Confira um dos documentos mais importantes do Papa Pio X: o decreto sobre a idade em que as crianças devem fazer a primeira comunhão.
Confira um dos documentos mais importantes do Papa Pio X: o decreto sobre a idade em que as crianças devem fazer a primeira comunhão.
As páginas do Evangelho atestam claramente com que singular amor Cristo buscou entrar em contato com os pequeninos nas terras por que passava. Deleitava-se em conviver com eles; costumava impor as mãos sobre eles, abraçá-los, bendizê-los. Ele mesmo se indignou ao vê-los repelidos pelos discípulos, os quais repreendeu com estas palavras: “Deixai vir a mim os pequeninos, e não os impeçais, porque deles é o reino de Deus.”1 Demonstrou bem o quanto estimava a inocência e o candor da alma deles quando, chamando a si um pequenino, disse aos discípulos: “Em verdade vos digo: se não vos converterdes e não vos tornardes como pequeninos, não entrareis no reino dos céus. Todo aquele, pois, que se humilhar, como este pequenino, será o maior no reino dos céus. E quem receber em meu nome um pequenino como este, é a mim que recebe”.2
Recordando-se dessas coisas, a Igreja Católica, desde os seus primórdios, teve o cuidado de fazer com que os pequeninos se aproximassem de Cristo pela Comunhão Eucarística, que costumava lhes ministrar quando ainda eram lactentes. Como se encontra prescrito em praticamente todos os livros antigos de ritos até o século XIII, isso se dava por ocasião do batismo e esse costume se conservou durante muito mais tempo em outros lugares; entre os gregos e os orientais ainda persiste. Para afastar, no entanto, o perigo de que crianças lactentes regurgitem o pão consagrado, desde o início se fortaleceu o procedimento de ministrar-lhes a Eucaristia sob a espécie de vinho.
Não só no batismo, mas, daí em diante, as crianças eram frequentemente sustentadas pela refeição divina. De fato, houve em algumas igrejas o costume de oferecer a Eucaristia aos pequeninos logo depois da porção designada ao clero, e em outros lugares o de entregar-lhes os fragmentos remanescentes depois da Comunhão dos adultos.
Então, esse procedimento caiu em desuso na Igreja Latina, e as crianças passaram a se tornar partícipes da mesa santa só quando detinham o uso da aflorante razão e algum conhecimento do Augusto Sacramento. Essa nova disciplina, que já havia sido recebida em alguns Sínodos particulares, foi confirmada pelo célebre cânone XXI promulgado em 1225 no Concílio Ecumênico de Latrão, em que se prescrevem a Confissão Sacramental e a Sagrada Comunhão aos fiéis que tenham atingido a idade da razão, com estas palavras: “Que todos os fiéis, de ambos os sexos, quando chegarem à idade do discernimento, confessem todos os seus pecados fielmente a seu sacerdote, ao menos uma vez por ano, e apliquem-se com todas as suas forças a cumprir a penitência que lhes foi imposta, recebendo reverentemente o sacramento da Eucaristia ao menos na Páscoa, a não ser que por aconselhamento de seu sacerdote, em vista de algum motivo razoável, julguem que devem se abster dele por ora”.3
O Concílio de Trento, de maneira alguma reprovando a antiga disciplina de ministrar a Eucaristia aos pequeninos antes do uso da razão, confirmou o decreto de Latrão e declarou excomungados os que fossem de opinião contrária. “Se alguém negar que todos e cada um dos fiéis de Cristo, de ambos os sexos, quando chegarem à idade do discernimento, estão obrigados a comungar todos anos ao menos uma vez na Páscoa, seja excomungado”.4
Nestas circunstâncias, por força do decreto promulgado e ainda vigente de Latrão, os fiéis de Cristo, tão logo cheguem à idade do discernimento, têm a obrigação de se aproximar, ao menos uma vez por ano, dos sacramentos da Penitência e da Eucaristia.
Contudo, ao se fixar essa idade da razão ou do discernimento, não poucos erros e abusos deploráveis se introduziram no decorrer do tempo. Houve quem declarasse que se devia atribuir uma idade do discernimento ao sacramento da Penitência e outra à recepção da Eucaristia. Julgaram que a idade do discernimento à Confissão era a aquela em que se diferencia o correto do desonesto e, portanto, se pode pecar; mas que à Eucaristia se requer uma idade ulterior em que se pudesse transmitir um conhecimento mais completo das coisas da fé e uma preparação mais madura da alma. E, assim, conforme os vários usos locais e as opiniões dos homens, estabeleceu-se, à primeira Comunhão, a idade de dez ou doze anos aqui, ali a de quatorze ou ainda mais avançada, ficando proibidos da Comunhão Eucaristica, enquanto isso, os meninos ou adolescentes menores do que a idade prescrita.
Tal costume, que sob o pretexto de proteger a dignidade do augusto sacramento, afasta dele os fiéis, surgiu por causa de vários antecedentes. Com efeito, ocorria que a inocência da idade pueril, arrancada do abraço de Cristo, não era alimentada com nenhum suco de vida interior; disso também resultava que a juventude, destituída da poderosa proteção divina, cercada de tantas armadilhas, uma vez perdida a pureza, se precipitasse nos vícios antes de tomar parte nos santos mistérios. Ainda que a instrução mais diligente e a Confissão sacramental acurada se antecipe à primeira Comunhão, o que certamente não ocorre em todo lugar, no entanto, é sempre lamentável a perda da primeira inocência, que poderia talvez ser evitada, recebida a Eucaristia numa idade mais tenra.
Não é menos reprovável o procedimento vigente em vários lugares em que se inibe a Confissão sacramental às crianças que ainda não foram admitidas à Eucaristia ou não se lhes concede a absolvição. Motivo pelo qual ocorre que venham a jazer durante muito tempo envolvidas em laços de pecados talvez graves sob grande perigo.
E o que é ainda mais grave: em alguns lugares, não se permite a meninos ainda não admitidos à primeira Comunhão que sejam munidas do Santo Viático, e assim, defuntos e sepultados à maneira dos recém-nascidos, não recebem o auxílio dos sufrágios da Igreja.
Danos dessa natureza encetam o que perseguem injustamente a antecipação das preparações extraordinárias à primeira Comunhão, talvez porque não se dão conta de que esse gênero de cautela provém dos erros dos jansenistas, que sustentam ser a Santíssima Eucaristia um prêmio, e não uma cura da fragilidade humana. Foi certamente de parecer contrário o Sínodo de Trento, quando ensinou que ela é o “antídoto pelo qual somos liberados das culpas cotidianas e somos preservados dos pecados mortais”.5 Doutrina essa que foi inculcada com mais clareza há pouco tempo pela Sagrada Congregação do Concílio através do decreto promulgado a 26 de dezembro de 1805, que concedeu acesso à Comunhão cotidiana a todos, tanto aos de idade mais avançada quanto aos de idade mais tenra, impondo duas condições apenas: o estado de graça e o reto propósito da vontade.
Uma vez que se distribuíam antigamente resíduos das santas espécies até mesmo a crianças lactentes, não parece justo, na verdade, o motivo pelo qual se exija agora uma preparação extraordinária dos pequeninos que se encontram na condição mais favorável do primeiro candor e inocência e que precisam do alimento mistico sobretudo por causa as inúmeras armadilhas e perigos deste tempo.
Convém agora retomar os abusos que repreendemos, porque os que assinalaram uma idade ao sacramento da Penitência, outra ao da Eucaristia, não definiram bem e corretamente qual seria a idade do discernimento. O Concílio de Latrão, no entanto, requer a mesma idade para ambos os sacramentos, quando impõe a obrigação conjunta da Confissão e Comunhão. Portanto, assim como se julga que a idade do discernimento é aquela em que se pode distinguir o honesto do desonesto, ou seja, quando se alcança algum uso da razão; assim, deve-se designar a idade para a Comunhão, em que se pode distinguir o pão eucarístico do comum; idade essa que é novamente aquela em que o menino alcançou o uso da razão.
Não foi outro o entendimento dos principais interpretes do Concílio de Trento e seus contemporâneos. Está firmemente estabelecido na história da Igreja que mais sínodos e decretos episcopais, desde o século XII, um pouco depois do Concílio de Latrão, admitiram os meninos de sete anos à primeira Comunhão. Além disso, subsiste um testemunho de suma autoridade, do Mestre São Tomás de Aquino, de quem lemos o seguinte: “Quando os meninos começam a ter algum uso da razão, de modo que possam conceber alguma devoção a esse Sacramento (da Eucaristia), então pode-se lhes conceder esse Sacramento”6 Trecho esse que Ledesma explica assim: “Afirmo a partir do consenso de todos que se deve dar a Eucaristia a todos que detenham o uso da razão, ainda que o detenham em menor medida e há pouco tempo; embora aquele menino saiba ainda confusamente o que faz”7. Vasquez explica o mesmo trecho com essas palavras: “Se o menino uma vez chegou a esse uso da razão, está imediatamente obrigado por próprio direito divino, de tal modo que a Igreja não pode liberá-la totalmente”8. Assim também ensinou Santo Antônio ao escrever: “Mas (o menino) é capaz de culpa, visto que pode evidentemente cometer pecado mortal, então está obrigado ao preceito da Confissão e por consequência ao da Comunhão”. O Concílio de Treno também extraiu essa conclusão. Enquanto de fato relembra a Sessão XXI, c. 4: “As crianças que carecem do uso da razão não estão obrigadas por nenhuma necessidade à comunhão sacramental da Eucaristia”, e assinala o motivo disso – porque não podem pecar. “Visto que, naquela idade, não podem perder por pecado a graça adquirida de filhos de Deus”9. Do que fica evidente que o entendimento do Concílio é de que as crianças têm a necessidade e a obrigação à Comunhão quando podem perder a graça pecando. A essas palavras são consoantes as do Concílio Romano, que foi celebrado sob Bento XIII e ensina que a obrigação de receber a Eucaristia começa “quando os meninos e as meninas chegam aos anos do discernimento, naquela idade, é claro, em que estão aptos a diferenciar do alimento profano esse alimento sacramental, que outro não senão o verdadeiro corpo de Jesus Cristo, e sabem se aproximar dele com a devida piedade e devoção”.10 O Catecismo Romano, no entanto, “Ninguém pode melhor decidir em que idade se devem dar os santos mistérios aos meninos do que o padre e sacerdote a quem confessem os confessados. Cabe a eles, com efeito, explorar e averiguar se receberam algum conhecimento deste admirável Sacramento e têm gosto por ele”.11
De tudo isso se conclui que a idade do discernimento para a Comunhão é aquela em que o menino sabe distinguir o pão eucarístico do pão comum e material e pode se aproximar do altar devotamente. Dessa maneira, não se requer um conhecimento perfeito das coisas da Fé, uma vez que alguns elementos apenas bastam, isto é, algum conhecimento; tampouco se exige o uso pleno da razão, uma vez que basta certo uso incipiente, isto é, algum uso da razão; Por essa razão, adiar a Comunhão para depois, estabelecer uma idade mais avançada para recebê-la, deve ser inteiramente censurado. A própria Sé Apostólica já o condenou várias vezes. Assim o Papa Pio IX (de feliz memória), pelas cartas do Cardeal Antonelli enviadas no dia 12 de março de 1866 aos bispos da Gália, censurou severamente o procedimento que se fortalecia em algumas dioceses de postergar a primeira Comunhão a uma idade mais madura prefixada. A Sagrada Congregação do Concílio Provincial de Rouen, por sua vez, a 15 de março de 1231, corrigiu o enunciado pelo qual se vetava que meninos abaixo de doze anos de idade se aproximassem da Comunhão. Tampouco essa Sagrada Congregação para a Disciplina dos Sacramentos agiu por diverso motivo na causa argentinense a 25 de março de 1910, na qual, tratando-se da possível admissão à sagrada Comunhão de meninos de doze ou quatorze anos, escreveu em resposta: “Os meninos e meninas, quando chegarem aos anos do discernimento ou ao uso da razão, devem ser admitidos à mesa santa”.
Tendo examinado todas essas coisas oportuna e cuidadosamente, essa Sagrada Ordem para a Disciplina dos Sacramentos, na Congregação Geral que ocorreu a 15 de julho de 1910, para que os abusos mencionados sejam inteiramente removidos e os meninos mantenham-se ligados a Jesus Cristo desde a tenra idade, vivam a vida d’Ele e encontrem proteção contra os perigos da devassidão, julgou oportuno estabelecer que a seguinte norma sobre a primeira Comunhão dos meninos deve ser observada em todos os lugares.
1) A idade do discernimento tanto para a Confissão quanto para a Comunhão é aquela em que o menino começa a raciocinar, isto é, em torno do sétimo ano, seja acima, seja abaixo. A partir desse tempo começa a obrigação de satisfazer a ambos os preceitos da Confissão e da Comunhão.
2) À primeira Confissão e à primeira Comunhão não é necessário um conhecimento pleno e perfeito da doutrina cristã. O menino deverá depois, no entanto, aprender o catecismo inteiro aos poucos, na medida de sua inteligência.
3) O conhecimento da religião que se requer de um menino, para que se prepare convenientemente à primeira Comunhão, é aquele em que ela compreende os mistérios necessários da fé como necessidade de meio, de acordo com sua capacidade, e distingue o pão eucarístico do comum e material, e se aproxima da Santa Eucaristia com a devoção que sua idade comporta.
4) A obrigação do preceito da Confissão e da Comunhão que agrava o menino recai principalmente sobre os responsáveis por ela, isto é, os pais, o confessor, os professores e o pároco. Cabe ao pai, por sua vez, ou aos que desempenham tal papel, e ao confessor segundo o Catecismo Romano, admitir o menino à Santa Comunhão.
5) Uma ou mais vezes por ano, os párocos devem proclamar e realizar a comunhão geral das crianças e admitir-lhe não só os novatos mas também outros, como foi dito, que com o consenso dos pais ou do confessor já libaram antes do altar. A ambos anunciem-se antecipadamente alguns dias de instrução e preparação.
6) Os responsáveis pelos meninos devem cuidar com todo zelo para que eles, depois da primeira comunhão, se aproximem com frequência da mesa santa e, se possível, até mesmo todos os dias, conforme Jesus Cristo e a mãe Igreja o desejam e para que o façam com a devoção de alma que a idade comporta. Lembre-se ainda os responsáveis do dever gravíssimo que têm de providenciar que os próprios meninos continuem a assistir às lições públicas de catequese, ou se não for possível, que completem a instrução religiosa deles de outro modo.
7) O costume de não admitir os meninos à confissão, ou de nunca absolvê-los, quando já atingiram o uso da razão, deve ser absolutamente censurado. Por isso, os Ordinários locais, valendo-se ademais dos devidos remédios, terão o cuidado para que isso seja totalmente suprimido do seu meio.
8) É totalmente detestável o abuso de não ministrar o Viático e a Extrema Unção aos meninos depois do uso da razão e de sepultá-los com o rito dos pequeninos. Que os ordinários locais punam severamente os que não se afastarem de tal procedimento.
Todas essas disposições, sancionadas pelos Cardeais Pontifícios desta Santa Congregação, o Santíssimo Nosso Senhor Papa Pio X aprovou na audiência do dia 7 do mês corrente e ordenou que se publicasse e promulgasse o presente decreto. Determinou, no entanto, a cada um dos ordinários que mostrem esse decreto não só aos párocos e ao clero, mas também ao povo, a quem quis que se lesse na língua vernácula, todos os anos, por ocasião do preceito Pascal. Os próprios ordinários deverão, a cada cinco anos, relatar à Santa Sé sobre a observância deste decreto.
Não obstando qualquer coisa em contrário.
Escrito em Roma nas dependências da Sagrada Congregação, a 8 de agosto de 1910.
Cardeal Domenico Ferrata, Prefeito.
Filippo Giustini, secretário.
Pontifícia Sagrada Ordem para a Disciplina dos Sacramentos, atual "Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos".
As páginas do Evangelho atestam claramente com que singular amor Cristo buscou entrar em contato com os pequeninos nas terras por que passava. Deleitava-se em conviver com eles; costumava impor as mãos sobre eles, abraçá-los, bendizê-los. Ele mesmo se indignou ao vê-los repelidos pelos discípulos, os quais repreendeu com estas palavras: “Deixai vir a mim os pequeninos, e não os impeçais, porque deles é o reino de Deus.”1 Demonstrou bem o quanto estimava a inocência e o candor da alma deles quando, chamando a si um pequenino, disse aos discípulos: “Em verdade vos digo: se não vos converterdes e não vos tornardes como pequeninos, não entrareis no reino dos céus. Todo aquele, pois, que se humilhar, como este pequenino, será o maior no reino dos céus. E quem receber em meu nome um pequenino como este, é a mim que recebe”.2
Recordando-se dessas coisas, a Igreja Católica, desde os seus primórdios, teve o cuidado de fazer com que os pequeninos se aproximassem de Cristo pela Comunhão Eucarística, que costumava lhes ministrar quando ainda eram lactentes. Como se encontra prescrito em praticamente todos os livros antigos de ritos até o século XIII, isso se dava por ocasião do batismo e esse costume se conservou durante muito mais tempo em outros lugares; entre os gregos e os orientais ainda persiste. Para afastar, no entanto, o perigo de que crianças lactentes regurgitem o pão consagrado, desde o início se fortaleceu o procedimento de ministrar-lhes a Eucaristia sob a espécie de vinho.
Não só no batismo, mas, daí em diante, as crianças eram frequentemente sustentadas pela refeição divina. De fato, houve em algumas igrejas o costume de oferecer a Eucaristia aos pequeninos logo depois da porção designada ao clero, e em outros lugares o de entregar-lhes os fragmentos remanescentes depois da Comunhão dos adultos.
Então, esse procedimento caiu em desuso na Igreja Latina, e as crianças passaram a se tornar partícipes da mesa santa só quando detinham o uso da aflorante razão e algum conhecimento do Augusto Sacramento. Essa nova disciplina, que já havia sido recebida em alguns Sínodos particulares, foi confirmada pelo célebre cânone XXI promulgado em 1225 no Concílio Ecumênico de Latrão, em que se prescrevem a Confissão Sacramental e a Sagrada Comunhão aos fiéis que tenham atingido a idade da razão, com estas palavras: “Que todos os fiéis, de ambos os sexos, quando chegarem à idade do discernimento, confessem todos os seus pecados fielmente a seu sacerdote, ao menos uma vez por ano, e apliquem-se com todas as suas forças a cumprir a penitência que lhes foi imposta, recebendo reverentemente o sacramento da Eucaristia ao menos na Páscoa, a não ser que por aconselhamento de seu sacerdote, em vista de algum motivo razoável, julguem que devem se abster dele por ora”.3
O Concílio de Trento, de maneira alguma reprovando a antiga disciplina de ministrar a Eucaristia aos pequeninos antes do uso da razão, confirmou o decreto de Latrão e declarou excomungados os que fossem de opinião contrária. “Se alguém negar que todos e cada um dos fiéis de Cristo, de ambos os sexos, quando chegarem à idade do discernimento, estão obrigados a comungar todos anos ao menos uma vez na Páscoa, seja excomungado”.4
Nestas circunstâncias, por força do decreto promulgado e ainda vigente de Latrão, os fiéis de Cristo, tão logo cheguem à idade do discernimento, têm a obrigação de se aproximar, ao menos uma vez por ano, dos sacramentos da Penitência e da Eucaristia.
Contudo, ao se fixar essa idade da razão ou do discernimento, não poucos erros e abusos deploráveis se introduziram no decorrer do tempo. Houve quem declarasse que se devia atribuir uma idade do discernimento ao sacramento da Penitência e outra à recepção da Eucaristia. Julgaram que a idade do discernimento à Confissão era a aquela em que se diferencia o correto do desonesto e, portanto, se pode pecar; mas que à Eucaristia se requer uma idade ulterior em que se pudesse transmitir um conhecimento mais completo das coisas da fé e uma preparação mais madura da alma. E, assim, conforme os vários usos locais e as opiniões dos homens, estabeleceu-se, à primeira Comunhão, a idade de dez ou doze anos aqui, ali a de quatorze ou ainda mais avançada, ficando proibidos da Comunhão Eucaristica, enquanto isso, os meninos ou adolescentes menores do que a idade prescrita.
Tal costume, que sob o pretexto de proteger a dignidade do augusto sacramento, afasta dele os fiéis, surgiu por causa de vários antecedentes. Com efeito, ocorria que a inocência da idade pueril, arrancada do abraço de Cristo, não era alimentada com nenhum suco de vida interior; disso também resultava que a juventude, destituída da poderosa proteção divina, cercada de tantas armadilhas, uma vez perdida a pureza, se precipitasse nos vícios antes de tomar parte nos santos mistérios. Ainda que a instrução mais diligente e a Confissão sacramental acurada se antecipe à primeira Comunhão, o que certamente não ocorre em todo lugar, no entanto, é sempre lamentável a perda da primeira inocência, que poderia talvez ser evitada, recebida a Eucaristia numa idade mais tenra.
Não é menos reprovável o procedimento vigente em vários lugares em que se inibe a Confissão sacramental às crianças que ainda não foram admitidas à Eucaristia ou não se lhes concede a absolvição. Motivo pelo qual ocorre que venham a jazer durante muito tempo envolvidas em laços de pecados talvez graves sob grande perigo.
E o que é ainda mais grave: em alguns lugares, não se permite a meninos ainda não admitidos à primeira Comunhão que sejam munidas do Santo Viático, e assim, defuntos e sepultados à maneira dos recém-nascidos, não recebem o auxílio dos sufrágios da Igreja.
Danos dessa natureza encetam o que perseguem injustamente a antecipação das preparações extraordinárias à primeira Comunhão, talvez porque não se dão conta de que esse gênero de cautela provém dos erros dos jansenistas, que sustentam ser a Santíssima Eucaristia um prêmio, e não uma cura da fragilidade humana. Foi certamente de parecer contrário o Sínodo de Trento, quando ensinou que ela é o “antídoto pelo qual somos liberados das culpas cotidianas e somos preservados dos pecados mortais”.5 Doutrina essa que foi inculcada com mais clareza há pouco tempo pela Sagrada Congregação do Concílio através do decreto promulgado a 26 de dezembro de 1805, que concedeu acesso à Comunhão cotidiana a todos, tanto aos de idade mais avançada quanto aos de idade mais tenra, impondo duas condições apenas: o estado de graça e o reto propósito da vontade.
Uma vez que se distribuíam antigamente resíduos das santas espécies até mesmo a crianças lactentes, não parece justo, na verdade, o motivo pelo qual se exija agora uma preparação extraordinária dos pequeninos que se encontram na condição mais favorável do primeiro candor e inocência e que precisam do alimento mistico sobretudo por causa as inúmeras armadilhas e perigos deste tempo.
Convém agora retomar os abusos que repreendemos, porque os que assinalaram uma idade ao sacramento da Penitência, outra ao da Eucaristia, não definiram bem e corretamente qual seria a idade do discernimento. O Concílio de Latrão, no entanto, requer a mesma idade para ambos os sacramentos, quando impõe a obrigação conjunta da Confissão e Comunhão. Portanto, assim como se julga que a idade do discernimento é aquela em que se pode distinguir o honesto do desonesto, ou seja, quando se alcança algum uso da razão; assim, deve-se designar a idade para a Comunhão, em que se pode distinguir o pão eucarístico do comum; idade essa que é novamente aquela em que o menino alcançou o uso da razão.
Não foi outro o entendimento dos principais interpretes do Concílio de Trento e seus contemporâneos. Está firmemente estabelecido na história da Igreja que mais sínodos e decretos episcopais, desde o século XII, um pouco depois do Concílio de Latrão, admitiram os meninos de sete anos à primeira Comunhão. Além disso, subsiste um testemunho de suma autoridade, do Mestre São Tomás de Aquino, de quem lemos o seguinte: “Quando os meninos começam a ter algum uso da razão, de modo que possam conceber alguma devoção a esse Sacramento (da Eucaristia), então pode-se lhes conceder esse Sacramento”6 Trecho esse que Ledesma explica assim: “Afirmo a partir do consenso de todos que se deve dar a Eucaristia a todos que detenham o uso da razão, ainda que o detenham em menor medida e há pouco tempo; embora aquele menino saiba ainda confusamente o que faz”7. Vasquez explica o mesmo trecho com essas palavras: “Se o menino uma vez chegou a esse uso da razão, está imediatamente obrigado por próprio direito divino, de tal modo que a Igreja não pode liberá-la totalmente”8. Assim também ensinou Santo Antônio ao escrever: “Mas (o menino) é capaz de culpa, visto que pode evidentemente cometer pecado mortal, então está obrigado ao preceito da Confissão e por consequência ao da Comunhão”. O Concílio de Treno também extraiu essa conclusão. Enquanto de fato relembra a Sessão XXI, c. 4: “As crianças que carecem do uso da razão não estão obrigadas por nenhuma necessidade à comunhão sacramental da Eucaristia”, e assinala o motivo disso – porque não podem pecar. “Visto que, naquela idade, não podem perder por pecado a graça adquirida de filhos de Deus”9. Do que fica evidente que o entendimento do Concílio é de que as crianças têm a necessidade e a obrigação à Comunhão quando podem perder a graça pecando. A essas palavras são consoantes as do Concílio Romano, que foi celebrado sob Bento XIII e ensina que a obrigação de receber a Eucaristia começa “quando os meninos e as meninas chegam aos anos do discernimento, naquela idade, é claro, em que estão aptos a diferenciar do alimento profano esse alimento sacramental, que outro não senão o verdadeiro corpo de Jesus Cristo, e sabem se aproximar dele com a devida piedade e devoção”.10 O Catecismo Romano, no entanto, “Ninguém pode melhor decidir em que idade se devem dar os santos mistérios aos meninos do que o padre e sacerdote a quem confessem os confessados. Cabe a eles, com efeito, explorar e averiguar se receberam algum conhecimento deste admirável Sacramento e têm gosto por ele”.11
De tudo isso se conclui que a idade do discernimento para a Comunhão é aquela em que o menino sabe distinguir o pão eucarístico do pão comum e material e pode se aproximar do altar devotamente. Dessa maneira, não se requer um conhecimento perfeito das coisas da Fé, uma vez que alguns elementos apenas bastam, isto é, algum conhecimento; tampouco se exige o uso pleno da razão, uma vez que basta certo uso incipiente, isto é, algum uso da razão; Por essa razão, adiar a Comunhão para depois, estabelecer uma idade mais avançada para recebê-la, deve ser inteiramente censurado. A própria Sé Apostólica já o condenou várias vezes. Assim o Papa Pio IX (de feliz memória), pelas cartas do Cardeal Antonelli enviadas no dia 12 de março de 1866 aos bispos da Gália, censurou severamente o procedimento que se fortalecia em algumas dioceses de postergar a primeira Comunhão a uma idade mais madura prefixada. A Sagrada Congregação do Concílio Provincial de Rouen, por sua vez, a 15 de março de 1231, corrigiu o enunciado pelo qual se vetava que meninos abaixo de doze anos de idade se aproximassem da Comunhão. Tampouco essa Sagrada Congregação para a Disciplina dos Sacramentos agiu por diverso motivo na causa argentinense a 25 de março de 1910, na qual, tratando-se da possível admissão à sagrada Comunhão de meninos de doze ou quatorze anos, escreveu em resposta: “Os meninos e meninas, quando chegarem aos anos do discernimento ou ao uso da razão, devem ser admitidos à mesa santa”.
Tendo examinado todas essas coisas oportuna e cuidadosamente, essa Sagrada Ordem para a Disciplina dos Sacramentos, na Congregação Geral que ocorreu a 15 de julho de 1910, para que os abusos mencionados sejam inteiramente removidos e os meninos mantenham-se ligados a Jesus Cristo desde a tenra idade, vivam a vida d’Ele e encontrem proteção contra os perigos da devassidão, julgou oportuno estabelecer que a seguinte norma sobre a primeira Comunhão dos meninos deve ser observada em todos os lugares.
1) A idade do discernimento tanto para a Confissão quanto para a Comunhão é aquela em que o menino começa a raciocinar, isto é, em torno do sétimo ano, seja acima, seja abaixo. A partir desse tempo começa a obrigação de satisfazer a ambos os preceitos da Confissão e da Comunhão.
2) À primeira Confissão e à primeira Comunhão não é necessário um conhecimento pleno e perfeito da doutrina cristã. O menino deverá depois, no entanto, aprender o catecismo inteiro aos poucos, na medida de sua inteligência.
3) O conhecimento da religião que se requer de um menino, para que se prepare convenientemente à primeira Comunhão, é aquele em que ela compreende os mistérios necessários da fé como necessidade de meio, de acordo com sua capacidade, e distingue o pão eucarístico do comum e material, e se aproxima da Santa Eucaristia com a devoção que sua idade comporta.
4) A obrigação do preceito da Confissão e da Comunhão que agrava o menino recai principalmente sobre os responsáveis por ela, isto é, os pais, o confessor, os professores e o pároco. Cabe ao pai, por sua vez, ou aos que desempenham tal papel, e ao confessor segundo o Catecismo Romano, admitir o menino à Santa Comunhão.
5) Uma ou mais vezes por ano, os párocos devem proclamar e realizar a comunhão geral das crianças e admitir-lhe não só os novatos mas também outros, como foi dito, que com o consenso dos pais ou do confessor já libaram antes do altar. A ambos anunciem-se antecipadamente alguns dias de instrução e preparação.
6) Os responsáveis pelos meninos devem cuidar com todo zelo para que eles, depois da primeira comunhão, se aproximem com frequência da mesa santa e, se possível, até mesmo todos os dias, conforme Jesus Cristo e a mãe Igreja o desejam e para que o façam com a devoção de alma que a idade comporta. Lembre-se ainda os responsáveis do dever gravíssimo que têm de providenciar que os próprios meninos continuem a assistir às lições públicas de catequese, ou se não for possível, que completem a instrução religiosa deles de outro modo.
7) O costume de não admitir os meninos à confissão, ou de nunca absolvê-los, quando já atingiram o uso da razão, deve ser absolutamente censurado. Por isso, os Ordinários locais, valendo-se ademais dos devidos remédios, terão o cuidado para que isso seja totalmente suprimido do seu meio.
8) É totalmente detestável o abuso de não ministrar o Viático e a Extrema Unção aos meninos depois do uso da razão e de sepultá-los com o rito dos pequeninos. Que os ordinários locais punam severamente os que não se afastarem de tal procedimento.
Todas essas disposições, sancionadas pelos Cardeais Pontifícios desta Santa Congregação, o Santíssimo Nosso Senhor Papa Pio X aprovou na audiência do dia 7 do mês corrente e ordenou que se publicasse e promulgasse o presente decreto. Determinou, no entanto, a cada um dos ordinários que mostrem esse decreto não só aos párocos e ao clero, mas também ao povo, a quem quis que se lesse na língua vernácula, todos os anos, por ocasião do preceito Pascal. Os próprios ordinários deverão, a cada cinco anos, relatar à Santa Sé sobre a observância deste decreto.
Não obstando qualquer coisa em contrário.
Escrito em Roma nas dependências da Sagrada Congregação, a 8 de agosto de 1910.
Cardeal Domenico Ferrata, Prefeito.
Filippo Giustini, secretário.