Cooperatoris Veritatis foi o lema escolhido por Bento XVI quando se tornou arcebispo de Munique e mantido por ele quando eleito Papa.
Cooperador ou colaborador da verdade é a sua tradução literal. Mais do que um lema, “colaborador da verdade” é uma chave de leitura para compreender a vida do Papa Emérito, desde o seu berço e sua infância
O futuro Papa nasceu na Alemanha, em Marktl am Inn, na Baviera, em 16 de abril de 1927. Era um Sábado de Aleluia. Nesse mesmo dia, o jovem Joseph Ratzinger foi batizado — era um costume desde a Igreja Primitiva ter muitos batismos formais nessa data.
O próprio Santo Padre considera essa coincidência um desígnio da Providência:
Ser a primeira pessoa batizada com a nova água foi considerado um ato significativo da Providência. Sempre senti muita gratidão por ter minha vida imersa no Mistério da Páscoa desse modo.. quanto mais penso nisso, mais me parece adequado para a natureza da nossa vida humana: ainda estamos esperando a Páscoa; ainda não estamos diante da luz plena, mas caminhamos rumo a ela repletos de confiança.
Citação retirada do nosso livro História dos Papas (2022), p. 503.
Era o irmão caçula, tendo dois irmãos. Seu pai, também Joseph Ratzinger, era policial e a família toda era católica — seu tio, George Ratzinger foi membro do Partido Central Católico dos parlamentos bávaro e alemão. Por isso mesmo Joseph pai opôs-se cada vez mais ao Partido Nazista. Recusava-se a fazer vista grossa quando os nazistas violavam as leis e acabou por ser rebaixado e transferido várias vezes.
Ele se aposentou mais cedo, mesmo sabendo que isso agravaria a situação financeira da família, pois se recusava a servir ao exército nazista.
A infância e a juventude do Papa Emérito foi profundamente marcada pela ascensão do nazismo. Viu seu pároco ser espancado antes da celebração de uma Missa, viu um primo seu com síndrome de Down ser levado para ser morto pelos nazistas, mas também viu seus pais e amigos perseverarem e manterem uma profunda fé.
Ele entrou para o seminário menor, mas logo a legislação obrigou todos os jovens a fazerem parte da juventude hitlerista. Convocaram-no para ir à Guerra, caçoavam de si por querer ser padre e logo abandonou o quartel — mesmo sabendo que os guardas tinham ordens para atirar à queima roupa em desertores. Ou seja, desde jovem, arriscava sua vida pela verdade e mostrava-se ser seu colaborador.
Ele e seu irmão reinscreveram-se no seminário de Traunstein, e depois ele foi para o Herzogliches Georgianum, um instituto teológico ligado à Universidade de Munique. Joseph também estudou na Escola Superior de Filosofia e Teologia de Freising. Por fim, em 1951, foi ordenado em 29 de junho, festa de São Pedro e São Paulo.
O tomismo dominava o pensamento teológico de sua época. No entanto, o jovem Padre Ratzinger tinha uma visão filosófica e teológica incomum para o seu tempo, pois era agostiniano. Tornou-se doutor com a tese “Povo e Casa de Deus na Doutrina da Igreja de Santo Agostinho”. Em seguida, 4 anos depois, escreveu a dissertação “A teologia da história de São Boaventura” para obter sua livre-docência.
Como sacerdote, não só tinha uma fé exemplar, como também uma inteligência brilhante. No período entre 1957 e 1968, integrava o seleto grupo de maiores teólogos de seu tempo. Tanto que participou do Concílio Vaticano II como “perito” para o Cardeal Joseph Frings, arcebispo de Colônia quando tinha apenas 38 anos.
Entre suas grandes obras estão Introdução ao Cristianismo, Jesus de Nazaré, O Novo Povo de Deus e Introdução ao Espírito da Liturgia.
Em 25 de março de 1977, Paulo VI o nomeou arcebispo de Munique e Fresing e em 28 de maio foi então consagrado bispo, tendo como lema, como já dissemos, “Cooperadores da Verdade”. Sobre o lema, ele explica:
“Por um lado, eu o enxergava como a relação entre meu trabalho anterior como professor e minha nova missão. A despeito das abordagens diferentes, tratava-se de seguir a verdade e de estar a serviço dela — e continuou sendo assim. Por outro, escolhi esse lema porque, no mundo atual, o tema da verdade é omitido quase que por completo, como algo grandioso demais para o homem, mas na verdade tudo desmorona quando ela está ausente.”
Citação retirada do nosso livro História dos Papas (2022), p. 507.
Em 27 de junho do mesmo ano, Paulo VI o fez Cardeal. No ano seguinte, o Cardeal Ratzinger participaria de dois conclaves — que elegeram João Paulo I e João Paulo II. Anos mais tarde, em 1981, São João Paulo II o nomearia Prefeito da Congregação para Doutrina da Fé — órgão responsável por analisar a integridade da fé e da doutrina na Igreja, sobretudo no próprio clero.
Uma de suas primeiras missões foi liderar a comissão que preparou o atual Catecismo da Igreja Católica. Entrou na mira dos católicos liberais quando defendia os ensinamentos da Igreja sobre temas como aborto, homossexualidade, contracepção, divórcio, educação, etc.
De tempos em tempos, corrigia teólogos e seus desvios doutrinais. Junto com São João Paulo II, combateu os erros da Teologia da Libertação:
A subversão do significado do texto conciliar sobre a subsistência da Igreja está na base do relativismo eclesiológico de L. Boff, supra delineado, no qual se desenvolve e se explicita um profundo desentendimento daquilo que a fé católica professa a respeito da Igreja de Deus no mundo.
Congregação para Doutrina da Fé, Notificação sobre o livro “Igreja: Carisma e Poder” do frei brasileiro Leonardo Boff, O.F.M.
Aos poucos, São João Paulo II lhe confiara as mais diversas responsabilidades:
(…) em vários momentos, ele foi membro do Conselho da Secretaria de Estado; das Congregações para as Igrejas Orientais, para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, para os Bispos, para a Evangelização dos Povos, para a Educação Católica, para o Clero e para as Causas dos Santos; dos Pontifícios Conselhos para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e para a Cultura; do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica; e das Pontifícias Comissões para a América Latina, “Ecclesia Dei”, para a Interpretação Autêntica do Código de Direito Canônico e para a Revisão do Código de Direito Canônico das Igrejas Orientais.
Citação retirada do nosso livro História dos Papas (2022), p. 508.
À medida que a saúde de do Papa se debilitava, o Cardeal Ratzinger era visto cada vez mais ao seu lado. Na sexta-feira santa de 2005, São João Paulo II encarregou-o de liderar os fiéis com as meditações da Via Sacra no Coliseu em Roma.
O Papa João Paulo II encontrava-se bastante abatido por sua enfermidade. Sob o solo sagrado do Coliseu, outrora regado com o sangue dos mártires, ouviu seu amigo recitar as meditações da Via Crucis
Citação retirada do nosso Guia de Leitura “O Redentor da História”, p. 13.
Mesmo às vésperas do conclave, o então Cardeal Ratzinger mantinha-se firme na defesa da fé católica e no ataque aos inimigos da Igreja. Suas palavras na homilia da Missa de abertura do conclave, em 18 de abril de 2005 prefiguravam o que seria seu pontificado:
Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decénios, quantas correntes ideológicas, quantas modas do pensamento… A pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi muitas vezes agitada por estas ondas lançada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até à libertinagem, ao coletivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante. Cada dia surgem novas seitas e realiza-se quanto diz São Paulo acerca do engano dos homens, da astúcia que tende a levar ao erro (cf. Ef 4, 14). Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, muitas vezes é classificado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, isto é, deixar-se levar “aqui e além por qualquer vento de doutrina”, aparece como a única atitude à altura dos tempos hodiernos. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades.
Santa Missa Pro Eligendo Romano Pontifice, Homilia do Cardeal Joseph Ratzinger.
Muitos achavam suas palavras fortes, até mesmo perturbadoras, todavia se consolavam achando ser improvável sua eleição. Outros achavam que suas opiniões pesariam bastante no conclave, mas poucos achavam que ele seria eleito.
No entanto, após meros dois dias, a fumaça branca e o toque dos sinos indicou a eleição de um papa.
A fumaça branca saíra às 17:50 daquele 19 de Abril. Às 18:40, da varanda da Basílica de São Pedro, ouviu-se o anúncio:
Annuntio vobis gaudium magnum; habemus Papam:
Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum
Dominum Josephum,
Sanctæ Romanæ Ecclesiæ, Cardinalem Ratzinger
qui sibi nomen imposuit Benedicti Decimi Sexti.
Mas por que “Bento XVI’ (Benedicti Decimi Sexti)?
Seu nome, em primeiro lugar, é uma homenagem a São Bento, pai do monasticismo oriental e padroeiro da Europa. Os mosteiros beneditinos foram fundamentais para preservar a cultura ocidental durante as invasões bárbaras. Era um sinal de como viria a ser seu pontificado: uma restauração da cultura ocidental contra o neopaganismo que havia se espalhado pela Europa e pelo mundo.
Por outro lado, Bento também fazia alusão a um de seus predecessores: Bento XV, que foi papa durante a Primeira Guerra Mundial e tentou sem sucesso alcançar a paz e cujo pontificado foi marcado por uma reforma administrativa da Igreja e um caráter de abertura e diálogo.
Enquanto Papa, Bento XVI esforçou-se para unir a Igreja, restaurar a liturgia e corrigir os erros doutrinais que ainda se espalhavam.
Prezou pela reta interpretação do Concílio Vaticano II sob o que chamou de “hermenêutica da continuidade”, onde buscava a restauração da continuidade entre o passado e o presente, enquanto algumas interpretações do Concílio viam-no como uma ruptura, como uma nova Igreja.
Talvez tenha sido o Papa mais erudito da história e, certamente, um dos mais sábios teólogos que já viveram.
Sua primeira encíclica tratou fundamentalmente do amor divino para com o ser humano, buscando resgatar o verdadeiro significado do amor enquanto sacrifício, o amor que toca o vértice da existência. A segunda delas, Spe Salvi, dedicou-se ao resgate da Esperança cristã. A terceira, Caritas in Veritate, em homenagem ao quadragésimo aniversário da Populorum Progressio de Paulo VI, entrou para o rol de encíclicas sociais. Entre outros documentos, tratou ainda da centralidade da Eucaristia na vida da Igreja com a exortação apostólica Sacramentum Caritatis.
Bento XVI esteve no Brasil em três oportunidades, mas apenas em uma delas como Papa.
Entre 9 e 13 de maio de 2007 esteve entre nós por ocasião da 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe (CELAM), que ocorreu em Aparecida (SP).
Enquanto esteve no Brasil também canonizou Santo Antônio de Sant’Anna Galvão — nosso querido Frei Galvão —, o primeiro santo nascido no Brasil.
A humildade de Bento XVI esteve evidente desde o início de seu pontificado. Tão logo em suas primeiras palavras como Papa reconheceu-se como “um simples humilde trabalhador na vinha do Senhor”.
Depois de 8 anos de pontificado, reconhecendo o peso de sua idade, o esvaimento de suas forças e a vitalidade que a cátedra de Pedro reclamava, em 11 de fevereiro de 2013, Bento XVI apresenta sua renúncia.
Desde então, o Santo Padre passou a viver recluso no Vaticano, no mosteiro Mater Ecclesiae, por causa de sua frágil saúde. Em uma de suas poucas, mas sempre ricas, aparições, Bento XVI ilumina nossa fé e fortalece nossa esperança com as suas palavras:
Encontro-me diante do último trecho do percurso da minha vida e não sei o que me espera. Contudo, sei que a luz de Deus está presente, que Ele ressuscitou, que a sua luz é mais forte do que toda a obscuridade; que a bondade de Deus é maior do que todo o mal deste mundo. E isto ajuda-me a prosseguir com segurança
O maior clube de leitores católicos do Brasil.
Cooperatoris Veritatis foi o lema escolhido por Bento XVI quando se tornou arcebispo de Munique e mantido por ele quando eleito Papa.
Cooperador ou colaborador da verdade é a sua tradução literal. Mais do que um lema, “colaborador da verdade” é uma chave de leitura para compreender a vida do Papa Emérito, desde o seu berço e sua infância
O futuro Papa nasceu na Alemanha, em Marktl am Inn, na Baviera, em 16 de abril de 1927. Era um Sábado de Aleluia. Nesse mesmo dia, o jovem Joseph Ratzinger foi batizado — era um costume desde a Igreja Primitiva ter muitos batismos formais nessa data.
O próprio Santo Padre considera essa coincidência um desígnio da Providência:
Ser a primeira pessoa batizada com a nova água foi considerado um ato significativo da Providência. Sempre senti muita gratidão por ter minha vida imersa no Mistério da Páscoa desse modo.. quanto mais penso nisso, mais me parece adequado para a natureza da nossa vida humana: ainda estamos esperando a Páscoa; ainda não estamos diante da luz plena, mas caminhamos rumo a ela repletos de confiança.
Citação retirada do nosso livro História dos Papas (2022), p. 503.
Era o irmão caçula, tendo dois irmãos. Seu pai, também Joseph Ratzinger, era policial e a família toda era católica — seu tio, George Ratzinger foi membro do Partido Central Católico dos parlamentos bávaro e alemão. Por isso mesmo Joseph pai opôs-se cada vez mais ao Partido Nazista. Recusava-se a fazer vista grossa quando os nazistas violavam as leis e acabou por ser rebaixado e transferido várias vezes.
Ele se aposentou mais cedo, mesmo sabendo que isso agravaria a situação financeira da família, pois se recusava a servir ao exército nazista.
A infância e a juventude do Papa Emérito foi profundamente marcada pela ascensão do nazismo. Viu seu pároco ser espancado antes da celebração de uma Missa, viu um primo seu com síndrome de Down ser levado para ser morto pelos nazistas, mas também viu seus pais e amigos perseverarem e manterem uma profunda fé.
Ele entrou para o seminário menor, mas logo a legislação obrigou todos os jovens a fazerem parte da juventude hitlerista. Convocaram-no para ir à Guerra, caçoavam de si por querer ser padre e logo abandonou o quartel — mesmo sabendo que os guardas tinham ordens para atirar à queima roupa em desertores. Ou seja, desde jovem, arriscava sua vida pela verdade e mostrava-se ser seu colaborador.
Ele e seu irmão reinscreveram-se no seminário de Traunstein, e depois ele foi para o Herzogliches Georgianum, um instituto teológico ligado à Universidade de Munique. Joseph também estudou na Escola Superior de Filosofia e Teologia de Freising. Por fim, em 1951, foi ordenado em 29 de junho, festa de São Pedro e São Paulo.
O tomismo dominava o pensamento teológico de sua época. No entanto, o jovem Padre Ratzinger tinha uma visão filosófica e teológica incomum para o seu tempo, pois era agostiniano. Tornou-se doutor com a tese “Povo e Casa de Deus na Doutrina da Igreja de Santo Agostinho”. Em seguida, 4 anos depois, escreveu a dissertação “A teologia da história de São Boaventura” para obter sua livre-docência.
Como sacerdote, não só tinha uma fé exemplar, como também uma inteligência brilhante. No período entre 1957 e 1968, integrava o seleto grupo de maiores teólogos de seu tempo. Tanto que participou do Concílio Vaticano II como “perito” para o Cardeal Joseph Frings, arcebispo de Colônia quando tinha apenas 38 anos.
Entre suas grandes obras estão Introdução ao Cristianismo, Jesus de Nazaré, O Novo Povo de Deus e Introdução ao Espírito da Liturgia.
Em 25 de março de 1977, Paulo VI o nomeou arcebispo de Munique e Fresing e em 28 de maio foi então consagrado bispo, tendo como lema, como já dissemos, “Cooperadores da Verdade”. Sobre o lema, ele explica:
“Por um lado, eu o enxergava como a relação entre meu trabalho anterior como professor e minha nova missão. A despeito das abordagens diferentes, tratava-se de seguir a verdade e de estar a serviço dela — e continuou sendo assim. Por outro, escolhi esse lema porque, no mundo atual, o tema da verdade é omitido quase que por completo, como algo grandioso demais para o homem, mas na verdade tudo desmorona quando ela está ausente.”
Citação retirada do nosso livro História dos Papas (2022), p. 507.
Em 27 de junho do mesmo ano, Paulo VI o fez Cardeal. No ano seguinte, o Cardeal Ratzinger participaria de dois conclaves — que elegeram João Paulo I e João Paulo II. Anos mais tarde, em 1981, São João Paulo II o nomearia Prefeito da Congregação para Doutrina da Fé — órgão responsável por analisar a integridade da fé e da doutrina na Igreja, sobretudo no próprio clero.
Uma de suas primeiras missões foi liderar a comissão que preparou o atual Catecismo da Igreja Católica. Entrou na mira dos católicos liberais quando defendia os ensinamentos da Igreja sobre temas como aborto, homossexualidade, contracepção, divórcio, educação, etc.
De tempos em tempos, corrigia teólogos e seus desvios doutrinais. Junto com São João Paulo II, combateu os erros da Teologia da Libertação:
A subversão do significado do texto conciliar sobre a subsistência da Igreja está na base do relativismo eclesiológico de L. Boff, supra delineado, no qual se desenvolve e se explicita um profundo desentendimento daquilo que a fé católica professa a respeito da Igreja de Deus no mundo.
Congregação para Doutrina da Fé, Notificação sobre o livro “Igreja: Carisma e Poder” do frei brasileiro Leonardo Boff, O.F.M.
Aos poucos, São João Paulo II lhe confiara as mais diversas responsabilidades:
(…) em vários momentos, ele foi membro do Conselho da Secretaria de Estado; das Congregações para as Igrejas Orientais, para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, para os Bispos, para a Evangelização dos Povos, para a Educação Católica, para o Clero e para as Causas dos Santos; dos Pontifícios Conselhos para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e para a Cultura; do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica; e das Pontifícias Comissões para a América Latina, “Ecclesia Dei”, para a Interpretação Autêntica do Código de Direito Canônico e para a Revisão do Código de Direito Canônico das Igrejas Orientais.
Citação retirada do nosso livro História dos Papas (2022), p. 508.
À medida que a saúde de do Papa se debilitava, o Cardeal Ratzinger era visto cada vez mais ao seu lado. Na sexta-feira santa de 2005, São João Paulo II encarregou-o de liderar os fiéis com as meditações da Via Sacra no Coliseu em Roma.
O Papa João Paulo II encontrava-se bastante abatido por sua enfermidade. Sob o solo sagrado do Coliseu, outrora regado com o sangue dos mártires, ouviu seu amigo recitar as meditações da Via Crucis
Citação retirada do nosso Guia de Leitura “O Redentor da História”, p. 13.
Mesmo às vésperas do conclave, o então Cardeal Ratzinger mantinha-se firme na defesa da fé católica e no ataque aos inimigos da Igreja. Suas palavras na homilia da Missa de abertura do conclave, em 18 de abril de 2005 prefiguravam o que seria seu pontificado:
Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decénios, quantas correntes ideológicas, quantas modas do pensamento… A pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi muitas vezes agitada por estas ondas lançada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até à libertinagem, ao coletivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante. Cada dia surgem novas seitas e realiza-se quanto diz São Paulo acerca do engano dos homens, da astúcia que tende a levar ao erro (cf. Ef 4, 14). Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, muitas vezes é classificado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, isto é, deixar-se levar “aqui e além por qualquer vento de doutrina”, aparece como a única atitude à altura dos tempos hodiernos. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades.
Santa Missa Pro Eligendo Romano Pontifice, Homilia do Cardeal Joseph Ratzinger.
Muitos achavam suas palavras fortes, até mesmo perturbadoras, todavia se consolavam achando ser improvável sua eleição. Outros achavam que suas opiniões pesariam bastante no conclave, mas poucos achavam que ele seria eleito.
No entanto, após meros dois dias, a fumaça branca e o toque dos sinos indicou a eleição de um papa.
A fumaça branca saíra às 17:50 daquele 19 de Abril. Às 18:40, da varanda da Basílica de São Pedro, ouviu-se o anúncio:
Annuntio vobis gaudium magnum; habemus Papam:
Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum
Dominum Josephum,
Sanctæ Romanæ Ecclesiæ, Cardinalem Ratzinger
qui sibi nomen imposuit Benedicti Decimi Sexti.
Mas por que “Bento XVI’ (Benedicti Decimi Sexti)?
Seu nome, em primeiro lugar, é uma homenagem a São Bento, pai do monasticismo oriental e padroeiro da Europa. Os mosteiros beneditinos foram fundamentais para preservar a cultura ocidental durante as invasões bárbaras. Era um sinal de como viria a ser seu pontificado: uma restauração da cultura ocidental contra o neopaganismo que havia se espalhado pela Europa e pelo mundo.
Por outro lado, Bento também fazia alusão a um de seus predecessores: Bento XV, que foi papa durante a Primeira Guerra Mundial e tentou sem sucesso alcançar a paz e cujo pontificado foi marcado por uma reforma administrativa da Igreja e um caráter de abertura e diálogo.
Enquanto Papa, Bento XVI esforçou-se para unir a Igreja, restaurar a liturgia e corrigir os erros doutrinais que ainda se espalhavam.
Prezou pela reta interpretação do Concílio Vaticano II sob o que chamou de “hermenêutica da continuidade”, onde buscava a restauração da continuidade entre o passado e o presente, enquanto algumas interpretações do Concílio viam-no como uma ruptura, como uma nova Igreja.
Talvez tenha sido o Papa mais erudito da história e, certamente, um dos mais sábios teólogos que já viveram.
Sua primeira encíclica tratou fundamentalmente do amor divino para com o ser humano, buscando resgatar o verdadeiro significado do amor enquanto sacrifício, o amor que toca o vértice da existência. A segunda delas, Spe Salvi, dedicou-se ao resgate da Esperança cristã. A terceira, Caritas in Veritate, em homenagem ao quadragésimo aniversário da Populorum Progressio de Paulo VI, entrou para o rol de encíclicas sociais. Entre outros documentos, tratou ainda da centralidade da Eucaristia na vida da Igreja com a exortação apostólica Sacramentum Caritatis.
Bento XVI esteve no Brasil em três oportunidades, mas apenas em uma delas como Papa.
Entre 9 e 13 de maio de 2007 esteve entre nós por ocasião da 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe (CELAM), que ocorreu em Aparecida (SP).
Enquanto esteve no Brasil também canonizou Santo Antônio de Sant’Anna Galvão — nosso querido Frei Galvão —, o primeiro santo nascido no Brasil.
A humildade de Bento XVI esteve evidente desde o início de seu pontificado. Tão logo em suas primeiras palavras como Papa reconheceu-se como “um simples humilde trabalhador na vinha do Senhor”.
Depois de 8 anos de pontificado, reconhecendo o peso de sua idade, o esvaimento de suas forças e a vitalidade que a cátedra de Pedro reclamava, em 11 de fevereiro de 2013, Bento XVI apresenta sua renúncia.
Desde então, o Santo Padre passou a viver recluso no Vaticano, no mosteiro Mater Ecclesiae, por causa de sua frágil saúde. Em uma de suas poucas, mas sempre ricas, aparições, Bento XVI ilumina nossa fé e fortalece nossa esperança com as suas palavras:
Encontro-me diante do último trecho do percurso da minha vida e não sei o que me espera. Contudo, sei que a luz de Deus está presente, que Ele ressuscitou, que a sua luz é mais forte do que toda a obscuridade; que a bondade de Deus é maior do que todo o mal deste mundo. E isto ajuda-me a prosseguir com segurança