Formação

A Igreja diante da Revolução Científica

A Revolução Científica não negou a fé: ao contrário, muitos cientistas eram cristãos que viam na criação reflexos do Criador.

A Igreja diante da Revolução Científica
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A Igreja diante da Revolução Científica

A Revolução Científica não negou a fé: ao contrário, muitos cientistas eram cristãos que viam na criação reflexos do Criador.

Data da Publicação: 18/08/2025
Tempo de leitura:
Autor: Redação MBC
Data da Publicação: 18/08/2025
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Autor: Redação MBC

São, porém, vãos todos os homens em que não se acha a ciência de Deus, e que pelos bens visíveis não chegaram a conhecer Aquele que é, nem, considerando as suas obras, reconheceram quem era o artífice. (Sb 13,1)

As maravilhas da natureza exercem um fascínio aos sentidos humanos. Com sua beleza, ordem, hierarquia e multiplicidade, despertam o desejo de conhecer os seus detalhes. Ao contemplar o sol, as estrelas, a lua, os planetas e corpos celestes, as montanhas e vales, florestas e matas, o ser humano se sente impelido a compreender melhor as coisas que o rodeiam. Os frutos e as flores, os oceanos e rios, os ventos e as chuvas, os animais que vivem na terra, no mar ou que voam convidam o homem a buscar a explicação da sua origem. Do universo e seus componentes gigantescos à matéria com suas qualidades microscópicas, tudo atrai o ser humano ao conhecimento. E todo conhecimento conduz, também, ao questionamento sobre as suas causas.

Assim, a contemplação dos seres criados convida a inteligência a buscar o Criador, pois as obras revelam algo sobre o seu artista. A Revelação também sustenta essa realidade com o relato do Gênesis e o prólogo do apóstolo São João, que atesta que o Verbo “Estava no princípio junto de Deus” e que “todas as coisas foram feitas por ele; e sem ele nada foi feito” (Jo 1, 2-3). Por isso, os Padres da Igreja ressaltaram que a Criação é fruto da bondade e do amor de Deus. As suas obras são um reflexo da sabedoria do Verbo (ou Logos), princípio imutável que ordenou todas as coisas.

Porém, hoje somos levados a pensar que uma mentalidade científica, que estuda e conhece as leis da natureza, não deixa espaço para o Deus criador e para a Fé. As descobertas científicas e, sobretudo, as suas aplicações tecnológicas, dão a impressão de que as verdades da fé foram ultrapassadas pelas verdades da ciência, que seria a fonte de certezas e conhecimento indubitável.

Num primeiro olhar, a origem dessa visão apareceu na Revolução Científica ocorrida no século XVI, que se apresentava como a libertação do conhecimento aprisionado durante séculos pelo catolicismo; a inauguração de uma nova época de domínio da natureza que não foi possível anterior-mente por causa de uma Igreja que temia perder sua influência e domínio. Na verdade, o termo Revolução Científica designa a alteração no modo de estudar a natureza que ocorreu, sobretudo, a partir de 1500 — conforme definido pelo historiador da ciência Alexandre Koyré. De fato, com o auxílio da experiência e da matemática, a ciência empírica alcançou resultados nunca antes vistos.

O sucesso obtido dentro do seu âmbito elevou o prestígio da ciência como o mais alto grau de conhecimento que poderia ser alcançado pelo homem, substituindo a filosofia e a teologia perante a opinião pública. Seus princípios e teorias tornaram-se a medida de tudo o que é possível conhecer, de modo que fora do seu alcance nada seria real ou verdadeiro. Os resultados científicos trouxeram consigo uma nova visão de mundo, diferente daquela que era conhecida. Ao perguntarmos o motivo desse desenvolvimento não ter ocorrido anteriormente, alguns foram levados a acreditar que foi a Igreja que o impediu de acontecer.

Porém, os fatos ocorridos durante a Revolução Científica não confirmam essa hipótese. A própria biografia dos principais cientistas que protagonizaram essa mudança demonstra uma forte influência religiosa e revela o contrário. De modo que os saberes científicos não anulam os conhecimentos filosóficos e teológicos, mas os complementam.

Nicolau Copérnico, que propôs o modelo heliocêntrico, era cônego da Catedral de Frombork na Polônia, formado em direito canônico, medicina, astronomia e matemática. Ele havia sido consultado pelo Papa para a reforma do calendário por ser um astrônomo respeitado na época. Na dedicatória do seu livro Das Revoluções das Órbitas Celestes, dirigida ao Papa Paulo III, afirmava que o seu trabalho buscava descrever a ordem do cosmos estabelecida pela verdade divina.

Kepler, matemático muito competente, foi procurado por outro astrônomo para levar a cabo a interpretação dos dados celestes que havia compila-do. Era luterano com intensa espiritualidade, embora tenha trabalhado em universidades católicas da época, como a Universidade de Graz, na Áustria. Sua visão era a do universo como reflexo da Trindade, com uma harmonia matemática e geométrica que podia ser encontrada, por exemplo, nas órbitas dos planetas.

Monumento a Nicolau Copérnico em Cracóvia.

As controvérsias em torno do caso Galileu escondem o fato de que ele nunca deixou de ser católico. A Igreja pediu que ele tratasse o heliocentrismo como hipótese enquanto não houvesse provas convincentes e que ele não interpretasse as Sagradas Escrituras a seu modo. Porém, ele não seguiu o conselho, foi julgado duas vezes e condenado à prisão domiciliar até o fim da vida. Isaac Newton realizou a grande síntese do que havia sido feito anteriormente, com princípios e leis que explicam o movimento na Terra e nos céus. Como os seus antecessores, era religioso, professava a fé anglicana e se dedicava a estudar a Bíblia. No seu livro em que expôs as leis da mecânica e da gravitação universal, procurou demonstrar que elas foram estabelecidas por Deus.

Com o passar dos séculos e o avanço dos estudos científicos, surgiram outros exemplos de cientistas renomados que praticavam a fé. André-Marie Ampère, um dos principais estudiosos das leis do eletromagnetismo, era visto a rezar o rosário com muita piedade na paróquia que frequentava. O Beato Frederico Ozanam, em meio a uma crise de fé o avistou e o seu testemunho fortaleceu sua fé e, anos mais tarde, fundou a Sociedade de São Vicente de Paulo.

Estátua em homenagem a Andre-Marie Ampere, em Lyon, França.

Alessandro Volta é conhecido pela construção da pilha elétrica, mas poucos conhecem a sua vida de devoção, participação na Santa Missa e, até mesmo, de professor de Catecismo em uma paróquia italiana. Gregor Mendel foi sacerdote e monge agostiniano na Abadia de Santo Tomás em Brno (República Tcheca). Ele é considerado pioneiro da genética moderna por seus estudos realizados com ervilhas. O mosteiro contava com uma extensa biblioteca e um vasto jardim, que serviram de laboratório para Mendel desenvolver seus estudos sobre a hereditariedade.

A Teoria do Big Bang tem como um dos primeiros formuladores Georges Lemaître, sacerdote jesuíta belga, que também foi astrofísico. Ele propôs a teoria do “átomo primordial”, uma espécie de precursora do Big Bang e que dá nome a uma importante equação que faz parte da Teoria da Relatividade Geral. Em uma entrevista ao New York Times, declarou que não via nenhum conflito entre religião e ciência, pois são “duas maneiras de se chegar à verdade” 1.

A adoração ao Deus verdadeiro, Pai de Jesus Cristo, e não aos entes criados, foi um fator que abriu caminho para o estudo mais aprofundado da natureza. Além disso, a noção de que a ordem em que o universo está disposto, com suas regularidades e movimentos periódicos, revela a existência da sabedoria divina foi outro ponto importante que precedeu a ciência moderna. Porém, não bastava o interesse isolado de um ou vários estudiosos, mas uma organização em torno da vida de estudos, que só foi alcançada com a instituição universitária que veio à tona no século XII, ou seja, em plena cristandade medieval.

Na Idade Média, período erroneamente associado ao obscurantismo, também houve um interesse pelo estudo da natureza, inclusive por santos, como Santo Alberto Magno e Santa Hildegarda. Eles se debruçaram sobre a natu-reza para compreender como a criação revelava a mão e a sabedoria de Deus.

Algumas universidades medievais se tornaram centros de pesquisa da natureza. Em Paris, local em que Santo Alberto trabalhou, outro nome importante foi Jean Buridan (século XIV), que foi clérigo secular e desenvolveu a teoria do ímpeto, espécie de precursora da inércia de Newton, nos comentários que escreveu sobre Aristóteles. Nicolas Oresme, bispo de Lisieux no século XIV, também clérigo, propôs a rotação da Terra e contestou o geocentrismo.

Em Oxford, o bispo Robert Grosseteste desenvolveu estudos em óptica e astronomia, por meio da experimentação e da observação da natureza. O frade franciscano do século XIII, Roger Bacon, defendeu o método empírico e influenciou a filosofia natural. Esses poucos exemplos, junto aos aspectos teóricos e organizacionais, salientam a contribuição da fé cristã para a compreensão da natureza que culminou com a Revolução Científica do século XVI.

O Magistério da Igreja se pronunciou algumas vezes sobre a atividade científica. Um dos princípios defendidos é o da autonomia para os cientistas realizarem as suas pesquisas, desde que elas se ordenem ao bem do ser humano e aos valores mais elevados 2. São João Paulo II afirmou que “a verdade não pode contradizer a verdade” e que as ciências devem trabalhar dentro dos seus âmbitos específicos, que, por sua vez, não abarcam a realidade totalmente 3.

Por isso,

Ao exprimir a minha admiração e o meu encorajamento a estes valorosos pioneiros da pesquisa científica, a quem a humanidade muito deve do seu progresso atual, sinto o dever de exortá-los a prosseguir nos seus esforços, permanecendo sempre naquele horizonte sapiencial onde aos resultados científicos e tecnológicos se unem os valores filosóficos e éticos, que são manifestação característica e imprescindível da pessoa humana. O cientista está bem cônscio de que “a busca da verdade, mesmo quando se refere a uma realidade limitada do mundo ou do homem, jamais ter-mina; remete sempre a alguma coisa que está acima do objeto imediato dos estudos, para os interrogativos que abrem o acesso ao mistério” 4.

As Sagradas Escrituras afirmam que pela grandeza e beleza das criaturas se pode, por analogia, chegar ao conhecimento do seu Criador (Sb 13,5) e que tudo o que respira louva o Senhor! (Sl 150,6). A Igreja, através de seus membros, possibilitou o desenvolvimento dos estudos sobre a natureza, com a finalidade de conhecer a sabedoria de Deus, manifestada nas suas criaturas, para amá-lo e adorá-lo, como Senhor e Criador, princípio e fim de tudo o que existe. Quando os cientistas procuram tomar o lugar de Deus, eles falham e também a ciência ultrapassa os seus próprios limites. Por isso, para todo estudo da realidade natural, a Igreja pede cautela e um olhar voltado para o que transcende o objeto estudado, um olhar voltado para o que mais importa, para a Eternidade.

Referências

  1. “Lemaître Follows Two Paths to Truth” (1933 New York Times Interview with Fr. Lemaître, Father of the Big Bang Theory). Disponível em: https://catholicscientists.org/articles/lemaitre-follows-two-paths-to-truth-new-york-times-1933-interview–with-lemaitre/[]
  2. Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, n. 59[]
  3. Papa João Paulo II, Mensaje del Santo Padre Juan Pablo II a los miembros de la Aca-demia Pontificia de Ciencias. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john–paul-ii/es/messages/pont_messages/1996/documents/hf_jp-ii_mes_19961022_evo-luzione.html[]
  4. Papa João Paulo II, Fides et Ratio, n. 106[]
Redação MBC

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São, porém, vãos todos os homens em que não se acha a ciência de Deus, e que pelos bens visíveis não chegaram a conhecer Aquele que é, nem, considerando as suas obras, reconheceram quem era o artífice. (Sb 13,1)

As maravilhas da natureza exercem um fascínio aos sentidos humanos. Com sua beleza, ordem, hierarquia e multiplicidade, despertam o desejo de conhecer os seus detalhes. Ao contemplar o sol, as estrelas, a lua, os planetas e corpos celestes, as montanhas e vales, florestas e matas, o ser humano se sente impelido a compreender melhor as coisas que o rodeiam. Os frutos e as flores, os oceanos e rios, os ventos e as chuvas, os animais que vivem na terra, no mar ou que voam convidam o homem a buscar a explicação da sua origem. Do universo e seus componentes gigantescos à matéria com suas qualidades microscópicas, tudo atrai o ser humano ao conhecimento. E todo conhecimento conduz, também, ao questionamento sobre as suas causas.

Assim, a contemplação dos seres criados convida a inteligência a buscar o Criador, pois as obras revelam algo sobre o seu artista. A Revelação também sustenta essa realidade com o relato do Gênesis e o prólogo do apóstolo São João, que atesta que o Verbo “Estava no princípio junto de Deus” e que “todas as coisas foram feitas por ele; e sem ele nada foi feito” (Jo 1, 2-3). Por isso, os Padres da Igreja ressaltaram que a Criação é fruto da bondade e do amor de Deus. As suas obras são um reflexo da sabedoria do Verbo (ou Logos), princípio imutável que ordenou todas as coisas.

Porém, hoje somos levados a pensar que uma mentalidade científica, que estuda e conhece as leis da natureza, não deixa espaço para o Deus criador e para a Fé. As descobertas científicas e, sobretudo, as suas aplicações tecnológicas, dão a impressão de que as verdades da fé foram ultrapassadas pelas verdades da ciência, que seria a fonte de certezas e conhecimento indubitável.

Num primeiro olhar, a origem dessa visão apareceu na Revolução Científica ocorrida no século XVI, que se apresentava como a libertação do conhecimento aprisionado durante séculos pelo catolicismo; a inauguração de uma nova época de domínio da natureza que não foi possível anterior-mente por causa de uma Igreja que temia perder sua influência e domínio. Na verdade, o termo Revolução Científica designa a alteração no modo de estudar a natureza que ocorreu, sobretudo, a partir de 1500 — conforme definido pelo historiador da ciência Alexandre Koyré. De fato, com o auxílio da experiência e da matemática, a ciência empírica alcançou resultados nunca antes vistos.

O sucesso obtido dentro do seu âmbito elevou o prestígio da ciência como o mais alto grau de conhecimento que poderia ser alcançado pelo homem, substituindo a filosofia e a teologia perante a opinião pública. Seus princípios e teorias tornaram-se a medida de tudo o que é possível conhecer, de modo que fora do seu alcance nada seria real ou verdadeiro. Os resultados científicos trouxeram consigo uma nova visão de mundo, diferente daquela que era conhecida. Ao perguntarmos o motivo desse desenvolvimento não ter ocorrido anteriormente, alguns foram levados a acreditar que foi a Igreja que o impediu de acontecer.

Porém, os fatos ocorridos durante a Revolução Científica não confirmam essa hipótese. A própria biografia dos principais cientistas que protagonizaram essa mudança demonstra uma forte influência religiosa e revela o contrário. De modo que os saberes científicos não anulam os conhecimentos filosóficos e teológicos, mas os complementam.

Nicolau Copérnico, que propôs o modelo heliocêntrico, era cônego da Catedral de Frombork na Polônia, formado em direito canônico, medicina, astronomia e matemática. Ele havia sido consultado pelo Papa para a reforma do calendário por ser um astrônomo respeitado na época. Na dedicatória do seu livro Das Revoluções das Órbitas Celestes, dirigida ao Papa Paulo III, afirmava que o seu trabalho buscava descrever a ordem do cosmos estabelecida pela verdade divina.

Kepler, matemático muito competente, foi procurado por outro astrônomo para levar a cabo a interpretação dos dados celestes que havia compila-do. Era luterano com intensa espiritualidade, embora tenha trabalhado em universidades católicas da época, como a Universidade de Graz, na Áustria. Sua visão era a do universo como reflexo da Trindade, com uma harmonia matemática e geométrica que podia ser encontrada, por exemplo, nas órbitas dos planetas.

Monumento a Nicolau Copérnico em Cracóvia.

As controvérsias em torno do caso Galileu escondem o fato de que ele nunca deixou de ser católico. A Igreja pediu que ele tratasse o heliocentrismo como hipótese enquanto não houvesse provas convincentes e que ele não interpretasse as Sagradas Escrituras a seu modo. Porém, ele não seguiu o conselho, foi julgado duas vezes e condenado à prisão domiciliar até o fim da vida. Isaac Newton realizou a grande síntese do que havia sido feito anteriormente, com princípios e leis que explicam o movimento na Terra e nos céus. Como os seus antecessores, era religioso, professava a fé anglicana e se dedicava a estudar a Bíblia. No seu livro em que expôs as leis da mecânica e da gravitação universal, procurou demonstrar que elas foram estabelecidas por Deus.

Com o passar dos séculos e o avanço dos estudos científicos, surgiram outros exemplos de cientistas renomados que praticavam a fé. André-Marie Ampère, um dos principais estudiosos das leis do eletromagnetismo, era visto a rezar o rosário com muita piedade na paróquia que frequentava. O Beato Frederico Ozanam, em meio a uma crise de fé o avistou e o seu testemunho fortaleceu sua fé e, anos mais tarde, fundou a Sociedade de São Vicente de Paulo.

Estátua em homenagem a Andre-Marie Ampere, em Lyon, França.

Alessandro Volta é conhecido pela construção da pilha elétrica, mas poucos conhecem a sua vida de devoção, participação na Santa Missa e, até mesmo, de professor de Catecismo em uma paróquia italiana. Gregor Mendel foi sacerdote e monge agostiniano na Abadia de Santo Tomás em Brno (República Tcheca). Ele é considerado pioneiro da genética moderna por seus estudos realizados com ervilhas. O mosteiro contava com uma extensa biblioteca e um vasto jardim, que serviram de laboratório para Mendel desenvolver seus estudos sobre a hereditariedade.

A Teoria do Big Bang tem como um dos primeiros formuladores Georges Lemaître, sacerdote jesuíta belga, que também foi astrofísico. Ele propôs a teoria do “átomo primordial”, uma espécie de precursora do Big Bang e que dá nome a uma importante equação que faz parte da Teoria da Relatividade Geral. Em uma entrevista ao New York Times, declarou que não via nenhum conflito entre religião e ciência, pois são “duas maneiras de se chegar à verdade” 1.

A adoração ao Deus verdadeiro, Pai de Jesus Cristo, e não aos entes criados, foi um fator que abriu caminho para o estudo mais aprofundado da natureza. Além disso, a noção de que a ordem em que o universo está disposto, com suas regularidades e movimentos periódicos, revela a existência da sabedoria divina foi outro ponto importante que precedeu a ciência moderna. Porém, não bastava o interesse isolado de um ou vários estudiosos, mas uma organização em torno da vida de estudos, que só foi alcançada com a instituição universitária que veio à tona no século XII, ou seja, em plena cristandade medieval.

Na Idade Média, período erroneamente associado ao obscurantismo, também houve um interesse pelo estudo da natureza, inclusive por santos, como Santo Alberto Magno e Santa Hildegarda. Eles se debruçaram sobre a natu-reza para compreender como a criação revelava a mão e a sabedoria de Deus.

Algumas universidades medievais se tornaram centros de pesquisa da natureza. Em Paris, local em que Santo Alberto trabalhou, outro nome importante foi Jean Buridan (século XIV), que foi clérigo secular e desenvolveu a teoria do ímpeto, espécie de precursora da inércia de Newton, nos comentários que escreveu sobre Aristóteles. Nicolas Oresme, bispo de Lisieux no século XIV, também clérigo, propôs a rotação da Terra e contestou o geocentrismo.

Em Oxford, o bispo Robert Grosseteste desenvolveu estudos em óptica e astronomia, por meio da experimentação e da observação da natureza. O frade franciscano do século XIII, Roger Bacon, defendeu o método empírico e influenciou a filosofia natural. Esses poucos exemplos, junto aos aspectos teóricos e organizacionais, salientam a contribuição da fé cristã para a compreensão da natureza que culminou com a Revolução Científica do século XVI.

O Magistério da Igreja se pronunciou algumas vezes sobre a atividade científica. Um dos princípios defendidos é o da autonomia para os cientistas realizarem as suas pesquisas, desde que elas se ordenem ao bem do ser humano e aos valores mais elevados 2. São João Paulo II afirmou que “a verdade não pode contradizer a verdade” e que as ciências devem trabalhar dentro dos seus âmbitos específicos, que, por sua vez, não abarcam a realidade totalmente 3.

Por isso,

Ao exprimir a minha admiração e o meu encorajamento a estes valorosos pioneiros da pesquisa científica, a quem a humanidade muito deve do seu progresso atual, sinto o dever de exortá-los a prosseguir nos seus esforços, permanecendo sempre naquele horizonte sapiencial onde aos resultados científicos e tecnológicos se unem os valores filosóficos e éticos, que são manifestação característica e imprescindível da pessoa humana. O cientista está bem cônscio de que “a busca da verdade, mesmo quando se refere a uma realidade limitada do mundo ou do homem, jamais ter-mina; remete sempre a alguma coisa que está acima do objeto imediato dos estudos, para os interrogativos que abrem o acesso ao mistério” 4.

As Sagradas Escrituras afirmam que pela grandeza e beleza das criaturas se pode, por analogia, chegar ao conhecimento do seu Criador (Sb 13,5) e que tudo o que respira louva o Senhor! (Sl 150,6). A Igreja, através de seus membros, possibilitou o desenvolvimento dos estudos sobre a natureza, com a finalidade de conhecer a sabedoria de Deus, manifestada nas suas criaturas, para amá-lo e adorá-lo, como Senhor e Criador, princípio e fim de tudo o que existe. Quando os cientistas procuram tomar o lugar de Deus, eles falham e também a ciência ultrapassa os seus próprios limites. Por isso, para todo estudo da realidade natural, a Igreja pede cautela e um olhar voltado para o que transcende o objeto estudado, um olhar voltado para o que mais importa, para a Eternidade.

Referências

  1. “Lemaître Follows Two Paths to Truth” (1933 New York Times Interview with Fr. Lemaître, Father of the Big Bang Theory). Disponível em: https://catholicscientists.org/articles/lemaitre-follows-two-paths-to-truth-new-york-times-1933-interview–with-lemaitre/[]
  2. Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, n. 59[]
  3. Papa João Paulo II, Mensaje del Santo Padre Juan Pablo II a los miembros de la Aca-demia Pontificia de Ciencias. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john–paul-ii/es/messages/pont_messages/1996/documents/hf_jp-ii_mes_19961022_evo-luzione.html[]
  4. Papa João Paulo II, Fides et Ratio, n. 106[]

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