É possível interpretar a Sagrada Escritura por conta própria? Veja o que a Igreja Católica ensina sobre Tradição e Magistério.
É possível interpretar a Sagrada Escritura por conta própria? Veja o que a Igreja Católica ensina sobre Tradição e Magistério.
Interpretar a Sagrada Escritura não é apenas uma tarefa intelectual ou um exercício de estudo pessoal. Para a fé católica, essa interpretação é um ato eclesial, inserido na comunhão viva da Igreja. A Bíblia é a Palavra de Deus escrita, mas sua compreensão autêntica requer que seja lida no contexto da Tradição viva e sob a autoridade do Magistério. Essa tríade — Escritura, Tradição e Magistério — forma o único depósito sagrado da Revelação divina 1.
A leitura comunitária da Escritura não significa uma uniformização que anule a experiência individual do fiel. Pelo contrário, ela garante que essa experiência se dê em comunhão com o Corpo de Cristo e com a fé transmitida desde os Apóstolos. A Igreja, como “coluna e sustentáculo da verdade” (1Tm 3,15), é o lugar onde a Palavra de Deus é proclamada, celebrada, interpretada e vivida. Este artigo explora, à luz do ensinamento da Igreja e da obra “A Doutrina Cristã” de Santo Agostinho, por que interpretar a Bíblia em comunhão com a Igreja é condição essencial para uma fé madura e fiel à verdade revelada.
A Sagrada Escritura é verdadeiramente a Palavra de Deus, inspirada pelo Espírito Santo. Contudo, essa Palavra foi confiada à Igreja para que fosse acolhida, transmitida e interpretada fielmente. A Bíblia nasceu do seio da Tradição apostólica, e seu reconhecimento como Escritura Sagrada foi possível graças ao discernimento da comunidade eclesial, sob a guia do Espírito Santo.
O Concílio Vaticano II ensina que “a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito sagrado da Palavra de Deus, confiado à Igreja” 1. O Catecismo reitera: “A Sagrada Escritura é o discurso de Deus consignado por escrito sob a inspiração do Espírito Santo. A Tradição transmite na sua integridade a Palavra de Deus confiada por Cristo aos Apóstolos” 2.
Essa confiança divina à Igreja mostra que a Bíblia não pode ser separada da comunidade de fé que a gerou. A Tradição, como expressão viva da fé apostólica, é o solo fértil no qual a Escritura foi semeada e continua a frutificar.
Santo Agostinho, ao refletir sobre essa realidade, adverte contra a pretensão de acessar diretamente a verdade de Deus sem a mediação eclesial: “Não coloquemos à prova Aquele em quem cremos, […] como se devêssemos ver o próprio Senhor Jesus Cristo e receber diretamente d’Ele, e não por meio de homens, o ensinamento do Evangelho” 3. Ao mencionar casos como o de São Paulo, Cornélio e o eunuco etíope, Agostinho mostra que mesmo os mais favorecidos com revelações divinas foram encaminhados a mestres humanos e à vida da Igreja 4.
Leia o nosso Guia completo para católicos sobre a Bíblia.
A interpretação autêntica da Sagrada Escritura não é possível sem a ação contínua do Espírito Santo, que guia a Igreja em toda a verdade 5. O mesmo Espírito que inspirou os autores sagrados continua a iluminar a comunidade eclesial, conduzindo-a na escuta, vivência e transmissão da Palavra.
A Tradição viva é o contexto vital onde essa ação do Espírito se manifesta. Não se trata de uma fonte concorrente à Escritura, mas do ambiente no qual ela nasceu, foi reconhecida e continua a ser acolhida. A Palavra de Deus não é um documento estático, mas uma realidade viva que se expressa na fé da Igreja. O Papa Bento XVI recorda que “a Palavra de Deus precede e excede a Bíblia” 6, indicando que sua plenitude só pode ser reconhecida na comunhão eclesial.
De forma semelhante, o Papa Francisco exorta: “Devemos colocar-nos na linha da grande Tradição que, sob a guia do Espírito Santo e do Magistério, reconheceu os escritos canônicos como palavra que Deus dirigiu ao seu povo” 7. Essa orientação evita tanto o literalismo reducionista quanto as leituras subjetivistas, preservando a unidade da fé e a fidelidade ao Evangelho.
Na Tradição viva, a Escritura encontra sua chave de leitura e sua atualização permanente. A Igreja, ao longo dos séculos, conservou e transmitiu o sentido autêntico das Escrituras, não por autoridade própria, mas por serviço ao Espírito que nela habita. Assim, interpretar a Bíblia em comunhão com a Tradição é acolher a Palavra como dom de Deus à sua Igreja, e não como propriedade privada de cada leitor.
Confira também o nosso Guia completo para católicos sobre o Espírito Santo.
Interpretar a Sagrada Escritura não é uma prerrogativa individual, mas uma missão confiada à Igreja. Desde os tempos apostólicos, a Palavra de Deus foi transmitida dentro da vida da comunidade eclesial, onde era proclamada, celebrada e explicada. Essa dimensão eclesial da interpretação não apenas garante a fidelidade ao Evangelho, mas também protege contra desvios e fragmentações doutrinárias.
A compreensão da Bíblia, portanto, depende da fé viva da Igreja, sustentada pelo Magistério, que é assistido pelo Espírito Santo. A Dei Verbum afirma que “a tarefa de interpretar autenticamente a Palavra de Deus, escrita ou transmitida, foi confiada unicamente ao Magistério vivo da Igreja” 1. Além disso, ela orienta que a Escritura deve ser lida “atendendo ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura”, “à Tradição viva de toda a Igreja” e “à analogia da fé” 8.
Essa missão interpretativa é, acima de tudo, um serviço. O Papa Bento XVI observa que “sem esta orientação, as Escrituras permaneceriam como letra morta do passado” 6. A Palavra de Deus, para ser eficaz e viva, requer a mediação do ensinamento da Igreja. O Papa Francisco também reforça essa missão eclesial: “A Palavra de Deus não é um mero texto, mas o Cristo vivo que fala ao seu povo na Igreja” 7.
Nessa mesma linha, Santo Agostinho ensina que a interpretação das Escrituras deve ser exercida em espírito de serviço e comunhão: não se trata de um empreendimento individual, mas de um ministério realizado com humildade e docilidade à fé da Igreja 9. Para ele, o conhecimento bíblico tem por finalidade a edificação do Corpo de Cristo e precisa ser conduzido pelo amor, pela fidelidade à Tradição e pela escuta atenta do Espírito Santo que anima a comunidade eclesial.
A leitura da Sagrada Escritura, quando desconectada da Igreja, acabou gerando uma grande diversidade de interpretações, muitas vezes conflitantes entre si e, como consequência, à fragmentação da fé cristã. Quando cada leitor se torna o próprio árbitro do sentido bíblico, abre-se espaço para subjetivismos e doutrinas contraditórias.
Esse fenômeno tornou-se particularmente evidente com a Reforma Protestante. Ao adotar o princípio de Sola Scriptura, isto é, a Bíblia como única regra de fé, várias comunidades passaram a interpretar as Escrituras de forma autônoma, sem o referencial da Tradição ou do Magistério. O resultado foi uma multiplicação crescente de denominações, muitas vezes com compreensões teológicas opostas.
Diante disso, a fé católica afirma que a Escritura deve ser lida no seio da comunhão eclesial. Interpretá-la fora desse contexto não apenas empobrece a leitura, mas também abre caminho para erros doutrinais. O Magistério, assistido pelo Espírito Santo, exerce um papel fundamental ao oferecer um critério seguro de interpretação, assegurando a unidade da fé e protegendo os fiéis contra desvios.
Santo Agostinho, atento aos perigos da leitura isolada, adverte: “Todo aquele que pensa ter entendido as Sagradas Escrituras, ou qualquer parte delas, mas não cresce na caridade para com Deus e com o próximo, ainda não as entendeu de fato” 10. Para ele, a comunhão com a Igreja é essencial para preservar tanto a clareza da fé quanto a vivência da caridade. Assim, a leitura pessoal da Bíblia deve estar sempre em sintonia com a fé da Igreja, para que a Palavra de Deus continue a ser fonte de unidade e verdade, e não de divisão.
Santo Agostinho é um dos mestres da tradição cristã que mais profundamente refletiu sobre o papel da Igreja na interpretação das Escrituras. Para ele, a leitura da Bíblia deve estar a serviço da caridade e ser realizada em comunhão com a fé da Igreja. Essa convicção está presente de forma clara em sua obra “A Doutrina Cristã”.
Ele afirma com clareza: “A interpretação das Escrituras não é um exercício solitário, mas um serviço à Igreja” 9. O conhecimento bíblico, segundo Agostinho, deve estar sempre a serviço da edificação do Corpo de Cristo, guiado pelo amor e pela humildade. A Escritura, por si só, não é suficiente para formar a fé: ela precisa ser interpretada à luz da Tradição e com o auxílio dos mestres que a Igreja oferece.
Agostinho também destaca que “a fé vacila quando a autoridade das Sagradas Escrituras é abalada; e quando a fé vacila, até a caridade começa a enfraquecer” 11. Assim, a reta interpretação das Escrituras tem consequências diretas na vivência do amor cristão e na unidade da Igreja.
Um exemplo prático dessa perspectiva aparece quando Agostinho comenta o encontro entre o eunuco etíope e Filipe, narrado em Atos dos Apóstolos. Ele escreve: “Mesmo o apóstolo Paulo, embora tenha sido instruído por uma voz divina, foi enviado a um homem para ser incorporado à Igreja” 12. Essa observação reforça o papel essencial da mediação eclesial: mesmo com boa vontade e leitura diligente, o sentido pleno da Palavra só se revela por meio do ensinamento autorizado da Igreja.
Conheça a história de Santo Agostinho.
Santo Agostinho combate, com clareza, a ideia de uma interpretação individualista e direta da Sagrada Escritura, desvinculada da mediação da Igreja. Para ele, a pedagogia divina inclui, por vontade do próprio Deus, a mediação humana e comunitária.
Agostinho ensina que Deus, em sua sabedoria, poderia ter revelado sua Palavra por meio de anjos ou de manifestações diretas, mas escolheu usar homens para comunicar sua vontade. Ele afirma: “Deus poderia ter feito tudo isso por meio de anjos; porém, se não quisesse transmitir sua Palavra por meio de homens a outros homens, pareceria desprezar a condição humana” 13.
A Escritura confirma essa dinâmica. Mesmo o apóstolo Paulo, após ter ouvido a voz de Cristo ressuscitado, foi enviado a Ananias para ser batizado e receber instrução 14. Cornélio, visitado por um anjo, foi confiado a Pedro para aprender o conteúdo da fé 15. O eunuco etíope, apesar de sua leitura diligente de Isaías, só compreendeu o texto com a ajuda de Filipe, enviado por inspiração divina 16.
Esses exemplos ilustram que a mediação da Igreja não é um obstáculo, mas parte integrante do caminho da fé. Como destaca Agostinho, essa mediação não enfraquece a ação do Espírito Santo, mas é o meio por ele escolhido para conduzir os fiéis à verdade. Interpretar a Escritura, portanto, exige docilidade ao ensinamento e à vida da Igreja, na certeza de que é nela que Cristo continua a falar ao seu povo.
A Igreja Católica, ao longo de sua história, identificou princípios fundamentais para garantir uma interpretação fiel e frutífera da Sagrada Escritura. Esses critérios, apresentados na Constituição Dogmática Dei Verbum do Concílio Vaticano II, são três:
1. Unidade de toda a Escritura: a Bíblia, apesar de seus diversos autores e estilos, possui uma profunda unidade, cuja chave de leitura é Jesus Cristo. Cada parte das Escrituras deve ser lida à luz do todo, reconhecendo o plano divino de salvação que perpassa o Antigo e o Novo Testamento.
2. Leitura na Tradição viva da Igreja: a Escritura foi confiada à comunidade eclesial. Por isso, sua interpretação deve estar em sintonia com a fé vivida e transmitida ao longo dos séculos. A Tradição fornece o contexto espiritual e teológico necessário para compreender corretamente a Palavra.
3. Respeito à analogia da fé: toda interpretação deve estar em harmonia com o conjunto das verdades da fé. Isso significa que nenhuma leitura isolada pode contradizer o ensinamento global da Igreja ou as verdades já firmemente reconhecidas pela comunidade cristã.
Santo Agostinho também oferece um critério semelhante: “Tudo o que, nas palavras divinas, não puder ser entendido literalmente sem ferir a retidão dos costumes ou a verdade da fé, deve ser reconhecido como linguagem figurada” 17. Essa diretriz mostra como a interpretação das Escrituras deve levar à edificação moral e à verdade da fé.
Esses critérios não são limitações, mas salvaguardas. Eles asseguram que a leitura da Bíblia conduza os fiéis à verdade revelada por Deus, promovendo a unidade e a caridade no seio da Igreja.
Saiba porque precisamos da Tradição e do Magistério para entender a Bíblia.
Interpretar a Sagrada Escritura em comunhão com a Igreja é, acima de tudo, um ato de fé, humildade e caridade. A fé reconhece que Deus confiou sua Palavra à Igreja; a humildade acolhe que não somos intérpretes autossuficientes; e a caridade orienta a leitura para a edificação da comunidade. Fora dessa tríplice atitude, a compreensão da Bíblia corre o risco de se tornar autorreferente, fragmentada e estéril.
A Revelação divina não é apenas um conteúdo a ser decifrado, mas uma Pessoa viva: Jesus Cristo, o Verbo encarnado. Ele continua a falar por meio da Igreja, que, assistida pelo Espírito Santo, conserva, transmite e interpreta fielmente a Palavra de Deus. Essa dinâmica se expressa no “tripé” da Revelação: Escritura, Tradição e Magistério. Juntos, esses três elementos formam o único depósito sagrado da fé, cada um com sua função própria, mas inseparável dos demais 1.
Como recorda Bento XVI, “a Igreja vive na certeza de que seu Senhor continua a comunicar sua Palavra na Tradição viva e na Escritura” 18. A interpretação da Bíblia, portanto, só encontra sua plenitude quando realizada dentro dessa comunhão viva e contínua, que liga o fiel à fé apostólica e à presença constante de Cristo em sua Igreja.
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Interpretar a Sagrada Escritura não é apenas uma tarefa intelectual ou um exercício de estudo pessoal. Para a fé católica, essa interpretação é um ato eclesial, inserido na comunhão viva da Igreja. A Bíblia é a Palavra de Deus escrita, mas sua compreensão autêntica requer que seja lida no contexto da Tradição viva e sob a autoridade do Magistério. Essa tríade — Escritura, Tradição e Magistério — forma o único depósito sagrado da Revelação divina 1.
A leitura comunitária da Escritura não significa uma uniformização que anule a experiência individual do fiel. Pelo contrário, ela garante que essa experiência se dê em comunhão com o Corpo de Cristo e com a fé transmitida desde os Apóstolos. A Igreja, como “coluna e sustentáculo da verdade” (1Tm 3,15), é o lugar onde a Palavra de Deus é proclamada, celebrada, interpretada e vivida. Este artigo explora, à luz do ensinamento da Igreja e da obra “A Doutrina Cristã” de Santo Agostinho, por que interpretar a Bíblia em comunhão com a Igreja é condição essencial para uma fé madura e fiel à verdade revelada.
A Sagrada Escritura é verdadeiramente a Palavra de Deus, inspirada pelo Espírito Santo. Contudo, essa Palavra foi confiada à Igreja para que fosse acolhida, transmitida e interpretada fielmente. A Bíblia nasceu do seio da Tradição apostólica, e seu reconhecimento como Escritura Sagrada foi possível graças ao discernimento da comunidade eclesial, sob a guia do Espírito Santo.
O Concílio Vaticano II ensina que “a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito sagrado da Palavra de Deus, confiado à Igreja” 1. O Catecismo reitera: “A Sagrada Escritura é o discurso de Deus consignado por escrito sob a inspiração do Espírito Santo. A Tradição transmite na sua integridade a Palavra de Deus confiada por Cristo aos Apóstolos” 2.
Essa confiança divina à Igreja mostra que a Bíblia não pode ser separada da comunidade de fé que a gerou. A Tradição, como expressão viva da fé apostólica, é o solo fértil no qual a Escritura foi semeada e continua a frutificar.
Santo Agostinho, ao refletir sobre essa realidade, adverte contra a pretensão de acessar diretamente a verdade de Deus sem a mediação eclesial: “Não coloquemos à prova Aquele em quem cremos, […] como se devêssemos ver o próprio Senhor Jesus Cristo e receber diretamente d’Ele, e não por meio de homens, o ensinamento do Evangelho” 3. Ao mencionar casos como o de São Paulo, Cornélio e o eunuco etíope, Agostinho mostra que mesmo os mais favorecidos com revelações divinas foram encaminhados a mestres humanos e à vida da Igreja 4.
Leia o nosso Guia completo para católicos sobre a Bíblia.
A interpretação autêntica da Sagrada Escritura não é possível sem a ação contínua do Espírito Santo, que guia a Igreja em toda a verdade 5. O mesmo Espírito que inspirou os autores sagrados continua a iluminar a comunidade eclesial, conduzindo-a na escuta, vivência e transmissão da Palavra.
A Tradição viva é o contexto vital onde essa ação do Espírito se manifesta. Não se trata de uma fonte concorrente à Escritura, mas do ambiente no qual ela nasceu, foi reconhecida e continua a ser acolhida. A Palavra de Deus não é um documento estático, mas uma realidade viva que se expressa na fé da Igreja. O Papa Bento XVI recorda que “a Palavra de Deus precede e excede a Bíblia” 6, indicando que sua plenitude só pode ser reconhecida na comunhão eclesial.
De forma semelhante, o Papa Francisco exorta: “Devemos colocar-nos na linha da grande Tradição que, sob a guia do Espírito Santo e do Magistério, reconheceu os escritos canônicos como palavra que Deus dirigiu ao seu povo” 7. Essa orientação evita tanto o literalismo reducionista quanto as leituras subjetivistas, preservando a unidade da fé e a fidelidade ao Evangelho.
Na Tradição viva, a Escritura encontra sua chave de leitura e sua atualização permanente. A Igreja, ao longo dos séculos, conservou e transmitiu o sentido autêntico das Escrituras, não por autoridade própria, mas por serviço ao Espírito que nela habita. Assim, interpretar a Bíblia em comunhão com a Tradição é acolher a Palavra como dom de Deus à sua Igreja, e não como propriedade privada de cada leitor.
Confira também o nosso Guia completo para católicos sobre o Espírito Santo.
Interpretar a Sagrada Escritura não é uma prerrogativa individual, mas uma missão confiada à Igreja. Desde os tempos apostólicos, a Palavra de Deus foi transmitida dentro da vida da comunidade eclesial, onde era proclamada, celebrada e explicada. Essa dimensão eclesial da interpretação não apenas garante a fidelidade ao Evangelho, mas também protege contra desvios e fragmentações doutrinárias.
A compreensão da Bíblia, portanto, depende da fé viva da Igreja, sustentada pelo Magistério, que é assistido pelo Espírito Santo. A Dei Verbum afirma que “a tarefa de interpretar autenticamente a Palavra de Deus, escrita ou transmitida, foi confiada unicamente ao Magistério vivo da Igreja” 1. Além disso, ela orienta que a Escritura deve ser lida “atendendo ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura”, “à Tradição viva de toda a Igreja” e “à analogia da fé” 8.
Essa missão interpretativa é, acima de tudo, um serviço. O Papa Bento XVI observa que “sem esta orientação, as Escrituras permaneceriam como letra morta do passado” 6. A Palavra de Deus, para ser eficaz e viva, requer a mediação do ensinamento da Igreja. O Papa Francisco também reforça essa missão eclesial: “A Palavra de Deus não é um mero texto, mas o Cristo vivo que fala ao seu povo na Igreja” 7.
Nessa mesma linha, Santo Agostinho ensina que a interpretação das Escrituras deve ser exercida em espírito de serviço e comunhão: não se trata de um empreendimento individual, mas de um ministério realizado com humildade e docilidade à fé da Igreja 9. Para ele, o conhecimento bíblico tem por finalidade a edificação do Corpo de Cristo e precisa ser conduzido pelo amor, pela fidelidade à Tradição e pela escuta atenta do Espírito Santo que anima a comunidade eclesial.
A leitura da Sagrada Escritura, quando desconectada da Igreja, acabou gerando uma grande diversidade de interpretações, muitas vezes conflitantes entre si e, como consequência, à fragmentação da fé cristã. Quando cada leitor se torna o próprio árbitro do sentido bíblico, abre-se espaço para subjetivismos e doutrinas contraditórias.
Esse fenômeno tornou-se particularmente evidente com a Reforma Protestante. Ao adotar o princípio de Sola Scriptura, isto é, a Bíblia como única regra de fé, várias comunidades passaram a interpretar as Escrituras de forma autônoma, sem o referencial da Tradição ou do Magistério. O resultado foi uma multiplicação crescente de denominações, muitas vezes com compreensões teológicas opostas.
Diante disso, a fé católica afirma que a Escritura deve ser lida no seio da comunhão eclesial. Interpretá-la fora desse contexto não apenas empobrece a leitura, mas também abre caminho para erros doutrinais. O Magistério, assistido pelo Espírito Santo, exerce um papel fundamental ao oferecer um critério seguro de interpretação, assegurando a unidade da fé e protegendo os fiéis contra desvios.
Santo Agostinho, atento aos perigos da leitura isolada, adverte: “Todo aquele que pensa ter entendido as Sagradas Escrituras, ou qualquer parte delas, mas não cresce na caridade para com Deus e com o próximo, ainda não as entendeu de fato” 10. Para ele, a comunhão com a Igreja é essencial para preservar tanto a clareza da fé quanto a vivência da caridade. Assim, a leitura pessoal da Bíblia deve estar sempre em sintonia com a fé da Igreja, para que a Palavra de Deus continue a ser fonte de unidade e verdade, e não de divisão.
Santo Agostinho é um dos mestres da tradição cristã que mais profundamente refletiu sobre o papel da Igreja na interpretação das Escrituras. Para ele, a leitura da Bíblia deve estar a serviço da caridade e ser realizada em comunhão com a fé da Igreja. Essa convicção está presente de forma clara em sua obra “A Doutrina Cristã”.
Ele afirma com clareza: “A interpretação das Escrituras não é um exercício solitário, mas um serviço à Igreja” 9. O conhecimento bíblico, segundo Agostinho, deve estar sempre a serviço da edificação do Corpo de Cristo, guiado pelo amor e pela humildade. A Escritura, por si só, não é suficiente para formar a fé: ela precisa ser interpretada à luz da Tradição e com o auxílio dos mestres que a Igreja oferece.
Agostinho também destaca que “a fé vacila quando a autoridade das Sagradas Escrituras é abalada; e quando a fé vacila, até a caridade começa a enfraquecer” 11. Assim, a reta interpretação das Escrituras tem consequências diretas na vivência do amor cristão e na unidade da Igreja.
Um exemplo prático dessa perspectiva aparece quando Agostinho comenta o encontro entre o eunuco etíope e Filipe, narrado em Atos dos Apóstolos. Ele escreve: “Mesmo o apóstolo Paulo, embora tenha sido instruído por uma voz divina, foi enviado a um homem para ser incorporado à Igreja” 12. Essa observação reforça o papel essencial da mediação eclesial: mesmo com boa vontade e leitura diligente, o sentido pleno da Palavra só se revela por meio do ensinamento autorizado da Igreja.
Conheça a história de Santo Agostinho.
Santo Agostinho combate, com clareza, a ideia de uma interpretação individualista e direta da Sagrada Escritura, desvinculada da mediação da Igreja. Para ele, a pedagogia divina inclui, por vontade do próprio Deus, a mediação humana e comunitária.
Agostinho ensina que Deus, em sua sabedoria, poderia ter revelado sua Palavra por meio de anjos ou de manifestações diretas, mas escolheu usar homens para comunicar sua vontade. Ele afirma: “Deus poderia ter feito tudo isso por meio de anjos; porém, se não quisesse transmitir sua Palavra por meio de homens a outros homens, pareceria desprezar a condição humana” 13.
A Escritura confirma essa dinâmica. Mesmo o apóstolo Paulo, após ter ouvido a voz de Cristo ressuscitado, foi enviado a Ananias para ser batizado e receber instrução 14. Cornélio, visitado por um anjo, foi confiado a Pedro para aprender o conteúdo da fé 15. O eunuco etíope, apesar de sua leitura diligente de Isaías, só compreendeu o texto com a ajuda de Filipe, enviado por inspiração divina 16.
Esses exemplos ilustram que a mediação da Igreja não é um obstáculo, mas parte integrante do caminho da fé. Como destaca Agostinho, essa mediação não enfraquece a ação do Espírito Santo, mas é o meio por ele escolhido para conduzir os fiéis à verdade. Interpretar a Escritura, portanto, exige docilidade ao ensinamento e à vida da Igreja, na certeza de que é nela que Cristo continua a falar ao seu povo.
A Igreja Católica, ao longo de sua história, identificou princípios fundamentais para garantir uma interpretação fiel e frutífera da Sagrada Escritura. Esses critérios, apresentados na Constituição Dogmática Dei Verbum do Concílio Vaticano II, são três:
1. Unidade de toda a Escritura: a Bíblia, apesar de seus diversos autores e estilos, possui uma profunda unidade, cuja chave de leitura é Jesus Cristo. Cada parte das Escrituras deve ser lida à luz do todo, reconhecendo o plano divino de salvação que perpassa o Antigo e o Novo Testamento.
2. Leitura na Tradição viva da Igreja: a Escritura foi confiada à comunidade eclesial. Por isso, sua interpretação deve estar em sintonia com a fé vivida e transmitida ao longo dos séculos. A Tradição fornece o contexto espiritual e teológico necessário para compreender corretamente a Palavra.
3. Respeito à analogia da fé: toda interpretação deve estar em harmonia com o conjunto das verdades da fé. Isso significa que nenhuma leitura isolada pode contradizer o ensinamento global da Igreja ou as verdades já firmemente reconhecidas pela comunidade cristã.
Santo Agostinho também oferece um critério semelhante: “Tudo o que, nas palavras divinas, não puder ser entendido literalmente sem ferir a retidão dos costumes ou a verdade da fé, deve ser reconhecido como linguagem figurada” 17. Essa diretriz mostra como a interpretação das Escrituras deve levar à edificação moral e à verdade da fé.
Esses critérios não são limitações, mas salvaguardas. Eles asseguram que a leitura da Bíblia conduza os fiéis à verdade revelada por Deus, promovendo a unidade e a caridade no seio da Igreja.
Saiba porque precisamos da Tradição e do Magistério para entender a Bíblia.
Interpretar a Sagrada Escritura em comunhão com a Igreja é, acima de tudo, um ato de fé, humildade e caridade. A fé reconhece que Deus confiou sua Palavra à Igreja; a humildade acolhe que não somos intérpretes autossuficientes; e a caridade orienta a leitura para a edificação da comunidade. Fora dessa tríplice atitude, a compreensão da Bíblia corre o risco de se tornar autorreferente, fragmentada e estéril.
A Revelação divina não é apenas um conteúdo a ser decifrado, mas uma Pessoa viva: Jesus Cristo, o Verbo encarnado. Ele continua a falar por meio da Igreja, que, assistida pelo Espírito Santo, conserva, transmite e interpreta fielmente a Palavra de Deus. Essa dinâmica se expressa no “tripé” da Revelação: Escritura, Tradição e Magistério. Juntos, esses três elementos formam o único depósito sagrado da fé, cada um com sua função própria, mas inseparável dos demais 1.
Como recorda Bento XVI, “a Igreja vive na certeza de que seu Senhor continua a comunicar sua Palavra na Tradição viva e na Escritura” 18. A interpretação da Bíblia, portanto, só encontra sua plenitude quando realizada dentro dessa comunhão viva e contínua, que liga o fiel à fé apostólica e à presença constante de Cristo em sua Igreja.