Formação

A História da Igreja: Primeira Guerra Mundial

A Primeira Guerra Mundial surge, o resultado: um mundo despedaçado. Quem irá mediar a paz entre os homens?

A História da Igreja: Primeira Guerra Mundial
Formação

A História da Igreja: Primeira Guerra Mundial

A Primeira Guerra Mundial surge, o resultado: um mundo despedaçado. Quem irá mediar a paz entre os homens?

Data da Publicação: 20/06/2024
Tempo de leitura:
Autor: Redação MBC
Data da Publicação: 20/06/2024
Tempo de leitura:
Autor: Redação MBC

A Primeira Guerra Mundial surge, o resultado. Um mundo despedaçado, sombras de dor e glória se entrelaçam na névoa de uma guerra que devora almas e sonhos. Eis que surge o Papa da Paz, Bento XV, para mediar a paz entre os homens.

A oração do capelão militar, no cockpit de um caça, para a tropa inglesa. Foto: National Library of Scotland.

Visão Geral

A Primeira Guerra Mundial foi um conflito envolvendo as grandes – e muitas pequenas – potências entre 28 de julho de 1914 e 11 de novembro de 1918. Inicialmente definida como uma “guerra europeia” pelos contemporâneos, teve o subsequente envolvimento das colônias do Império Britânico e outros países não europeus. O que acabou incluindo os Estados Unidos da América e o Império Japonês, tomando então o nome de Guerra Mundial ou Grande Guerra.

O conflito começou com a declaração de guerra do Império Austro-Húngaro ao Reino da Sérvia na sequência do assassinato do arquiduque e herdeiro do trono Francisco Fernando e da sua esposa Sofia. O crime ocorreu em 28 de junho de 1914 em Sarajevo pela mão de Gavrilo Princip, um estudante bósnio que fazia parte da Mão Negra (organização nacionalista sérvia).

Devido ao jogo de alianças formado nas últimas décadas do século XIX, a guerra viu as grandes potências mundiais, e suas respectivas colônias, se alinharem em dois blocos opostos. Desta forma, de um lado estavam as Potências Centrais (Império Alemão, Império Austro-Húngaro e Império Otomano). Do outro lado, os Aliados, representados principalmente pela França, Reino Unido, Império Russo (até 1917), Império japonês e Reino da Itália (a partir de 1915). Assim, mais de 70 milhões de homens foram mobilizados em todo o mundo (60 milhões só na Europa), dos quais mais de 9 milhões morreram.

Milhões de vítimas civis também foram registadas, não só devido aos efeitos diretos das operações de guerra, mas também devido à fome e epidemias resultantes – a gripe espanhola.

As primeiras operações militares do conflito viram o rápido avanço do exército alemão na Bélgica e no norte de França, ação contudo interrompida pelos anglo-franceses durante a primeira batalha do Marne em Setembro de 1914. O ataque simultâneo dos russos vindos do leste frustrou as esperanças alemãs de uma guerra curta e vitoriosa. Então o conflito degenerou em uma exaustiva guerra de trincheiras, que se repetiu em todas as frentes e durou até o fim das hostilidades.

A Primeira Guerra Mundial terminou quando a Alemanha, a última das Potências Centrais a depor as armas, assinou o armistício imposto pelos Aliados. Alguns dos maiores impérios existentes no mundo (alemão, austro-húngaro, otomano e russo) foram extintos, gerando vários estados nacionais que remodelaram completamente a geografia política da Europa.

Primeira Guerra Mundial – Origem

A eclosão da Primeira Guerra Mundial marcou o fim da Belle Époque na Europa, um período de paz relativa e desenvolvimento econômico. Durante a Belle Époque, havia uma crença difundida no progresso científico e social irreversível, influenciada pelo positivismo. A estabilidade política desde 1815, após as Guerras Napoleônicas, foi interrompida por conflitos limitados que gradualmente minaram as relações diplomáticas entre as potências europeias.

As causas fundamentais do conflito remontam à ascensão da Prússia na formação do Império Alemão sob Otto von Bismarck. A Alemanha, buscando garantir mercados comerciais e enfrentando problemas étnicos internos, também se viu confrontada pelas ambições de independência de povos dentro do Império Austro-Húngaro. A política agressiva de Wilhelm II, que assumiu o trono em 1888, exacerbou as tensões ao desfazer o equilíbrio diplomático estabelecido por Bismarck, resultando na formação de alianças rivais na Europa.

A corrida armamentista naval entre Alemanha e Grã-Bretanha, iniciada para desafiar o domínio naval britânico, intensificou as rivalidades europeias. Alianças como a Franco-Russa e a Anglo-Russa surgiram em resposta à política externa alemã. Crises como a de Tânger (1905) e Agadir (1911) refletiram a competição colonial e territorial, ampliando as divisões entre as potências.

A instabilidade nos Bálcãs, evidenciada pela anexação austro-húngara da Bósnia e Herzegovina (1908) e as Guerras dos Bálcãs (1912-1913), aumentou as tensões. A Áustria-Hungria, temendo a influência sérvia, recebeu apoio da Alemanha, enquanto a Rússia apoiou os interesses sérvios, criando um ambiente propício para o conflito.

Assim, o período anterior à Primeira Guerra Mundial foi marcado por um complexo de fatores geopolíticos, econômicos e diplomáticos que culminaram na eclosão do conflito em 1914, desencadeado pelo assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando em Sarajevo.

As perdas Humanas e genocídios étnicos

A Primeira Guerra Mundial foi um dos conflitos mais sangrentos da humanidade. Nos quatro anos e três meses de hostilidades, aproximadamente 2 milhões de soldados alemães perderam a vida, juntamente com 1.110.000 austro-húngaros, 770.000 turcos e 87.500 búlgaros. Os Aliados tiveram aproximadamente 2 milhões de mortes entre soldados russos, 1.400.000 franceses, 1.115.000 soldados britânicos, 650.000 italianos, 370.000 sérvios, 250.000 romenos e 116.000 americanos.

A ‘geração perdida’ no pós-guerra.

Considerando todas as nações do mundo, estima-se que pouco menos de 9.722.000 soldados perderam a vida durante o conflito, com mais de 21 milhões de feridos, muitos dos quais permaneceram com cicatrizes mais ou menos graves ou incapacitados para o resto da vida.

Milhares de soldados sofreram lesões estudadas pela primeira vez no pós-guerra, consistindo numa série de traumas psicológicos que podiam levar a um colapso nervoso ou mental completo: designados como “trauma de bombardeamento” ou “trauma de guerra” e “neurose”. Deu-se a primeira teorização do transtorno de estresse pós-traumático.

A Guerra causou uma grave reação social: o otimismo da Belle Époque foi varrido e os sobreviventes traumatizados do conflito formaram a chamada “geração perdida”.

Entre 1914 e 1920 o Império Otomano, governado pelo governo dos Jovens Turcos, empreendeu o extermínio em massa dos cristãos da Igreja Assíria do Oriente, da Igreja Ortodoxa Siríaca, da Igreja Católica Síria e da Igreja Católica Caldéia, operação que passaria à história como o “genocídio assírio”: estima-se que as mortes não tenham sido inferiores a 275.000.

Muito mais conhecido é o chamado “genocídio grego” que ocorreu de 1914 a 1924 contra os gregos pônticos. Estes, por serem uma das poucas minorias cristãs no Oriente Médio, sofreram repetidas perseguições e assassinatos por parte dos otomanos, um massacre que foi definido, como “genocídio” e que ainda hoje é fonte de debate entre a Turquia e a Grécia. vários estados americanos aderiram a este último, que reconheceu os massacres como crimes de guerra e que em 1994 declarou o dia 19 de maio como dia comemorativo. As vítimas causadas por tiroteios, maus-tratos, doenças e fome foram calculadas em cerca de 350.000 no espaço de sete anos.

E, por fim, no biênio 1915-1916, o Império Otomano decidiu deportar as populações arménias do Cáucaso, consideradas traiçoeiras e, em todo o caso, com sentimentos antiturcos, para a Mesopotâmia e a Síria: centenas de milhares morreram durante as marchas, de fome, doenças ou exaustão.

Papa Bento XV e a Primeira Guerra Mundial

O Papa Bento XV era arcebispo de Bolonha, Itália, em junho de 1914, quando o nacionalista sérvio em Sarajevo assassinou o arquiduque austríaco Franz Ferdinand e a sua esposa, Sophie.

Em 20 de agosto de 1914, com menos de um mês desde o início da Primeira Guerra Mundial, o Papa Pio X faleceu. Em 3 de setembro, apenas quatro meses após ser elevado ao cardinalato, Bento XV foi eleito Papa. Sua coroação ocorreu em 6 de setembro de 1914, sendo reconhecido por sua vasta experiência diplomática, que o conclave considerou essencial.

Os primeiros quatro anos do pontificado de sete anos e meio de Bento XV foram dominados por suas tentativas frustradas de deter a Primeira Guerra Mundial que ele condenou como “o suicídio da Europa civilizada”. Ordenado em 1878, dedicou grande parte de sua vida ao serviço diplomático do Vaticano, ascendendo a subsecretário de Estado em 1901 e, posteriormente, tornando-se arcebispo de Bolonha em 1907. Em sua posição como arcebispo, enfatizou a neutralidade da Igreja e promoveu a paz, buscando aliviar o sofrimento humano.

O conflito conhecido como “Questão Romana”, entre o Estado italiano e a Igreja, que remontava a 1870, permanecia sem solução. As relações frias entre o Vaticano e a Rússia surgiram das tensões com a Igreja Ortodoxa, enquanto a unificação da Alemanha em 1870 a consolidou como uma potência protestante dominante na Europa, em detrimento da Áustria católica, reduzindo assim a influência da Santa Sé.

Na Alemanha, o “Kulturkampf” havia proibido ordens religiosas, retirado subsídios estatais da Igreja, expulsado professores religiosos das escolas, encarcerado clérigos e transferido a formação de padres para o controle estatal, resultando no fechamento de metade dos seminários. Na França, desde a separação entre Igreja e Estado em 1905, a Igreja havia perdido propriedades significativas.

Em novembro de 1914, Bento XV publicou a primeira de suas 12 encíclicas, intitulada Ad Beatissimi Apostolorum. Ele lamentou que as maiores e mais poderosas nações estivessem “plenamente equipadas com as armas mais terríveis que a ciência militar moderna inventou, lutando para destruir umas às outras com refinamentos de horror“. Continuou, observando que “não há limite para a medida da ruína e da matança; dia após dia a terra fica encharcada com sangue recém derramado e coberta com os corpos dos feridos e dos mortos“.

Negligenciar os princípios e práticas da sabedoria cristã, especialmente no que diz respeito ao amor e à compaixão, foram as raízes do mal, conforme repetiu Bento XV ao exortar: “Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros”, seguindo as palavras de Cristo.

Bento XV também condenou o nacionalismo, o racismo e o conflito de classes como características da época. Ele via as origens da guerra no “desprezo pela autoridade, na injustiça nas relações entre as classes, na busca desenfreada de bens materiais como único objetivo da atividade humana e na luta implacável pela independência”.

Em 7 de dezembro de 1914, Bento XV apelou às potências beligerantes para que observassem uma trégua de Natal, pedindo que “as armas silenciassem pelo menos na noite em que os anjos cantaram”, permitindo negociações para uma paz honrosa. O apelo foi oficialmente ignorado, embora tréguas informais, espontâneas e não sancionadas ocorressem em partes da frente ocidental.

Bento XV enfrentou um delicado ato de equilíbrio: os fiéis eram numerosos, às vezes constituindo a maioria, entre os países em guerra, e ele precisava evitar alienar qualquer um deles para manter a unidade na Igreja Universal. Isso se mostrou desafiador, especialmente quando a hierarquia italiana apoiava vigorosamente a guerra e fazia pronunciamentos patrióticos, levando os católicos italianos a se unirem sob a bandeira nacional.

Bento XV também foi um defensor da ação. Ele estabeleceu um escritório no Vaticano para reunir prisioneiros de guerra com suas famílias e tentou persuadir a Suíça neutra a acolher combatentes com tuberculose. Apesar das finanças do Vaticano não estarem robustas, ele destinou 82 milhões de liras para ajuda humanitária.

Em julho de 1915, Bento XV publicou a exortação apostólica “Aos povos agora em guerra e aos seus governantes”, marcando uma mudança para uma diplomacia ativa. Dois anos depois, em agosto de 1917, apresentou um plano de paz em sete pontos às partes em conflito, buscando uma paz baseada na justiça e não na conquista militar.

A nota propôs o fim das hostilidades, a redução dos armamentos, a liberdade dos mares, arbitragem internacional e a restauração da independência da Bélgica. No entanto, as potências Aliadas viram as propostas como favoráveis à Alemanha, seu principal inimigo, especialmente após o colapso da Rússia, que fortaleceu as chances de vitória dos Aliados.

Clemenceau, presidente da França, considerou o Vaticano anti-francês, enquanto Woodrow Wilson, presidente dos EUA, inicialmente rejeitou as propostas, mas incorporou muitas delas em seus “Quatorze Pontos” para a paz pós-guerra em janeiro de 1918.

Quinze meses após a nota de paz, Bento XV não tinha lugar em Versalhes, uma vez que um tratado secreto dos Aliados em 1915 (estimulado pela Itália, uma vez que a questão romana permanecia por resolver) tinha concordado com a exclusão do Vaticano. Na sua encíclica Quod Iam Diu, publicada em 1º de dezembro de 1918, três semanas após o Armistício, Bento XV exortou todos os católicos a rezar pela paz e por aqueles que empreendem as negociações de paz.

No entanto, salientou que a verdadeira paz não tinha chegado, apenas que as hostilidades, os massacres e a devastação tinham sido suspensos. Mas Bento XV foi um dos primeiros a reconhecer as falhas da paz. Ele considerava o Tratado de Versalhes “vingativo”. Sua encíclica Pacem, Dei Munus Pulcherrimum de 1920 buscou a reconciliação internacional. Nem o tratado de paz nem a Liga das Nações, da qual a Santa Sé também tinha sido excluída, se baseavam em princípios cristãos.

Pós-Guerra

Bento XV percebeu a necessidade de garantir o papel da Igreja diante do caos e das mudanças dramáticas que seguiram à devastação da Europa pela Primeira Guerra Mundial. Ele promoveu boas relações entre a Igreja e os novos Estados emergentes, enfatizando a importância de concordatas com as novas potências. Durante seu pontificado, o número de núncios aumentou significativamente, de 14 para 27, demonstrando seu esforço em fortalecer as relações diplomáticas da Igreja.

Ele superou a ruptura de 16 anos com a França ao nomear um embaixador extraordinário, fortalecendo ainda mais essa relação com a canonização de Joana D’Arc em 1920. Em resposta à Revolução Russa, Bento XV criou a Congregação para as Igrejas Orientais em 1917 e, em 1920, fundou o Pontifício Instituto Oriental, visando um reencontro com as igrejas orientais.

Conhecido como “o papa das missões”, Bento XV incentivou as sociedades missionárias a promover a formação de clérigos nativos e a priorizar o bem-estar das comunidades locais sobre os interesses imperialistas dos países de origem dos missionários. Em dezembro de 1919, ele apoiou o Fundo Save the Children, estabelecido para combater a fome infantil na Alemanha e na antiga Áustria-Hungria, demonstrando seu compromisso humanitário e social.

Ao trabalhar pela harmonia internacional após a guerra, Bento XV provou ser um reconciliador no seu próprio país e na Igreja. Ele aprovou a criação do Partido Popular Católico, abolindo assim o decreto Non expedit de Pio IX de 1868, que proibia os italianos de votar ou concorrer às eleições.

Bento XV encorajou-os a aderirem a sindicatos e permitiu que chefes de estado católicos, em visitas oficiais, fossem ao Palácio do Quirinal, outrora residência papal, mas então residência oficial do rei. Dois anos antes da morte inesperada de Bento XV por pneumonia em 1922, os turcos muçulmanos ergueram uma estátua dele em Istambul para comemorar. Estava escrito: “Ao Grande Papa da Hora Trágica do Mundo Bento XV – Benfeitor do Povo Sem discriminação de nacionalidade ou religião – Um sinal de gratidão do Oriente”.

Primeira guerra mundial bento xvi istambul
Estátua do Papa Bento XV em Istambul.

Quando ele morreu, bandeiras foram hasteadas a meio mastro em edifícios do governo italiano pela primeira vez, por ocasião da morte de um papa desde o estabelecimento do Reino da Itália. Bento XV foi chamado de “o papa da paz”.

Assine nossa newsletter com conteúdos exclusivos

    Ao clicar em quero assinar você declara aceita receber conteúdos em seu email e concorda com a nossa política de privacidade.

    Redação MBC

    Redação MBC

    O maior clube de leitores católicos do Brasil.

    Garanta seu box

    O que você vai encontrar neste artigo?

    A Primeira Guerra Mundial surge, o resultado. Um mundo despedaçado, sombras de dor e glória se entrelaçam na névoa de uma guerra que devora almas e sonhos. Eis que surge o Papa da Paz, Bento XV, para mediar a paz entre os homens.

    A oração do capelão militar, no cockpit de um caça, para a tropa inglesa. Foto: National Library of Scotland.

    Visão Geral

    A Primeira Guerra Mundial foi um conflito envolvendo as grandes – e muitas pequenas – potências entre 28 de julho de 1914 e 11 de novembro de 1918. Inicialmente definida como uma “guerra europeia” pelos contemporâneos, teve o subsequente envolvimento das colônias do Império Britânico e outros países não europeus. O que acabou incluindo os Estados Unidos da América e o Império Japonês, tomando então o nome de Guerra Mundial ou Grande Guerra.

    O conflito começou com a declaração de guerra do Império Austro-Húngaro ao Reino da Sérvia na sequência do assassinato do arquiduque e herdeiro do trono Francisco Fernando e da sua esposa Sofia. O crime ocorreu em 28 de junho de 1914 em Sarajevo pela mão de Gavrilo Princip, um estudante bósnio que fazia parte da Mão Negra (organização nacionalista sérvia).

    Devido ao jogo de alianças formado nas últimas décadas do século XIX, a guerra viu as grandes potências mundiais, e suas respectivas colônias, se alinharem em dois blocos opostos. Desta forma, de um lado estavam as Potências Centrais (Império Alemão, Império Austro-Húngaro e Império Otomano). Do outro lado, os Aliados, representados principalmente pela França, Reino Unido, Império Russo (até 1917), Império japonês e Reino da Itália (a partir de 1915). Assim, mais de 70 milhões de homens foram mobilizados em todo o mundo (60 milhões só na Europa), dos quais mais de 9 milhões morreram.

    Milhões de vítimas civis também foram registadas, não só devido aos efeitos diretos das operações de guerra, mas também devido à fome e epidemias resultantes – a gripe espanhola.

    As primeiras operações militares do conflito viram o rápido avanço do exército alemão na Bélgica e no norte de França, ação contudo interrompida pelos anglo-franceses durante a primeira batalha do Marne em Setembro de 1914. O ataque simultâneo dos russos vindos do leste frustrou as esperanças alemãs de uma guerra curta e vitoriosa. Então o conflito degenerou em uma exaustiva guerra de trincheiras, que se repetiu em todas as frentes e durou até o fim das hostilidades.

    A Primeira Guerra Mundial terminou quando a Alemanha, a última das Potências Centrais a depor as armas, assinou o armistício imposto pelos Aliados. Alguns dos maiores impérios existentes no mundo (alemão, austro-húngaro, otomano e russo) foram extintos, gerando vários estados nacionais que remodelaram completamente a geografia política da Europa.

    Primeira Guerra Mundial – Origem

    A eclosão da Primeira Guerra Mundial marcou o fim da Belle Époque na Europa, um período de paz relativa e desenvolvimento econômico. Durante a Belle Époque, havia uma crença difundida no progresso científico e social irreversível, influenciada pelo positivismo. A estabilidade política desde 1815, após as Guerras Napoleônicas, foi interrompida por conflitos limitados que gradualmente minaram as relações diplomáticas entre as potências europeias.

    As causas fundamentais do conflito remontam à ascensão da Prússia na formação do Império Alemão sob Otto von Bismarck. A Alemanha, buscando garantir mercados comerciais e enfrentando problemas étnicos internos, também se viu confrontada pelas ambições de independência de povos dentro do Império Austro-Húngaro. A política agressiva de Wilhelm II, que assumiu o trono em 1888, exacerbou as tensões ao desfazer o equilíbrio diplomático estabelecido por Bismarck, resultando na formação de alianças rivais na Europa.

    A corrida armamentista naval entre Alemanha e Grã-Bretanha, iniciada para desafiar o domínio naval britânico, intensificou as rivalidades europeias. Alianças como a Franco-Russa e a Anglo-Russa surgiram em resposta à política externa alemã. Crises como a de Tânger (1905) e Agadir (1911) refletiram a competição colonial e territorial, ampliando as divisões entre as potências.

    A instabilidade nos Bálcãs, evidenciada pela anexação austro-húngara da Bósnia e Herzegovina (1908) e as Guerras dos Bálcãs (1912-1913), aumentou as tensões. A Áustria-Hungria, temendo a influência sérvia, recebeu apoio da Alemanha, enquanto a Rússia apoiou os interesses sérvios, criando um ambiente propício para o conflito.

    Assim, o período anterior à Primeira Guerra Mundial foi marcado por um complexo de fatores geopolíticos, econômicos e diplomáticos que culminaram na eclosão do conflito em 1914, desencadeado pelo assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando em Sarajevo.

    As perdas Humanas e genocídios étnicos

    A Primeira Guerra Mundial foi um dos conflitos mais sangrentos da humanidade. Nos quatro anos e três meses de hostilidades, aproximadamente 2 milhões de soldados alemães perderam a vida, juntamente com 1.110.000 austro-húngaros, 770.000 turcos e 87.500 búlgaros. Os Aliados tiveram aproximadamente 2 milhões de mortes entre soldados russos, 1.400.000 franceses, 1.115.000 soldados britânicos, 650.000 italianos, 370.000 sérvios, 250.000 romenos e 116.000 americanos.

    A ‘geração perdida’ no pós-guerra.

    Considerando todas as nações do mundo, estima-se que pouco menos de 9.722.000 soldados perderam a vida durante o conflito, com mais de 21 milhões de feridos, muitos dos quais permaneceram com cicatrizes mais ou menos graves ou incapacitados para o resto da vida.

    Milhares de soldados sofreram lesões estudadas pela primeira vez no pós-guerra, consistindo numa série de traumas psicológicos que podiam levar a um colapso nervoso ou mental completo: designados como “trauma de bombardeamento” ou “trauma de guerra” e “neurose”. Deu-se a primeira teorização do transtorno de estresse pós-traumático.

    A Guerra causou uma grave reação social: o otimismo da Belle Époque foi varrido e os sobreviventes traumatizados do conflito formaram a chamada “geração perdida”.

    Entre 1914 e 1920 o Império Otomano, governado pelo governo dos Jovens Turcos, empreendeu o extermínio em massa dos cristãos da Igreja Assíria do Oriente, da Igreja Ortodoxa Siríaca, da Igreja Católica Síria e da Igreja Católica Caldéia, operação que passaria à história como o “genocídio assírio”: estima-se que as mortes não tenham sido inferiores a 275.000.

    Muito mais conhecido é o chamado “genocídio grego” que ocorreu de 1914 a 1924 contra os gregos pônticos. Estes, por serem uma das poucas minorias cristãs no Oriente Médio, sofreram repetidas perseguições e assassinatos por parte dos otomanos, um massacre que foi definido, como “genocídio” e que ainda hoje é fonte de debate entre a Turquia e a Grécia. vários estados americanos aderiram a este último, que reconheceu os massacres como crimes de guerra e que em 1994 declarou o dia 19 de maio como dia comemorativo. As vítimas causadas por tiroteios, maus-tratos, doenças e fome foram calculadas em cerca de 350.000 no espaço de sete anos.

    E, por fim, no biênio 1915-1916, o Império Otomano decidiu deportar as populações arménias do Cáucaso, consideradas traiçoeiras e, em todo o caso, com sentimentos antiturcos, para a Mesopotâmia e a Síria: centenas de milhares morreram durante as marchas, de fome, doenças ou exaustão.

    Papa Bento XV e a Primeira Guerra Mundial

    O Papa Bento XV era arcebispo de Bolonha, Itália, em junho de 1914, quando o nacionalista sérvio em Sarajevo assassinou o arquiduque austríaco Franz Ferdinand e a sua esposa, Sophie.

    Em 20 de agosto de 1914, com menos de um mês desde o início da Primeira Guerra Mundial, o Papa Pio X faleceu. Em 3 de setembro, apenas quatro meses após ser elevado ao cardinalato, Bento XV foi eleito Papa. Sua coroação ocorreu em 6 de setembro de 1914, sendo reconhecido por sua vasta experiência diplomática, que o conclave considerou essencial.

    Os primeiros quatro anos do pontificado de sete anos e meio de Bento XV foram dominados por suas tentativas frustradas de deter a Primeira Guerra Mundial que ele condenou como “o suicídio da Europa civilizada”. Ordenado em 1878, dedicou grande parte de sua vida ao serviço diplomático do Vaticano, ascendendo a subsecretário de Estado em 1901 e, posteriormente, tornando-se arcebispo de Bolonha em 1907. Em sua posição como arcebispo, enfatizou a neutralidade da Igreja e promoveu a paz, buscando aliviar o sofrimento humano.

    O conflito conhecido como “Questão Romana”, entre o Estado italiano e a Igreja, que remontava a 1870, permanecia sem solução. As relações frias entre o Vaticano e a Rússia surgiram das tensões com a Igreja Ortodoxa, enquanto a unificação da Alemanha em 1870 a consolidou como uma potência protestante dominante na Europa, em detrimento da Áustria católica, reduzindo assim a influência da Santa Sé.

    Na Alemanha, o “Kulturkampf” havia proibido ordens religiosas, retirado subsídios estatais da Igreja, expulsado professores religiosos das escolas, encarcerado clérigos e transferido a formação de padres para o controle estatal, resultando no fechamento de metade dos seminários. Na França, desde a separação entre Igreja e Estado em 1905, a Igreja havia perdido propriedades significativas.

    Em novembro de 1914, Bento XV publicou a primeira de suas 12 encíclicas, intitulada Ad Beatissimi Apostolorum. Ele lamentou que as maiores e mais poderosas nações estivessem “plenamente equipadas com as armas mais terríveis que a ciência militar moderna inventou, lutando para destruir umas às outras com refinamentos de horror“. Continuou, observando que “não há limite para a medida da ruína e da matança; dia após dia a terra fica encharcada com sangue recém derramado e coberta com os corpos dos feridos e dos mortos“.

    Negligenciar os princípios e práticas da sabedoria cristã, especialmente no que diz respeito ao amor e à compaixão, foram as raízes do mal, conforme repetiu Bento XV ao exortar: “Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros”, seguindo as palavras de Cristo.

    Bento XV também condenou o nacionalismo, o racismo e o conflito de classes como características da época. Ele via as origens da guerra no “desprezo pela autoridade, na injustiça nas relações entre as classes, na busca desenfreada de bens materiais como único objetivo da atividade humana e na luta implacável pela independência”.

    Em 7 de dezembro de 1914, Bento XV apelou às potências beligerantes para que observassem uma trégua de Natal, pedindo que “as armas silenciassem pelo menos na noite em que os anjos cantaram”, permitindo negociações para uma paz honrosa. O apelo foi oficialmente ignorado, embora tréguas informais, espontâneas e não sancionadas ocorressem em partes da frente ocidental.

    Bento XV enfrentou um delicado ato de equilíbrio: os fiéis eram numerosos, às vezes constituindo a maioria, entre os países em guerra, e ele precisava evitar alienar qualquer um deles para manter a unidade na Igreja Universal. Isso se mostrou desafiador, especialmente quando a hierarquia italiana apoiava vigorosamente a guerra e fazia pronunciamentos patrióticos, levando os católicos italianos a se unirem sob a bandeira nacional.

    Bento XV também foi um defensor da ação. Ele estabeleceu um escritório no Vaticano para reunir prisioneiros de guerra com suas famílias e tentou persuadir a Suíça neutra a acolher combatentes com tuberculose. Apesar das finanças do Vaticano não estarem robustas, ele destinou 82 milhões de liras para ajuda humanitária.

    Em julho de 1915, Bento XV publicou a exortação apostólica “Aos povos agora em guerra e aos seus governantes”, marcando uma mudança para uma diplomacia ativa. Dois anos depois, em agosto de 1917, apresentou um plano de paz em sete pontos às partes em conflito, buscando uma paz baseada na justiça e não na conquista militar.

    A nota propôs o fim das hostilidades, a redução dos armamentos, a liberdade dos mares, arbitragem internacional e a restauração da independência da Bélgica. No entanto, as potências Aliadas viram as propostas como favoráveis à Alemanha, seu principal inimigo, especialmente após o colapso da Rússia, que fortaleceu as chances de vitória dos Aliados.

    Clemenceau, presidente da França, considerou o Vaticano anti-francês, enquanto Woodrow Wilson, presidente dos EUA, inicialmente rejeitou as propostas, mas incorporou muitas delas em seus “Quatorze Pontos” para a paz pós-guerra em janeiro de 1918.

    Quinze meses após a nota de paz, Bento XV não tinha lugar em Versalhes, uma vez que um tratado secreto dos Aliados em 1915 (estimulado pela Itália, uma vez que a questão romana permanecia por resolver) tinha concordado com a exclusão do Vaticano. Na sua encíclica Quod Iam Diu, publicada em 1º de dezembro de 1918, três semanas após o Armistício, Bento XV exortou todos os católicos a rezar pela paz e por aqueles que empreendem as negociações de paz.

    No entanto, salientou que a verdadeira paz não tinha chegado, apenas que as hostilidades, os massacres e a devastação tinham sido suspensos. Mas Bento XV foi um dos primeiros a reconhecer as falhas da paz. Ele considerava o Tratado de Versalhes “vingativo”. Sua encíclica Pacem, Dei Munus Pulcherrimum de 1920 buscou a reconciliação internacional. Nem o tratado de paz nem a Liga das Nações, da qual a Santa Sé também tinha sido excluída, se baseavam em princípios cristãos.

    Pós-Guerra

    Bento XV percebeu a necessidade de garantir o papel da Igreja diante do caos e das mudanças dramáticas que seguiram à devastação da Europa pela Primeira Guerra Mundial. Ele promoveu boas relações entre a Igreja e os novos Estados emergentes, enfatizando a importância de concordatas com as novas potências. Durante seu pontificado, o número de núncios aumentou significativamente, de 14 para 27, demonstrando seu esforço em fortalecer as relações diplomáticas da Igreja.

    Ele superou a ruptura de 16 anos com a França ao nomear um embaixador extraordinário, fortalecendo ainda mais essa relação com a canonização de Joana D’Arc em 1920. Em resposta à Revolução Russa, Bento XV criou a Congregação para as Igrejas Orientais em 1917 e, em 1920, fundou o Pontifício Instituto Oriental, visando um reencontro com as igrejas orientais.

    Conhecido como “o papa das missões”, Bento XV incentivou as sociedades missionárias a promover a formação de clérigos nativos e a priorizar o bem-estar das comunidades locais sobre os interesses imperialistas dos países de origem dos missionários. Em dezembro de 1919, ele apoiou o Fundo Save the Children, estabelecido para combater a fome infantil na Alemanha e na antiga Áustria-Hungria, demonstrando seu compromisso humanitário e social.

    Ao trabalhar pela harmonia internacional após a guerra, Bento XV provou ser um reconciliador no seu próprio país e na Igreja. Ele aprovou a criação do Partido Popular Católico, abolindo assim o decreto Non expedit de Pio IX de 1868, que proibia os italianos de votar ou concorrer às eleições.

    Bento XV encorajou-os a aderirem a sindicatos e permitiu que chefes de estado católicos, em visitas oficiais, fossem ao Palácio do Quirinal, outrora residência papal, mas então residência oficial do rei. Dois anos antes da morte inesperada de Bento XV por pneumonia em 1922, os turcos muçulmanos ergueram uma estátua dele em Istambul para comemorar. Estava escrito: “Ao Grande Papa da Hora Trágica do Mundo Bento XV – Benfeitor do Povo Sem discriminação de nacionalidade ou religião – Um sinal de gratidão do Oriente”.

    Primeira guerra mundial bento xvi istambul
    Estátua do Papa Bento XV em Istambul.

    Quando ele morreu, bandeiras foram hasteadas a meio mastro em edifícios do governo italiano pela primeira vez, por ocasião da morte de um papa desde o estabelecimento do Reino da Itália. Bento XV foi chamado de “o papa da paz”.

    Cadastre-se para receber nossos conteúdos exclusivos e fique por dentro de todas as novidades!

    Insira seu nome e e-mail para receber atualizações da MBC.
    Selecione os conteúdos que mais te interessam e fique por dentro de todas as novidades!

    Ao clicar em quero assinar você declara aceita receber conteúdos em seu email e concorda com a nossa política de privacidade.