de contas, o Doctor Gratiae – Doutor da Graça). E se a história serve ainda de indicação, ele continuará ensinando ao mundo, à Igreja e a cada um de nós sobre nós mesmos e sobre nosso mais profundo desejo de Deus. 

No livro X das suas Confissões, Santo Agostinho diz de Deus: “Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei!”. Talvez possamos dizer algo semelhante do próprio Santo Agostinho: “Sempre te amamos, mestre tão antigo e tão novo”.

*Este post foi originalmente escrito por: P. Bonaventure Chapman, OP e traduzido pela Equipe MBC.

Leia também: Santo Agostinho: vida, conversão, influência e obra

Referências

  1. “Compêndio de teologia” de Santo Tomás de Aquino – Cap. 104. Trad. e N. de Do. Odilão de Moura, OBS. Editorial: Presençã. RJ. 1977.[]
  2. “As Confissões” de Santo Agostinho: Versão e Notas de Jorge Pimentel Cintra. Editorial: Quadrante. SP. 2015.[]
  3. Pascal: “Descartes inútil e inconstante”[]
  4. 1 Cor.  9,10.[]
Redação MBC

P. Bonaventure Chapman, OP

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Eu ainda lembro da primeira vez que me deparei com os escritos de Santo Agostinho. Estava fazendo uma aula chamada “Agostinho e Aquino” na faculdade e tive que ler as Confissões de Santo Agostinho junto com o Compêndio de teologia de Santo Tomás de Aquino. A diferença entre os dois era espantosa. Por exemplo, comparamos Santo Tomás e Santo Agostinho no que diz respeito ao fim último do homem:

Por conseguinte, o desejo natural de conhecer não pode estar em nós satisfeito senão quando conhecermos a primeira causa, não de qualquer modo, mas na sua essência. Ora, já foi acima demonstrado que a primeira causa das coisas é Deus. Logo, o fim último da criatura racional é ver Deus na sua essência.1

E agora Santo Agostinho:

Tu mesmo o incitas a deleitar-se nos teus louvores, porque nos fizeste para ti e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em ti.2

Veja também: A história de Santo Agostinho para além das Confissões.

Qual delas você acha que cativou mais a um aluno universitário em busca de Deus?

Agora, admito que isso poderia ser um pouco injusto para Santo Tomás; ele estava escrevendo numa época diferente e em um contexto diferente, para um público diferente, com um objetivo diferente. Na encíclica Aeterni Patris, do Papa Leão XIII, Santo Agostinho é aquele que recebe os méritos de “quem arrebatou a glória” de todos os Padres da Igreja. “Quem com uma poderosa inteligência, e perfeitamente imbuído das ciências sagradas e profanas, lutou com firmeza contra todos os erros de seu tempo, com suprema fé e não menor doutrina”.  Mas é de Santo Tomás que se fala que recolheu e aumentou com seus próprios esforços todo o ensinamento escolástico, de modo que “ele é justamente e merecidamente considerado como o baluarte especial e a glória da fé católica”. De fato, “a razão, carregada nas asas de Santo Tomás até sua altura humana, dificilmente pode subir mais alto, enquanto a fé dificilmente poderia esperar da razão mais ajuda ou mais força do que já obteve através dele”.  É assim que Santo Tomás, e não Santo Agostinho, é o professor de teologia recomendado pelo Papa Leão XIII a toda a Igreja. 

Você também pode conferir sobre a amizade entre os dois neste vídeo:

A influência de Santo Agostinho

No entanto, na festa de Santo Agostinho, é oportuno refletir um pouco sobre sua permanente transcendência e seu amplíssimo alcance. Não acredito que minha admiração sobre Santo Agostinho tenha sido a única; seu pensamento teológico e seu estilo encantaram a tantos ao longo da história e, ainda hoje, continuam dando frutos  de contemplação.

Carlos Magno, o Imperador do Sacro Império Romano Germânico, admirava tanto a Cidade de Deus de Santo Agostinho que dormia com o livro debaixo de seu travesseiro.

Nas sentenças de Pedro Lombardo, Santo Agostinho é citado dez a quinze vezes mais do que qualquer outro Padre da Igreja, e na Suma Teológica de Santo Tomás, Santo Agostinho é a autoridade mais importante depois da Bíblia. A reverência de Santo Tomás por Santo Agostinho foi tão profunda que mesmo quando ele tinha uma opinião muito diferente, recusava-se a criticá-lo. 

Esta influência agostiniana não terminou após a Idade Média. Foi um agostiniano (Martinho Lutero) que iniciou a reforma, e seu maior sistematizador, João Calvino, que declarou certa vez: “Augustinus . . . totus noster est” (“Agostinho é todo nosso”). O teólogo reformador B. B. Warfield declarou: “Agostinho nos deu a Reforma”.  Pois a reforma, considerada interiormente, não era nada mais do que o triunfo final da doutrina agostiniana da graça sobre a doutrina agostiniana da Igreja. Ou seja, Santo Agostinho estava em ambos os lados do debate!

Após a Reforma, Santo Agostinho permaneceu preeminente na mente de muitos pensadores influentes. No século XVII, tanto René Descartes como Blaise Pascal viram nele o fundamento de seus próprios projetos filosóficos e teológicos, mesmo que fundamentalmente discordassem3. No século XIX, Friedrich Nietzsche escreveu A genealogia moral, que poderia ser descrita como a Cidade de Deus de Santo Agostinho em sentido inverso. No século XX, as Confissões de Santo Agostinho tornaram-se o modelo para as autobiografías religiosas e seculares: A The Seven Storey Mountain do monge trapista americano Thomas Merton se contrapõe ao Circonfession de Jacques Derrida. E mais ainda, não esqueçamos que é Santo Agostinho quem encabeça a lista de citações de escritores eclesiásticos no Catecismo da Igreja Católica. 

Santo Agostinho parece ter uma influência perene, uma capacidade de conversar através de milênios e com todo o mundo. Ele foi chamado de o primeiro medievalista, o primeiro modernista, o primeiro existencialista e o primeiro autobiógrafo. Ele parece ter seguido o “dictum” (ditame)de São Paulo de “Fiz-me tudo para todos”4. Ele tem ensinado ao mundo sobre Deus e seu relacionamento com Ele, histórica e cosmologicamente. Ele ajudou a Igreja a compreender a Santíssima Trindade, os sacramentos e a doutrina da Graça (ele é, afinal de contas, o Doctor Gratiae – Doutor da Graça). E se a história serve ainda de indicação, ele continuará ensinando ao mundo, à Igreja e a cada um de nós sobre nós mesmos e sobre nosso mais profundo desejo de Deus. 

No livro X das suas Confissões, Santo Agostinho diz de Deus: “Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei!”. Talvez possamos dizer algo semelhante do próprio Santo Agostinho: “Sempre te amamos, mestre tão antigo e tão novo”.

*Este post foi originalmente escrito por: P. Bonaventure Chapman, OP e traduzido pela Equipe MBC.

Leia também: Santo Agostinho: vida, conversão, influência e obra

Referências

  1. “Compêndio de teologia” de Santo Tomás de Aquino – Cap. 104. Trad. e N. de Do. Odilão de Moura, OBS. Editorial: Presençã. RJ. 1977.[]
  2. “As Confissões” de Santo Agostinho: Versão e Notas de Jorge Pimentel Cintra. Editorial: Quadrante. SP. 2015.[]
  3. Pascal: “Descartes inútil e inconstante”[]
  4. 1 Cor.  9,10.[]

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