Entenda as diferenças entre sentido literal e espiritual da Bíblia segundo a doutrina da Igreja e os ensinamentos de Santo Agostinho.
Entenda as diferenças entre sentido literal e espiritual da Bíblia segundo a doutrina da Igreja e os ensinamentos de Santo Agostinho.
O sentido da Bíblia não se resume a uma leitura superficial. Para compreendê-la corretamente, é preciso atenção ao que a Igreja ensina sobre os diferentes níveis de significado presentes nos textos sagrados.
Neste artigo, explicamos como interpretar corretamente o sentido da Bíblia, distinguindo o que é literal e o que é simbólico. Ajudam-nos nessa tarefa documentos da Igreja e o ensinamento de Santo Agostinho, mestre da interpretação cristã.
A Igreja Católica ensina que a Sagrada Escritura deve ser interpretada segundo o mesmo Espírito que a inspirou (cf. Dei Verbum, 12). Isso significa que a leitura da Bíblia não pode ser feita isoladamente, com critérios puramente pessoais ou científicos, mas deve estar em profunda sintonia com a Tradição viva da Igreja e sob a orientação do seu Magistério. Como lembra o Catecismo da Igreja Católica, “a tarefa de interpretar autenticamente a Palavra de Deus foi confiada unicamente ao Magistério vivo da Igreja” (CIC 85).
Essa abordagem não rejeita os métodos científicos de análise, mas os insere dentro de um horizonte maior de fé. A exegese católica reconhece a humanidade dos autores sagrados, os contextos históricos e literários em que escreveram, e utiliza as ferramentas da crítica textual, literária e histórica. No entanto, ela se distingue por estar “conscientemente situada na tradição viva da Igreja”, como afirmou a Pontifícia Comissão Bíblica, e por buscar sempre a fidelidade à revelação transmitida pela Escritura e pela Tradição.
A Igreja também destaca a importância da unidade das Escrituras: cada passagem deve ser lida à luz do conjunto da Bíblia. Além disso, é essencial respeitar a analogia da fé — ou seja, a coerência das verdades da fé entre si e com o todo do plano divino. Por isso, a leitura católica é sempre eclesial: feita na Igreja, com a Igreja e para a edificação da Igreja.
Leia também: O que significa interpretar a Sagrada Escritura em comunhão com a Igreja?
A Bíblia é a Palavra de Deus escrita por inspiração do Espírito Santo (cf. Dei Verbum, 11). Por isso, a sua interpretação não se reduz a uma leitura literalista, mas requer discernimento quanto aos diversos sentidos que a Tradição da Igreja sempre reconheceu. Segundo o Catecismo da Igreja Católica, “a exegese deve atentar, antes de tudo, para o que o texto bíblico diz, direta e originalmente: o sentido literal” (§116), mas também reconhecer os “sentidos espirituais” que revelam a plenitude da mensagem divina.
Esses sentidos não competem entre si, mas se complementam, ajudando-nos a compreender o desígnio de Deus ao longo da história da salvação. A unidade da Escritura e a leitura em comunhão com a Igreja são critérios essenciais para essa interpretação (cf. CIC, §§112–114).
Para saber mais, confira nosso artigo Como interpretar a Bíblia?
Entender os diferentes sentidos da Bíblia é essencial para uma leitura que seja verdadeiramente fecunda e conforme a fé da Igreja. A própria Tradição, desde os primeiros séculos, reconheceu que a Sagrada Escritura não fala apenas ao intelecto, mas ao coração e à vida inteira do fiel, por meio de uma riqueza de significados que vão além do texto imediato.
O Catecismo da Igreja Católica ensina que “a leitura da Escritura na Igreja é sustentada pela fé na multiforme sabedoria de Deus” (cf. CIC, §117), que se manifesta por meio dos sentidos alegórico, moral e anagógico. Ignorar essa profundidade pode levar a compreensões superficiais ou até distorcidas da Palavra, comprometendo a catequese, a pregação e a vivência cristã.
O sentido literal é o alicerce de toda interpretação bíblica. Segundo o Catecismo da Igreja Católica, “é o sentido significado pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegese, segundo as regras da interpretação” (§116). Esse sentido é fundamental porque expressa o que o autor sagrado quis realmente comunicar, sob a inspiração do Espírito Santo.
A Constituição Dei Verbum reforça que, para entender corretamente os textos inspirados, é necessário considerar o que os hagiógrafos quiseram afirmar e o que Deus quis manifestar por meio de suas palavras humanas (cf. DV 12). Isso implica um estudo atento dos gêneros literários, do contexto histórico e das intenções do autor. Somente assim a leitura da Bíblia se torna fiel à sua natureza divina e humana, permitindo que o fiel compreenda com clareza a mensagem de salvação presente em cada passagem.
A Igreja Católica valoriza profundamente o sentido literal da Escritura como ponto de partida indispensável para toda interpretação. Segundo o Catecismo, “todos os outros sentidos da Sagrada Escritura se baseiam no sentido literal” (CIC, §116). Isso significa que, antes de buscar significados mais profundos ou espirituais, é preciso compreender o que o texto comunica em sua linguagem própria, respeitando os autores sagrados e sua intenção original.
O Concílio Vaticano II, na constituição Dei Verbum, ensina que “para descobrir a intenção dos hagiógrafos, deve-se atender, entre outras coisas, aos gêneros literários. Com efeito, a verdade é proposta e expressa de modos diversos nos textos segundo se trate de história, de profecia, de poesia ou de outros gêneros de expressão” (DV 12). Assim, a exegese católica reconhece que a Palavra de Deus se fez história, cultura e linguagem concreta, e que sua verdade salvadora se revela por meio de palavras humanas inspiradas.
Conheça as diferenças entre as Bíblias católica e evangélica.
A exegese é a ciência que busca compreender o sentido dos textos bíblicos a partir de sua linguagem, contexto e intenção original. No contexto católico, ela é vista como uma ferramenta indispensável para encontrar o sentido literal das Escrituras. A Enciclopédia Católica explica que “a exegese é, essencialmente, a interpretação dos textos inspirados com vistas à sua verdadeira significação, respeitando a intenção do autor sagrado e as circunstâncias históricas e literárias em que escreveu” (Catholic Encyclopedia, verbete “Exegesis”).
A exegese moderna emprega métodos históricos e críticos, analisando elementos como o gênero literário, o contexto cultural e as fontes utilizadas. Contudo, segundo a Dei Verbum, isso deve ser feito “tendo em conta o conteúdo e a unidade de toda a Escritura, a Tradição viva da Igreja e a analogia da fé” (DV 12). Assim, a exegese católica une o rigor acadêmico com a fidelidade eclesial, reconhecendo que o sentido literal da Bíblia só se manifesta plenamente quando lido à luz de Cristo e em comunhão com a Igreja.
Além do sentido literal, a Tradição da Igreja reconhece na Escritura sentidos espirituais, que revelam dimensões mais profundas da mensagem divina. O Catecismo da Igreja Católica (§117) ensina que esses sentidos — alegórico, moral e anagógico — estão intimamente ligados à unidade do plano de Deus e à leitura da Bíblia “no Espírito que a inspirou”.
Esses sentidos não se opõem ao literal, mas o pressupõem. Através deles, a Escritura ilumina a vida de Cristo, guia a moral cristã e aponta para o nosso destino eterno. A seguir, explicamos cada um deles.
No sentido alegórico, os acontecimentos narrados na Bíblia podem ser entendidos como prefigurações de Cristo e dos mistérios da fé. Por exemplo, a travessia do Mar Vermelho (cf. Ex 14) é vista como figura do Batismo, pois representa a passagem da escravidão para a liberdade, da morte para a vida em Cristo. Essa leitura tipológica foi amplamente usada pelos Padres da Igreja para mostrar a unidade entre o Antigo e o Novo Testamento.
O sentido moral revela como a Palavra de Deus orienta a conduta do fiel. A Bíblia não apenas comunica doutrina, mas convida à conversão e à prática da caridade. O exemplo do Bom Samaritano (cf. Lc 10,25-37), por exemplo, ensina o amor ao próximo com gestos concretos de misericórdia. Cada personagem e ação pode ser lida como espelho e estímulo para a nossa vida moral.
Por fim, o sentido anagógico aponta para a realidade eterna. Ele eleva o olhar do fiel às realidades do Céu e da vida futura. Quando a Escritura fala da Jerusalém celeste (cf. Ap 21), convida à esperança e à perseverança na fé. Esse sentido lembra que toda a história da salvação caminha para o encontro definitivo com Deus.
A leitura católica da Sagrada Escritura sempre reconheceu a complementaridade entre o sentido literal e os sentidos espirituais. Longe de estarem em oposição, eles se iluminam mutuamente: o sentido espiritual supõe o literal como fundamento, e o literal encontra plenitude quando lido à luz de Cristo e da fé da Igreja.
A Pontifícia Comissão Bíblica ensina que essa leitura em vários níveis pertence à própria natureza do texto inspirado. A Tradição não considera a Escritura um simples relato histórico, mas um testemunho vivo da ação salvífica de Deus. Assim, compreender o texto em sua literalidade é essencial, mas deixar-se conduzir pelo Espírito Santo a seus significados mais profundos é igualmente necessário para uma verdadeira assimilação da Palavra de Deus.
Santo Agostinho, em sua obra Doutrina Cristã, estabelece critérios fundamentais para distinguir os sentidos da Escritura, afirmando que toda interpretação deve levar à caridade. Ele ensina que “tudo o que, nas palavras divinas, não puder ser entendido literalmente sem ferir a retidão dos costumes ou a verdade da fé, deve ser reconhecido como linguagem figurada”. Para ele, os sentidos espirituais só são legítimos se conduzirem à edificação da fé e da vida cristã.
Santo Tomás de Aquino, por sua vez, sistematiza a doutrina dos sentidos da Escritura na Suma Teológica (I, q. 1, a. 10). Ele distingue o sentido literal como o pretendido pelo autor, e os sentidos espirituais como aqueles que o Espírito Santo inspira no texto: alegórico, moral e anagógico. Tomás sublinha que “todos os sentidos da Sagrada Escritura se fundam no sentido literal” — mostrando, assim, a unidade e a hierarquia entre eles.
Ambos os doutores da Igreja reforçam que a verdadeira interpretação bíblica deve sempre servir à fé, à moral e à comunhão com Deus.
Conheça o nosso Guia Completo para Católicos sobre a Bíblia.
A interpretação da Sagrada Escritura não é tarefa isolada ou puramente acadêmica: ela se realiza na comunhão da Igreja, sob a ação do Espírito Santo. A Pontifícia Comissão Bíblica lembra que os primeiros discípulos, apesar de terem recebido a revelação de Cristo, não compreendiam plenamente seu conteúdo, mas o aprofundavam progressivamente na vida comunitária, conduzidos pelo “Espírito da verdade” prometido por Jesus (cf. Jo 16,12-13).
É nessa continuidade que a Igreja interpreta a Escritura: como Povo de Deus, guiado pelo Magistério e animado pela Tradição viva. A mesma Comissão ensina que a Bíblia “nasceu da fé da Igreja e continua a ser interpretada nela”, de modo que a leitura bíblica feita fora dessa comunhão corre o risco de desviar-se do sentido autêntico da revelação (cf. PCB, B.3).
A definição do cânon das Escrituras foi um processo longo, discernido sob a luz da Tradição e do Espírito Santo. A Igreja reconheceu como inspirados os livros que transmitiam fielmente a revelação divina e que eram usados liturgicamente pelas comunidades cristãs. Esses escritos, recebidos como herança do povo de Deus, formaram progressivamente o conjunto do Antigo e do Novo Testamento (cf. Dei Verbum, 11).
Ao estabelecer o cânon, a Igreja também definia sua própria identidade, pois as Escrituras se tornaram o “espelho” no qual ela constantemente se reconhece e com o qual se confronta ao longo dos séculos. Por isso, o cânon é um critério teológico fundamental, inseparável da fé da Igreja.
Leia também: Por que precisamos da Tradição e do Magistério para entender a Bíblia?
Os Padres da Igreja foram intérpretes privilegiados das Escrituras. Com suas homilias, comentários e tratados, ajudaram a consolidar a tradição exegética da Igreja, unindo fidelidade ao texto bíblico e sensibilidade pastoral. A Pontifícia Comissão Bíblica destaca que, para os Padres, a leitura da Escritura era profundamente eclesial, teológica e espiritual, sempre a serviço da edificação da fé.
Mesmo quando recorriam à alegoria, o faziam com a convicção de que a Escritura é um “livro de Deus” — inesgotável em seu sentido e dado para a instrução do povo fiel (cf. 1Cor 10,11). Assim, mesmo os métodos que possam parecer distantes do espírito moderno têm valor duradouro pela experiência eclesial que expressam.
A interpretação das Escrituras não cabe apenas a especialistas. Todo o povo de Deus, unido aos seus pastores, participa dessa missão. Como ensina a Lumen Gentium (n. 12), o sensus fidei — o “senso da fé” — é uma graça do Espírito que permite aos fiéis reconhecerem a verdade do Evangelho e vivê-la com profundidade.
A Comissão Bíblica sublinha que esse senso é exercido de modo especial na liturgia, na vida de oração e no testemunho dos simples. Por isso, a leitura orante da Bíblia (lectio divina) e a escuta atenta da Palavra na liturgia são momentos privilegiados em que o povo fiel interpreta a Escritura com docilidade e amor.
Diante da riqueza e da profundidade da Sagrada Escritura, é essencial que cada fiel se aproxime da Bíblia com humildade, docilidade ao Magistério e espírito de oração. Compreender os diversos sentidos — literal e espirituais — não é apenas um exercício intelectual, mas uma forma de penetrar no mistério de Deus que se revela por amor. Que nossa leitura da Palavra seja sempre feita “no Espírito que a inspirou”, para que ela ilumine nossa fé, oriente nossa conduta e nos conduza à união plena com o Senhor.
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O sentido da Bíblia não se resume a uma leitura superficial. Para compreendê-la corretamente, é preciso atenção ao que a Igreja ensina sobre os diferentes níveis de significado presentes nos textos sagrados.
Neste artigo, explicamos como interpretar corretamente o sentido da Bíblia, distinguindo o que é literal e o que é simbólico. Ajudam-nos nessa tarefa documentos da Igreja e o ensinamento de Santo Agostinho, mestre da interpretação cristã.
A Igreja Católica ensina que a Sagrada Escritura deve ser interpretada segundo o mesmo Espírito que a inspirou (cf. Dei Verbum, 12). Isso significa que a leitura da Bíblia não pode ser feita isoladamente, com critérios puramente pessoais ou científicos, mas deve estar em profunda sintonia com a Tradição viva da Igreja e sob a orientação do seu Magistério. Como lembra o Catecismo da Igreja Católica, “a tarefa de interpretar autenticamente a Palavra de Deus foi confiada unicamente ao Magistério vivo da Igreja” (CIC 85).
Essa abordagem não rejeita os métodos científicos de análise, mas os insere dentro de um horizonte maior de fé. A exegese católica reconhece a humanidade dos autores sagrados, os contextos históricos e literários em que escreveram, e utiliza as ferramentas da crítica textual, literária e histórica. No entanto, ela se distingue por estar “conscientemente situada na tradição viva da Igreja”, como afirmou a Pontifícia Comissão Bíblica, e por buscar sempre a fidelidade à revelação transmitida pela Escritura e pela Tradição.
A Igreja também destaca a importância da unidade das Escrituras: cada passagem deve ser lida à luz do conjunto da Bíblia. Além disso, é essencial respeitar a analogia da fé — ou seja, a coerência das verdades da fé entre si e com o todo do plano divino. Por isso, a leitura católica é sempre eclesial: feita na Igreja, com a Igreja e para a edificação da Igreja.
Leia também: O que significa interpretar a Sagrada Escritura em comunhão com a Igreja?
A Bíblia é a Palavra de Deus escrita por inspiração do Espírito Santo (cf. Dei Verbum, 11). Por isso, a sua interpretação não se reduz a uma leitura literalista, mas requer discernimento quanto aos diversos sentidos que a Tradição da Igreja sempre reconheceu. Segundo o Catecismo da Igreja Católica, “a exegese deve atentar, antes de tudo, para o que o texto bíblico diz, direta e originalmente: o sentido literal” (§116), mas também reconhecer os “sentidos espirituais” que revelam a plenitude da mensagem divina.
Esses sentidos não competem entre si, mas se complementam, ajudando-nos a compreender o desígnio de Deus ao longo da história da salvação. A unidade da Escritura e a leitura em comunhão com a Igreja são critérios essenciais para essa interpretação (cf. CIC, §§112–114).
Para saber mais, confira nosso artigo Como interpretar a Bíblia?
Entender os diferentes sentidos da Bíblia é essencial para uma leitura que seja verdadeiramente fecunda e conforme a fé da Igreja. A própria Tradição, desde os primeiros séculos, reconheceu que a Sagrada Escritura não fala apenas ao intelecto, mas ao coração e à vida inteira do fiel, por meio de uma riqueza de significados que vão além do texto imediato.
O Catecismo da Igreja Católica ensina que “a leitura da Escritura na Igreja é sustentada pela fé na multiforme sabedoria de Deus” (cf. CIC, §117), que se manifesta por meio dos sentidos alegórico, moral e anagógico. Ignorar essa profundidade pode levar a compreensões superficiais ou até distorcidas da Palavra, comprometendo a catequese, a pregação e a vivência cristã.
O sentido literal é o alicerce de toda interpretação bíblica. Segundo o Catecismo da Igreja Católica, “é o sentido significado pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegese, segundo as regras da interpretação” (§116). Esse sentido é fundamental porque expressa o que o autor sagrado quis realmente comunicar, sob a inspiração do Espírito Santo.
A Constituição Dei Verbum reforça que, para entender corretamente os textos inspirados, é necessário considerar o que os hagiógrafos quiseram afirmar e o que Deus quis manifestar por meio de suas palavras humanas (cf. DV 12). Isso implica um estudo atento dos gêneros literários, do contexto histórico e das intenções do autor. Somente assim a leitura da Bíblia se torna fiel à sua natureza divina e humana, permitindo que o fiel compreenda com clareza a mensagem de salvação presente em cada passagem.
A Igreja Católica valoriza profundamente o sentido literal da Escritura como ponto de partida indispensável para toda interpretação. Segundo o Catecismo, “todos os outros sentidos da Sagrada Escritura se baseiam no sentido literal” (CIC, §116). Isso significa que, antes de buscar significados mais profundos ou espirituais, é preciso compreender o que o texto comunica em sua linguagem própria, respeitando os autores sagrados e sua intenção original.
O Concílio Vaticano II, na constituição Dei Verbum, ensina que “para descobrir a intenção dos hagiógrafos, deve-se atender, entre outras coisas, aos gêneros literários. Com efeito, a verdade é proposta e expressa de modos diversos nos textos segundo se trate de história, de profecia, de poesia ou de outros gêneros de expressão” (DV 12). Assim, a exegese católica reconhece que a Palavra de Deus se fez história, cultura e linguagem concreta, e que sua verdade salvadora se revela por meio de palavras humanas inspiradas.
Conheça as diferenças entre as Bíblias católica e evangélica.
A exegese é a ciência que busca compreender o sentido dos textos bíblicos a partir de sua linguagem, contexto e intenção original. No contexto católico, ela é vista como uma ferramenta indispensável para encontrar o sentido literal das Escrituras. A Enciclopédia Católica explica que “a exegese é, essencialmente, a interpretação dos textos inspirados com vistas à sua verdadeira significação, respeitando a intenção do autor sagrado e as circunstâncias históricas e literárias em que escreveu” (Catholic Encyclopedia, verbete “Exegesis”).
A exegese moderna emprega métodos históricos e críticos, analisando elementos como o gênero literário, o contexto cultural e as fontes utilizadas. Contudo, segundo a Dei Verbum, isso deve ser feito “tendo em conta o conteúdo e a unidade de toda a Escritura, a Tradição viva da Igreja e a analogia da fé” (DV 12). Assim, a exegese católica une o rigor acadêmico com a fidelidade eclesial, reconhecendo que o sentido literal da Bíblia só se manifesta plenamente quando lido à luz de Cristo e em comunhão com a Igreja.
Além do sentido literal, a Tradição da Igreja reconhece na Escritura sentidos espirituais, que revelam dimensões mais profundas da mensagem divina. O Catecismo da Igreja Católica (§117) ensina que esses sentidos — alegórico, moral e anagógico — estão intimamente ligados à unidade do plano de Deus e à leitura da Bíblia “no Espírito que a inspirou”.
Esses sentidos não se opõem ao literal, mas o pressupõem. Através deles, a Escritura ilumina a vida de Cristo, guia a moral cristã e aponta para o nosso destino eterno. A seguir, explicamos cada um deles.
No sentido alegórico, os acontecimentos narrados na Bíblia podem ser entendidos como prefigurações de Cristo e dos mistérios da fé. Por exemplo, a travessia do Mar Vermelho (cf. Ex 14) é vista como figura do Batismo, pois representa a passagem da escravidão para a liberdade, da morte para a vida em Cristo. Essa leitura tipológica foi amplamente usada pelos Padres da Igreja para mostrar a unidade entre o Antigo e o Novo Testamento.
O sentido moral revela como a Palavra de Deus orienta a conduta do fiel. A Bíblia não apenas comunica doutrina, mas convida à conversão e à prática da caridade. O exemplo do Bom Samaritano (cf. Lc 10,25-37), por exemplo, ensina o amor ao próximo com gestos concretos de misericórdia. Cada personagem e ação pode ser lida como espelho e estímulo para a nossa vida moral.
Por fim, o sentido anagógico aponta para a realidade eterna. Ele eleva o olhar do fiel às realidades do Céu e da vida futura. Quando a Escritura fala da Jerusalém celeste (cf. Ap 21), convida à esperança e à perseverança na fé. Esse sentido lembra que toda a história da salvação caminha para o encontro definitivo com Deus.
A leitura católica da Sagrada Escritura sempre reconheceu a complementaridade entre o sentido literal e os sentidos espirituais. Longe de estarem em oposição, eles se iluminam mutuamente: o sentido espiritual supõe o literal como fundamento, e o literal encontra plenitude quando lido à luz de Cristo e da fé da Igreja.
A Pontifícia Comissão Bíblica ensina que essa leitura em vários níveis pertence à própria natureza do texto inspirado. A Tradição não considera a Escritura um simples relato histórico, mas um testemunho vivo da ação salvífica de Deus. Assim, compreender o texto em sua literalidade é essencial, mas deixar-se conduzir pelo Espírito Santo a seus significados mais profundos é igualmente necessário para uma verdadeira assimilação da Palavra de Deus.
Santo Agostinho, em sua obra Doutrina Cristã, estabelece critérios fundamentais para distinguir os sentidos da Escritura, afirmando que toda interpretação deve levar à caridade. Ele ensina que “tudo o que, nas palavras divinas, não puder ser entendido literalmente sem ferir a retidão dos costumes ou a verdade da fé, deve ser reconhecido como linguagem figurada”. Para ele, os sentidos espirituais só são legítimos se conduzirem à edificação da fé e da vida cristã.
Santo Tomás de Aquino, por sua vez, sistematiza a doutrina dos sentidos da Escritura na Suma Teológica (I, q. 1, a. 10). Ele distingue o sentido literal como o pretendido pelo autor, e os sentidos espirituais como aqueles que o Espírito Santo inspira no texto: alegórico, moral e anagógico. Tomás sublinha que “todos os sentidos da Sagrada Escritura se fundam no sentido literal” — mostrando, assim, a unidade e a hierarquia entre eles.
Ambos os doutores da Igreja reforçam que a verdadeira interpretação bíblica deve sempre servir à fé, à moral e à comunhão com Deus.
Conheça o nosso Guia Completo para Católicos sobre a Bíblia.
A interpretação da Sagrada Escritura não é tarefa isolada ou puramente acadêmica: ela se realiza na comunhão da Igreja, sob a ação do Espírito Santo. A Pontifícia Comissão Bíblica lembra que os primeiros discípulos, apesar de terem recebido a revelação de Cristo, não compreendiam plenamente seu conteúdo, mas o aprofundavam progressivamente na vida comunitária, conduzidos pelo “Espírito da verdade” prometido por Jesus (cf. Jo 16,12-13).
É nessa continuidade que a Igreja interpreta a Escritura: como Povo de Deus, guiado pelo Magistério e animado pela Tradição viva. A mesma Comissão ensina que a Bíblia “nasceu da fé da Igreja e continua a ser interpretada nela”, de modo que a leitura bíblica feita fora dessa comunhão corre o risco de desviar-se do sentido autêntico da revelação (cf. PCB, B.3).
A definição do cânon das Escrituras foi um processo longo, discernido sob a luz da Tradição e do Espírito Santo. A Igreja reconheceu como inspirados os livros que transmitiam fielmente a revelação divina e que eram usados liturgicamente pelas comunidades cristãs. Esses escritos, recebidos como herança do povo de Deus, formaram progressivamente o conjunto do Antigo e do Novo Testamento (cf. Dei Verbum, 11).
Ao estabelecer o cânon, a Igreja também definia sua própria identidade, pois as Escrituras se tornaram o “espelho” no qual ela constantemente se reconhece e com o qual se confronta ao longo dos séculos. Por isso, o cânon é um critério teológico fundamental, inseparável da fé da Igreja.
Leia também: Por que precisamos da Tradição e do Magistério para entender a Bíblia?
Os Padres da Igreja foram intérpretes privilegiados das Escrituras. Com suas homilias, comentários e tratados, ajudaram a consolidar a tradição exegética da Igreja, unindo fidelidade ao texto bíblico e sensibilidade pastoral. A Pontifícia Comissão Bíblica destaca que, para os Padres, a leitura da Escritura era profundamente eclesial, teológica e espiritual, sempre a serviço da edificação da fé.
Mesmo quando recorriam à alegoria, o faziam com a convicção de que a Escritura é um “livro de Deus” — inesgotável em seu sentido e dado para a instrução do povo fiel (cf. 1Cor 10,11). Assim, mesmo os métodos que possam parecer distantes do espírito moderno têm valor duradouro pela experiência eclesial que expressam.
A interpretação das Escrituras não cabe apenas a especialistas. Todo o povo de Deus, unido aos seus pastores, participa dessa missão. Como ensina a Lumen Gentium (n. 12), o sensus fidei — o “senso da fé” — é uma graça do Espírito que permite aos fiéis reconhecerem a verdade do Evangelho e vivê-la com profundidade.
A Comissão Bíblica sublinha que esse senso é exercido de modo especial na liturgia, na vida de oração e no testemunho dos simples. Por isso, a leitura orante da Bíblia (lectio divina) e a escuta atenta da Palavra na liturgia são momentos privilegiados em que o povo fiel interpreta a Escritura com docilidade e amor.
Diante da riqueza e da profundidade da Sagrada Escritura, é essencial que cada fiel se aproxime da Bíblia com humildade, docilidade ao Magistério e espírito de oração. Compreender os diversos sentidos — literal e espirituais — não é apenas um exercício intelectual, mas uma forma de penetrar no mistério de Deus que se revela por amor. Que nossa leitura da Palavra seja sempre feita “no Espírito que a inspirou”, para que ela ilumine nossa fé, oriente nossa conduta e nos conduza à união plena com o Senhor.
Você já conhece a Bíblia da MBC?