Saiba o que é o livre arbítrio, este grande dom de Deus da liberdade humana, que nos permite amar de verdade.
Saiba o que é o livre arbítrio, este grande dom de Deus da liberdade humana, que nos permite amar de verdade.
Saiba o que é o livre arbítrio, este grande dom de Deus da liberdade humana, que nos permite amar de verdade.
O homem é dotado de razão e, por isso, é semelhante a Deus: foi criado livre e senhor de seus atos.1
Você provavelmente já pensou sobre o livre-arbítrio ou chegou até este texto querendo uma resposta, da mesma forma que muitos homens, há muito tempo, pensaram sobre a liberdade e a buscaram. E sobre isso, justamente, o Catecismo da Igreja Católica nos dá uma resposta clara e concisa para dissipar toda dúvida:
Deus criou o homem dotado de razão e lhe conferiu a dignidade de uma pessoa agraciada com a iniciativa e o domínio de seus atos. “Deus deixou o homem nas mãos de sua própria decisão” (Eclo 15, 14.), para que pudesse ele mesmo procurar seu Criador e, aderindo livremente a Ele, chegar à plena e feliz perfeição.1
Deus concedeu ao homem a “dignidade da pessoa humana que radica na sua criação à imagem e semelhança de Deus” dotando-o de alma racional e dotando-o de livre-arbítrio, isto é, do poder de escolha, para que voluntariamente pudesse escolher, como os anjos, já que os homens, assim como eles, são seres de natureza racional.
Então, nessa linha de raciocínio apresentada, convido você a embarcar nessa jornada para compreender que “A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e amadurecimento na verdade e na bondade”.2 E, dessa forma, dissipar dúvidas ou conhecer um pouco mais sobre o livre-arbítrio, um conceito que parece estar cada vez mais desafiado em nosso mundo atual.
O livre-arbítrio é um tema amplamente presente na história da filosofia e da teologia, não se limitando apenas a uma questão medievalista, embora tenha um grande destaque nesta época. O livre-arbítrio não é invenção do cristianismo, e, se necessário, o cristianismo se defenderia dessa acusação de tê-lo criado.3
No século II, Santo Irineu já nos lembrava que, se a escritura considerou necessário manifestar a liberdade, é porque essa lei remonta aos primórdios, quando Deus a promulga ao revelá-la ao próprio homem: veterem legem libertatis hominis manifestavit.4 “Que o homem é livre é uma afirmação tão antiga quanto o próprio pensamento cristão”.5 Embora o tema tenha sido de grande importância para os pensadores medievais cristãos, não havia um consenso unânime sobre ele. Inclusive entre pensadores como Boécio, Agostinho de Hipona, Boaventura, Tomás de Aquino, Duns Scoto, Bernardo de Claraval, e posteriormente na reforma de Lutero com sua obra “A Escravidão da Vontade”, que se contrapõe diretamente às concepções do humanista Erasmo de Roterdã, houve divergências em relação ao assunto.
Alguns séculos depois, renomados filósofos modernos, como René Descartes, Immanuel Kant e Jean Paul Sartre, dedicaram-se também a essa discussão. Até os dias de hoje, na contemporaneidade, esse tema continua sendo objeto de acalorados debates no campo filosófico e, especialmente com os avanços da neurociência, esse tema tem adquirido uma importância crescente. Juan Lerma, um renomado neurocientista espanhol, afirmou em uma entrevista: “Estamos vendo que nós somos o que nosso cérebro determina, e isso vai influenciar a educação ou controle da violência”.6 Ou seja, chegamos ao ponto em que se argumenta que a experiência de liberdade é uma “ilusão” criada por nosso sistema nervoso, por nosso cérebro. Em outras palavras, a ilusão de uma liberdade determinada por processos neurais. Embora o exercício da liberdade humana exija o funcionamento adequado de nossa constituição cerebral, isso não exclui o componente imaterial do conhecimento e da decisão do homem. 7
Dessa forma, podemos aprofundar-nos em um tema abrangente que atravessa diversas épocas e correntes de pensamentos, estimulando novos debates e reflexões. O ponto crucial que devemos trazer à tona é aquilo que realmente importa para estarmos preparados no momento e na hora certa. Ou seja, naquilo que dá fruto:“Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em mim, ele o cortará, e podará todo o que der fruto, para que produza mais fruto” (Jo 15, 1).
“Deus criou o homem no começo e o deixou na mão de seu conselho”, isto é “ de seu livre arbítrio,” diz a Glosa.8
Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico, continua sendo uma referência fundamental nesse âmbito de discussão, juntamente com Santo Agostinho, com sua obra “De libero arbitrio” (Sobre o Livre-arbítrio). Ambos são pensadores influentes e suas obras têm contribuído significativamente para o desenvolvimento da filosofia e da teologia ao longo dos séculos, e, em particular, com relação ao livre-arbítrio.
Veja também: Oração de Santo Tomás de Aquino para os estudos.
A grande questão sobre o livre-arbítrio na história do cristianismo e do catolicismo gira em torno da salvação das almas. Santo Tomás busca evitar posições extremas dos dois lados, procurando uma posição conciliatória. No entanto, compreender todas as nuances que giram em torno do livre-arbítrio – ao qual Santo Tomás dedica-se extensamente – , e dos outros autores envolvidos é uma tarefa complexa. Por isso, faremos uma breve síntese dos aspectos centrais a respeito do tema, sempre considerando que há muito mais a ser estudado em profundidade.
As posições extremas que Santo Tomás buscava evitar são as que colocam uma ênfase absoluta ou excessiva no livre-arbítrio, como se a salvação dependesse unicamente da nossa própria força, sem considerar a abertura à graça divina. Essa posição está associada ao pelagianismo, que afirmava, de modo geral, que a salvação não requereria a graça, bastando apenas o esforço humano. Santo Tomás rejeita essa visão.
Por outro lado, Santo Tomás também evita uma posição de caráter mais determinista e absoluto, que argumenta que a salvação não precisaria de nosso livre-arbítrio, mas apenas da vontade divina, sem qualquer envolvimento de nossa parte.
Em resumo, o Doutor Angélico rejeita essas duas posições extremas errôneas: (1) a ideia de que nossa salvação depende apenas do livre-arbítrio (pelagianismo); (2) a ideia de que nossa salvação não requer nosso livre-arbítrio.
A seguir, o que veremos aqui é um trecho da Suma Teológica, em que Santo Tomás nos explica com muita precisão o tão discutido tema, deixando bem claro que:
“O homem é dotado de livre-arbítrio, do contrário os conselhos, as exortações, os preceitos, as proibições, as recompensas e os castigos seriam vãos. Para demonstrá-lo, deve-se considerar que certas coisas agem sem julgamento. Por exemplo, a pedra que se move para baixo, e igualmente todas as coisas que não têm o conhecimento. – Outras coisas agem com julgamento, mas esse não é livre: como os animais irracionais. Por exemplo, a ovelha, vendo o lobo, julga que é preciso fugir: é um julgamento natural, mas não livre, pois não julga por comparação, mas por instinto natural. O mesmo acontece com todos os julgamentos dos animais. – O homem, porém, age com julgamento, porque, por sua potência cognoscitiva, julga que se deve fugir de alguma coisa ou procurá-la. Mas como esse julgamento não é o efeito de um instinto natural aplicado a uma ação particular, mas de certa comparação da razão, por isso, o homem age com julgamento livre, podendo se orientar para diversos objetos. Com efeito, a respeito do contingente, a razão pode seguir direções opostas, como vemos nos silogismos dialéticos e nos argumentos da retórica. Como as ações particulares são contingentes, o julgamento da razão sobre elas se refere a diversas e não é determinado a uma única. Por conseguinte, é necessário que o homem seja dotado de livre-arbítrio, pelo fato mesmo de ser racional.”8
Em resumo, Santo Tomás nos ensina que o livre-arbítrio é a capacidade de escolher agir ou não agir de uma determinada maneira. No entanto, ele ressalta que essa liberdade está limitada pelas nossas próprias limitações humanas. Reconhecemos que essa participação no livre-arbítrio é um presente de Deus, uma manifestação de Sua graça. Como São Josemaria Escrivá afirmou: a liberdade é um dom de Deus. E essa liberdade nos permite participar da natureza divina, porém não algo absoluto, mas sim uma certa intimidade nessa participação.
São Josemaria Escrivá, grande santo espanhol e fundador do Opus Dei, nunca desconsiderou o tão discutido assunto do livre-arbítrio. E tão grande era seu zelo pelas almas que ele dedicou homilias e a sua vida exemplar, sem terminologias supérfluas e filosóficas, para trazer esse conhecimento da maneira mais simples a seu filhos espirituais, de modo que todos pudessem entendê-lo e ser, como ele, um homem livre, um filho de Deus e da Igreja. Nunca com a atitude de um homem determinista e arrogante, mas ensinando a verdade da maneira mais simples, mostrando a cada um o melhor para sua escolha. Um homem realmente livre, um homem de Deus que nos ensinou a sermos verdadeiramente livres. Ou seja, viveu exatamente aquilo que a igreja nos ensina no catecismo:
A liberdade é o poder, baseado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, de praticar atos deliberados. Pelo livre arbítrio, cada qual dispõe sobre si mesmo. A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e amadurecimento na verdade e na bondade. A liberdade alcança sua perfeição quando está ordenada para Deus, nossa bem-aventurança.
Enquanto não se tiver fixado definitivamente em seu bem último, que é Deus, a liberdade comporta a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, portanto, de crescer em perfeição ou de definhar ou pecar. Ela caracteriza os atos propriamente humanos. Torna-se fonte de louvor, repreensão, de mérito ou demérito.2
São Josemaria, como filho da Igreja e discípulo fiel de Nosso Senhor, foi um fervoroso defensor do valor da liberdade pessoal. Por meio de seus exemplos e ensinamentos, ele transmitiu uma convicção profundamente enraizada no cerne da fé cristã. Essa visão se espalhou pelo mundo, conquistando almas para o céu e levando muitos outros a descobrir a verdade e a liberdade. Até os dias de hoje, seu legado continua inspirando e guiando aqueles que buscam a plenitude espiritual e a liberdade pessoal. Um exemplo notável disso pode ser encontrado em uma passagem de sua homilia:
“Não direi que prego, mas grito o meu amor à liberdade pessoal”. Mas, no meio desta maravilhosa variedade, apenas nós, os homens – não falo aqui dos anjos – nos unimos ao Criador mediante o exercício da nossa liberdade: podemos prestar ou negar ao Senhor a glória que lhe é devida como Autor de tudo o que existe. […]
A liberdade adquire o seu sentido autêntico quando é exercida em serviço da verdade que resgata, quando a gastamos em proclamar o Amor infinito de Deus, que nos desata de todas as escravidões. Cada dia aumentam as minhas ânsias de anunciar em altos brados esta insondável riqueza do cristão: a liberdade da glória dos filhos de Deus! Nisso se resume a vontade boa que nos ensina a perseguir o bem, depois de distingui-lo do mal.[…]
Ninguém pode escolher por nós. Este é o grau supremo da dignidade nos homens: que se encaminhem para o bem por si próprios, não por outros. […]
De onde nos vem essa liberdade? De Cristo, Senhor Nosso. Essa é a liberdade com que Ele nos redimiu. Por isso nos ensina: Se o Filho vos obtiver a liberdade, sereis verdadeiramente livres. Nós, cristãos, não temos de pedir emprestado a ninguém o verdadeiro sentido deste dom, porque a única liberdade que salva o homem é cristã.9
De fato, a liberdade é um dom concedido por Deus. Ele nos presenteou com o livre-arbítrio, que é a capacidade, em palavras de São Josemaria, de amar o mundo apaixonadamente, de fazer escolhas e agir de acordo com o “fiat voluntas tua” (seja feita vossa vontade). Essa liberdade verdadeira nos possibilita buscar o que é bom, belo e verdadeiro, permitindo-nos amar, perdoar e buscar a Deus de maneira genuína. É um privilégio e, ao mesmo tempo, uma responsabilidade ser agraciado com a participação da liberdade divina, pois é por meio dela que podemos encontrar nosso fim último.
Por isso, é importante relembrar que a liberdade não é “viver sem limites”, como muitos pensam hoje. Com isso, quero dizer que há basicamente duas posições no mundo: uma visão realista tradicional e conservadora e, por outro lado, uma visão imanentista e moderna. A primeira defende que a liberdade é manter a ordem: “Salve a ordem, e a ordem te salvará.”, ou seja, viver dentro dos limites. A segunda concebe a liberdade como “sem limites”, ou seja, “sem rumo, sem fim”. De fato, a palavra extermínio vem do latim ex-termino, que significa, etimológica e semanticamente, fora dos limites. Em resumo, a liberdade sem responsabilidade moral e social, sem amar o mundo apaixonadamente, não é um dom de Deus, mas uma aversão.
Sobre São Josemaria Escrivá, você também pode ler: 3 conselhos para santificar o trabalho.
“Deus deixou o homem nas mãos de sua própria decisão” (Eclo. 15, 14), para que pudesse livremente aderir a seu Criador e chegar, assim, à feliz perfeição.10
A posição ensinada pela Igreja é que somos chamados a discernir entre o que é bom e mau, e a agir em conformidade com a vontade de Deus. Isso implica buscar ativamente o bem e evitar o mal em nossas escolhas e ações. O ensinamento da Igreja nos orienta justamente a agir de acordo com princípios morais sólidos e a buscar a virtude, seguindo os ensinamentos de Cristo. Ao fazer isso, somos convidados a viver uma vida de graça, encontrando plenitude de vida e realização em nossa relação com Deus e com o próximo.
A liberdade faz do homem um sujeito moral. Quando age de forma deliberada, o homem é, por assim dizer, o pai de seus atos. Os atos humanos, isto é, livremente escolhidos após um juízo da consciência, são qualificáveis moralmente. São bons ou maus.11
Uma pessoa não é moralmente responsável por uma ação que não pode evitar. Por exemplo: se alguém o empurra na direção de outra pessoa e você acaba esbarrando nela, você não é moralmente responsável pelo incidente. No entanto, nos dias atuais, há um número significativo de pessoas que defendem que todas as nossas ações são causalmente determinadas e que não há livre-arbítrio, negando não apenas as explicações racionais do livre-arbítrio, mas também as visões compatibilistas da liberdade. Mas, se não há livre-arbítrio, consequentemente ninguém é moralmente responsável por nenhuma ação.
Essa perspectiva é especialmente defendida por neurocientistas e por alguns filósofos contemporâneos, que afirmam que o livre-arbítrio é uma construção social e não uma realidade objetiva. E, ao mesmo tempo, são eles que afirmam, nas entrelinhas, que do ponto de vista neurocientífico, ninguém é mais ou menos responsável do que qualquer outra pessoa em relação às ações que pratica.
Essa visão determinista extremista coloca em dúvida a existência de deveres morais, o que significa o extermínio de qualquer esperança ou possibilidade de deveres morais objetivos, pois, na ausência do livre-arbítrio, não há uma fonte de autoridade moral ou a possibilidade de um dever moral real. Porque, de acordo com os deterministas, não temos controle sobre nossas ações, o que significa que não há base para obrigações morais. Para eles, o certo e o errado não têm uma realidade objetiva. Ou seja, não existem.
Em resumo, a liberdade é uma característica fundamental dos atos humanos, conferindo ao ser humano a responsabilidade moral por suas ações, das quais é voluntariamente o autor. O agir deliberado é uma expressão genuína da individualidade humana. Ou seja, sem livre-arbítrio não há responsabilidade moral.
A Igreja enfatiza que as escolhas têm consequências. As ações humanas têm o poder de afetar a vida das pessoas ao nosso redor e também o nosso relacionamento com Deus.
As consequências das nossas escolhas são uma parte essencial da vida humana. Cada decisão que tomamos tem o potencial de ter impactos e resultados tanto positivos quanto negativos. É importante lembrar que nossas escolhas não ocorrem em um vácuo, mas estão inseridas em nosso dia a dia e afetam outras pessoas.
Vivemos em uma sociedade em que a grande maioria das pessoas tem dificuldade em lidar com as consequências das escolhas. E isso se deve, em grande parte, à crise em que vivemos de falta de senso comum sobre responsabilidade. É fácil escolher muito, mas é difícil encarar toda a responsabilidade que isso implica.
Nossas ações e decisões podem ter efeitos diretos sobre nós mesmos, sobre as pessoas ao nosso redor e até sobre a sociedade como um todo. Podem influenciar a nossa felicidade, nossas relações interpessoais, nossa carreira, bem como o bem-estar dos outros e, em particular, nossa relação com Deus.
Diante de uma escolha moral, a consciência pode emitir um julgamento correto, de acordo com a razão e a lei divina, ou, ao contrário, um julgamento errôneo, que se afasta da razão e da lei divina.12
É importante lembrar que somos filhos de Deus, seres racionais e conscientes, capazes de refletir sobre as implicações das nossas escolhas e tomar decisões responsáveis com o auxílio do Espírito Santo. As consequências das nossas ações não são apenas externas, mas também internas, decidimos junto com o nosso Pai aquilo que é bom e verdadeiro tanto para nós quanto para nossa sociedade.
Portanto, o homem deve se esforçar por interpretar os dados da experiência e os sinais dos tempos graças à virtude da prudência, aos conselhos de pessoas avisadas e à ajuda do Espírito Santo e de seus dons13
Em suma, as consequências das nossas escolhas desempenham um papel significativo em nossas vidas e na vida de outros. Reconhecer a importância dessas consequências é uma prática de caridade e nos ajuda a tomar decisões mais conscientes e responsáveis, fixando aquela máxima que diz: A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro.
Confira este vídeo: 5 passos para fazer uma boa confissão.
Embora o livre-arbítrio seja uma capacidade humana, o ser humano não pode alcançar a plenitude moral e espiritual apenas por suas próprias forças. A graça divina é necessária para ajudar os seres humanos a fazerem escolhas corretas e a resistir às tentações.
A iniciativa divina na obra da graça precede, prepara e suscita a livre resposta do homem. A graça responde às aspirações profundas da liberdade humana: chama-a a cooperar consigo e a aperfeiçoá-la.14
Como foi dito em citações anteriores, o livre-arbítrio é, justamente, essa potência que implica uma certa possibilidade de escolha em agir ou deixar de agir em determinado modo, ou, digamos, uma certa noção que implica uma avaliação dos melhores meios para atingir o fim ao qual todos fomos chamados que é: servir, amar e louvar a Deus. Mas como tal fim transcende a humanidade, não é possível para o homem alcançá-lo apenas com o livre-arbítrio; torna-se necessário o auxílio de Deus.
Quanto a este bem, que está acima da natureza humana, é evidente que o livre-arbítrio não é possível sem a graça; porque, como por este tipo de bem o homem merece a vida eterna, é claro que sem graça um homem não pode ganhar. Mas aquele bem que é proporcional à natureza humana, o homem pode realizar por livre-arbítrio; de onde Agostinho diz que o homem, por livre-arbítrio, pode cultivar campos, construir casas e fazer muitas outras coisas boas sem trabalhar pela graça. Agora, embora um homem possa fazer tais coisas boas sem graça, tornando-as aceitáveis, ele não pode fazê-las sem Deus.15
A relação entre liberdade e graça é um tema central dentro da tradição cristã. Segundo essa perspectiva, a graça de Cristo não entra em conflito com nossa liberdade quando esta está alinhada com a verdade e o bem que Deus colocou em nossos corações. Pelo contrário, a experiência cristã, especialmente na oração, mostra que quanto mais abertos e receptivos aos impulsos da graça formos, mais nossa liberdade interior e nossa segurança diante das provações e pressões do mundo externo aumentam.
Na compreensão cristã, a graça é vista como a ação amorosa e transformadora de Deus em nossas vidas. É um dom gratuito que nos capacita a viver em conformidade com a vontade divina e a crescer na virtude. Essa graça não anula nossa liberdade, mas nos capacita a fazer escolhas verdadeiramente livres e a colaborar com a obra de Deus na Igreja e no mundo.
A ação do Espírito Santo, por meio da graça, nos guia e educa para uma liberdade espiritual mais profunda. Ele nos ajuda a superar as amarras do egoísmo e do pecado, capacitando-nos a agir de acordo com a vontade de Deus. Dessa forma, a graça não limita nossa liberdade, mas aperfeiçoa e direciona, permitindo-nos experimentar uma verdadeira liberdade interior.
Essa liberdade espiritual não significa a ausência de desafios ou dificuldades, mas sim a capacidade de permanecer firmes e seguros mesmo diante das provações e pressões externas. É uma liberdade que não se baseia em circunstâncias externas, mas em uma confiança profunda na ação de Deus em nossas vidas.
Em suma, de acordo com a perspectiva cristã, a graça e a liberdade não estão em competição, mas se complementam. A graça de Cristo capacita-nos a viver uma verdadeira liberdade, tornando-nos colaboradores da obra de Deus no mundo e proporcionando uma segurança interior nas dificuldades da vida.
Confira o artigo principal sobre a sua vida: Santo Agostinhos — vida, conversão, influência e obra.
Santo Agostinho, também conhecido como Agostinho de Hipona, foi um influente filósofo, teólogo e bispo cristão. Ele nasceu em Tagaste, na província romana da Numídia (atual Argélia) em 354 d.C. e faleceu em Hipona, em 430 d.C. Sua vida é marcada por uma jornada intelectual em busca da verdade, que o levou de uma juventude de prazeres mundanos à conversão ao cristianismo por intercessão de Santa Mônica, sua mãe, e à dedicação à fé, consagrando-se completamente a Deus.
Santo Agostinho recebeu uma educação clássica e teve uma juventude tumultuada, envolvendo-se em práticas de luxúria. Depois, em sua busca pela verdade, conviveria um tempo com os maniqueus. No entanto, aos 33 anos, através da intercessão de sua mãe, Santa Mônica, e de encontros com o bispo Santo Ambrósio de Milão, Deus concedeu-lhe a graça de experimentar uma conversão profunda ao cristianismo.
Após sua conversão, Agostinho se tornou um defensor fervoroso da fé cristã e um proeminente escritor e teólogo. Suas obras influentes abordaram uma ampla gama de tópicos, incluindo filosofia, teologia, graça, pecado, livre-arbítrio e a cidade de Deus. Entre suas obras mais famosas estão Confissões, uma autobiografia espiritual, e A Cidade de Deus, uma obra monumental que explorou a relação entre a cidade terrena e a cidade celestial.
Santo Agostinho se destaca entre os primeiros Pais da Igreja não apenas por seus escritos abundantes, mas também por abordar uma ampla variedade de assuntos que continuam sendo objeto de grandes debates até os dias de hoje. Suas ideias têm contribuído significativamente, fornecendo um conhecimento profundo sobre a verdade para muitos estudiosos, filósofos e teólogos. Seus escritos são considerados uma fonte valiosa de conhecimento e reflexão, e seu legado perdura como um importante ponto de referência para a compreensão de questões teológicas e filosóficas.
Veja mais: a história de Santo Agostinho para além das Confissões.
Certamente, Santo Agostinho se destaca de forma notável entre os primeiros Pais da Igreja por seu profundo foco no livre-arbítrio e sua luta intensa contra os maniqueus e o pelagianismo. Sua busca pela verdade, sua reflexão sobre a natureza humana e sua insistência na liberdade de escolha deixaram um legado duradouro na teologia cristã. Ao confrontar as doutrinas dualistas dos maniqueus, Agostinho defendeu a responsabilidade humana diante de Deus e ressaltou a importância da graça divina para a conversão e a santificação. Sua luta fervorosa contra os maniqueus tornou-se uma parte essencial de sua própria jornada espiritual e contribuiu para sua transformação pessoal, tornando-se uma voz influente na história do pensamento cristão. Sua abordagem e reflexões sobre o livre-arbítrio tiveram um impacto significativo na teologia cristã e moldaram a compreensão da vontade humana em relação à graça divina. Agostinho explorou em detalhes as complexidades do livre-arbítrio, discutindo sua relação com o pecado, a graça e a salvação. Com seu entusiasmo e zelo pelas almas, ele ensina claramente a liberdade da vontade em oposição às crenças dos maniqueus, com os quais conviveu no passado, como dito acima, mas que acabou abandonando-os pela graça de Deus.
Agostinho escreveu “O Livre-Arbítrio” (ou “De libero arbitrio”) como uma resposta direta aos erros e ensinamentos dos maniqueus, uma seita religiosa da época que acreditava em uma visão dualística do mundo, separando o bem e o mal como forças independentes e igualmente poderosas. Agostinho, que antes de sua conversão era um adepto do maniqueísmo, sentiu a necessidade de refutar as ideias errôneas que havia sustentado no passado.
Eis uma breve síntese da teoria maniqueísta: Para os maniqueus, havia duas divindades supremas a presidir o universo: o princípio do Bem e o do Mal – a luz e as trevas. Como consequência moral, afirmavam que o homem tinha duas almas. Cada uma presidida por um desses dois princípios. Logo, o mal é metafísico e ontológico. A pessoa não é livre nem responsável pelo mal que faz. Este lhe é imposto.16
Agostinho ofereceu uma explicação para o problema do mal que se tornou uma referência ao longo dos séculos. Ele argumentou que o mal não é um ser em si, mas uma deficiência e privação de ser. Agostinho examinou o problema do mal em três níveis: metafísico-ontológico, moral e físico. No nível metafísico-ontológico, ele afirmou que não existe mal no cosmos, apenas graus inferiores de ser em relação a Deus. No nível moral, Agostinho identificou o mal como sendo o pecado, que surge da má vontade humana como causa primeira do mal. A má vontade não possui uma causa eficiente, mas sim uma causa deficiente. A vontade humana, por sua natureza, deveria buscar o supremo Bem, mas pode se desviar e preferir bens criados e finitos em vez de Deus. O mal moral deriva da escolha incorreta entre esses bens, sendo uma aversão a Deus e uma conversão às criaturas. Agostinho destacou que o fato de possuirmos uma vontade livre é um grande bem dado por Deus, mas o mal surge do mau uso dessa liberdade. O mal moral é resultado da escolha inadequada entre os diversos bens disponíveis.17
Essa visão de Agostinho sobre o problema do mal enfatiza a importância da liberdade da vontade humana e a responsabilidade de cada indivíduo em suas escolhas.
Entretanto, ele não para por aí, nem age por um desejo de vingança contra os maniqueus. Agostinho também argumentou contra os pelagianos sobre a necessidade da graça como base do mérito.
O pelagianismo, uma doutrina teológica que surgiu no século IV, opunha-se aos ensinamentos de Santo Agostinho sobre a graça divina e o pecado original. Originada por Pelágio, um monge britânico, argumentava que a natureza humana não foi corrompida pelo pecado original de Adão e que os seres humanos podem alcançar a perfeição moral e a salvação por meio de suas próprias obras e esforços. Pelágio afirmava que não era necessário depender da graça divina para realizar atos virtuosos.
E seu ensinamento vai ainda mais longe ao enfatizar fortemente o comando absoluto de Deus sobre a vontade humana por causa de Sua onipotência e onisciência. Isso é evidenciado pelo acúmulo infinito de motivos que Deus tem à Sua disposição desde a eternidade, bem como por Seu conhecimento prévio das decisões livres de cada indivíduo. Agostinho aborda essas questões com determinação, buscando iluminar a verdade e guiar as almas para a vontade divina.
Etienne Gilson resumiu de modo muito eficaz o pensamento agostiniano sobre as relações entre a liberdade, a vontade e a graça, da seguinte forma: “Duas condições são exigidas para fazer o bem: um dom de Deus que é a graça e o livre-arbítrio. Sem o livre-arbítrio não haveria problemas; sem a graça, o livre-arbítrio (após o pecado original) não quereria o bem ou, se o quisesse, não conseguiria realizá-lo. A graça, portanto, não tem o efeito de suprimir a vontade, mas sim de torná-la boa, pois ela se transformará em má. Esse poder de usar bem o livre-arbítrio é precisamente a liberdade. A possibilidade de fazer o mal é inseparável do livre-arbítrio, mas o poder de não fazê-lo é a marca da liberdade. E o fato de alguém se encontrar confirmado na graça, a ponto de não poder mais fazer o mal, é o grau supremo da liberdade. Assim, o homem que estiver mais completamente dominado pela graça de Cristo será também o mais livre: “libertas vera est Christo servire”.18)
O maior clube de leitores católicos do Brasil.
Saiba o que é o livre arbítrio, este grande dom de Deus da liberdade humana, que nos permite amar de verdade.
O homem é dotado de razão e, por isso, é semelhante a Deus: foi criado livre e senhor de seus atos.1
Você provavelmente já pensou sobre o livre-arbítrio ou chegou até este texto querendo uma resposta, da mesma forma que muitos homens, há muito tempo, pensaram sobre a liberdade e a buscaram. E sobre isso, justamente, o Catecismo da Igreja Católica nos dá uma resposta clara e concisa para dissipar toda dúvida:
Deus criou o homem dotado de razão e lhe conferiu a dignidade de uma pessoa agraciada com a iniciativa e o domínio de seus atos. “Deus deixou o homem nas mãos de sua própria decisão” (Eclo 15, 14.), para que pudesse ele mesmo procurar seu Criador e, aderindo livremente a Ele, chegar à plena e feliz perfeição.1
Deus concedeu ao homem a “dignidade da pessoa humana que radica na sua criação à imagem e semelhança de Deus” dotando-o de alma racional e dotando-o de livre-arbítrio, isto é, do poder de escolha, para que voluntariamente pudesse escolher, como os anjos, já que os homens, assim como eles, são seres de natureza racional.
Então, nessa linha de raciocínio apresentada, convido você a embarcar nessa jornada para compreender que “A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e amadurecimento na verdade e na bondade”.2 E, dessa forma, dissipar dúvidas ou conhecer um pouco mais sobre o livre-arbítrio, um conceito que parece estar cada vez mais desafiado em nosso mundo atual.
O livre-arbítrio é um tema amplamente presente na história da filosofia e da teologia, não se limitando apenas a uma questão medievalista, embora tenha um grande destaque nesta época. O livre-arbítrio não é invenção do cristianismo, e, se necessário, o cristianismo se defenderia dessa acusação de tê-lo criado.3
No século II, Santo Irineu já nos lembrava que, se a escritura considerou necessário manifestar a liberdade, é porque essa lei remonta aos primórdios, quando Deus a promulga ao revelá-la ao próprio homem: veterem legem libertatis hominis manifestavit.4 “Que o homem é livre é uma afirmação tão antiga quanto o próprio pensamento cristão”.5 Embora o tema tenha sido de grande importância para os pensadores medievais cristãos, não havia um consenso unânime sobre ele. Inclusive entre pensadores como Boécio, Agostinho de Hipona, Boaventura, Tomás de Aquino, Duns Scoto, Bernardo de Claraval, e posteriormente na reforma de Lutero com sua obra “A Escravidão da Vontade”, que se contrapõe diretamente às concepções do humanista Erasmo de Roterdã, houve divergências em relação ao assunto.
Alguns séculos depois, renomados filósofos modernos, como René Descartes, Immanuel Kant e Jean Paul Sartre, dedicaram-se também a essa discussão. Até os dias de hoje, na contemporaneidade, esse tema continua sendo objeto de acalorados debates no campo filosófico e, especialmente com os avanços da neurociência, esse tema tem adquirido uma importância crescente. Juan Lerma, um renomado neurocientista espanhol, afirmou em uma entrevista: “Estamos vendo que nós somos o que nosso cérebro determina, e isso vai influenciar a educação ou controle da violência”.6 Ou seja, chegamos ao ponto em que se argumenta que a experiência de liberdade é uma “ilusão” criada por nosso sistema nervoso, por nosso cérebro. Em outras palavras, a ilusão de uma liberdade determinada por processos neurais. Embora o exercício da liberdade humana exija o funcionamento adequado de nossa constituição cerebral, isso não exclui o componente imaterial do conhecimento e da decisão do homem. 7
Dessa forma, podemos aprofundar-nos em um tema abrangente que atravessa diversas épocas e correntes de pensamentos, estimulando novos debates e reflexões. O ponto crucial que devemos trazer à tona é aquilo que realmente importa para estarmos preparados no momento e na hora certa. Ou seja, naquilo que dá fruto:“Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em mim, ele o cortará, e podará todo o que der fruto, para que produza mais fruto” (Jo 15, 1).
“Deus criou o homem no começo e o deixou na mão de seu conselho”, isto é “ de seu livre arbítrio,” diz a Glosa.8
Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico, continua sendo uma referência fundamental nesse âmbito de discussão, juntamente com Santo Agostinho, com sua obra “De libero arbitrio” (Sobre o Livre-arbítrio). Ambos são pensadores influentes e suas obras têm contribuído significativamente para o desenvolvimento da filosofia e da teologia ao longo dos séculos, e, em particular, com relação ao livre-arbítrio.
Veja também: Oração de Santo Tomás de Aquino para os estudos.
A grande questão sobre o livre-arbítrio na história do cristianismo e do catolicismo gira em torno da salvação das almas. Santo Tomás busca evitar posições extremas dos dois lados, procurando uma posição conciliatória. No entanto, compreender todas as nuances que giram em torno do livre-arbítrio – ao qual Santo Tomás dedica-se extensamente – , e dos outros autores envolvidos é uma tarefa complexa. Por isso, faremos uma breve síntese dos aspectos centrais a respeito do tema, sempre considerando que há muito mais a ser estudado em profundidade.
As posições extremas que Santo Tomás buscava evitar são as que colocam uma ênfase absoluta ou excessiva no livre-arbítrio, como se a salvação dependesse unicamente da nossa própria força, sem considerar a abertura à graça divina. Essa posição está associada ao pelagianismo, que afirmava, de modo geral, que a salvação não requereria a graça, bastando apenas o esforço humano. Santo Tomás rejeita essa visão.
Por outro lado, Santo Tomás também evita uma posição de caráter mais determinista e absoluto, que argumenta que a salvação não precisaria de nosso livre-arbítrio, mas apenas da vontade divina, sem qualquer envolvimento de nossa parte.
Em resumo, o Doutor Angélico rejeita essas duas posições extremas errôneas: (1) a ideia de que nossa salvação depende apenas do livre-arbítrio (pelagianismo); (2) a ideia de que nossa salvação não requer nosso livre-arbítrio.
A seguir, o que veremos aqui é um trecho da Suma Teológica, em que Santo Tomás nos explica com muita precisão o tão discutido tema, deixando bem claro que:
“O homem é dotado de livre-arbítrio, do contrário os conselhos, as exortações, os preceitos, as proibições, as recompensas e os castigos seriam vãos. Para demonstrá-lo, deve-se considerar que certas coisas agem sem julgamento. Por exemplo, a pedra que se move para baixo, e igualmente todas as coisas que não têm o conhecimento. – Outras coisas agem com julgamento, mas esse não é livre: como os animais irracionais. Por exemplo, a ovelha, vendo o lobo, julga que é preciso fugir: é um julgamento natural, mas não livre, pois não julga por comparação, mas por instinto natural. O mesmo acontece com todos os julgamentos dos animais. – O homem, porém, age com julgamento, porque, por sua potência cognoscitiva, julga que se deve fugir de alguma coisa ou procurá-la. Mas como esse julgamento não é o efeito de um instinto natural aplicado a uma ação particular, mas de certa comparação da razão, por isso, o homem age com julgamento livre, podendo se orientar para diversos objetos. Com efeito, a respeito do contingente, a razão pode seguir direções opostas, como vemos nos silogismos dialéticos e nos argumentos da retórica. Como as ações particulares são contingentes, o julgamento da razão sobre elas se refere a diversas e não é determinado a uma única. Por conseguinte, é necessário que o homem seja dotado de livre-arbítrio, pelo fato mesmo de ser racional.”8
Em resumo, Santo Tomás nos ensina que o livre-arbítrio é a capacidade de escolher agir ou não agir de uma determinada maneira. No entanto, ele ressalta que essa liberdade está limitada pelas nossas próprias limitações humanas. Reconhecemos que essa participação no livre-arbítrio é um presente de Deus, uma manifestação de Sua graça. Como São Josemaria Escrivá afirmou: a liberdade é um dom de Deus. E essa liberdade nos permite participar da natureza divina, porém não algo absoluto, mas sim uma certa intimidade nessa participação.
São Josemaria Escrivá, grande santo espanhol e fundador do Opus Dei, nunca desconsiderou o tão discutido assunto do livre-arbítrio. E tão grande era seu zelo pelas almas que ele dedicou homilias e a sua vida exemplar, sem terminologias supérfluas e filosóficas, para trazer esse conhecimento da maneira mais simples a seu filhos espirituais, de modo que todos pudessem entendê-lo e ser, como ele, um homem livre, um filho de Deus e da Igreja. Nunca com a atitude de um homem determinista e arrogante, mas ensinando a verdade da maneira mais simples, mostrando a cada um o melhor para sua escolha. Um homem realmente livre, um homem de Deus que nos ensinou a sermos verdadeiramente livres. Ou seja, viveu exatamente aquilo que a igreja nos ensina no catecismo:
A liberdade é o poder, baseado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, de praticar atos deliberados. Pelo livre arbítrio, cada qual dispõe sobre si mesmo. A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e amadurecimento na verdade e na bondade. A liberdade alcança sua perfeição quando está ordenada para Deus, nossa bem-aventurança.
Enquanto não se tiver fixado definitivamente em seu bem último, que é Deus, a liberdade comporta a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, portanto, de crescer em perfeição ou de definhar ou pecar. Ela caracteriza os atos propriamente humanos. Torna-se fonte de louvor, repreensão, de mérito ou demérito.2
São Josemaria, como filho da Igreja e discípulo fiel de Nosso Senhor, foi um fervoroso defensor do valor da liberdade pessoal. Por meio de seus exemplos e ensinamentos, ele transmitiu uma convicção profundamente enraizada no cerne da fé cristã. Essa visão se espalhou pelo mundo, conquistando almas para o céu e levando muitos outros a descobrir a verdade e a liberdade. Até os dias de hoje, seu legado continua inspirando e guiando aqueles que buscam a plenitude espiritual e a liberdade pessoal. Um exemplo notável disso pode ser encontrado em uma passagem de sua homilia:
“Não direi que prego, mas grito o meu amor à liberdade pessoal”. Mas, no meio desta maravilhosa variedade, apenas nós, os homens – não falo aqui dos anjos – nos unimos ao Criador mediante o exercício da nossa liberdade: podemos prestar ou negar ao Senhor a glória que lhe é devida como Autor de tudo o que existe. […]
A liberdade adquire o seu sentido autêntico quando é exercida em serviço da verdade que resgata, quando a gastamos em proclamar o Amor infinito de Deus, que nos desata de todas as escravidões. Cada dia aumentam as minhas ânsias de anunciar em altos brados esta insondável riqueza do cristão: a liberdade da glória dos filhos de Deus! Nisso se resume a vontade boa que nos ensina a perseguir o bem, depois de distingui-lo do mal.[…]
Ninguém pode escolher por nós. Este é o grau supremo da dignidade nos homens: que se encaminhem para o bem por si próprios, não por outros. […]
De onde nos vem essa liberdade? De Cristo, Senhor Nosso. Essa é a liberdade com que Ele nos redimiu. Por isso nos ensina: Se o Filho vos obtiver a liberdade, sereis verdadeiramente livres. Nós, cristãos, não temos de pedir emprestado a ninguém o verdadeiro sentido deste dom, porque a única liberdade que salva o homem é cristã.9
De fato, a liberdade é um dom concedido por Deus. Ele nos presenteou com o livre-arbítrio, que é a capacidade, em palavras de São Josemaria, de amar o mundo apaixonadamente, de fazer escolhas e agir de acordo com o “fiat voluntas tua” (seja feita vossa vontade). Essa liberdade verdadeira nos possibilita buscar o que é bom, belo e verdadeiro, permitindo-nos amar, perdoar e buscar a Deus de maneira genuína. É um privilégio e, ao mesmo tempo, uma responsabilidade ser agraciado com a participação da liberdade divina, pois é por meio dela que podemos encontrar nosso fim último.
Por isso, é importante relembrar que a liberdade não é “viver sem limites”, como muitos pensam hoje. Com isso, quero dizer que há basicamente duas posições no mundo: uma visão realista tradicional e conservadora e, por outro lado, uma visão imanentista e moderna. A primeira defende que a liberdade é manter a ordem: “Salve a ordem, e a ordem te salvará.”, ou seja, viver dentro dos limites. A segunda concebe a liberdade como “sem limites”, ou seja, “sem rumo, sem fim”. De fato, a palavra extermínio vem do latim ex-termino, que significa, etimológica e semanticamente, fora dos limites. Em resumo, a liberdade sem responsabilidade moral e social, sem amar o mundo apaixonadamente, não é um dom de Deus, mas uma aversão.
Sobre São Josemaria Escrivá, você também pode ler: 3 conselhos para santificar o trabalho.
“Deus deixou o homem nas mãos de sua própria decisão” (Eclo. 15, 14), para que pudesse livremente aderir a seu Criador e chegar, assim, à feliz perfeição.10
A posição ensinada pela Igreja é que somos chamados a discernir entre o que é bom e mau, e a agir em conformidade com a vontade de Deus. Isso implica buscar ativamente o bem e evitar o mal em nossas escolhas e ações. O ensinamento da Igreja nos orienta justamente a agir de acordo com princípios morais sólidos e a buscar a virtude, seguindo os ensinamentos de Cristo. Ao fazer isso, somos convidados a viver uma vida de graça, encontrando plenitude de vida e realização em nossa relação com Deus e com o próximo.
A liberdade faz do homem um sujeito moral. Quando age de forma deliberada, o homem é, por assim dizer, o pai de seus atos. Os atos humanos, isto é, livremente escolhidos após um juízo da consciência, são qualificáveis moralmente. São bons ou maus.11
Uma pessoa não é moralmente responsável por uma ação que não pode evitar. Por exemplo: se alguém o empurra na direção de outra pessoa e você acaba esbarrando nela, você não é moralmente responsável pelo incidente. No entanto, nos dias atuais, há um número significativo de pessoas que defendem que todas as nossas ações são causalmente determinadas e que não há livre-arbítrio, negando não apenas as explicações racionais do livre-arbítrio, mas também as visões compatibilistas da liberdade. Mas, se não há livre-arbítrio, consequentemente ninguém é moralmente responsável por nenhuma ação.
Essa perspectiva é especialmente defendida por neurocientistas e por alguns filósofos contemporâneos, que afirmam que o livre-arbítrio é uma construção social e não uma realidade objetiva. E, ao mesmo tempo, são eles que afirmam, nas entrelinhas, que do ponto de vista neurocientífico, ninguém é mais ou menos responsável do que qualquer outra pessoa em relação às ações que pratica.
Essa visão determinista extremista coloca em dúvida a existência de deveres morais, o que significa o extermínio de qualquer esperança ou possibilidade de deveres morais objetivos, pois, na ausência do livre-arbítrio, não há uma fonte de autoridade moral ou a possibilidade de um dever moral real. Porque, de acordo com os deterministas, não temos controle sobre nossas ações, o que significa que não há base para obrigações morais. Para eles, o certo e o errado não têm uma realidade objetiva. Ou seja, não existem.
Em resumo, a liberdade é uma característica fundamental dos atos humanos, conferindo ao ser humano a responsabilidade moral por suas ações, das quais é voluntariamente o autor. O agir deliberado é uma expressão genuína da individualidade humana. Ou seja, sem livre-arbítrio não há responsabilidade moral.
A Igreja enfatiza que as escolhas têm consequências. As ações humanas têm o poder de afetar a vida das pessoas ao nosso redor e também o nosso relacionamento com Deus.
As consequências das nossas escolhas são uma parte essencial da vida humana. Cada decisão que tomamos tem o potencial de ter impactos e resultados tanto positivos quanto negativos. É importante lembrar que nossas escolhas não ocorrem em um vácuo, mas estão inseridas em nosso dia a dia e afetam outras pessoas.
Vivemos em uma sociedade em que a grande maioria das pessoas tem dificuldade em lidar com as consequências das escolhas. E isso se deve, em grande parte, à crise em que vivemos de falta de senso comum sobre responsabilidade. É fácil escolher muito, mas é difícil encarar toda a responsabilidade que isso implica.
Nossas ações e decisões podem ter efeitos diretos sobre nós mesmos, sobre as pessoas ao nosso redor e até sobre a sociedade como um todo. Podem influenciar a nossa felicidade, nossas relações interpessoais, nossa carreira, bem como o bem-estar dos outros e, em particular, nossa relação com Deus.
Diante de uma escolha moral, a consciência pode emitir um julgamento correto, de acordo com a razão e a lei divina, ou, ao contrário, um julgamento errôneo, que se afasta da razão e da lei divina.12
É importante lembrar que somos filhos de Deus, seres racionais e conscientes, capazes de refletir sobre as implicações das nossas escolhas e tomar decisões responsáveis com o auxílio do Espírito Santo. As consequências das nossas ações não são apenas externas, mas também internas, decidimos junto com o nosso Pai aquilo que é bom e verdadeiro tanto para nós quanto para nossa sociedade.
Portanto, o homem deve se esforçar por interpretar os dados da experiência e os sinais dos tempos graças à virtude da prudência, aos conselhos de pessoas avisadas e à ajuda do Espírito Santo e de seus dons13
Em suma, as consequências das nossas escolhas desempenham um papel significativo em nossas vidas e na vida de outros. Reconhecer a importância dessas consequências é uma prática de caridade e nos ajuda a tomar decisões mais conscientes e responsáveis, fixando aquela máxima que diz: A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro.
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Embora o livre-arbítrio seja uma capacidade humana, o ser humano não pode alcançar a plenitude moral e espiritual apenas por suas próprias forças. A graça divina é necessária para ajudar os seres humanos a fazerem escolhas corretas e a resistir às tentações.
A iniciativa divina na obra da graça precede, prepara e suscita a livre resposta do homem. A graça responde às aspirações profundas da liberdade humana: chama-a a cooperar consigo e a aperfeiçoá-la.14
Como foi dito em citações anteriores, o livre-arbítrio é, justamente, essa potência que implica uma certa possibilidade de escolha em agir ou deixar de agir em determinado modo, ou, digamos, uma certa noção que implica uma avaliação dos melhores meios para atingir o fim ao qual todos fomos chamados que é: servir, amar e louvar a Deus. Mas como tal fim transcende a humanidade, não é possível para o homem alcançá-lo apenas com o livre-arbítrio; torna-se necessário o auxílio de Deus.
Quanto a este bem, que está acima da natureza humana, é evidente que o livre-arbítrio não é possível sem a graça; porque, como por este tipo de bem o homem merece a vida eterna, é claro que sem graça um homem não pode ganhar. Mas aquele bem que é proporcional à natureza humana, o homem pode realizar por livre-arbítrio; de onde Agostinho diz que o homem, por livre-arbítrio, pode cultivar campos, construir casas e fazer muitas outras coisas boas sem trabalhar pela graça. Agora, embora um homem possa fazer tais coisas boas sem graça, tornando-as aceitáveis, ele não pode fazê-las sem Deus.15
A relação entre liberdade e graça é um tema central dentro da tradição cristã. Segundo essa perspectiva, a graça de Cristo não entra em conflito com nossa liberdade quando esta está alinhada com a verdade e o bem que Deus colocou em nossos corações. Pelo contrário, a experiência cristã, especialmente na oração, mostra que quanto mais abertos e receptivos aos impulsos da graça formos, mais nossa liberdade interior e nossa segurança diante das provações e pressões do mundo externo aumentam.
Na compreensão cristã, a graça é vista como a ação amorosa e transformadora de Deus em nossas vidas. É um dom gratuito que nos capacita a viver em conformidade com a vontade divina e a crescer na virtude. Essa graça não anula nossa liberdade, mas nos capacita a fazer escolhas verdadeiramente livres e a colaborar com a obra de Deus na Igreja e no mundo.
A ação do Espírito Santo, por meio da graça, nos guia e educa para uma liberdade espiritual mais profunda. Ele nos ajuda a superar as amarras do egoísmo e do pecado, capacitando-nos a agir de acordo com a vontade de Deus. Dessa forma, a graça não limita nossa liberdade, mas aperfeiçoa e direciona, permitindo-nos experimentar uma verdadeira liberdade interior.
Essa liberdade espiritual não significa a ausência de desafios ou dificuldades, mas sim a capacidade de permanecer firmes e seguros mesmo diante das provações e pressões externas. É uma liberdade que não se baseia em circunstâncias externas, mas em uma confiança profunda na ação de Deus em nossas vidas.
Em suma, de acordo com a perspectiva cristã, a graça e a liberdade não estão em competição, mas se complementam. A graça de Cristo capacita-nos a viver uma verdadeira liberdade, tornando-nos colaboradores da obra de Deus no mundo e proporcionando uma segurança interior nas dificuldades da vida.
Confira o artigo principal sobre a sua vida: Santo Agostinhos — vida, conversão, influência e obra.
Santo Agostinho, também conhecido como Agostinho de Hipona, foi um influente filósofo, teólogo e bispo cristão. Ele nasceu em Tagaste, na província romana da Numídia (atual Argélia) em 354 d.C. e faleceu em Hipona, em 430 d.C. Sua vida é marcada por uma jornada intelectual em busca da verdade, que o levou de uma juventude de prazeres mundanos à conversão ao cristianismo por intercessão de Santa Mônica, sua mãe, e à dedicação à fé, consagrando-se completamente a Deus.
Santo Agostinho recebeu uma educação clássica e teve uma juventude tumultuada, envolvendo-se em práticas de luxúria. Depois, em sua busca pela verdade, conviveria um tempo com os maniqueus. No entanto, aos 33 anos, através da intercessão de sua mãe, Santa Mônica, e de encontros com o bispo Santo Ambrósio de Milão, Deus concedeu-lhe a graça de experimentar uma conversão profunda ao cristianismo.
Após sua conversão, Agostinho se tornou um defensor fervoroso da fé cristã e um proeminente escritor e teólogo. Suas obras influentes abordaram uma ampla gama de tópicos, incluindo filosofia, teologia, graça, pecado, livre-arbítrio e a cidade de Deus. Entre suas obras mais famosas estão Confissões, uma autobiografia espiritual, e A Cidade de Deus, uma obra monumental que explorou a relação entre a cidade terrena e a cidade celestial.
Santo Agostinho se destaca entre os primeiros Pais da Igreja não apenas por seus escritos abundantes, mas também por abordar uma ampla variedade de assuntos que continuam sendo objeto de grandes debates até os dias de hoje. Suas ideias têm contribuído significativamente, fornecendo um conhecimento profundo sobre a verdade para muitos estudiosos, filósofos e teólogos. Seus escritos são considerados uma fonte valiosa de conhecimento e reflexão, e seu legado perdura como um importante ponto de referência para a compreensão de questões teológicas e filosóficas.
Veja mais: a história de Santo Agostinho para além das Confissões.
Certamente, Santo Agostinho se destaca de forma notável entre os primeiros Pais da Igreja por seu profundo foco no livre-arbítrio e sua luta intensa contra os maniqueus e o pelagianismo. Sua busca pela verdade, sua reflexão sobre a natureza humana e sua insistência na liberdade de escolha deixaram um legado duradouro na teologia cristã. Ao confrontar as doutrinas dualistas dos maniqueus, Agostinho defendeu a responsabilidade humana diante de Deus e ressaltou a importância da graça divina para a conversão e a santificação. Sua luta fervorosa contra os maniqueus tornou-se uma parte essencial de sua própria jornada espiritual e contribuiu para sua transformação pessoal, tornando-se uma voz influente na história do pensamento cristão. Sua abordagem e reflexões sobre o livre-arbítrio tiveram um impacto significativo na teologia cristã e moldaram a compreensão da vontade humana em relação à graça divina. Agostinho explorou em detalhes as complexidades do livre-arbítrio, discutindo sua relação com o pecado, a graça e a salvação. Com seu entusiasmo e zelo pelas almas, ele ensina claramente a liberdade da vontade em oposição às crenças dos maniqueus, com os quais conviveu no passado, como dito acima, mas que acabou abandonando-os pela graça de Deus.
Agostinho escreveu “O Livre-Arbítrio” (ou “De libero arbitrio”) como uma resposta direta aos erros e ensinamentos dos maniqueus, uma seita religiosa da época que acreditava em uma visão dualística do mundo, separando o bem e o mal como forças independentes e igualmente poderosas. Agostinho, que antes de sua conversão era um adepto do maniqueísmo, sentiu a necessidade de refutar as ideias errôneas que havia sustentado no passado.
Eis uma breve síntese da teoria maniqueísta: Para os maniqueus, havia duas divindades supremas a presidir o universo: o princípio do Bem e o do Mal – a luz e as trevas. Como consequência moral, afirmavam que o homem tinha duas almas. Cada uma presidida por um desses dois princípios. Logo, o mal é metafísico e ontológico. A pessoa não é livre nem responsável pelo mal que faz. Este lhe é imposto.16
Agostinho ofereceu uma explicação para o problema do mal que se tornou uma referência ao longo dos séculos. Ele argumentou que o mal não é um ser em si, mas uma deficiência e privação de ser. Agostinho examinou o problema do mal em três níveis: metafísico-ontológico, moral e físico. No nível metafísico-ontológico, ele afirmou que não existe mal no cosmos, apenas graus inferiores de ser em relação a Deus. No nível moral, Agostinho identificou o mal como sendo o pecado, que surge da má vontade humana como causa primeira do mal. A má vontade não possui uma causa eficiente, mas sim uma causa deficiente. A vontade humana, por sua natureza, deveria buscar o supremo Bem, mas pode se desviar e preferir bens criados e finitos em vez de Deus. O mal moral deriva da escolha incorreta entre esses bens, sendo uma aversão a Deus e uma conversão às criaturas. Agostinho destacou que o fato de possuirmos uma vontade livre é um grande bem dado por Deus, mas o mal surge do mau uso dessa liberdade. O mal moral é resultado da escolha inadequada entre os diversos bens disponíveis.17
Essa visão de Agostinho sobre o problema do mal enfatiza a importância da liberdade da vontade humana e a responsabilidade de cada indivíduo em suas escolhas.
Entretanto, ele não para por aí, nem age por um desejo de vingança contra os maniqueus. Agostinho também argumentou contra os pelagianos sobre a necessidade da graça como base do mérito.
O pelagianismo, uma doutrina teológica que surgiu no século IV, opunha-se aos ensinamentos de Santo Agostinho sobre a graça divina e o pecado original. Originada por Pelágio, um monge britânico, argumentava que a natureza humana não foi corrompida pelo pecado original de Adão e que os seres humanos podem alcançar a perfeição moral e a salvação por meio de suas próprias obras e esforços. Pelágio afirmava que não era necessário depender da graça divina para realizar atos virtuosos.
E seu ensinamento vai ainda mais longe ao enfatizar fortemente o comando absoluto de Deus sobre a vontade humana por causa de Sua onipotência e onisciência. Isso é evidenciado pelo acúmulo infinito de motivos que Deus tem à Sua disposição desde a eternidade, bem como por Seu conhecimento prévio das decisões livres de cada indivíduo. Agostinho aborda essas questões com determinação, buscando iluminar a verdade e guiar as almas para a vontade divina.
Etienne Gilson resumiu de modo muito eficaz o pensamento agostiniano sobre as relações entre a liberdade, a vontade e a graça, da seguinte forma: “Duas condições são exigidas para fazer o bem: um dom de Deus que é a graça e o livre-arbítrio. Sem o livre-arbítrio não haveria problemas; sem a graça, o livre-arbítrio (após o pecado original) não quereria o bem ou, se o quisesse, não conseguiria realizá-lo. A graça, portanto, não tem o efeito de suprimir a vontade, mas sim de torná-la boa, pois ela se transformará em má. Esse poder de usar bem o livre-arbítrio é precisamente a liberdade. A possibilidade de fazer o mal é inseparável do livre-arbítrio, mas o poder de não fazê-lo é a marca da liberdade. E o fato de alguém se encontrar confirmado na graça, a ponto de não poder mais fazer o mal, é o grau supremo da liberdade. Assim, o homem que estiver mais completamente dominado pela graça de Cristo será também o mais livre: “libertas vera est Christo servire”.18)