Formação, Santidade

A amizade de Bento XVI e João Paulo II: um imenso legado para a Igreja

A amizade de Bento XVI e João Paulo II: um imenso legado para a Igreja
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A amizade de Bento XVI e João Paulo II: um imenso legado para a Igreja

Data da Publicação: 06/01/2023
Tempo de leitura:
Autor: Redação MBC
Data da Publicação: 06/01/2023
Tempo de leitura:
Autor: Redação MBC

Há poucos dias, nos despedimos de um dos maiores papas que nossa Igreja já teve: Bento XVI. Teólogo de profundidade inconfundível, Bento foi um grande sinal de fidelidade à fé católica em uma era cada vez mais neopagã, como ele mesmo chamava em suas catequeses.

Já é bastante conhecido o fato de que o então cardeal Ratzinger foi o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé durante praticamente todo o papado de João Paulo II. O que torna essa história ainda mais cativante, no entanto, não é apenas a grande parceria que os dois tiveram no âmbito da fé e da administração na Igreja. Bento XVI e João Paulo II foram, na verdade, grandes amigos.

Em diversos momentos, os dois expressam o quanto um foi importante para o outro em seu caminho de entrega a Deus. Neste artigo, queremos resgatar alguns grandes momentos dessa amizade tão marcante para a Igreja.

Joseph Ratzinger: o grande prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé


Quando Karol Wojtyla assumiu o papado, em 1978, tornando-se o papa João Paulo II, sua amizade com o cardeal Joseph Ratzinger já existia. Os dois haviam se conhecido durante as reuniões do Concílio Vaticano II, alguns anos antes, e Wojtyla já havia inspirado em Ratzinger uma grande admiração e simpatia. Isso se intensificou nos dois conclaves que eles participaram juntos, alguns anos depois. O primeiro, que elegeu João Paulo I como papa, e o segundo, que elegeria Wojtyla como João Paulo II.

Desde esse momento, o vínculo de amizade já estava estabelecido e ambos expressavam a admiração que tinham um pelo outro. Por ocasião da morte de João Paulo II em 2005, Ratzinger concedeu uma entrevista a uma emissora de TV polonesa, na qual afirmava:

“Desde o início senti uma grande simpatia, e graças a Deus, sem eu merecer, o então cardeal me doou, desde o início, a sua amizade. Sou grato pela confiança que depositou em mim mesmo sem eu merecer. Sobretudo, vendo-o rezar, vi e não só compreendi, que era uma homem de Deus.”

Depois de Wojtyla já eleito papa, essa amizade entre os dois se estendeu pelos próximos 3 anos, período no qual o cardeal Ratzinger era convocado com frequência ao Vaticano para ser consultado pelo papa sobre temas importantes para a fé. 

Graças a essas reuniões e à clara confiança que João Paulo II depositou nele desde o início, Ratzinger foi convocado para ser prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé em 1981, cargo em que permaneceu até o fim do pontificado do papa polonês. 

O cargo, de extrema importância para a Igreja de todo o mundo, é muito exigente. A partir dele, Ratzinger desenvolveu ações essenciais para a preservação da fé católica no mundo. A pedido de João Paulo II, participou da elaboração do Catecismo da Igreja Católica, “o livro amarelo”, publicado em 1998. Um documento importantíssimo, pensado para ser um guia sucinto, especialmente aos leigos, dos pontos centrais da fé católica.

Essa preservação da doutrina de nossa Igreja também passou por um trabalho de combate. João Paulo II e Joseph Ratzinger, juntos, trabalharam incansavelmente para acabar com a Teologia da Libertação na Igreja. O então papa, em seus escritos e viagens, sempre combatendo o pensamento marxista-materialista infiltrado na Igreja, enquanto que Ratzinger permanecia na retaguarda, preservando a fé católica e combatendo este mal por meio da Congregação, em trabalho direto com os bispos e padres de todo o mundo, especialmente da América Latina, lugar onde a Teologia da Libertação crescia como uma erva daninha.

Os dois foram os responsáveis por exortar, incessantemente, dos males que essa infiltração ideológica causava à Igreja e à fé católica como um todo, usurpando do Evangelho em nome de uma luta política. Com a clareza da teologia, publicaram importantes documentos nos quais esclareciam por que a Teologia da Libertação estava equivocada, e qual era o real sentido do cuidado com os pobres na Igreja, sempre tratado com tanto zelo e amor. Sobre isso, o já papa Bento XVI afirmou em entrevista:

“Não era questão de ajuda e reforma, e sim de grande revolução (…) A fé cristã foi usada como um motor para esse movimento revolucionário, transformando-a numa força para a política. A uma falsificação da fé cristã é preciso opor-se por amor aos pobres e em prol do serviço a eles. [João Paulo II] nos guiou para desmascarar uma falsa ideia de libertação, por um lado, e, por outro, para expor a autêntica vocação da Igreja à liberdade do homem”.

Além disso, Ratzinger também foi fundamental para um reto entendimento e aplicação do Concílio Vaticano II, em um momento em que ainda se vivia uma grande transição entre as decisões do Concílio. O trabalho de Ratzinger foi insistente para esclarecer as confusões geradas em muitos padres, e para conservar a fé e a liturgia tradicionais, aliados aos novos ares trazidos pelo Concílio.

Este trabalho, é claro, não foi nada fácil. Ratzinger declarou mais de uma vez que permaneceu no cargo por tanto tempo pela firmeza e insistência de João Paulo II em sua importância neste papel:

“Muitas vezes ele teve razões suficientes para culpar, ou para dar fim ao meu cargo de prefeito. Mas ele me suportou com uma fidelidade e bondade absolutamente incompreensível.”

Por esses e outros motivos, é possível dizer que o cardeal Ratzinger foi o grande pilar doutrinal do pontificado de São João Paulo II. Os dois, sempre muito unidos, foram complementares naquilo que a Igreja necessitava para os tempos do fim do século XX e início do século XXI. Todo este trabalho não gerou apenas uma riqueza imensa de frutos para a Igreja, mas o estabelecimento de uma amizade e admiração recíprocas, que durariam até a morte. 

Um sim motivado pelo testemunho de São João Paulo II


Quando Deus chamou seu amado filho polonês para voltar à Casa, o mundo abalou-se com a despedida. Não foi diferente para Ratzinger, que compartilhara mais de trinta anos de trabalho ao lado de João Paulo II e o tinha como grande amigo.

Qual não foi sua surpresa quando, no conclave que se seguiu após as despedidas e ritos fúnebres, seu nome estava sendo cotado para ser o sucessor do papa polonês. Em um de seus primeiros discursos após ter sido eleito Papa Bento XVI, ele confessa que não era seu querer inicial: estava resistente a dizer sim ao chamado papal.

Mas, pela força e testemunho de entrega de São João Paulo II, sentiu-se também motivado para entregar sua vida como o próximo papa da Igreja de Cristo.

“Agradeço de coração os bons votos, as palavras e as manifestações de afeto e de amizade que recebi de modo impressionante de todas as partes da Alemanha. 

No início do meu caminho, num ministério no qual jamais tinha pensado e para o qual não me sentia adequado, tudo isto me dá grande força e ajuda. Que Deus vos recompense!

Quando, lentamente, o andamento das votações me fez compreender que, por assim dizer, a guilhotina teria caído sobre mim, comecei a ter vertigens. Estava convencido de que tinha desempenhado a obra de toda uma vida e de poder transcorrer os meus últimos dias em tranquilidade. Com profunda convicção disse ao Senhor: não me faças isto! Dispões de pessoas mais jovens e melhores, que podem enfrentar esta grande tarefa com outro impulso e vigor. 

Permaneci então muito comovido com uma breve carta que me escreveu um irmão do colégio cardinalício. Recordou-me que por ocasião da Missa por João Paulo II eu tinha centrado a homilia, partindo do Evangelho, sobre a palavra que o Senhor disse a Pedro junto do lago de Genesaré: ‘segue-me!’ Expliquei que Karol Wojtyla recebeu sempre de novo esta chamada do Senhor, e como sempre, de novo, tivera que renunciar a muito e dizer simplesmente: ‘sim, sigo-te, mesmo se me conduzes onde não quero.’ 

O irmão escreveu-me: Se agora o Senhor te dissesse a ti “segue-me”, então, recorda-te do que pregaste. Não te recuses! Sê obediente como descreveste o grande Papa, que voltou à casa do Pai. Isto admirou-me profundamente. As vias do Senhor não são confortáveis, mas nós não somos criados para o conforto, mas para as coisas grandes, para o bem.” 1

Dois amigos que tornaram-se papas unidos por um mesmo convite: “Vem e segue-me”, e um mesmo “Sim” por cumprir os desígnios divinos na Terra. 

100 anos do nascimento de João Paulo II: uma declaração de admiração e amizade


Por ocasião do centenário do nascimento de São João Paulo II, em 18 de maio de 2020, o papa Bento XVI escreveu uma bela carta na qual reforça sua profunda admiração e amizade pelo santo polonês.

A carta, datada de 4 de maio de 2020, apresenta alguns trechos especiais. Em seus primeiros parágrafos, Bento realiza uma retomada dos acontecimentos mais emblemáticos da vida de João Paulo II, desde a perda de seus pais até sua eleição como sucessor de Pedro. Sobre sua importância para a Igreja, Bento afirma:

“Uma tarefa que superava as forças humanas esperava o novo Papa. Entretanto, desde o primeiro momento, João Paulo II despertou um novo entusiasmo por Cristo e pela Sua Igreja. Primeiro, ele o fez com o brado no sermão inicial do seu pontificado: “Não tenham medo! Abram, ou melhor, escancarem as portas para Cristo!”. Esse tom determinou todo o seu pontificado e o transformou num renovado libertador da Igreja.”

Na carta, Bento também relata um acontecimento especial que o impressionou muito e demonstrou a grande humildade de João Paulo II. Quando o papa estava por instituir a festa da Divina Misericórdia, havia escolhido para tal a data do Domingo in Albis (Segundo Domingo de Páscoa). Antes de tomar a decisão final, consultou a opinião da Congregação para a Doutrina da Fé.

Na época, Ratzinger, como prefeito, e os demais membros da Congregação, disseram que não era possível, pois essa data, já importante, não devia ser sobrecarregada com novas ideias. João Paulo II, embora contrariado, acatou a decisão da Congregação e buscou uma outra alternativa para solucionar o caso, unificando as celebrações do Domingo in Albis à festa da Misericórdia, o que foi aceito pela Congregação posteriormente. 

A ocasião impressionou muito Bento XVI, que comenta: “Certamente não foi fácil para o Santo Padre aceitar o nosso não. Mas ele o fez com toda a humildade e aceitou uma segunda vez o não da nossa parte. […] Impressionou-me em outras ocasiões a humildade deste grande Papa, que renunciava a ideias e desejos por não receber a aprovação dos organismos oficiais que, segundo as regras clássicas, ele devia consultar.”

Em outras ocasiões e entrevistas, Bento XVI sempre teceu elogios e demonstrou muita admiração por seu antecessor. A respeito do trabalho de João Paulo II com a juventude, impressionava-se com a força e o número de jovens cativados por seu amigo:

“Antes de tudo, ele soube entusiasmar a juventude para Cristo. Isso é uma coisa nova, se pensamos na juventude de 1968 e dos anos 70. Somente uma personalidade com aquele carisma poderia conseguir que a juventude se entusiasmasse por Cristo e pela Igreja. Somente ele poderia, de tal modo, conseguir mobilizar a juventude do mundo para a causa de Deus e pelo amor a Cristo”.

Diante da morte de São João Paulo II, junto ao restante do mundo, Bento também se comoveu com a despedida. Acompanhando-o em seus últimos momentos, recordou:

“Para mim, esta paciência no sofrimento foi um grande ensinamento, sobretudo consegui ver e sentir como se estivesse nas mãos de Deus e como se ele se abandonasse à vontade de d’Ele. Apesar das dores visíveis, estava sereno, porque estava nas mãos do Amor Divino”.

Em 2023, nos despedimos de nosso querido papa Bento XVI. O que permanece, agora, é o legado destes dois grandes homens que corresponderam ao chamado de Cristo e cumpriram, em suas vidas, aquilo que era necessário para a Igreja e para o mundo.

Inspirados por essa amizade e por esses dois testemunhos, que nossas vidas também sejam uma constante resposta ao chamado divino: “Vem e segue-me!”

Referências

  1. Discurso do Papa Bento XVI às delegações e peregrinos de língua alemã que vieram a Roma por ocasião da eleição, 25 de abril de 2005[]

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    Redação MBC

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    Há poucos dias, nos despedimos de um dos maiores papas que nossa Igreja já teve: Bento XVI. Teólogo de profundidade inconfundível, Bento foi um grande sinal de fidelidade à fé católica em uma era cada vez mais neopagã, como ele mesmo chamava em suas catequeses.

    Já é bastante conhecido o fato de que o então cardeal Ratzinger foi o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé durante praticamente todo o papado de João Paulo II. O que torna essa história ainda mais cativante, no entanto, não é apenas a grande parceria que os dois tiveram no âmbito da fé e da administração na Igreja. Bento XVI e João Paulo II foram, na verdade, grandes amigos.

    Em diversos momentos, os dois expressam o quanto um foi importante para o outro em seu caminho de entrega a Deus. Neste artigo, queremos resgatar alguns grandes momentos dessa amizade tão marcante para a Igreja.

    Joseph Ratzinger: o grande prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé


    Quando Karol Wojtyla assumiu o papado, em 1978, tornando-se o papa João Paulo II, sua amizade com o cardeal Joseph Ratzinger já existia. Os dois haviam se conhecido durante as reuniões do Concílio Vaticano II, alguns anos antes, e Wojtyla já havia inspirado em Ratzinger uma grande admiração e simpatia. Isso se intensificou nos dois conclaves que eles participaram juntos, alguns anos depois. O primeiro, que elegeu João Paulo I como papa, e o segundo, que elegeria Wojtyla como João Paulo II.

    Desde esse momento, o vínculo de amizade já estava estabelecido e ambos expressavam a admiração que tinham um pelo outro. Por ocasião da morte de João Paulo II em 2005, Ratzinger concedeu uma entrevista a uma emissora de TV polonesa, na qual afirmava:

    “Desde o início senti uma grande simpatia, e graças a Deus, sem eu merecer, o então cardeal me doou, desde o início, a sua amizade. Sou grato pela confiança que depositou em mim mesmo sem eu merecer. Sobretudo, vendo-o rezar, vi e não só compreendi, que era uma homem de Deus.”

    Depois de Wojtyla já eleito papa, essa amizade entre os dois se estendeu pelos próximos 3 anos, período no qual o cardeal Ratzinger era convocado com frequência ao Vaticano para ser consultado pelo papa sobre temas importantes para a fé. 

    Graças a essas reuniões e à clara confiança que João Paulo II depositou nele desde o início, Ratzinger foi convocado para ser prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé em 1981, cargo em que permaneceu até o fim do pontificado do papa polonês. 

    O cargo, de extrema importância para a Igreja de todo o mundo, é muito exigente. A partir dele, Ratzinger desenvolveu ações essenciais para a preservação da fé católica no mundo. A pedido de João Paulo II, participou da elaboração do Catecismo da Igreja Católica, “o livro amarelo”, publicado em 1998. Um documento importantíssimo, pensado para ser um guia sucinto, especialmente aos leigos, dos pontos centrais da fé católica.

    Essa preservação da doutrina de nossa Igreja também passou por um trabalho de combate. João Paulo II e Joseph Ratzinger, juntos, trabalharam incansavelmente para acabar com a Teologia da Libertação na Igreja. O então papa, em seus escritos e viagens, sempre combatendo o pensamento marxista-materialista infiltrado na Igreja, enquanto que Ratzinger permanecia na retaguarda, preservando a fé católica e combatendo este mal por meio da Congregação, em trabalho direto com os bispos e padres de todo o mundo, especialmente da América Latina, lugar onde a Teologia da Libertação crescia como uma erva daninha.

    Os dois foram os responsáveis por exortar, incessantemente, dos males que essa infiltração ideológica causava à Igreja e à fé católica como um todo, usurpando do Evangelho em nome de uma luta política. Com a clareza da teologia, publicaram importantes documentos nos quais esclareciam por que a Teologia da Libertação estava equivocada, e qual era o real sentido do cuidado com os pobres na Igreja, sempre tratado com tanto zelo e amor. Sobre isso, o já papa Bento XVI afirmou em entrevista:

    “Não era questão de ajuda e reforma, e sim de grande revolução (…) A fé cristã foi usada como um motor para esse movimento revolucionário, transformando-a numa força para a política. A uma falsificação da fé cristã é preciso opor-se por amor aos pobres e em prol do serviço a eles. [João Paulo II] nos guiou para desmascarar uma falsa ideia de libertação, por um lado, e, por outro, para expor a autêntica vocação da Igreja à liberdade do homem”.

    Além disso, Ratzinger também foi fundamental para um reto entendimento e aplicação do Concílio Vaticano II, em um momento em que ainda se vivia uma grande transição entre as decisões do Concílio. O trabalho de Ratzinger foi insistente para esclarecer as confusões geradas em muitos padres, e para conservar a fé e a liturgia tradicionais, aliados aos novos ares trazidos pelo Concílio.

    Este trabalho, é claro, não foi nada fácil. Ratzinger declarou mais de uma vez que permaneceu no cargo por tanto tempo pela firmeza e insistência de João Paulo II em sua importância neste papel:

    “Muitas vezes ele teve razões suficientes para culpar, ou para dar fim ao meu cargo de prefeito. Mas ele me suportou com uma fidelidade e bondade absolutamente incompreensível.”

    Por esses e outros motivos, é possível dizer que o cardeal Ratzinger foi o grande pilar doutrinal do pontificado de São João Paulo II. Os dois, sempre muito unidos, foram complementares naquilo que a Igreja necessitava para os tempos do fim do século XX e início do século XXI. Todo este trabalho não gerou apenas uma riqueza imensa de frutos para a Igreja, mas o estabelecimento de uma amizade e admiração recíprocas, que durariam até a morte. 

    Um sim motivado pelo testemunho de São João Paulo II


    Quando Deus chamou seu amado filho polonês para voltar à Casa, o mundo abalou-se com a despedida. Não foi diferente para Ratzinger, que compartilhara mais de trinta anos de trabalho ao lado de João Paulo II e o tinha como grande amigo.

    Qual não foi sua surpresa quando, no conclave que se seguiu após as despedidas e ritos fúnebres, seu nome estava sendo cotado para ser o sucessor do papa polonês. Em um de seus primeiros discursos após ter sido eleito Papa Bento XVI, ele confessa que não era seu querer inicial: estava resistente a dizer sim ao chamado papal.

    Mas, pela força e testemunho de entrega de São João Paulo II, sentiu-se também motivado para entregar sua vida como o próximo papa da Igreja de Cristo.

    “Agradeço de coração os bons votos, as palavras e as manifestações de afeto e de amizade que recebi de modo impressionante de todas as partes da Alemanha. 

    No início do meu caminho, num ministério no qual jamais tinha pensado e para o qual não me sentia adequado, tudo isto me dá grande força e ajuda. Que Deus vos recompense!

    Quando, lentamente, o andamento das votações me fez compreender que, por assim dizer, a guilhotina teria caído sobre mim, comecei a ter vertigens. Estava convencido de que tinha desempenhado a obra de toda uma vida e de poder transcorrer os meus últimos dias em tranquilidade. Com profunda convicção disse ao Senhor: não me faças isto! Dispões de pessoas mais jovens e melhores, que podem enfrentar esta grande tarefa com outro impulso e vigor. 

    Permaneci então muito comovido com uma breve carta que me escreveu um irmão do colégio cardinalício. Recordou-me que por ocasião da Missa por João Paulo II eu tinha centrado a homilia, partindo do Evangelho, sobre a palavra que o Senhor disse a Pedro junto do lago de Genesaré: ‘segue-me!’ Expliquei que Karol Wojtyla recebeu sempre de novo esta chamada do Senhor, e como sempre, de novo, tivera que renunciar a muito e dizer simplesmente: ‘sim, sigo-te, mesmo se me conduzes onde não quero.’ 

    O irmão escreveu-me: Se agora o Senhor te dissesse a ti “segue-me”, então, recorda-te do que pregaste. Não te recuses! Sê obediente como descreveste o grande Papa, que voltou à casa do Pai. Isto admirou-me profundamente. As vias do Senhor não são confortáveis, mas nós não somos criados para o conforto, mas para as coisas grandes, para o bem.” 1

    Dois amigos que tornaram-se papas unidos por um mesmo convite: “Vem e segue-me”, e um mesmo “Sim” por cumprir os desígnios divinos na Terra. 

    100 anos do nascimento de João Paulo II: uma declaração de admiração e amizade


    Por ocasião do centenário do nascimento de São João Paulo II, em 18 de maio de 2020, o papa Bento XVI escreveu uma bela carta na qual reforça sua profunda admiração e amizade pelo santo polonês.

    A carta, datada de 4 de maio de 2020, apresenta alguns trechos especiais. Em seus primeiros parágrafos, Bento realiza uma retomada dos acontecimentos mais emblemáticos da vida de João Paulo II, desde a perda de seus pais até sua eleição como sucessor de Pedro. Sobre sua importância para a Igreja, Bento afirma:

    “Uma tarefa que superava as forças humanas esperava o novo Papa. Entretanto, desde o primeiro momento, João Paulo II despertou um novo entusiasmo por Cristo e pela Sua Igreja. Primeiro, ele o fez com o brado no sermão inicial do seu pontificado: “Não tenham medo! Abram, ou melhor, escancarem as portas para Cristo!”. Esse tom determinou todo o seu pontificado e o transformou num renovado libertador da Igreja.”

    Na carta, Bento também relata um acontecimento especial que o impressionou muito e demonstrou a grande humildade de João Paulo II. Quando o papa estava por instituir a festa da Divina Misericórdia, havia escolhido para tal a data do Domingo in Albis (Segundo Domingo de Páscoa). Antes de tomar a decisão final, consultou a opinião da Congregação para a Doutrina da Fé.

    Na época, Ratzinger, como prefeito, e os demais membros da Congregação, disseram que não era possível, pois essa data, já importante, não devia ser sobrecarregada com novas ideias. João Paulo II, embora contrariado, acatou a decisão da Congregação e buscou uma outra alternativa para solucionar o caso, unificando as celebrações do Domingo in Albis à festa da Misericórdia, o que foi aceito pela Congregação posteriormente. 

    A ocasião impressionou muito Bento XVI, que comenta: “Certamente não foi fácil para o Santo Padre aceitar o nosso não. Mas ele o fez com toda a humildade e aceitou uma segunda vez o não da nossa parte. […] Impressionou-me em outras ocasiões a humildade deste grande Papa, que renunciava a ideias e desejos por não receber a aprovação dos organismos oficiais que, segundo as regras clássicas, ele devia consultar.”

    Em outras ocasiões e entrevistas, Bento XVI sempre teceu elogios e demonstrou muita admiração por seu antecessor. A respeito do trabalho de João Paulo II com a juventude, impressionava-se com a força e o número de jovens cativados por seu amigo:

    “Antes de tudo, ele soube entusiasmar a juventude para Cristo. Isso é uma coisa nova, se pensamos na juventude de 1968 e dos anos 70. Somente uma personalidade com aquele carisma poderia conseguir que a juventude se entusiasmasse por Cristo e pela Igreja. Somente ele poderia, de tal modo, conseguir mobilizar a juventude do mundo para a causa de Deus e pelo amor a Cristo”.

    Diante da morte de São João Paulo II, junto ao restante do mundo, Bento também se comoveu com a despedida. Acompanhando-o em seus últimos momentos, recordou:

    “Para mim, esta paciência no sofrimento foi um grande ensinamento, sobretudo consegui ver e sentir como se estivesse nas mãos de Deus e como se ele se abandonasse à vontade de d’Ele. Apesar das dores visíveis, estava sereno, porque estava nas mãos do Amor Divino”.

    Em 2023, nos despedimos de nosso querido papa Bento XVI. O que permanece, agora, é o legado destes dois grandes homens que corresponderam ao chamado de Cristo e cumpriram, em suas vidas, aquilo que era necessário para a Igreja e para o mundo.

    Inspirados por essa amizade e por esses dois testemunhos, que nossas vidas também sejam uma constante resposta ao chamado divino: “Vem e segue-me!”

    Referências

    1. Discurso do Papa Bento XVI às delegações e peregrinos de língua alemã que vieram a Roma por ocasião da eleição, 25 de abril de 2005[]

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