Prepare-se para o Natal do Senhor rezando todos os dias com as meditações para o Advento, escritas por Santo Afonso de Ligório.
Prepare-se para o Natal do Senhor rezando todos os dias com as meditações para o Advento, escritas por Santo Afonso de Ligório.
Unidos à toda a Igreja, iniciamos hoje um novo tempo litúrgico. E, para que possamos viver da melhor forma este período tão importante, contaremos com o grande auxílio de Santo Afonso de Ligório, através de suas meditações para o Advento e Natal.
Medite conosco e prepare-se para viver bem este grande mistério da nossa fé.
Verão o Filho do homem, que virá sobre uma nuvem com grande poder e majestade. 1
Uma consideração séria nos ensina que não há atualmente no mundo pessoa mais desprezada do que Jesus Cristo; pois Ele é injuriado tão continuamente e com tão desenfreada liberdade como não o seria o mais vil dos homens. Eis porque o Senhor marcou um dia, no qual virá, com grande poder e majestade, a reivindicar a sua honra. Recorramos agora ao trono da divina misericórdia, para que naquele dia não sejamos condenados pela justiça de Deus.
Considerando bem, não há no mundo atualmente quem seja mais desprezado que Jesus Cristo. Trata-se com mais consideração um aldeão do que o próprio Deus. Receiam que o aldeão ao ver-se por demais ofendido, se encolerize e tire vingança; Deus, porém, é ofendido incessantemente e de caso pensado, como se não pudesse vingar-se quando quisesse. Por isso o Senhor marcou um dia (chamado com razão, na Sagrada Escritura, o Dia do Senhor, Dies Domini), quando se dará a conhecer tal como é: O Senhor manifestou-se, fez justiça 2. Diz São Bernardo, explicando este texto: “O Senhor será conhecido quando vier a fazer justiça, ao passo que agora, porque quer usar de misericórdia, é desconhecido. Então esse dia não mais se chama de misericórdia e de perdão, senão dia de ira, dia de tribulação e de angústia, dia de calamidade e de miséria”.
Conforme nos ensina o Evangelho de hoje, esse dia será precedido de sinais pavorosos. “Haverá sinais no Sol, na Lua e nas estrelas; na terra os povos estarão angustiados sob o ruído surdo e confuso do mar e das ondas; os homens morrerão com medo dos males que hão de vir sobre o mundo. Por fim, as virtudes dos céus (isto é, na interpretação dos Santos Padres, os nove coros dos anjos) se comoverão, e então se verá aparecer sobre as nuvens o Filho do Homem, com grande poder e majestade”, a reivindicar a glória que os pecadores nesta terra lhe quiseram tirar.
Diz Santo Tomás:
Se no horto do Getsemâni, com as palavras de Jesus Cristo: Ego Sum (Jo 18, 5)3, caíram por terra todos os soldados que o foram prender, que será quando Jesus, sentado para julgar, disser aos condenados: “Aqui estou, sou eu aquele a quem tanto haveis desprezado”? Que será quando pronunciar contra eles a sentença eterna: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno! 4
O Dia do Juízo, assim como será para os réprobos um dia de pena e de terror, será, ao contrário, para os escolhidos um dia de regozijo e triunfo; porque, então, à vista de todos os homens, as suas bem-aventuradas almas serão proclamadas rainhas do paraíso e feitas esposas do Cordeiro imaculado. Oh! que ventura experimentarão os bem-aventurados, quando Jesus, voltando-se para a direita, lhes disser: Vinde, meus benditos filhos, vinde possuir o reino dos céus que vos foi preparado! 5
Irmão meu, o que será de ti naquele dia? São Jerônimo, quando passava os dias na Gruta de Belém, em contínuas orações e mortificações, tremia só de pensar no Juízo Universal. O venerável Pe. Juvenal Ancina, lembrando-se do Juízo ao ouvir cantar a sequência da Missa de defuntos – Dies irae, Dies illa – deixou o mundo e fez-se religioso. E tu, o que fazes para mereceres no Dia do Juízo as bênçãos divinas, em companhia dos escolhidos?
Com o intuito de nos preparar para o santo Natal, a Igreja propõe hoje o Juízo à nossa meditação. Sabendo que Nosso Senhor, na sua primeira vinda, apareceu num trono de graça e que, na segunda, aparecerá num trono de justiça rigorosíssima, quer que procuremos agora recorrer a Jesus a fim de experimentarmos os efeitos da sua infinita misericórdia. Aproximemo-nos com confiança do trono de graça6.
Ah! Jesus meu e meu Redentor, Vós que um dia haveis de ser o meu Juiz: perdoa-me antes que chegue esse dia. Agora, sois meu Pai, e como tal recebeis na Vossa graça um filho que, arrependido, se prostra a Vossos pés. Meu Pai, eu Vos amo de todo o meu coração e no futuro não quero mais temer voltar a ofender-vos.
Mas já que conheceis a minha fraqueza, ajudai-me com a Vossa graça. Excitai, Senhor, o Vosso poder e vinde em meu auxílio, a fim de que, mediante a Vossa proteção, livrado dos perigos iminentes por causa de meus pecados, mereça ser salvo por Vós. Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima.
E agora, que tenho eu que fazer aqui, diz o Senhor, visto ter sido levado sem nenhuma razão o meu povo? 7
Peca Adão, nosso primeiro pai, e em castigo de seu pecado é expulso do paraíso terrestre com toda a sua descendência, condenado a uma vida de misérias e excluído para sempre do Céu. O Senhor, porém, teve compaixão dele, e como se a Sua beatitude dependesse da dos homens, e Ele não pudesse ser feliz sem estes, resolveu a todo o custo salvá-los. Ó, incompreensível amor de Deus! Mas, como é que lhe temos correspondido?
Adão, nosso primeiro pai, peca; desagradecido por tantos benefícios recebidos, revolta-se contra Deus, transgredindo o preceito de não comer da árvore proibida. Por esse motivo, vê-se Deus constrangido a expulsá-lo do paraíso terrestre e a privar no futuro, tanto Adão como todos os descendentes deste revoltoso, do paraíso celeste e eterno que lhes havia preparado para depois desta vida temporal. Eis, pois, todos os homens condenados a uma vida de trabalhos e misérias, e para sempre excluídos do Céu. O demônio tem poder sobre eles, e incalculáveis são os estragos que o inferno continuamente faz.
Vendo, porém, o Senhor os homens reduzidos a tão mísero estado, compadeceu-se deles. Mas, como nos dá a entender o profeta Isaías, parece que Deus, por assim dizer, se lamenta e se aflige, dizendo: E agora, que tenho eu de fazer aqui, visto ter sido levado sem nenhuma razão o meu povo? 7. Como se quisesse dizer: “Que me restou de delícia no Paraíso, uma vez que perdi os homens que eram as minhas delícias. Mas, não; quero a todo o custo salvá-los; venha, por isso, um redentor, que em lugar do homem satisfaça à minha justiça e assim o redima da morte eterna”.
Mas, meu Senhor, tendes no Céu tantos serafins e tantos anjos, e de tal modo Vos aflige o terdes perdido os homens, para a perfeição de Vossa beatitude? Sempre tendes sido e sempre sois felicíssimo em Vós mesmo: que poderá jamais faltar à Vossa felicidade, que é infinita? “Tudo isso é verdade (assim o faz responder o cardeal Hugo), mas, perdido o homem, sinto haver perdido tudo, porquanto as Minhas delícias eram estar com os homens; agora perdi os homens, e os infelizes estão condenados a viver para sempre longe de Mim.” Oh, amor imenso de Deus! oh, amor incompreensível! oh, amor infinito!
Ó meu Senhor, como é possível que, depois de terdes reparado, com a morte do Vosso divino Filho, os danos causados pelo pecado, tenha eu tornado tantas vezes a renová-los voluntariamente, com as ofensas que Vos tenho feito? Vós me salvastes à custa de tamanhos sacrifícios, e eu tão repetidas vezes tenho querido perder-me, perdendo-vos, a Vós, Bem infinito. Inspirai-me, porém, confiança à Vossa palavra, que, se o pecador se converter a Vós, não Vos recusareis a abraçá-lo: Convertei-vos a mim e eu me converterei a vós 8. Vede, Senhor, que sou um daqueles rebeldes, um ingrato e traidor que por mais de uma vez Vos voltei as costas e Vos expulsei da minha alma. Pesa-me de todo o coração de Vos haver assim ofendido e desprezado a Vossa graça. Pesa-me, e amo-vos acima de todas as coisas. A porta do meu coração já está aberta para Vós: entrai nele, mas entrai para nunca mais Vos retirardes. Sei que nunca Vos retirareis, se eu não tornar a expulsar-vos. Eis aí o que me põe medo, eis aí também a graça que espero pedir-vos sempre; deixai-me morrer antes que venha a cometer para convosco semelhante nova e maior ingratidão.
Jesus, meu caro Redentor, pelas ofensas que Vos tenho feito mereceria não mais poder amar-vos; mas pelos Vossos méritos, peço-vos o dom do Vosso santo amor. Por isso fazei com que eu conheça o grande bem que sois, o amor que me tendes dedicado e quanto tendes feito para me obrigar a Vos amar. Ah! meu Deus e Salvador meu, que eu não viva doravante tão ingrato à Vossa tão grande bondade! Não quero separar-me mais de Vós, meu Jesus. Basta de pecados. É justo que eu empregue os anos de vida que me restam inteiramente em Vos amar e dar-vos gosto. Jesus meu, Jesus meu, ajudai-me; ajudai um pecador que Vos quer amar.
Ó Maria, minha Mãe, vós podeis tudo para com Jesus, visto que sois sua Mãe. Dizei-lhe que me perdoe; dizei-lhe que me prenda com os laços do seu santo amor. Vós sois a minha esperança; confio em vós.
E ouvi a voz de quem dizia: Quem enviarei eu? E quem de nós irá lá? Então disse eu: Aqui Me tens a mim, envia-me. 9
Embora o Filho de Deus previsse a vida penosa que teria de levar, submeteu-se contudo de boa vontade ao decreto da Encarnação, ofereceu-se mesmo a fazer-se homem. E isso não só para satisfazer plenamente à justiça divina, mas também para nos mostrar Seu amor e obrigar-nos a que O amemos sem reserva. Como é que até o dia de hoje temos respondido a tão grande benefício?
Em sua contemplação sobre a condição do gênero humano depois do pecado do primeiro homem, percebeu São Bernardo 10 contenda entre a justiça divina e a Sua misericórdia. “Estou perdida” – diz a justiça – “se Adão não for punido”. A misericórdia, ao contrário, replica: “Estou eu perdida, se o homem não for perdoado”.
Em vista de tal contenda, o Senhor decide que, para salvar o homem réu de morte, há de morrer um inocente: Moriatur qui nihil debeat morti. Na Terra, porém, não se achava um que fosse inocente.
“Portanto” – disse o Pai Eterno – “já que entre os homens não há quem possa satisfazer à Minha justiça, quem irá res- gatar o homem?”. Os anjos, os querubins, os serafins, todos guardam silêncio, ninguém responde; só responde o Verbo Eterno, que diz: Ecce ego, mitte me – “Aqui Me tens a Mim, envia-me”.
“Meu Pai” – diz o Filho unigênito – “a Vossa majestade, por ser infinita, e ofendida pelo homem, não pode ser plenamente satisfeita por um anjo, que é pura criatura. E ainda que Vos quisésseis contentar com as satisfações de um anjo, considerai que, apesar de tantos benefícios restados ao homem, apesar de tantas promessas e ameaças, não consegui- mos ganhar o seu amor, porque até hoje não conheceu o amor que lhe tínhamos. Se quisermos obrigá-lo irresistivelmente a amar-nos, que ocasião se Nos pode deparar mais própria do que esta? Permiti que, para remir o homem, Eu, Vosso Filho, desça sobre a Terra e tome a natureza humana; permiti que, pagando com a minha morte as penas devidas ao homem, satisfaça plenamente à Vossa justiça divina, e o homem fique bem convencido do nosso amor”.
“Mas considera, meu Filho” – assim contesta o Pai – “considera que, encarregando-te de pagar pelos homens, terás de levar uma vida toda de trabalhos, e os homens Te pagarão com a mais negra ingratidão. Depois de teres vivido trinta anos como simples auxiliar de um pobre artífice, quando afinal saíres a pregar e a manifestar quem és, haverá, é verdade, uns poucos que Te queiram seguir; mas a maior parte dos homens Te desprezará, chamando-te de impostor, feiticeiro, louco, samaritano, e, finalmente, far-te-ão morrer ignominiosamente, exausto de tormentos, sobre um lenho infame”.
“Não importa” – responde o Filho – “a tudo me sujeito, contanto que seja salvo o homem. Aqui me tens a mim, envia-me 9”. E assim foi decretado que o divino Filho se fizesse homem e redentor dos homens. Oh, amor incompreensível de Deus! Mas como temos nós até este momento respondido a tão grande benefício?
Ó Verbo Eterno, Vós Vos fizestes homem para nos remir e acender em nossos corações o divino amor; como foi possível que encontrásseis nos corações dos homens tão grande ingratidão? Vós nada poupastes para Vos fazer amado dos homens; chegastes a dar o Vosso Sangue e a Vossa vida; como é que os homens se mostram tão ingratos para convosco? Ignoram-no porventura? Não; sabem e creem que por eles viestes do Céu para revestir-vos de carne humana e tomar sobre Vós as nossas misérias; sabem que por amor deles levastes uma vida penosa e abraçastes uma morte ignominiosa: como vivem, então, assim, esquecidos de Vós? Amam aos parentes, amam aos amigos, amam aos próprios animais; somente para convosco são tão frios, tão ingratos.
Mas, ai de mim! Acusando aqueles ingratos, acuso-me a mim próprio, que pior do que os outros Vos tenho tratado! Anima-me, porém, a Vossa bondade, que me tem tolerado tanto tempo a fim de perdoar-me, contanto que eu queira arrepender-me e amar-vos. Sim, meu Deus, quero arrepender-me; pesa-me de toda a minha alma de Vos ter ofendido, e quero amar-vos de todo o meu coração. Reconheço, ó meu Redentor, que o meu coração já não merece mais ser por Vós aceito, visto que Vos tem deixado por amor às criaturas; mas vejo que, não obstante isso, Vós ainda o quereis, e eu, com todo o poder de minha vontade, vo-lo dou e consagro. Abra- se-o todo, pois, em Vosso santo amor, e fazei com que de hoje em diante não ame senão a Vós, bondade infinita, digna de infinito amor. Amo-vos, Jesus meu, amo-vos, meu sumo Bem, amo-vos, ó amor único de minha alma.
Ó Maria, minha Mãe, vós, que sois a mãe do belo amor, impetrai-me a graça de amar o meu Deus; de vós a espero.
Quando veio a plenitude do tempo, enviou Deus seu Filho, feito da mulher, feito sujeito à Lei. 11
O divino Redentor demorou a Sua vinda quatro mil anos, não somente para que fosse mais apreciada pelos homens, senão também para que melhor se conhecesse a malícia do pecado e a necessidade do remédio. Chegada que foi a plenitude dos tempos, enviou Deus um arcanjo à Santíssima Virgem e, obtido o consentimento desta, o Verbo se fez homem no seio puríssimo de Maria. Quanto não devemos agradecer ao Senhor o ter-nos feito nascer depois que se cumpriu tão grande mistério!
Considera como Deus depois do pecado de Adão deixou decorrer quatro mil anos 12) antes de enviar à Terra o seu Filho para remir o mundo. E, entretanto, que trevas desoladoras reinavam sobre a Terra!
O Deus verdadeiro não era conhecido nem adorado, senão apenas num canto da Terra. Por toda a parte reinava a idolatria, de sorte que eram adorados como deuses os demônios, os animais e as pedras. Admiremos nisso a sabedoria divina. Demora a vinda do Redentor para torná-la mais aceitável aos homens: demora-a para que se conheça melhor a malícia do pecado, a necessidade do remédio e a graça do Salvador. Se Jesus Cristo tivesse vindo logo depois do pecado de Adão, a grandeza do benefício teria sido pouco apreciada. Agradeçamos, pois, à bondade de Deus, o ter-nos feito nascer depois de já realizada a grande obra da redenção. Eis que já é chegado o feliz tempo que foi chamado a plenitude do tempo: quando veio a plenitude do tempo 11. O Apóstolo diz plenitude por causa da abundância da graça que por meio da Redenção o Filho de Deus vem trazer aos homens. Eis que já se envia o anjo embaixador à Virgem Maria na cidade de Nazaré, para anunciar a vinda do Verbo que no seio dela quer encarnar-se. O anjo a saúda, chama-a cheia de graça e bendita entre as mulheres.
A virgenzinha humilde se perturba com esses louvores por causa da sua profunda humildade. O anjo, porém, anima-a e lhe diz que achou graça diante de Deus; isto é, a graça que estabelece a paz entre Deus e os homens e repara os estragos ocasionados pelo pecado. Em seguida, anuncia-lhe o nome de Salvador que deveria dar ao filho: Pôr-lhe-ás o nome de Jesus 13. Anuncia-lhe que seu filho seria o próprio Filho de Deus, que deveria remir o mundo e desta forma reinar sobre os corações dos homens. Eis que, afinal, Maria consente em ser mãe de tal Filho: Faça-se em mim segundo a tua palavra 14. E no mesmo momento o Verbo Eterno se fez carne e ficou sendo verdadeiro homem: E o Verbo se fez carne 15.
Ó Verbo divino feito homem por mim, se bem que Vos seja tão humilhado e feito criança pequenina no seio de Maria, tenho e reconheço-vos por meu Senhor e Rei, mas Rei de amor. Meu caro Salvador, visto que viestes sobre a Terra e tomastes a nossa mísera carne a fim de reinar sobre os nossos corações, ah! vinde estabelecer o Vosso reino também em meu coração, que em outros tempos esteve sob o domínio de Vossos inimigos, mas agora, assim o espero, é Vosso. Quero que seja sempre Vosso e que de hoje em diante Vós sejais o seu único senhor: Reinai no meio dos vossos inimigos 16. Os outros reis reinam pela força das armas, mas Vós vindes reinar com a força do amor e, por isso, não viestes com pompa real, não vestido de púrpura e ouro, não ornado com cetro e coroa, nem acompanhado de exércitos de soldados. Viestes para nascer numa estrebaria, pobre e abandonado, para ser posto numa manjedoura sobre um pouco de palha, porque é assim que quereis começar a reinar em nossos corações.
Ó meu Rei-Menino! Como tenho podido revoltar-me tantas vezes contra Vós e viver tanto tempo como Vosso inimigo, privado de Vossa graça, ao passo que Vós, para me obrigardes a Vos amar, abdicastes da Vossa majestade divina e Vos humilhastes até ser visto, ora como criança numa lapa, ora como artesão numa oficina, ora como réu sobre uma cruz? Feliz de mim, se tendo saído, conforme espero, da escravidão de Lúcifer, me deixe para sempre governar por Vós e pelo Vosso amor! Ó Jesus, meu Rei, Vós que sois tão amável e tão enamorado de nossas almas, eia, tomai posse da minha; eu vo-la dou toda inteira. Aceitai-a a fim de que Vos sirva sempre, mas Vos sirva por amor. A Vossa majestade merece ser temida, mas a Vossa bondade muito mais merece ser amada. Vós, ó, meu Rei, sois e sereis sempre o meu único amor, e o único temor que terei será o de Vos dar desgosto. Assim espero. Ajudai-me com a Vossa graça.
Querida Senhora minha, Maria, vós deveis impetrar-me a graça de fidelidade a este Rei amado da minha alma.
O Senhor criou uma coisa nova sobre a terra. 17
Antes da vinda do Messias, o mundo estava abismado na ignorância, e o Deus verdadeiro era apenas conhecido num cantinho da terra, na Judeia. De todas aquelas trevas livrou-nos Jesus Cristo, que desde o primeiro instante da sua concepção deu mais glória ao Pai Eterno do que lho têm dado e darão todos os anjos e santos. Tomemos animo nós, os pobres pecadores, e ofereçamos a Deus-Pai este Menino e nos redimamos de todas as ofensas que lhe temos feito.
Antes da vinda do Messias, o mundo estava abismado na noite tenebrosa da ignorância e do pecado. No mundo o Deus verdadeiro era conhecido tão somente num cantinho da terra, a saber, na Judeia: Deus é conhecido na Judeia 18. Em todo o resto do mundo eram adorados como deuses os demônios, os animais e as pedras. Em toda a parte reinava a noite do pecado, que cega as almas, enche-as de vícios e as priva da vista do estado miserável em que se acham, inimigas de Deus e condenadas ao Inferno. Dessas trevas veio Jesus livrar o mundo. Livrou-o da idolatria, dando-lhe o conhecimento do Deus verdadeiro; livrou-o do pecado, com a luz de Sua doutrina e dos Seus exemplos divinos: O Filho de Deus veio ao mundo para destruir as obras do diabo 19.
O profeta Jeremias predisse que Deus havia de criar um novo Menino para ser o Redentor dos homens: O Senhor criou uma coisa nova sobre a terra. Esse novo Menino foi Jesus Cristo, que faz as delícias do Paraíso e é o amor de Deus-Pai, que fala assim: Este é o meu Filho Dileto em que deposito as minhas complacências 20. Embora criança nova, deu a Deus mais honra e glória no primeiro momento de Sua criação do que lhe têm dado e durante toda a eternidade lhe poderão dar todos os anjos e santos juntos. Por isso é que no nascimento de Jesus os anjos cantaram: Gloria in excelsis Deo – “Glória a Deus nas alturas”. Jesus-Menino rendeu a Deus mais glória do que Lhe arrebataram os pecados de todos os homens.
Tomemos, pois, ânimo, nós pobres pecadores. Ofereçamos ao Pai Eterno o divino Menino; apresentemos-lhe as lágrimas, a obediência, a humildade, a morte e os méritos de Jesus Cristo e ressarciremos a Deus toda a injúria que com as nossas ofensas Lhe tenhamos feito.
Ah, meu Deus eterno! Eu Vos desonrei, antepondo tantas vezes à Vossa vontade a minha, e a Vossa santa graça às minhas satisfações vis e miseráveis. Que esperança de perdão poderia eu ter, se Vós não me tivésseis dado Jesus Cristo exatamente a fim de que fosse a esperança de nós, pecadores? Ele é a propiciação pelos nossos pecados (I Jo 2,2). Sim, porque Jesus Cristo, sacrificando a vida para a satisfação das injúrias que nós Vos tínhamos feito, mais glória Vos deu do que nós Vos havíamos desonrado com os nossos pecados. Aceitai-me, pois, ó meu Pai, pelo amor de Jesus Cristo.
Pesa-me, ó Bondade infinita, de Vos ter ofendido. Não sou digno de perdão; mas Jesus Cristo é digno de ser por Vós atendido. Estando pregado na cruz por mim, Ele Vos pediu um dia: Pai, perdoa-lhes 21; e mesmo agora no Céu Vos pede que me aceiteis por filho.Temos por advogado Jesus Cristo, que também intercede por nós 22. Aceitai um filho ingrato que primeiro Vos deixou, mas agora volta com a resolução de Vos amar. Sim, meu Pai, eu Vos amo e quero amar-vos sempre. Ah! Meu Pai, agora que conheço o amor que me tendes dispensado e a paciência que por tantos anos haveis usado para comigo, não quero mais viver sem Vos amar. Dai-me um grande amor que me faça sempre chorar os desgostos que Vos tenho dado, a Vós, meu Pai tão bom, e me faça sempre arder de amor para com um Pai tão amoroso. Meu Pai, eu Vos amo, eu Vos amo, eu Vos amo.
Ó Maria, Deus é meu Pai e vós sois minha Mãe. Vós podeis tudo junto de Deus: ajudai-me; alcançai-me a santa perseverança e o Seu santo amor.
Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia, e siga-me. 23
Devemo-nos persuadir de que Deus nos conserva no mundo, para que suportemos com paciência as tribulações que Ele mesmo nos envia para o nosso bem. Resolvamo-nos, pois, a recusar a nós mesmos aquilo que um amor próprio desordenado nos pede; abracemos de boa vontade a nossa cruz de cada dia; e não nos cansemos de carregá-la após Jesus Cristo, até o Calvário – isto é, até a morte.
Façamos hoje algumas reflexões sobre estas palavras de Jesus Cristo. Se alguém quer vir após mim. Jesus não somente quer que a Ele vamos, senão que vamos em Seu seguimento. Jesus vai sempre para diante e não Se detém enquanto não chegar ao Calvário, onde morrerá. Portanto, se O amamos, devemos segui-lo até a nossa morte. Por isso, faz-se mister que cada um se negue a si mesmo: isto é, recuse a si mesmo o que o amor próprio pede, mas que não é do agrado de Jesus Cristo.
Diz ainda: Tome a sua cruz cada dia e siga-me. Tome: de pouco serve carregá-la forçadamente; todos os pecadores a carregam, mas sem merecimento. Para a carregarmos com merecimento, devemos abraçá-la de boa vontade. Cruz: sob o nome de cruz vem toda a tribulação, que por Jesus Cristo é chamada cruz, afim de no-la tornar doce, com pensar que em uma cruz Ele morreu por amor a nós.
Jesus diz: a sua cruz. Alguns, ao receberem qualquer consolação espiritual, se oferecem para sofrer o que têm sofrido os mártires: acúleos, unhas de ferro e lâminas candentes; mas, logo em seguida, não sabem sofrer alguma dor de ca- beça, uma falta de atenção da parte de um amigo, o enfado de um parente. Irmão meu, Deus não quer de ti que sofras nem cavaletes, nem unhas de ferro, nem lâminas candentes; mas quer que sofras com paciência essa dor, esse desprezo, esse aborrecimento. Tal outro quisera ir a um deserto para sofrer; quisera praticar grandes penitências; entretanto não sabe suportar um seu superior, um seu companheiro de ofício. Deus, porém, quer que ele carregue a cruz que lhe é dada para carregar, e não aquela que ele mesmo escolheu.
Ainda diz: cada dia. Alguns abraçam a cruz no princípio, quando ela se apresenta; mas quando dura, dizem: “Não posso mais”. Todavia, Deus quer que continuemos a carregá-la sem cessar, até a morte. Eis aí portanto em que consiste a salvação e a perfeição; consiste em cumprir estas três palavras: Negue-se, recusemos ao amor próprio o que não lhe convém; tome, abracemos a cruz que Deus nos envia; siga, sigamos as pegadas de Jesus Cristo até a morte.
Devemo-nos, pois, persuadir de que Deus nos conserva no mundo, para que carreguemos as cruzes que nos envia; e é isto o que faz a nossa vida meritória. Porque nosso Salvador nos ama, veio sobre esta terra, não para gozar, mas para sofrer, a fim de que Lhe sigamos as pegadas: Cristo padeceu por nós, deixando-vos exemplo, para que sigais as suas pisadas 24. Contemplemo-lo, a Ele que vai adiante com a Sua cruz, traçando o caminho pelo qual devemos segui-lo, se nos quisermos salvar. Oh, quão grande remédio, dizer a Jesus Cristo em cada aflição: “Senhor, Vós quereis que eu carregue esta cruz; aceito-a e quero sofrê-la até quando quiserdes!”. Assim, e muito mais ainda, o merece Jesus Cristo, que, para nos livrar do Inferno, escolheu uma vida de trabalho e uma morte de dor.
Jesus meu, somente Vós pudestes ensinar-nos estas máxi-mas de salvação, de todo contrárias às máximas do mundo, e somente Vós nos podeis dar a força para carregarmos a cruz com paciência. Não Vos peço que me façais isento dos sofrimentos; peço-vos somente que me deis força para sofrer com paciência e resignação. Pai Eterno, Vosso Filho prometeu em Seu nome: Em verdade, em verdade, vos digo, que, se pedirdes a meu Pai alguma coisa em meu nome, ele vo-la dará 25.
Eis, pois, o que Vos tenho feito, por não ter praticado a pa- ciência nas cruzes que me enviastes. Dai-me o Vosso amor, que me dará força para sofrer tudo por Vós. Privai-me de todas as coisas, de todos os bens terrestres, dos parentes, dos amigos, da saúde do corpo, de todas as consolações; tirai-me ainda a vida, mas não o Vosso amor. Dai-vos a mim, e nada mais Vos peço. Virgem Santíssima, obtende-me para com Jesus Cristo um amor constante até a morte.
Da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo. 26
É tão grande a dignidade de Maria como mãe de Jesus Cristo, que só Deus com a Sua sabedoria infinita a pôde compreender; mas toda a Sua onipotência não pode fazer outra 27 maior. Façamos um ato de viva fé acerca desta divina maternidade; alegremo-nos com a Santíssima Virgem, e aumentemos a nossa confiança nela, porquanto de certo modo nos é devedora de sua altíssima dignidade. 28
Para compreender a altura a que Maria foi sublimada, seria necessário compreender quão sublime é a altura e grandeza de Deus. Bastará dizer que Deus fez a Santíssima Virgem mãe do Seu Filho para ficar entendido que não a pode elevar mais alto do que a elevou. Bem disse Santo Arnaldo Cartotense que Deus, fazendo-se Filho da Virgem, sublimou-a acima de todos os santos e anjos. Ainda que, em verdade, ela seja infinitamente inferior a Deus, ao mesmo tempo está imensa e incomparavelmente acima de todos os espíritos celestiais, como fala Santo Efrém. Por esse motivo diz-lhe Santo Anselmo: “Senhora, não tendes quem vos seja igual, porque tudo quanto há, ou está acima ou abaixo de vós; só Deus vos é superior, e todos os mais vos são inferiores”. (Tractatus de conceptione B. Mariae (PL 159, 307B).))
Em uma palavra, é tão grande a dignidade da Virgem, que, se bem que Deus só com a Sua sabedoria infinita a possa compreender, todavia, no dizer de São Boaventura, com toda a Sua onipotência não pode fazer outra maior 29. Quem considerar isso, deixará de estranhar por que os santos evangelistas, que tão difusamente registram os louvores de um São João Batista, de uma Madalena, tão escassos se mostram em descrever as grandezas de Maria. Tendo dito que desta exímia Virgem nasceu Jesus, não julgaram necessário acrescentar outra coisa; porque neste seu maior privilégio se acham incluídos os demais. Qualquer título que se lhe dê, nunca chegará a honrá-la tanto quanto o de Mãe de Deus.
Façamos um ato de viva fé na maternidade divina de Maria, alegremo-nos com ela, agradeçamos a Deus por ela e protestemos que estamos prontos a dar a nossa vida em defesa desta verdade, como de todas outras que lhe dizem respeito.
Diz Santo Anselmo que é mais pelos pecadores do que pelos justos que Maria foi sublimada a Mãe de Deus; do mesmo modo que Jesus disse de si próprio que veio para chamar, não os justos, mas os pecadores. A divina Mãe tem, pois, uma certa obrigação de socorrer os miseráveis que se lhe recomendam, porquanto é a eles que é, por assim dizer, devedora de sua altíssima dignidade: “Tudo o que possuis, o deveis aos pecadores.”30 Congratulemo-nos, portanto, com Maria, sim; mas congratulemo-nos também com nós mesmos e ponhamos nela toda a nossa esperança.
Ó Mãe de Deus, eis aqui a vossos pés um miserável pecador, que a vós recorre e em vós confia. Não mereço que lanceis sobre mim o vosso olhar; mas sei que, vendo vosso Filho morto para a salvação dos pecadores, tendes um extremo desejo de ajudá-los. Ó Mãe de misericórdia, vede as minhas misérias e tende piedade de mim. Ouço que todos vos chamam refúgio dos pecadores, esperança dos que desesperam: sede também o meu refúgio, a minha esperança, o meu auxílio. Deveis salvar-me com a vossa intercessão. Socorrei-me pelo amor de Jesus Cristo. Estendei a mão a um pobre caído que se recomenda a vós. Sei que é a vossa consolação ajudar um pecador, quando é possível; ajudai-me, pois, já que o podeis fazer. Pelos meus pecados, perdi a graça divina e a minha alma. Entrego-me em vossas mãos; dizei-me o que hei de fazer para de novo entrar na graça do meu Senhor; quero fazê-lo sem demora. Ele me envia a vós, para que me socorrais, quer que eu me refugie na vossa misericórdia a fim de que eu me salve não somente pelos méritos de vosso Filho, como também pelas vossas orações. A vós recorro; e vós rogai por mim. Mostrai como sabeis valer a quem confia em vós. Assim espero, assim seja. Amém. 31
Como João, estando no cárcere, tivesse ouvi- do as obras de Cristo (…). 32
É muito grande a utilidade que nos trazem as tribulações. O Senhor no-las envia para em seguida nos enriquecer com as melhores graças. Considerai, com efeito, que São João Batista, estando encarcerado, chega a conhecer as obras de Cristo, e recebe d’Ele os mais elevados elogios. No tempo das tribulações, em vez de nos lastimarmos, abracemos a cruz com resignação e com ação de graças.
É no tempo das tribulações que Deus enriquece as almas suas prediletas com as graças mais copiosas. Vede São João Batista, que entre as correntes e as angústias do cárcere chega a conhecer as obras de Jesus Cristo, recebe da boca de Jesus os elogios mais honrosos de homem forte, de penitente austero, de maior dos profetas, e é apontado e tido como o Anjo do Senhor, destinado a preparar-lhe o caminho: preparará diante de ti o teu caminho 33. Bem apreciáveis são, portanto, as utilidades que as tribulações nos trazem, e o Senhor no-las envia, não porque nos quer mal, mas porque nos quer bem.
Quem não foi tentado, o que sabe? 34. Quem vive na prosperidade e nunca tem experimentado a adversidade, nada sabe acerca do estado da sua alma e será molestado com muitas tentações de soberba, de vanglória, de cobiça de mais riquezas, de mais honras, de mais prazeres. Ora, de todas estas tentações livram-nos as adversidades, ao mesmo tempo em que nos fazem humildes e contentes no estado em que aprouve ao Senhor colocar-nos. Ademais, elas desvendam-nos os olhos que a prosperidade tinha vendado; e se somos pecadores, não somente reconduzem-nos, como outrora o filho pródigo, aos pés de nosso Pai celestial, como ainda nos farão pagar pelos pecados cometidos muito melhor do que o fariam todas as penitências por nós livremente escolhidas. Eis a razão por que Santo Agostinho repreende o pecador que se lamenta das tribulações enviadas por Deus e lhe diz: “Meu irmão, quem te dera compreender que remédio eficaz são as tribulações para curar as chagas que te feriram os pecados!”.
Se somos justos, as tribulações nos desprendem o coração das coisas da Terra, visto que não achamos nela senão amarguras. Afeiçoam-nos aos bens do Céu, onde se acha a verdadeira felicidade, fazem-nos frequentemente lembrados de Deus e obrigam-nos a recorrer à Sua misericórdia, ao vermos que só Ele pode nos aliviar das nossas misérias. Ademais, as tribulações fazem-nos ganhar grandes tesouros de méritos junto de Deus, fornecendo-nos ocasião para praticar as virtudes que Lhe são mais caras, tais como a humildade, a paciência, a conformidade com a vontade divina, etc.
Numa palavra: são tais e tantas as vantagens das tribulações, que São Tiago chega a chamar bem-aventurado àquele que as sofre com paciência: Bem-aventurado o homem que sofre a provação 35.
Aquele que vive nesta terra em tribulações tem nisso um sinal certo de que é querido de Deus, e tanto mais querido quanto mais graves elas forem. Porque eras aceito a Deus, foi necessário que a tentação te provasse, disse o anjo a Tobias 36. Jesus disse o mesmo mais claramente a Santa Teresa d’Ávila: “Minha filha”, disse-lhe, “as almas mais queridas de meu Pai são aquelas que sofrem padecimentos mais graves”. A santa, pois, animada deste espírito, costumava dizer que não trocaria os seus sofrimentos por todos os tesouros do mundo.
Desse mesmo espírito nós também devemos estar animados, se quisermos um dia chegar ao Paraíso e ser glorificados como santos. Bem longe de nos lamentarmos nas tribulações, abracemo-las dando graças a Deus; aceitemo-las não somente conformando-nos com a vontade divina, mas alegrando-nos por Deus nos tratar como tratou a Jesus Cristo, o Homem de dores 37, e Maria Santíssima, a Rainha dos Mártires. Digamos muitas vezes como Jó: Se aceitamos de Deus a felicidade, não deveríamos também aceitar a infelicidade? 38. Se de boa vontade tenho recebido da mão de Deus os bens, isto é, a prosperidade terrestre; por que não receberei com mais satisfação os males, isto é, as tribulações que me são muito mais vantajosas do que a prosperidade? Faça o Senhor de mim e de tudo o que é meu segundo a sua vontade e seja sempre bendito o Seu santo nome: bendito seja o nome do Senhor 39.
Assim quero fazer, ó meu Deus. Mas Vós, que conheceis o meu nada, confortai-me com a Vossa santa graça, e excitai o meu coração a preparar os caminhos para o Vosso Filho unigênito, a fim de que, pela sua vinda, possa servir-vos pura e sinceramente.“Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo. Doce Coração de Maria, sede minha salvação.” 40
Deus, que é rico em misericórdia, por causa da extrema caridade com que nos amou, também quando mortos estávamos pelos pecados, nos vivificou juntamente com Cristo. 41
Pelas nossas culpas, nós, pobres pecadores, já estávamos todos mortos e condenados ao Inferno. Deus, porém, por causa do imenso amor que tem às nossas almas, quis restituir-nos à vida, enviando à Terra o Seu Filho unigênito para morrer por nós. Pois dizei-me: se Jesus Cristo morreu por amor a nós, não é mais do que justo que nós somente para Ele vivamos, e que Ele seja o único senhor dos nossos corações?
Considera que o pecado é a morte da alma, visto que esse inimigo de Deus nos priva da graça divina, que é a vida da alma. Assim nós, os pobres pecadores, já estávamos todos mortos por nossa culpa e todos condenados ao Inferno. Deus, porém, por causa do imenso amor que tem às nossas almas, quis restituir-nos à vida. Que fez? Enviou à Terra o Seu Filho unigênito a fim de morrer e, com a Sua morte, recuperar-nos a vida. É com razão que o Apóstolo chama esta obra de excesso de amor 41. Com efeito, nunca o homem pudera nutrir esperança de receber a vida de um modo tão amoroso, se Deus não houvera excogitado esse meio de remi-lo.
Estavam mortos todos os homens, e não havia para eles remédio. Mas o Filho de Deus, pelas entranhas de Sua misericórdia, desceu do Céu a restituir-nos à vida. É exatamente por isso que o Apóstolo chama Jesus Cristo nossa vida 42. Eis que o nosso Redentor, já encarnado e feito menino, nos diz: Eu vim para eles terem vida, e para a terem em maior abundância 43. Jesus veio e escolheu a morte para Si, a fim de nos dar a vida. É, pois, justo que vivamos unicamente para um Deus que se dignou de morrer por nós. É justo que o único senhor de nosso coração seja Jesus Cristo, porquanto deu o Seu Sangue e a Sua vida para ganhá-lo. Ó meu Deus, quem será tão ingrato e tão desgraçado que, sabendo pela fé que um Deus morreu para lhe granjear o amor, se recuse a amá-lo e, renunciando à amizade divina, queira fazer-se, por sua livre vontade, escravo do Inferno?
Ó meu Jesus, se Vós não tivésseis aceitado e padecido a morte por mim, teria eu ficado morto no meu pecado, sem esperança de me salvar e de poder amar-vos. Mesmo depois que com a Vossa morte me obtivestes a vida, eu muitas vezes tenho tornado a perdê-la voluntariamente pelos meus pecados. Morrestes para Vos assenhoreardes do meu coração, e eu, rebelando-me contra Vós, escravizei-o ao demônio. Tenho-vos desrespeitado e dito que não Vos queria para meu Senhor. Tudo isso é verdade, mas é também verdade que não quereis a morte do pecador, mas que se converta e viva, e Vós morrestes a fim de nos dardes a vida.
Amado Redentor meu, pesa-me de Vos ter ofendido; perdoai-me pelos merecimentos de Vossa Paixão. Dai-me a Vossa graça; dai-me aquela vida que me adquiristes com a Vossa morte, e de hoje em diante reinai como supremo senhor em meu coração. Não, não quero mais que seu senhor seja o demônio, que não é meu Deus, que não me ama e nada tem padecido por mim. Em tempos passados foi ele, não o verdadeiro senhor da minha alma, senão o injusto possuidor. Vós só, Jesus meu, sois o meu verdadeiro Senhor, Vós que me haveis criado e remido com o Vosso Sangue; Vós só me haveis amado e amado tanto. É justo que eu seja unicamente Vosso no tempo de vida que me resta. Dizei-me o que quereis que eu faça, pois que eu quero fazê-lo. Castigai-me como quiserdes: aceito tudo. Poupai-me somente o castigo de ter de viver sem o Vosso amor; fazei com que Vos ame, e depois disponde de mim segundo a Vossa vontade.
Maria Santíssima, meu refúgio e minha consolação, recomendai-me a vosso Filho; a Sua morte e a vossa intercessão são a minha única esperança.
Tirar-lhes-ás o espírito, e deixarão de ser, e tornar-se-ão no seu pó. 44
Imaginemos que estamos vendo uma pessoa que acaba de expirar. Contemplemos nesse cadáver a cabeça pendida sobre o peito, o cabelo desgrenhado, os olhos encovados, as faces descarnadas, o rosto cinzento, a língua e os lábios cor de ferro, o corpo frio e pesado. Quantas pessoas, à vista de um parente ou de um amigo morto, não mudaram de vida e deixaram o mundo?
Imagina que estás vendo uma pessoa que acaba de exalar o último suspiro. Contempla esse cadáver deitado ainda no leito, a cabeça caída sobre o peito, o cabelo desgrenhado, banhado ainda no suor da morte, os olhos encavados, as faces descarnadas, o rosto cinzento, a língua e os lábios cor de ferro, o corpo todo frio e pesado. Empalidece e treme quem quer que o veja. Quantas pessoas, à vista de um parente ou amigo defunto, não mudaram de vida e deixaram o mundo? Mais horror ainda inspira o cadáver quando começa a corromper-se. Não se passaram bem vinte e quatro horas que esse moço morreu, e já o mau cheiro se faz sentir. É preciso abrir as janelas e queimar bastante incenso; é preciso cuidar que em breve seja levado à igreja e posto debaixo da terra, para que não infeccione a casa toda.
Eis aí em que se tornou esse moço orgulhoso, esse dissoluto! Ainda há pouco acolhido e desejado nas sociedades, e agora feito objeto de horror e de abominação para quem o vê! Os parentes anseiam por fazê-lo levar para fora da casa e pagam aos coveiros para que o levem encerrado num caixão e o entreguem à sepultura. Outrora gabavam-se o espírito, a beleza, o trato fino e os bons ditos; mas pouco depois de sua morte perde-se a memória de tudo isso: A memória deles pereceu com ruído 45.
Ao ouvirem a notícia de sua morte, uns dizem que era homem honrado, outros que deixou os negócios em bom estado; uns lamentam-se, porque o defunto era-lhes útil; outros regozijam-se, porque a morte dele lhes traz proveito. Por fim, dentro em breve, já ninguém falará dele. Desde os primeiros dias, os parentes mais chegados não querem ouvir falar dele a fim de não se lhes avivar a saudade. Nas visitas de pêsames, trata-se de outros assuntos, e se alguém porventura fala do defunto, logo os parentes atalham: “Por favor, não pronuncia mais o seu nome”. E, entretanto, onde é que estará a alma daquele infeliz?
Pensai que, assim como vós fizestes na morte de vossos amigos, assim os outros farão para convosco. Os vivos aparecerão por sua vez na cena, ocupando os bens e os lugares dos mortos, e destes já não se faz ou quase não se faz caso ou menção. Os parentes afligir-se-ão ao princípio por alguns dias, mas depressa consolar-se-ão com a parte da herança que lhes couber, de tal sorte que dentro em breve até se regozijarão de vossa morte. No mesmo quarto onde exalastes a alma, e onde fostes julgado por Jesus Cristo, se jogará e se rirá como antigamente. E a vossa alma, onde estará então?
Ó Jesus, Redentor meu, agradeço-vos por não me terdes deixado morrer quando estava em desgraça convosco.
Há quantos anos não merecia estar no Inferno! Se eu tivesse morrido em tal dia, em tal noite, que seria de mim por toda a eternidade? Senhor, eu Vos agradeço e não quero mais resistir às Vossas chamadas. Quem sabe se as palavras que acabo de ler não são para mim o Vosso último convite! Confesso que não mereço misericórdia: tantas vezes me tendes perdoado e eu, ingrato, tenho tornado a ofender-vos. Mas já que não sabeis desprezar um coração que se humilha e se arrepende, eis aqui um traidor que a Vós recorre arrependido. Por piedade, não me afasteis. Verdade que é que Vos ultrajei mais que muitos outros, pois que, mais que muitos outros fui favorecido por Vós com luzes e graças, porém o sangue que derramastes por mim anima-me e oferece-me o perdão, se eu me arrepender. Sim, meu Bem supremo, arrependo-me de toda a minha alma de Vos ter desprezado. Perdoai-me a dai-me a graça de Vos amar para o futuro. Já demasiadamente Vos ofendi. Não quero empregar a vida que ainda me resta a ofender-vos, que- ro empregá-la a chorar sempre os desgostos que Vos dei, e a amar-vos de todo o meu coração. Ó Maria, esperança minha, rogai a Jesus por mim.
Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós. 46
A salvação ou a condenação de todos os homens não aumenta nem diminui em nada a felicidade do Filho de Deus, que é a bem-aventurança mesma. Todavia, Ele tem feito e padecido tanto por nós que, se a Sua beatitude dependesse da nossa, não teria podido padecer e fazer mais. Quão grande não deve ser, pois, nosso amor para com Jesus Cristo? E quão grande a nossa confiança de obtermos, pelos Seus merecimentos, todas as graças que desejemos!
Considera que o Verbo Eterno é o Deus infinitamente feliz em Si mesmo, de tal sorte que a Sua felicidade não pode ser aumentada. Nem mesmo a salvação ou a condenação de todos os homens podem acrescentar-lhe ou diminuir-lhe alguma coisa. Contudo, para nos salvar a nós, vermes miseráveis, Ele tem feito e padecido tanto que, se a Sua beatitude, no dizer de S. Tomás, tivesse sido dependente da do homem, não poderia fazer nem padecer mais. Com efeito, se Jesus Cristo não pudesse ser feliz sem a nossa redenção, como poderia humilhar-se mais do que Se humilhou, tomando sobre Si todas as nossas enfermidades, as humilhações da infância, as misérias da vida humana e uma morte tão desapiedada e ignominiosa? Só um Deus seria capaz de amar-nos tão excessivamente a nós míseros pecadores, tão indignos de sermos amados.
Diz um piedoso escritor: “Se Jesus Cristo nos tivesse permitido pedir-lhe a maior prova de seu amor, quem jamais se atreveria a pedir-lhe que se fizesse homem como nós, que se sujeitasse a todas as nossas misérias; ainda mais, que se fizesse de todos os homens o mais pobre, o mais desprezado, o mais maltratado, até morrer por mão do algoz e à força de tormentos num patíbulo infame, amaldiçoado e abando- nado de todos, mesmo de Seu próprio Pai, que desamparou o Filho, para não nos abandonar a nós em nossa perdição? Mas o que nós nem ousáramos conceber em pensamentos, o Filho de Deus o excogitou e realizou”. Desde o berço, o divino Menino Se ofereceu por nós aos trabalhos, aos opróbrios e à morte: Ele nos amou e se entregou a si mesmo por nós. Sim, Jesus nos amou, e por amor Se nos deu a Si mesmo, a fim de que, oferecendo-se ao Pai como vítima, em expiação de nossos delitos, possamos, em vista de Seus méritos, obter da divina bondade todas as graças que desejarmos. Esta vítima agrada mais ao Pai do que se Lhe fosse oferecida a vida de todos os homens e de todos os anjos. Ofereçamos, portanto, sempre a Deus os merecimentos de Jesus Cristo, e por eles busquemos e esperemos todo o bem.
Ó meu Jesus, eu seria por demais injusto para com a Vossa misericórdia e o Vosso amor, se, depois de me haverdes dado tantas provas do afeto que me tendes e do Vosso desejo de me salvar, eu desconfiasse de Vossa misericórdia e de Vosso amor. Meu amado Redentor, eu sou um pobre pecador, mas Vós assegurais que viestes para curar os enfermos. Eu sou um réprobo por causa de meus pecados, mas Vós viestes para salvar o que estava perdido 47. Que poderei, pois, temer, se quiser emendar-me e ser Vosso?
Só devo ter medo de mim mesmo e da minha fraqueza; mas a minha fraqueza e pobreza devem aumentar a minha confiança em Vós, que Vos gloriais de ser o refúgio dos pobres e prometestes atender a todos os seus desejos: O Senhor ouviu os desejos dos pobres 48). Eis a graça que Vos peço, ó meu Jesus, dai-me confiança em Vossos merecimentos, e fazei com que sempre me recomende a Deus pelos Vossos méritos. Pai Eterno, pelo amor de Jesus Cristo, livrai-me do Inferno e em primeiro lugar do pecado. Pelos méritos desse Vosso Filho, dai-me luz para conhecer a Vossa vontade; dai-me força contra as tentações; dai-me o dom do Vosso santo amor. Sobretudo suplico-vos a graça de sempre pedir que me ajudeis pelo amor de Jesus Cristo, que prometeu que haveis de conceder tudo quanto se pedir àqueles que Vos pedirem em seu nome. Se perseverar em pedir assim, serei salvo; se não o fizer, serei com certeza condenado.
Maria Santíssima, impetrai-me a grandíssima graça da oração, da perseverança em recomendar-me sempre a Deus e a vós, visto que obtendes de Deus tudo quanto quiserdes.
O homem de dores e experimentado nos trabalhos. 37
O primeiro Adão gozou durante algum tempo as delícias do paraíso terrestre; mas o segundo Adão, Jesus Cristo, não teve nem sequer um instante em Sua vida que não fosse cheio de aflições e agonias, porquanto desde o começo afligiu-o a dolorosa previsão de todas as penas e ignomínias que deveria padecer e, particularmente, a previsão da ingratidão que os homens Lhe dispensariam. Oh, céus! Nós também temos contribuído para contristar esse amabilíssimo coração.
O profeta Isaías chama a Jesus Cristo o homem de dores. E com razão, porquanto a natureza humana de Jesus foi criada expressamente para padecer, e, assim, desde o berço começou a sofrer as maiores dores, que os homens jamais têm sofrido. Para o primeiro homem, Adão, houve um tempo em que gozava as delícias do paraíso terrestre; mas o segundo Adão, Jesus Cristo, não teve nem sequer um instante de vida que não fosse cheio de aflições e agonias. Desde o berço afligiu-o a dolorosa previsão de todas as penas e ignomínias que deveria padecer no correr de Sua vida e particularmente na hora de Sua morte, quando deveria terminar a vida como que submergido num oceano de dores e de opróbrios, assim como o predisse Davi: Cheguei ao alto mar e a tempestade me submergiu 49.
Desde o seio de Maria, Jesus Cristo aceitou obediente a ordem de Seu Pai acerca da Sua Paixão e morte. De sorte que, já antes de nascer, previu os açoites e apresentou Seu corpo para recebê-los; previu os espinhos e apresentou-lhes a cabeça; previu as bofetadas e apresentou-lhes as faces; previu os cravos e apresentou-lhes as mãos e os pés; previu a cruz e apresentou a Sua vida. Daí é que o nosso Redentor, desde a primeira infância e a cada instante da Sua vida, padeceu um contínuo martírio, e a cada instante oferecia esse martírio por nós ao Pai Eterno.
Mas o que mais O atormentou foi a vista dos pecados que os homens haviam de cometer, mesmo depois da Sua tão dolorosa Redenção. Na luz divina, conhecia Jesus perfeitamente a malícia de cada pecado e veio ao mundo exatamente para tirar os pecados; porém, ao ver em seguida o número tão grande de pecados que ainda seriam cometidos, a angústia que o Coração de Jesus sofreu foi maior do que a que têm sofrido ou ainda sofrerão todos os homens da Terra.
Meu doce Redentor, quando é que começarei a ser grato para com Vossa bondade infinita? Quando começarei a reconhecer o amor que me tendes consagrado, e as penas que tendes sofrido por minha causa? Nos tempos passados, em vez de amor e de gratidão, paguei-vos com ofensas e desprezos. Deverei continuar a viver sempre tão ingrato para convosco, meu Deus, que nada poupastes para adquirir para Vós o meu amor? Não, Jesus meu, não há de ser assim. Nos dias de vida que ainda me restam, quero ser-vos grato; e Vós mesmo deveis ajudar-me nisso. Se Vos tenho ofendido, as Vossas penas, a Vossa morte, são a minha esperança. Prometestes perdoar a quem se arrepende. Arrependo-me de todo o meu coração de Vos ter desprezado. Cumpri a Vossa promessa, amor meu, e perdoai-me.
Ó meu caro Menino, contemplo-vos nessa manjedoura como que já pregado na cruz, visto que esta Vos está presente e Vós a aceitais por mim. Ó Menino crucificado – assim quero chamar-vos – eu Vos agradeço e Vos amo. Deitado sobre essa palha, padecendo por mim e preparando-vos para morrer por amor de mim, Vós mandais e me convidais a amar-vos: Amarás ao Senhor teu Deus 50. Não desejo outra coisa senão amar-vos. Já que quereis ser amado por mim, dai-me todo esse amor que pedis. O amor para convosco é um dom Vosso, e o dom mais precioso que podeis conferir a uma alma. Aceitai, ó meu Jesus, o amor de quem, pecando tantas vezes, Vos tem ofendido. Vós baixastes do Céu para buscar as ovelhas perdidas: buscai-me, pois, a mim, que eu não busco senão a Vós. Vós quereis a minha alma, e a minha alma não quer senão a Vós. Vós amais a quem Vos ama, segundo a vossa palavra: Eu amo a quem me ama 51. Eu Vos amo, amai-me também Vós; e se me amais, prendei-me ao Vosso amor, mas prendei-me de tal maneira que eu não possa mais separar-me de Vós.
Maria, minha Mãe, ajudai-me. Seja uma nova glória para vós verdes vosso Filho amado por um miserável pecador, que em outros tempos tanto o tem ofendido.
É a árvore de vida para aqueles que lançarem mão dela; e é bem-aventurado quem a não largar. 52
Se quisermos salvar-nos, é mister que nos resolvamos a carregar com paciência a cruz que Deus nos manda, e morrer nela por amor de Jesus Cristo, assim como Ele morreu na cruz por amor a nós. É esse também o meio para acharmos a paz nos sofrimentos. Quem recusa aceitar a cruz, de ordinário aumenta-lhe o peso; ao passo que quem a abraça e carrega com paciência, tira-lhe o peso e converte-a em consolação.
Na cruz acha-se a nossa salvação, a nossa força contra as tentações, o desapego dos prazeres terrenos; na cruz, em suma, acha-se o verdadeiro amor de Deus. Mister é, pois, que nos resolvamos a carregar com paciência a cruz que Deus nos envia, e a morrer nela por amor de Jesus Cristo, que morreu na Sua por amor a nós. Não há outro caminho por onde se entre no Céu, senão o da resignação nas tribulações até a morte. O meio para acharmos a paz nos próprios padecimentos, é a uniformidade com a vontade divina. Se não usarmos deste meio, dirijamo-nos aonde quisermos, façamos quanto pudermos, mas não conseguiremos subtrair-nos ao peso da cruz. Ao contrário, se a carregarmos de boa vontade, a cruz nos levará ao Céu, e nos dará a paz nesta terra.
O que faz quem rejeita a cruz? Aumenta-lhe o peso. Mas quem a abraça e carrega com paciência, alivia-a e converte-a em doçura. Deus é profundo com todos aqueles que de boa vontade carregam a cruz para Lhe agradarem. O padecimento não apraz a nossa natureza; porém, quando o amor divino reina num coração, fá-lo aceitável. Ah! Se considerássemos bem o estado de felicidade que gozaremos no Paraíso, se fôssemos fiéis a Deus em sofrermos sem lamentos os trabalhos da vida, decerto não nos queixaríamos de Deus, que nos envia cruzes. Antes havíamos de lhas agradecer, e até havíamos de pedir mais sofrimentos ainda. Se somos pecadores, devemo-nos consolar nas tribulações que vierem, e pensar que Deus nos castiga na vida presente porque é isso sinal certo de que Ele quer livrar-nos do castigo eterno. Ai do pecador que goza de prosperidade na Terra! Quem tiver de sofrer alguma grave tribulação, lance um olhar ao Inferno merecido, e toda a pena se lhe afigurará leve.
Se quisermos ser santos, devemos transformar o nosso gosto. Enquanto não chegarmos a achar doce o que é amargoso, e amargoso o que é doce, nunca nos poderemos unir perfeitamente com Deus. Toda a nossa segurança e perfeição está em sofrermos com resignação todas as contrariedades que nos vierem cada dia, e em sofremo-las para agrado de Deus, o que constitui o fim principal e mais nobre que podemos ter em vista em todas as nossas obras.
Portanto, ofereçamo-nos sempre a Deus, prontos a carregar toda a cruz que nos queira enviar. Conservemos-nos sempre preparados para sofrer por Seu amor todo o trabalho, a fim de que, quando nos venha algum, estejamos prontos a abraçá-lo. Quando se nos afigurar mais duro o peso da cruz, recorramos logo à oração, para que Deus nos dê força para a carregarmos com merecimento. Avivemos então, mais do que nunca, a nossa fé, e lancemos um olhar sobre Jesus crucificado, que está agonizando na cruz por amor a nós. Lancemos também um olhar para o céu e lembremo-nos do que diz São Paulo, a saber, que toda a tribulação terrestre, por mais dura que seja, não está em proporção com a glória que Deus nos prepara na vida. 53
Ó meu Jesus, quanto consolo me dá a Vossa Palavra: Convertei-vos a mim, e eu me converterei a vós 8. Eu Vos deixei por amor às criaturas e às minhas míseras satisfações; mas agora que deixo tudo e me converto a Vós, estou certo de que não me repelireis, uma vez que Vos quero amar. Recebei-me na Vossa graça e fazei-me conhecer o grande bem que sois e o amor que me tendes, a fim de que nunca mais me aparte de Vós. Jesus meu, perdoai-me os desgostos que Vos tenho dado, fazei que Vos ame sempre e nada mais quero.
Ó Maria, recomendai-me a vosso Filho; ele vos concede quanto lhe pedis; em vós confio.
A paciência vos é necessária, a fim de que fazendo a vontade de Deus alcanceis a promessa. 54
Deu-nos Deus a Santíssima Virgem, como exemplar de todas as virtudes, mas especialmente da paciência. Semelhante à rosa, ela cresceu e viveu sempre entre os espinhos das tribulações. Se, portanto, quisermos ser filhos desta Mãe, devemos procurar imitá-la, abraçando com resignação as cruzes; e não somente as que nos vierem diretamente de Deus, mas também as que nos vierem por parte dos homens, tais como sejam as perseguições e os desprezos.
Sendo esta terra um lugar de merecimentos, chama-se com razão vale de lágrimas 55. Todos somos aqui postos para padecer, e fazer, por meio da paciência, aquisição de nossas almas para a vida eterna, como já disse o Senhor: Na paciência possuireis as vossas almas (Lc 21,19). Deus nos deu a Virgem Maria por exemplar de todas as virtudes, mas especialmente da paciência. Entre outras coisas, pondera São Francisco de Sales que foi exatamente para este fim que, nas bodas de Caná, Jesus Cristo deu à Santíssima Virgem aquela resposta, como mostrando estimar pouco as suas súplicas: Que há entre mim e ti, mulher? 56. Foi exatamente para nos dar o exemplo da paciência da Sua santa Mãe.
Porém, que andamos excogitando? Toda a vida de Maria foi um exercício contínuo de paciência; porquanto, como o anjo revelou a Santa Brígida, a Santíssima Virgem, semelhante à rosa, cresceu e viveu sempre entre os espinhos das tribulações. Só a compaixão das penas do Redentor foi suficiente para fazê-la mártir de paciência, razão porque disse São Bernardino de Siena: “A Crucificada concebeu o Crucificado”.57 E o quanto ela sofreu, tanto na viagem ao Egito e na demora ali, como durante todo o tempo em que viveu com o Filho na oficina de Nazaré, não cansemos de apreciá-lo dignamente. Porém, deixando todo o mais de lado, não basta porventura só a companhia que Maria fez a Jesus moribundo no Calvário, para fazer conhecer quão constante e sublime foi a sua paciência? Ao pé da cruz de Jesus estava a sua Mãe 58. No dizer de Santo Alberto Magno, precisamente pelo merecimento desta sua paciência foi ela feita nossa Mãe, que, compadecendo com seu Filho, nos gerou à vida da graça.
Se desejamos ser filhos de Maria, é preciso que procuremos imitá-la na paciência, suportando em paz tanto as cruzes que nos vierem diretamente de Deus – isto é, a pobreza, as des- consolações espirituais, a enfermidade e a morte – como também as que nos vierem da parte dos homens – perseguições, desprezos, injúrias e seduções. São Gregório, ao explicar o seguinte trecho de Oseias: Fecharei o teu caminho com espinhos 59, diz que, assim como a sebe de espinhos guarda a vinha, assim também Deus cerca de tribulações os Seus servos, para que se não afeiçoem ao mundo. De modo que, conclui São Cipriano, a paciência é a virtude que nos livra do pecado e do Inferno, e nos enriquece com merecimentos na vida presente e com glória na outra. É a paciência que faz os santos, como diz São Tiago: Mas é preciso que a paciência efetue a sua obra, a fim de serdes perfeitos e íntegros, sem fraqueza alguma 60.
Por esta razão, São João viu todos os santos com palmas (símbolo do martírio) nas mãos 61; o que significa que todos os adultos que se salvam devem ser mártires – seja de sangue, seja de paciência. “Alegremo-nos, pois”, exclama São Gregório, “se sofremos com paciência as penas desta vida; podemos ser mártires, sem o ferro dos algozes.” Oh, quanto nos aproveitará no Céu cada pena sofrida por amor de Deus! Se alguma vez o peso da cruz se nos afigurar demasiadamente duro, recorramos a Maria, que é chamada a medicina dos corações angustiados e a consoladora dos aflitos.
Ah, Senhora minha suavíssima! Padecestes inocente com tanta paciência, e eu, réu do Inferno, recusarei padecer? Minha Mãe, peço-vos hoje esta graça, não de ficar livre de cruzes, mas de suportá-las com paciência. Por amor de Jesus vos peço que sem tardar me alcanceis de Deus esta graça; de vós a espero.
Eu sou a voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, assim como o disse o profeta Isaías. 62
À imitação de São João Batista, procuremos sempre, ao falar de nós mesmos ou sobre as coisas que nos dizem respeito, abaixar-nos e nunca nos exaltarmos acima dos outros. Quem se abaixa, nunca saíra prejudicado; mas, por pouco que alguém se exalte acima do que é, pode causar-se grande dano. Além disso, é sabido de todos que os louvores em boca própria não trazem honra, senão desprezo.
O Evangelho de hoje 63, como diz São Gregório, faz ressaltar claramente a humildade do Batista. Muito embora estivesse adornado de tais e tantas virtudes, como se pudesse ser ele o Messias prometido, não somente recusou terminantemente esse nome, dizendo: Eu não sou o Cristo 64, como ainda mais, protestou não ser digno nem sequer de desatar os cordões das sandálias do Redentor 65.
Constrangido, pois, a dar informações acerca de si próprio, cala a nobreza de seus pais, a dignidade sacerdotal, e apenas revela o que é indispensavelmente necessário, a saber, o seu ofício de Precursor de Jesus Cristo: Eu sou a voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor 62.
nte desejas agradar a Deus e, assim, preparar-te para fazer o divino Menino em teu coração. Evita de dizer qualquer palavra de louvor próprio, tanto acerca da tua conduta, dos teus talentos e exercícios de virtudes, como acerca da tua família, enaltecendo a nobreza, as riquezas, o parentesco. Em uma palavra, no falar do que te diz respeito ou de ti mesmo, procura sempre, à imitação do Batista, abaixar-te e nunca te exaltares acima dos outros. Fala antes do mal do que o bem; descobre antes os teus defeitos, do que as ações que talvez tenham aparência de virtudes. Abaixando-te, nunca te prejudicarás; mas, como diz São Bernardo, por pouco que te exaltes acima do que és na verdade, podes causar-te grande mal. Além disso é bem conhecido o adágio comum: “Louvor em boca própria é vitupério”.
Ademais, melhor será que nas conversações não fales absolutamente de ti próprio, nem para bem, nem para mal, considerando-te como pessoa tão vil, que nem sequer mereça ser mencionada. Quantas vezes não sucede que, contando coisas mesmo para a nossa própria confusão, insinue-se alguma oculta e fina soberba e que, interiormente, desejemos ser elogiados ou ao menos ser tidos por humildes e virtuosos?
Se, por acaso, sem culpa tua, te louvarem, procura então haver-te assim como se houveram os santos e nos ensinaram. Quer dizer: lança uma vista sobre tantos defeitos teus; confunde-te interiormente por não possuíres os méritos que te atribuem. Treme pensando que talvez a estima dos homens não seja a maior desgraça que te pode suceder, porquanto, pela vã complacência, pode te fazer perder todos os merecimentos que porventura tenhas adquirido perante Deus. Ademais, pode infectar-te o coração, fomentando-te o orgulho e, assim, ser a causa de tua queda e eterna condenação. Por isso, diz São Franciso de Sales que os louvores são um veneno doce e desapercebido, que mais de uma vez têm dado a morte à virtude e à piedade dos mais santos e piedosos. Sobretudo, quando perceberes que te elogiam, olha para Jesus Crucificado, que, por amor a ti, longe de buscar os louvores, preferiu ser o homem mais desprezado, ou, antes, o mais abjeto entre todos os homens: escória da humanidade 37.
Ó meu Jesus, envergonho-me de comparecer na Vossa presença! Vós, embora inocente, fostes por amor a mim cumulado de ignomínias, e eu, pecador, tão ávido sou de louvores e honras! Ah, meu Deus, como me vejo desigual a Vós! Isso me faz temer pela minha salvação eterna, visto que os predestinados Vos devem ser achados conformes. Mas não quero perder a confiança em Vossa misericórdia; Vós mesmo me deveis mudar. Amo-vos, Bondade infinita; arrependo-me dos desgostos que Vos tenho causado com o meu orgulho, e proponho sofrer por Vosso amor qualquer desprezo, qualquer injúria que me for feita. Vós, ó Senhor, inclinai os Vossos ouvidos às minhas súplicas e ilustrai as trevas do meu espírito com a graça de Vossa visita. Dai-me força para guardar fielmente o meu propósito. Quero sempre dizer-vos: “Ó Jesus, manso e humilde de coração, fazei o meu coração semelhante ao vosso”66. Ajudai-me também vós, ó Maria, a mais humilde de todas as criaturas.
O meu servo justo justificará muitos, e tomará sobre si as iniquidades deles. 67
Jesus Cristo quis não somente tomar a aparência de pecador, senão ainda tomar sobre Si todos os pecados dos homens e satisfazer por eles, como se fossem os Seus próprios. Desde criança, viu em particular todos os pecados de cada um de nós, e aquela vista Lhe cruciou a alma muito mais do que em seguida a crucifixão e a morte Lhe cruciaram o corpo. Eis aí a bela maneira como recompensamos o amor de nosso divino Salvador…
Considera que o Verbo Divino, fazendo-se homem, não somente quis tomar a aparência de pecador, como ainda tomar sobre Si todos os pecados dos homens e prestar contas por eles, como se fossem os Seus próprios: Tomará sobre si as iniquidades deles. E acrescenta Cornélio à Lápide 68: “…como se Ele mesmo as tivesse cometido”. Consideremos aqui como o Coração de Jesus Menino, já então carregado de todos os pecados do mundo, devia sentir-se oprimido e angustiado, vendo que a justiça divina exigia d’Ele plena satisfação. Ele conhecia bem a malícia de cada pecado, porquanto na luz da Divindade que sempre O acompanhava conhecia imensamente melhor do que todos os homens e todos os anjos a bondade infinita de Seu Pai, e o Seu infinito direito a ser respeitado e amado. E via diante de Si, como que em longas fileiras, uma multidão inumerável de pecados, a serem cometidos por aqueles mesmos homens pelos quais deveria padecer e morrer.
Uma só vez o Senhor deixou ver Santa Catarina de Gênova a fealdade de um único pecado venial. Foi tão grande o espanto e a dor da santa, que caiu sem sentidos por terra. Ora, qual não deve ter sido a aflição de Jesus Menino, quando, no mesmo instante em que baixou à terra, viu posta diante de Si a multidão imensa de todos os delitos humanos pelos quais deveria pagar! Então, viu em particular todos os pecados de cada um de nós. Diz o Cardeal Hugo que “os algozes o fizeram padecer exteriormente, crucificando-o; mas nós, interiormente, cometendo o pecado”. Quer dizer que cada pecado nosso afligiu mais a alma de Jesus Cristo do que a crucificação e a morte Lhe afligiram o corpo. Eis aí a bela maneira por que cada um que tem lembrança de haver ofendido o Salvador com pecados mortais, lhe recompensou o divino amor…
Meu amado Jesus, já que Vos tenho ofendido, sou indigno de receber graças; mas pelos merecimentos das dores que padecestes e oferecestes a Deus, ao ver todos os meus pecados, e em satisfazer por eles à divina justiça, concedei-me um raio da luz com a qual Vós conhecestes a malícia, e uma parte da abominação com que Vós então a detestastes. Será, pois, verdade, ó meu amável Salvador, que eu, desde que nascestes e em cada momento da Vossa vida, tenha sido o algoz de Vosso Coração, e algoz mais cruel do que aqueles que Vos crucificaram? E essa dor tê-la-ei renovado e aumentado todas as vezes que tornei a ofender-vos. Ó, Senhor, Vós já morrestes para me salvar; porém, para minha salvação não basta a Vossa morte, se de minha parte não deteste, mais do que qualquer outro mal, as ofensas que Vos tenho feito e não me arrependa delas com sincera dor. Vós mesmo deveis dar-me essa dor, e Vós a concedeis a quem a pede. Pelos merecimentos de todas as penas que padecestes em terra, eu Vos peço: dai-me a dor de meus pecados, mas uma dor que seja proporcional à minha maldade. Ajudai-me, ó Senhor, a fazer o ato de contrição que agora quero fazer.
Ó Deus eterno, supremo e infinito Bem, eu, verme miserável, tive ânimo de desrespeitar-vos e de desprezar a Vossa graça. Mais do que todos os outros males, detesto e odeio as injúrias que Vos tenho feito; delas me arrependo de todo o coração, não tanto por causa do Inferno merecido, como por ter ofendido a Vossa bondade infinita. Espero, pelos merecimentos de Jesus Cristo, obter o perdão; e com o perdão espero também obter a graça de Vos amar. Amo-vos, ó Deus, digno de um amor infinito, e sempre quero dizer-vos: eu Vos amo, eu Vos amo. Como a Vossa Santa Catarina de Gênova, ao contemplar-vos crucificado, também eu, prostrado agora a Vossos pés, quero dizer-vos: Meu Senhor, nenhum pecado mais, nenhum pecado mais. Não, Vós, ó Jesus, não mereceis ser ofendido: mereceis somente ser amado. Redentor meu, ajudai-me.
Maria, minha Mãe, valei-me; não vos peço outra coisa, senão que eu viva amando a Deus na vida que ainda me resta.
Serão atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos. (Ap 20,10)
Consideremos que o Inferno é o mais tristes dos cárceres, no qual se sofrem todas as penas, e todas elas eternamente. De sorte que passarão cem anos, passarão mil, e o Inferno apenas terá começado. Passarão cem mil séculos, passarão cem milhões, e o Inferno estará ainda no seu princípio. Ora, esse Inferno nos está também preparado, se não nos aplicarmos ao serviço de Deus, se O ofendermos pelo pecado. Quantos dentre os que, como nós, meditaram nesse horroroso cárcere, estão agora nele queimando para sempre!
Considera que o Inferno não tem fim; sofre-se nele todas as penas, e todas elas eternamente. De sorte que passarão cem anos de sofrimentos, passarão mil, e o Inferno terá apenas começado. Passarão cem mil, cem milhões, mil milhões de anos e de séculos, e o inferno estará ainda no seu princípio. Se um anjo fosse nesta hora dizer a um réprobo que Deus quer livrá-lo do Inferno, mas quando? Quando tiverem passado tantos milhões de séculos quantas são as gotas de água, as folhas das árvores, e os grãos de areia que existem no oceano e na Terra, vós havereis de ficar pasmos; porém, a verdade é que aquele réprobo sentiria mais alegria com tal notícia do que vós se vos dessem a notícia de haverdes sido eleito rei de um grande reino. Sim, porque o réprobo diria consigo: “É verdade que devem passar tantos séculos, mas chegará o dia em que terminarão”. Porém, os séculos hão de passar, e o Inferno estará no seu princípio; suceder-se-á tantas vezes igual número de séculos quantos são os grãos de areia, as gotas de água, as folhas das árvores, e ainda o Inferno estará no seu princípio. Cada réprobo de boa vontade proporia a Deus esta condição: “Senhor, aumenta as minhas penas tanto quanto Vos aprouver; prolongai-as tanto quanto for da Vossa vontade, mas pondera-lhe um termo qualquer dia e ficarei contente”. Mas não, esse fim nunca chegará.
Se o pobre réprobo pudesse ao menos iludir-se e consolar-se dizendo: “Quem sabe? Talvez um dia Deus se apiede de mim e me livre do Inferno!”. Mas não, o desgraçado réprobo terá incessantemente diante da vista a sentença de sua condenação eterna, e dirá: “Todas as penas que agora estou sofrendo, o fogo, os lamentos, nunca mais terão fim! Nunca! E quanto tempo durarão? Sempre, sempre! Oh, nunca! Oh, sempre! Oh, eternidade! Oh, inferno! Como?! Os homens o creem e pecam e continuam a viver no pecado?!”.
Irmão meu, põe sentido; lembra-te de que o Inferno é também para ti, se cometeres o pecado. Já está ardendo essa fornalha horrorosa debaixo de teus pés, e, no momento em que estás lendo isto, quantas almas caem nela? Lembra-te de que, se uma vez caíres ali, nunca mais poderás sair. Se alguma vez mereceste o Inferno, dá graças a Deus por não te ter lançado nele. Procura o mais depressa possível reparar o mal feito, chora os teus pecados e emprega os meios mais aptos para a tua salvação. Confessa-te o quanto antes, lê cada dia um pouco um livro espiritual; pratica a devoção a Maria Santíssima recitando cada dia o Terço e jejuando cada sábado: resiste às tentações, chamando logo por Jesus e Maria: foge das ocasiões do pecado, e se Deus te chamar para deixares o mundo, faze-o, obedece. Tudo quanto se fizer para livrar-se de uma eternidade de penas é pouco, é nada: “Nenhuma cautela é demasiada, quando é a eternidade que está em jogo”, como diz S. Bernardo. Quantos eremitas foram viver em grutas, nos desertos, a fim de fugir do Inferno! E tu, o que fazes depois de tê-lo merecido tantas vezes? Que fazes? Que fazes? Vê que te condenas. Entrega-te a Deus e dize-lhe:
“Eis-me aqui, ó Senhor meu: quero fazer tudo quanto me pedirdes. Graça Vos dou por me terdes suportado até hoje com tanta paciência; agradeço-vos as luzes que agora me destes, fazendo-me ver a minha insensatez, e o mal que fiz ultrajando-vos com tão numerosos pecados. Ah! Jesus, doce Salvador meu, detesto-os e arrependo-me de toda a minha alma. Amo-vos sobre todas as coisas. Vós não me condenastes ao Inferno, a fim de que eu comece a amar-vos. Sim, quero amar-vos, e quero amar-vos muito. Dai-me a força para compensar com o meu amor os desgostos que Vos tenho dado. Doce coração de Maria, sede minha salvação.69
Tirareis com gosto águas das fontes do Salvador! 70
Consideremos as quatro fontes de graças que possuímos em Jesus Cristo. Ele é uma fonte de misericórdia, na qual nos podemos limpar de nossas imundícias; uma fonte de paz e de consolação em nossas tribulações; uma fonte de devoção, que nos faz prontos, na obediência à voz divina; afinal, uma fonte de amor, que nos abrasa no fogo do amor divino. Aproximemo-nos com confiança, e, vamos frequentemente apagar a nossa sede nessas fontes inesgotáveis.
Considera as quatro fontes de graças que possuímos em Jesus Cristo, segundo a contemplação de São Bernardo. A primeira fonte é de misericórdia, na qual nos podemos limpar de todas as imundícias dos nossos pecados. O Redentor fez-nos manar esta fonte com as suas lágrimas e o seu sangue: Ele nos amou e nos lavou de nossos pecados em seu sangue 71.
A segunda fonte é de paz e de consolação em nossas tribulações. Invoca-me, diz o Senhor, no dia da tribulação, e eu te consolarei 72. “Quem tem sede das verdadeiras consolações, também nesta terra, venha a Mim e eu o saciarei”: Se alguém tiver sede, venha a mim e beba 73. “Quem prova a água de Meu amor, aborrecerá para sempre todas as delícias do mundo”: O que beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede 74. “E ficará plenamente satisfeito, quando entrar no reino dos bem-aventurados, porquanto a água da Minha graça o fará subir da Terra ao Céu”: Virá a ser nele uma fonte de água que jorre para a vida eterna 75. A paz que Deus dá às almas que O amam não é como a paz que o mundo promete nos prazeres sensuais, que deixam atrás de si mais amargura da alma do que paz. A paz que Deus dá leva vantagem a todos os gozos dos sentidos. Bem-aventurados, pois, aqueles que suspiram por esta fonte divina: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça 76.
A terceira fonte é de devoção. Oh, como se torna devoto e diligente em obedecer à voz divina, e como vai sempre crescendo em virtude, aquele que com frequência medita em tudo que Jesus Cristo tem feito por nosso amor! Será como a árvore plantada junto às correntes das águas 77.
Enfim, Jesus Cristo é a fonte de amor. Na minha meditação se abrasará o fogo 78. Não é possível que o que medita nos sofrimentos e nas ignomínias que Jesus padeceu por amor a nós, não seja abrasado no fogo sagrado, que Ele veio acender na Terra. E assim se verifica inteiramente que quem se aproveita das fontes benditas que possuímos em Jesus Cristo, tirará com gosto águas das fontes do Salvador: Vós tirareis com alegria água das fontes da salvação 70.
Ó meu doce e amado Salvador, quanto Vos devo! Como me constrangestes a amar-vos! Vós fizestes por mim o que nunca um filho teria feito por seu pai, nem um criado por seu senhor. Se, pois, me haveis amado mais que qualquer outro, é justo que Vos ame sobre todos os outros. Quisera morrer de dor, pensando que tanto padecestes por mim, e que chegastes a aceitar por meu amor a morte mais dolorosa e ignominiosa que um homem pode padecer, ao passo que eu tantas vezes tenho desprezado a Vossa amizade. Quantas vezes Vós me haveis perdoado e eu Vos tornei a desprezar! Mas os Vossos merecimentos são a minha esperança. Agora estimo a Vossa graça mais do que todos os reinos do universo. Amo-vos e por Vosso amor aceito qualquer pena, qualquer morte. Se não sou digno de morrer pela mão do algoz para defender Vossa glória, aceito ao menos de boa vontade aquela morte que me tenhais destinado; aceito-a do modo e no tempo que tenhais marcado.
Minha Mãe, Maria, impetrai-me a graça de viver e de morrer no amor de Jesus.
Eu sou pobre e vivo em trabalhos desde a minha mocidade. 79
Jamais alguém amou Deus e a própria alma como Jesus ama Seu Pai e as nossas almas. Por isso é que Jesus, vendo desde o seio de Maria todos os pecados em particular – e conhecendo tanto a injúria por eles feita ao Pai, como os males que deles deviam provir para as nossas almas – sofreu durante toda a Sua vida o martírio mais doloroso. Mas se Jesus se afligiu a tal ponto por pecados que não eram Seus próprios, é mais do que justo que nós também nos aflijamos, posto que os havemos cometido.
Considera que todas as penas e ignomínias que Jesus sofreu em Sua vida e na morte Lhe eram presentes desde o primeiro instante da Sua vida: A minha dor está sempre diante de mim 80. Desde o berço, Jesus começou a oferecer todas essas penas em satisfação por nossos pecados, principiando desde então a ser o nosso Redentor. Ele mesmo revelou a um Seu servidor que desde o começo de Sua vida até à morte sofreu, e sofreu tanto por qualquer um dos nossos pecados que, se houvesse tido tantas vidas quantos homens existem, teria morrido de dor igual número de vezes, se Deus não Lhe tivesse conservado a vida para sofrer ainda mais. Oh! Que martírio padeceu incessantemente o Coração amante de Jesus pela vista de todos os pecados dos homens! Segundo São Bernardino,81 desde que Jesus desceu ao seio de Maria, cada pecado em particular era-lhe presente, e cada pecado afligia-o imensamente.
Santa Margarida de Cortona nunca deixou de chorar as suas culpas. Certo dia, disse-lhe o confessor: “Margarida, deixa-te de chorar; o Senhor já te perdoou”. “Como?”, respondeu a santa, “como poderei dar-me por satisfeita com as lágrimas derramadas e com a dor daqueles pecados que afligiram o meu Jesus Cristo durante a Sua vida toda?”. Imitemos esta santa pecadora e, pensando muitas vezes nos nossos pecados, digamos frequentemente ao Senhor:
Ó meu Jesus, eis aqui a Vossos pés o ingrato, o perseguidor, que Vos fez sofrer durante toda a Vossa vida. Mas dir-vos-ei com Isaías 82: Tu livraste a minha alma, para que não pereça, lançaste atrás das tuas costas todos os meus pecados. Eu Vos ofendi e Vos traspassei o Coração com tantos pecados, mas Vós não recusastes tomar sobre Vós todas as minhas culpas. Eu por minha livre vontade tenho condenado a minha alma a arder no Inferno, cada vez que consenti em ofender-vos gravemente, e Vós, como preço de Vosso Sangue, não Vos cansastes de livrá-la e de fazer que não ficasse perdida. Meu amado Redentor, graças Vos dou, e quisera morrer de dor ao pensar que tenho ofendido tão gravemente a Vossa bondade infinita.
Ó meu amor, perdoai-me e vinde tomar posse de todo o meu coração. Dissestes que não Vos considerais indigno de entrar no coração de quem Vos abre a porta, e de fazer-lhe companhia: Se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo 83. Se em outros tempos Vos repulsei de mim, agora Vos amo e não quero outra coisa senão a Vossa graça. Eis que Vos abro a porta, entrai em meu pobre coração, mas entrai para nunca mais sair dele. Meu coração é pobre, mas entrando nele Vós o fareis rico. Serei rico enquanto Vos possuir, ó supremo Bem.
Ó Rainha do Céu, Mãe aflita desse aflito Filho, a vós também causei dores amargosas, porquanto tivestes tão grande parte nos sofrimentos de Jesus. Minha Mãe, perdoai-me e alcançai-me a graça de servir fielmente, agora que, como espero, Jesus de novo entrou em minha alma.
Faltam poucos dias para celebrarmos o Natal do Senhor!
A partir do dia 15 de dezembro, convidamos você a rezar conosco a Novena de Natal 2023, com meditações especiais de São Leão Magno.
O maior clube de leitores católicos do Brasil.
Unidos à toda a Igreja, iniciamos hoje um novo tempo litúrgico. E, para que possamos viver da melhor forma este período tão importante, contaremos com o grande auxílio de Santo Afonso de Ligório, através de suas meditações para o Advento e Natal.
Medite conosco e prepare-se para viver bem este grande mistério da nossa fé.
Verão o Filho do homem, que virá sobre uma nuvem com grande poder e majestade. 1
Uma consideração séria nos ensina que não há atualmente no mundo pessoa mais desprezada do que Jesus Cristo; pois Ele é injuriado tão continuamente e com tão desenfreada liberdade como não o seria o mais vil dos homens. Eis porque o Senhor marcou um dia, no qual virá, com grande poder e majestade, a reivindicar a sua honra. Recorramos agora ao trono da divina misericórdia, para que naquele dia não sejamos condenados pela justiça de Deus.
Considerando bem, não há no mundo atualmente quem seja mais desprezado que Jesus Cristo. Trata-se com mais consideração um aldeão do que o próprio Deus. Receiam que o aldeão ao ver-se por demais ofendido, se encolerize e tire vingança; Deus, porém, é ofendido incessantemente e de caso pensado, como se não pudesse vingar-se quando quisesse. Por isso o Senhor marcou um dia (chamado com razão, na Sagrada Escritura, o Dia do Senhor, Dies Domini), quando se dará a conhecer tal como é: O Senhor manifestou-se, fez justiça 2. Diz São Bernardo, explicando este texto: “O Senhor será conhecido quando vier a fazer justiça, ao passo que agora, porque quer usar de misericórdia, é desconhecido. Então esse dia não mais se chama de misericórdia e de perdão, senão dia de ira, dia de tribulação e de angústia, dia de calamidade e de miséria”.
Conforme nos ensina o Evangelho de hoje, esse dia será precedido de sinais pavorosos. “Haverá sinais no Sol, na Lua e nas estrelas; na terra os povos estarão angustiados sob o ruído surdo e confuso do mar e das ondas; os homens morrerão com medo dos males que hão de vir sobre o mundo. Por fim, as virtudes dos céus (isto é, na interpretação dos Santos Padres, os nove coros dos anjos) se comoverão, e então se verá aparecer sobre as nuvens o Filho do Homem, com grande poder e majestade”, a reivindicar a glória que os pecadores nesta terra lhe quiseram tirar.
Diz Santo Tomás:
Se no horto do Getsemâni, com as palavras de Jesus Cristo: Ego Sum (Jo 18, 5)3, caíram por terra todos os soldados que o foram prender, que será quando Jesus, sentado para julgar, disser aos condenados: “Aqui estou, sou eu aquele a quem tanto haveis desprezado”? Que será quando pronunciar contra eles a sentença eterna: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno! 4
O Dia do Juízo, assim como será para os réprobos um dia de pena e de terror, será, ao contrário, para os escolhidos um dia de regozijo e triunfo; porque, então, à vista de todos os homens, as suas bem-aventuradas almas serão proclamadas rainhas do paraíso e feitas esposas do Cordeiro imaculado. Oh! que ventura experimentarão os bem-aventurados, quando Jesus, voltando-se para a direita, lhes disser: Vinde, meus benditos filhos, vinde possuir o reino dos céus que vos foi preparado! 5
Irmão meu, o que será de ti naquele dia? São Jerônimo, quando passava os dias na Gruta de Belém, em contínuas orações e mortificações, tremia só de pensar no Juízo Universal. O venerável Pe. Juvenal Ancina, lembrando-se do Juízo ao ouvir cantar a sequência da Missa de defuntos – Dies irae, Dies illa – deixou o mundo e fez-se religioso. E tu, o que fazes para mereceres no Dia do Juízo as bênçãos divinas, em companhia dos escolhidos?
Com o intuito de nos preparar para o santo Natal, a Igreja propõe hoje o Juízo à nossa meditação. Sabendo que Nosso Senhor, na sua primeira vinda, apareceu num trono de graça e que, na segunda, aparecerá num trono de justiça rigorosíssima, quer que procuremos agora recorrer a Jesus a fim de experimentarmos os efeitos da sua infinita misericórdia. Aproximemo-nos com confiança do trono de graça6.
Ah! Jesus meu e meu Redentor, Vós que um dia haveis de ser o meu Juiz: perdoa-me antes que chegue esse dia. Agora, sois meu Pai, e como tal recebeis na Vossa graça um filho que, arrependido, se prostra a Vossos pés. Meu Pai, eu Vos amo de todo o meu coração e no futuro não quero mais temer voltar a ofender-vos.
Mas já que conheceis a minha fraqueza, ajudai-me com a Vossa graça. Excitai, Senhor, o Vosso poder e vinde em meu auxílio, a fim de que, mediante a Vossa proteção, livrado dos perigos iminentes por causa de meus pecados, mereça ser salvo por Vós. Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima.
E agora, que tenho eu que fazer aqui, diz o Senhor, visto ter sido levado sem nenhuma razão o meu povo? 7
Peca Adão, nosso primeiro pai, e em castigo de seu pecado é expulso do paraíso terrestre com toda a sua descendência, condenado a uma vida de misérias e excluído para sempre do Céu. O Senhor, porém, teve compaixão dele, e como se a Sua beatitude dependesse da dos homens, e Ele não pudesse ser feliz sem estes, resolveu a todo o custo salvá-los. Ó, incompreensível amor de Deus! Mas, como é que lhe temos correspondido?
Adão, nosso primeiro pai, peca; desagradecido por tantos benefícios recebidos, revolta-se contra Deus, transgredindo o preceito de não comer da árvore proibida. Por esse motivo, vê-se Deus constrangido a expulsá-lo do paraíso terrestre e a privar no futuro, tanto Adão como todos os descendentes deste revoltoso, do paraíso celeste e eterno que lhes havia preparado para depois desta vida temporal. Eis, pois, todos os homens condenados a uma vida de trabalhos e misérias, e para sempre excluídos do Céu. O demônio tem poder sobre eles, e incalculáveis são os estragos que o inferno continuamente faz.
Vendo, porém, o Senhor os homens reduzidos a tão mísero estado, compadeceu-se deles. Mas, como nos dá a entender o profeta Isaías, parece que Deus, por assim dizer, se lamenta e se aflige, dizendo: E agora, que tenho eu de fazer aqui, visto ter sido levado sem nenhuma razão o meu povo? 7. Como se quisesse dizer: “Que me restou de delícia no Paraíso, uma vez que perdi os homens que eram as minhas delícias. Mas, não; quero a todo o custo salvá-los; venha, por isso, um redentor, que em lugar do homem satisfaça à minha justiça e assim o redima da morte eterna”.
Mas, meu Senhor, tendes no Céu tantos serafins e tantos anjos, e de tal modo Vos aflige o terdes perdido os homens, para a perfeição de Vossa beatitude? Sempre tendes sido e sempre sois felicíssimo em Vós mesmo: que poderá jamais faltar à Vossa felicidade, que é infinita? “Tudo isso é verdade (assim o faz responder o cardeal Hugo), mas, perdido o homem, sinto haver perdido tudo, porquanto as Minhas delícias eram estar com os homens; agora perdi os homens, e os infelizes estão condenados a viver para sempre longe de Mim.” Oh, amor imenso de Deus! oh, amor incompreensível! oh, amor infinito!
Ó meu Senhor, como é possível que, depois de terdes reparado, com a morte do Vosso divino Filho, os danos causados pelo pecado, tenha eu tornado tantas vezes a renová-los voluntariamente, com as ofensas que Vos tenho feito? Vós me salvastes à custa de tamanhos sacrifícios, e eu tão repetidas vezes tenho querido perder-me, perdendo-vos, a Vós, Bem infinito. Inspirai-me, porém, confiança à Vossa palavra, que, se o pecador se converter a Vós, não Vos recusareis a abraçá-lo: Convertei-vos a mim e eu me converterei a vós 8. Vede, Senhor, que sou um daqueles rebeldes, um ingrato e traidor que por mais de uma vez Vos voltei as costas e Vos expulsei da minha alma. Pesa-me de todo o coração de Vos haver assim ofendido e desprezado a Vossa graça. Pesa-me, e amo-vos acima de todas as coisas. A porta do meu coração já está aberta para Vós: entrai nele, mas entrai para nunca mais Vos retirardes. Sei que nunca Vos retirareis, se eu não tornar a expulsar-vos. Eis aí o que me põe medo, eis aí também a graça que espero pedir-vos sempre; deixai-me morrer antes que venha a cometer para convosco semelhante nova e maior ingratidão.
Jesus, meu caro Redentor, pelas ofensas que Vos tenho feito mereceria não mais poder amar-vos; mas pelos Vossos méritos, peço-vos o dom do Vosso santo amor. Por isso fazei com que eu conheça o grande bem que sois, o amor que me tendes dedicado e quanto tendes feito para me obrigar a Vos amar. Ah! meu Deus e Salvador meu, que eu não viva doravante tão ingrato à Vossa tão grande bondade! Não quero separar-me mais de Vós, meu Jesus. Basta de pecados. É justo que eu empregue os anos de vida que me restam inteiramente em Vos amar e dar-vos gosto. Jesus meu, Jesus meu, ajudai-me; ajudai um pecador que Vos quer amar.
Ó Maria, minha Mãe, vós podeis tudo para com Jesus, visto que sois sua Mãe. Dizei-lhe que me perdoe; dizei-lhe que me prenda com os laços do seu santo amor. Vós sois a minha esperança; confio em vós.
E ouvi a voz de quem dizia: Quem enviarei eu? E quem de nós irá lá? Então disse eu: Aqui Me tens a mim, envia-me. 9
Embora o Filho de Deus previsse a vida penosa que teria de levar, submeteu-se contudo de boa vontade ao decreto da Encarnação, ofereceu-se mesmo a fazer-se homem. E isso não só para satisfazer plenamente à justiça divina, mas também para nos mostrar Seu amor e obrigar-nos a que O amemos sem reserva. Como é que até o dia de hoje temos respondido a tão grande benefício?
Em sua contemplação sobre a condição do gênero humano depois do pecado do primeiro homem, percebeu São Bernardo 10 contenda entre a justiça divina e a Sua misericórdia. “Estou perdida” – diz a justiça – “se Adão não for punido”. A misericórdia, ao contrário, replica: “Estou eu perdida, se o homem não for perdoado”.
Em vista de tal contenda, o Senhor decide que, para salvar o homem réu de morte, há de morrer um inocente: Moriatur qui nihil debeat morti. Na Terra, porém, não se achava um que fosse inocente.
“Portanto” – disse o Pai Eterno – “já que entre os homens não há quem possa satisfazer à Minha justiça, quem irá res- gatar o homem?”. Os anjos, os querubins, os serafins, todos guardam silêncio, ninguém responde; só responde o Verbo Eterno, que diz: Ecce ego, mitte me – “Aqui Me tens a Mim, envia-me”.
“Meu Pai” – diz o Filho unigênito – “a Vossa majestade, por ser infinita, e ofendida pelo homem, não pode ser plenamente satisfeita por um anjo, que é pura criatura. E ainda que Vos quisésseis contentar com as satisfações de um anjo, considerai que, apesar de tantos benefícios restados ao homem, apesar de tantas promessas e ameaças, não consegui- mos ganhar o seu amor, porque até hoje não conheceu o amor que lhe tínhamos. Se quisermos obrigá-lo irresistivelmente a amar-nos, que ocasião se Nos pode deparar mais própria do que esta? Permiti que, para remir o homem, Eu, Vosso Filho, desça sobre a Terra e tome a natureza humana; permiti que, pagando com a minha morte as penas devidas ao homem, satisfaça plenamente à Vossa justiça divina, e o homem fique bem convencido do nosso amor”.
“Mas considera, meu Filho” – assim contesta o Pai – “considera que, encarregando-te de pagar pelos homens, terás de levar uma vida toda de trabalhos, e os homens Te pagarão com a mais negra ingratidão. Depois de teres vivido trinta anos como simples auxiliar de um pobre artífice, quando afinal saíres a pregar e a manifestar quem és, haverá, é verdade, uns poucos que Te queiram seguir; mas a maior parte dos homens Te desprezará, chamando-te de impostor, feiticeiro, louco, samaritano, e, finalmente, far-te-ão morrer ignominiosamente, exausto de tormentos, sobre um lenho infame”.
“Não importa” – responde o Filho – “a tudo me sujeito, contanto que seja salvo o homem. Aqui me tens a mim, envia-me 9”. E assim foi decretado que o divino Filho se fizesse homem e redentor dos homens. Oh, amor incompreensível de Deus! Mas como temos nós até este momento respondido a tão grande benefício?
Ó Verbo Eterno, Vós Vos fizestes homem para nos remir e acender em nossos corações o divino amor; como foi possível que encontrásseis nos corações dos homens tão grande ingratidão? Vós nada poupastes para Vos fazer amado dos homens; chegastes a dar o Vosso Sangue e a Vossa vida; como é que os homens se mostram tão ingratos para convosco? Ignoram-no porventura? Não; sabem e creem que por eles viestes do Céu para revestir-vos de carne humana e tomar sobre Vós as nossas misérias; sabem que por amor deles levastes uma vida penosa e abraçastes uma morte ignominiosa: como vivem, então, assim, esquecidos de Vós? Amam aos parentes, amam aos amigos, amam aos próprios animais; somente para convosco são tão frios, tão ingratos.
Mas, ai de mim! Acusando aqueles ingratos, acuso-me a mim próprio, que pior do que os outros Vos tenho tratado! Anima-me, porém, a Vossa bondade, que me tem tolerado tanto tempo a fim de perdoar-me, contanto que eu queira arrepender-me e amar-vos. Sim, meu Deus, quero arrepender-me; pesa-me de toda a minha alma de Vos ter ofendido, e quero amar-vos de todo o meu coração. Reconheço, ó meu Redentor, que o meu coração já não merece mais ser por Vós aceito, visto que Vos tem deixado por amor às criaturas; mas vejo que, não obstante isso, Vós ainda o quereis, e eu, com todo o poder de minha vontade, vo-lo dou e consagro. Abra- se-o todo, pois, em Vosso santo amor, e fazei com que de hoje em diante não ame senão a Vós, bondade infinita, digna de infinito amor. Amo-vos, Jesus meu, amo-vos, meu sumo Bem, amo-vos, ó amor único de minha alma.
Ó Maria, minha Mãe, vós, que sois a mãe do belo amor, impetrai-me a graça de amar o meu Deus; de vós a espero.
Quando veio a plenitude do tempo, enviou Deus seu Filho, feito da mulher, feito sujeito à Lei. 11
O divino Redentor demorou a Sua vinda quatro mil anos, não somente para que fosse mais apreciada pelos homens, senão também para que melhor se conhecesse a malícia do pecado e a necessidade do remédio. Chegada que foi a plenitude dos tempos, enviou Deus um arcanjo à Santíssima Virgem e, obtido o consentimento desta, o Verbo se fez homem no seio puríssimo de Maria. Quanto não devemos agradecer ao Senhor o ter-nos feito nascer depois que se cumpriu tão grande mistério!
Considera como Deus depois do pecado de Adão deixou decorrer quatro mil anos 12) antes de enviar à Terra o seu Filho para remir o mundo. E, entretanto, que trevas desoladoras reinavam sobre a Terra!
O Deus verdadeiro não era conhecido nem adorado, senão apenas num canto da Terra. Por toda a parte reinava a idolatria, de sorte que eram adorados como deuses os demônios, os animais e as pedras. Admiremos nisso a sabedoria divina. Demora a vinda do Redentor para torná-la mais aceitável aos homens: demora-a para que se conheça melhor a malícia do pecado, a necessidade do remédio e a graça do Salvador. Se Jesus Cristo tivesse vindo logo depois do pecado de Adão, a grandeza do benefício teria sido pouco apreciada. Agradeçamos, pois, à bondade de Deus, o ter-nos feito nascer depois de já realizada a grande obra da redenção. Eis que já é chegado o feliz tempo que foi chamado a plenitude do tempo: quando veio a plenitude do tempo 11. O Apóstolo diz plenitude por causa da abundância da graça que por meio da Redenção o Filho de Deus vem trazer aos homens. Eis que já se envia o anjo embaixador à Virgem Maria na cidade de Nazaré, para anunciar a vinda do Verbo que no seio dela quer encarnar-se. O anjo a saúda, chama-a cheia de graça e bendita entre as mulheres.
A virgenzinha humilde se perturba com esses louvores por causa da sua profunda humildade. O anjo, porém, anima-a e lhe diz que achou graça diante de Deus; isto é, a graça que estabelece a paz entre Deus e os homens e repara os estragos ocasionados pelo pecado. Em seguida, anuncia-lhe o nome de Salvador que deveria dar ao filho: Pôr-lhe-ás o nome de Jesus 13. Anuncia-lhe que seu filho seria o próprio Filho de Deus, que deveria remir o mundo e desta forma reinar sobre os corações dos homens. Eis que, afinal, Maria consente em ser mãe de tal Filho: Faça-se em mim segundo a tua palavra 14. E no mesmo momento o Verbo Eterno se fez carne e ficou sendo verdadeiro homem: E o Verbo se fez carne 15.
Ó Verbo divino feito homem por mim, se bem que Vos seja tão humilhado e feito criança pequenina no seio de Maria, tenho e reconheço-vos por meu Senhor e Rei, mas Rei de amor. Meu caro Salvador, visto que viestes sobre a Terra e tomastes a nossa mísera carne a fim de reinar sobre os nossos corações, ah! vinde estabelecer o Vosso reino também em meu coração, que em outros tempos esteve sob o domínio de Vossos inimigos, mas agora, assim o espero, é Vosso. Quero que seja sempre Vosso e que de hoje em diante Vós sejais o seu único senhor: Reinai no meio dos vossos inimigos 16. Os outros reis reinam pela força das armas, mas Vós vindes reinar com a força do amor e, por isso, não viestes com pompa real, não vestido de púrpura e ouro, não ornado com cetro e coroa, nem acompanhado de exércitos de soldados. Viestes para nascer numa estrebaria, pobre e abandonado, para ser posto numa manjedoura sobre um pouco de palha, porque é assim que quereis começar a reinar em nossos corações.
Ó meu Rei-Menino! Como tenho podido revoltar-me tantas vezes contra Vós e viver tanto tempo como Vosso inimigo, privado de Vossa graça, ao passo que Vós, para me obrigardes a Vos amar, abdicastes da Vossa majestade divina e Vos humilhastes até ser visto, ora como criança numa lapa, ora como artesão numa oficina, ora como réu sobre uma cruz? Feliz de mim, se tendo saído, conforme espero, da escravidão de Lúcifer, me deixe para sempre governar por Vós e pelo Vosso amor! Ó Jesus, meu Rei, Vós que sois tão amável e tão enamorado de nossas almas, eia, tomai posse da minha; eu vo-la dou toda inteira. Aceitai-a a fim de que Vos sirva sempre, mas Vos sirva por amor. A Vossa majestade merece ser temida, mas a Vossa bondade muito mais merece ser amada. Vós, ó, meu Rei, sois e sereis sempre o meu único amor, e o único temor que terei será o de Vos dar desgosto. Assim espero. Ajudai-me com a Vossa graça.
Querida Senhora minha, Maria, vós deveis impetrar-me a graça de fidelidade a este Rei amado da minha alma.
O Senhor criou uma coisa nova sobre a terra. 17
Antes da vinda do Messias, o mundo estava abismado na ignorância, e o Deus verdadeiro era apenas conhecido num cantinho da terra, na Judeia. De todas aquelas trevas livrou-nos Jesus Cristo, que desde o primeiro instante da sua concepção deu mais glória ao Pai Eterno do que lho têm dado e darão todos os anjos e santos. Tomemos animo nós, os pobres pecadores, e ofereçamos a Deus-Pai este Menino e nos redimamos de todas as ofensas que lhe temos feito.
Antes da vinda do Messias, o mundo estava abismado na noite tenebrosa da ignorância e do pecado. No mundo o Deus verdadeiro era conhecido tão somente num cantinho da terra, a saber, na Judeia: Deus é conhecido na Judeia 18. Em todo o resto do mundo eram adorados como deuses os demônios, os animais e as pedras. Em toda a parte reinava a noite do pecado, que cega as almas, enche-as de vícios e as priva da vista do estado miserável em que se acham, inimigas de Deus e condenadas ao Inferno. Dessas trevas veio Jesus livrar o mundo. Livrou-o da idolatria, dando-lhe o conhecimento do Deus verdadeiro; livrou-o do pecado, com a luz de Sua doutrina e dos Seus exemplos divinos: O Filho de Deus veio ao mundo para destruir as obras do diabo 19.
O profeta Jeremias predisse que Deus havia de criar um novo Menino para ser o Redentor dos homens: O Senhor criou uma coisa nova sobre a terra. Esse novo Menino foi Jesus Cristo, que faz as delícias do Paraíso e é o amor de Deus-Pai, que fala assim: Este é o meu Filho Dileto em que deposito as minhas complacências 20. Embora criança nova, deu a Deus mais honra e glória no primeiro momento de Sua criação do que lhe têm dado e durante toda a eternidade lhe poderão dar todos os anjos e santos juntos. Por isso é que no nascimento de Jesus os anjos cantaram: Gloria in excelsis Deo – “Glória a Deus nas alturas”. Jesus-Menino rendeu a Deus mais glória do que Lhe arrebataram os pecados de todos os homens.
Tomemos, pois, ânimo, nós pobres pecadores. Ofereçamos ao Pai Eterno o divino Menino; apresentemos-lhe as lágrimas, a obediência, a humildade, a morte e os méritos de Jesus Cristo e ressarciremos a Deus toda a injúria que com as nossas ofensas Lhe tenhamos feito.
Ah, meu Deus eterno! Eu Vos desonrei, antepondo tantas vezes à Vossa vontade a minha, e a Vossa santa graça às minhas satisfações vis e miseráveis. Que esperança de perdão poderia eu ter, se Vós não me tivésseis dado Jesus Cristo exatamente a fim de que fosse a esperança de nós, pecadores? Ele é a propiciação pelos nossos pecados (I Jo 2,2). Sim, porque Jesus Cristo, sacrificando a vida para a satisfação das injúrias que nós Vos tínhamos feito, mais glória Vos deu do que nós Vos havíamos desonrado com os nossos pecados. Aceitai-me, pois, ó meu Pai, pelo amor de Jesus Cristo.
Pesa-me, ó Bondade infinita, de Vos ter ofendido. Não sou digno de perdão; mas Jesus Cristo é digno de ser por Vós atendido. Estando pregado na cruz por mim, Ele Vos pediu um dia: Pai, perdoa-lhes 21; e mesmo agora no Céu Vos pede que me aceiteis por filho.Temos por advogado Jesus Cristo, que também intercede por nós 22. Aceitai um filho ingrato que primeiro Vos deixou, mas agora volta com a resolução de Vos amar. Sim, meu Pai, eu Vos amo e quero amar-vos sempre. Ah! Meu Pai, agora que conheço o amor que me tendes dispensado e a paciência que por tantos anos haveis usado para comigo, não quero mais viver sem Vos amar. Dai-me um grande amor que me faça sempre chorar os desgostos que Vos tenho dado, a Vós, meu Pai tão bom, e me faça sempre arder de amor para com um Pai tão amoroso. Meu Pai, eu Vos amo, eu Vos amo, eu Vos amo.
Ó Maria, Deus é meu Pai e vós sois minha Mãe. Vós podeis tudo junto de Deus: ajudai-me; alcançai-me a santa perseverança e o Seu santo amor.
Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia, e siga-me. 23
Devemo-nos persuadir de que Deus nos conserva no mundo, para que suportemos com paciência as tribulações que Ele mesmo nos envia para o nosso bem. Resolvamo-nos, pois, a recusar a nós mesmos aquilo que um amor próprio desordenado nos pede; abracemos de boa vontade a nossa cruz de cada dia; e não nos cansemos de carregá-la após Jesus Cristo, até o Calvário – isto é, até a morte.
Façamos hoje algumas reflexões sobre estas palavras de Jesus Cristo. Se alguém quer vir após mim. Jesus não somente quer que a Ele vamos, senão que vamos em Seu seguimento. Jesus vai sempre para diante e não Se detém enquanto não chegar ao Calvário, onde morrerá. Portanto, se O amamos, devemos segui-lo até a nossa morte. Por isso, faz-se mister que cada um se negue a si mesmo: isto é, recuse a si mesmo o que o amor próprio pede, mas que não é do agrado de Jesus Cristo.
Diz ainda: Tome a sua cruz cada dia e siga-me. Tome: de pouco serve carregá-la forçadamente; todos os pecadores a carregam, mas sem merecimento. Para a carregarmos com merecimento, devemos abraçá-la de boa vontade. Cruz: sob o nome de cruz vem toda a tribulação, que por Jesus Cristo é chamada cruz, afim de no-la tornar doce, com pensar que em uma cruz Ele morreu por amor a nós.
Jesus diz: a sua cruz. Alguns, ao receberem qualquer consolação espiritual, se oferecem para sofrer o que têm sofrido os mártires: acúleos, unhas de ferro e lâminas candentes; mas, logo em seguida, não sabem sofrer alguma dor de ca- beça, uma falta de atenção da parte de um amigo, o enfado de um parente. Irmão meu, Deus não quer de ti que sofras nem cavaletes, nem unhas de ferro, nem lâminas candentes; mas quer que sofras com paciência essa dor, esse desprezo, esse aborrecimento. Tal outro quisera ir a um deserto para sofrer; quisera praticar grandes penitências; entretanto não sabe suportar um seu superior, um seu companheiro de ofício. Deus, porém, quer que ele carregue a cruz que lhe é dada para carregar, e não aquela que ele mesmo escolheu.
Ainda diz: cada dia. Alguns abraçam a cruz no princípio, quando ela se apresenta; mas quando dura, dizem: “Não posso mais”. Todavia, Deus quer que continuemos a carregá-la sem cessar, até a morte. Eis aí portanto em que consiste a salvação e a perfeição; consiste em cumprir estas três palavras: Negue-se, recusemos ao amor próprio o que não lhe convém; tome, abracemos a cruz que Deus nos envia; siga, sigamos as pegadas de Jesus Cristo até a morte.
Devemo-nos, pois, persuadir de que Deus nos conserva no mundo, para que carreguemos as cruzes que nos envia; e é isto o que faz a nossa vida meritória. Porque nosso Salvador nos ama, veio sobre esta terra, não para gozar, mas para sofrer, a fim de que Lhe sigamos as pegadas: Cristo padeceu por nós, deixando-vos exemplo, para que sigais as suas pisadas 24. Contemplemo-lo, a Ele que vai adiante com a Sua cruz, traçando o caminho pelo qual devemos segui-lo, se nos quisermos salvar. Oh, quão grande remédio, dizer a Jesus Cristo em cada aflição: “Senhor, Vós quereis que eu carregue esta cruz; aceito-a e quero sofrê-la até quando quiserdes!”. Assim, e muito mais ainda, o merece Jesus Cristo, que, para nos livrar do Inferno, escolheu uma vida de trabalho e uma morte de dor.
Jesus meu, somente Vós pudestes ensinar-nos estas máxi-mas de salvação, de todo contrárias às máximas do mundo, e somente Vós nos podeis dar a força para carregarmos a cruz com paciência. Não Vos peço que me façais isento dos sofrimentos; peço-vos somente que me deis força para sofrer com paciência e resignação. Pai Eterno, Vosso Filho prometeu em Seu nome: Em verdade, em verdade, vos digo, que, se pedirdes a meu Pai alguma coisa em meu nome, ele vo-la dará 25.
Eis, pois, o que Vos tenho feito, por não ter praticado a pa- ciência nas cruzes que me enviastes. Dai-me o Vosso amor, que me dará força para sofrer tudo por Vós. Privai-me de todas as coisas, de todos os bens terrestres, dos parentes, dos amigos, da saúde do corpo, de todas as consolações; tirai-me ainda a vida, mas não o Vosso amor. Dai-vos a mim, e nada mais Vos peço. Virgem Santíssima, obtende-me para com Jesus Cristo um amor constante até a morte.
Da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo. 26
É tão grande a dignidade de Maria como mãe de Jesus Cristo, que só Deus com a Sua sabedoria infinita a pôde compreender; mas toda a Sua onipotência não pode fazer outra 27 maior. Façamos um ato de viva fé acerca desta divina maternidade; alegremo-nos com a Santíssima Virgem, e aumentemos a nossa confiança nela, porquanto de certo modo nos é devedora de sua altíssima dignidade. 28
Para compreender a altura a que Maria foi sublimada, seria necessário compreender quão sublime é a altura e grandeza de Deus. Bastará dizer que Deus fez a Santíssima Virgem mãe do Seu Filho para ficar entendido que não a pode elevar mais alto do que a elevou. Bem disse Santo Arnaldo Cartotense que Deus, fazendo-se Filho da Virgem, sublimou-a acima de todos os santos e anjos. Ainda que, em verdade, ela seja infinitamente inferior a Deus, ao mesmo tempo está imensa e incomparavelmente acima de todos os espíritos celestiais, como fala Santo Efrém. Por esse motivo diz-lhe Santo Anselmo: “Senhora, não tendes quem vos seja igual, porque tudo quanto há, ou está acima ou abaixo de vós; só Deus vos é superior, e todos os mais vos são inferiores”. (Tractatus de conceptione B. Mariae (PL 159, 307B).))
Em uma palavra, é tão grande a dignidade da Virgem, que, se bem que Deus só com a Sua sabedoria infinita a possa compreender, todavia, no dizer de São Boaventura, com toda a Sua onipotência não pode fazer outra maior 29. Quem considerar isso, deixará de estranhar por que os santos evangelistas, que tão difusamente registram os louvores de um São João Batista, de uma Madalena, tão escassos se mostram em descrever as grandezas de Maria. Tendo dito que desta exímia Virgem nasceu Jesus, não julgaram necessário acrescentar outra coisa; porque neste seu maior privilégio se acham incluídos os demais. Qualquer título que se lhe dê, nunca chegará a honrá-la tanto quanto o de Mãe de Deus.
Façamos um ato de viva fé na maternidade divina de Maria, alegremo-nos com ela, agradeçamos a Deus por ela e protestemos que estamos prontos a dar a nossa vida em defesa desta verdade, como de todas outras que lhe dizem respeito.
Diz Santo Anselmo que é mais pelos pecadores do que pelos justos que Maria foi sublimada a Mãe de Deus; do mesmo modo que Jesus disse de si próprio que veio para chamar, não os justos, mas os pecadores. A divina Mãe tem, pois, uma certa obrigação de socorrer os miseráveis que se lhe recomendam, porquanto é a eles que é, por assim dizer, devedora de sua altíssima dignidade: “Tudo o que possuis, o deveis aos pecadores.”30 Congratulemo-nos, portanto, com Maria, sim; mas congratulemo-nos também com nós mesmos e ponhamos nela toda a nossa esperança.
Ó Mãe de Deus, eis aqui a vossos pés um miserável pecador, que a vós recorre e em vós confia. Não mereço que lanceis sobre mim o vosso olhar; mas sei que, vendo vosso Filho morto para a salvação dos pecadores, tendes um extremo desejo de ajudá-los. Ó Mãe de misericórdia, vede as minhas misérias e tende piedade de mim. Ouço que todos vos chamam refúgio dos pecadores, esperança dos que desesperam: sede também o meu refúgio, a minha esperança, o meu auxílio. Deveis salvar-me com a vossa intercessão. Socorrei-me pelo amor de Jesus Cristo. Estendei a mão a um pobre caído que se recomenda a vós. Sei que é a vossa consolação ajudar um pecador, quando é possível; ajudai-me, pois, já que o podeis fazer. Pelos meus pecados, perdi a graça divina e a minha alma. Entrego-me em vossas mãos; dizei-me o que hei de fazer para de novo entrar na graça do meu Senhor; quero fazê-lo sem demora. Ele me envia a vós, para que me socorrais, quer que eu me refugie na vossa misericórdia a fim de que eu me salve não somente pelos méritos de vosso Filho, como também pelas vossas orações. A vós recorro; e vós rogai por mim. Mostrai como sabeis valer a quem confia em vós. Assim espero, assim seja. Amém. 31
Como João, estando no cárcere, tivesse ouvi- do as obras de Cristo (…). 32
É muito grande a utilidade que nos trazem as tribulações. O Senhor no-las envia para em seguida nos enriquecer com as melhores graças. Considerai, com efeito, que São João Batista, estando encarcerado, chega a conhecer as obras de Cristo, e recebe d’Ele os mais elevados elogios. No tempo das tribulações, em vez de nos lastimarmos, abracemos a cruz com resignação e com ação de graças.
É no tempo das tribulações que Deus enriquece as almas suas prediletas com as graças mais copiosas. Vede São João Batista, que entre as correntes e as angústias do cárcere chega a conhecer as obras de Jesus Cristo, recebe da boca de Jesus os elogios mais honrosos de homem forte, de penitente austero, de maior dos profetas, e é apontado e tido como o Anjo do Senhor, destinado a preparar-lhe o caminho: preparará diante de ti o teu caminho 33. Bem apreciáveis são, portanto, as utilidades que as tribulações nos trazem, e o Senhor no-las envia, não porque nos quer mal, mas porque nos quer bem.
Quem não foi tentado, o que sabe? 34. Quem vive na prosperidade e nunca tem experimentado a adversidade, nada sabe acerca do estado da sua alma e será molestado com muitas tentações de soberba, de vanglória, de cobiça de mais riquezas, de mais honras, de mais prazeres. Ora, de todas estas tentações livram-nos as adversidades, ao mesmo tempo em que nos fazem humildes e contentes no estado em que aprouve ao Senhor colocar-nos. Ademais, elas desvendam-nos os olhos que a prosperidade tinha vendado; e se somos pecadores, não somente reconduzem-nos, como outrora o filho pródigo, aos pés de nosso Pai celestial, como ainda nos farão pagar pelos pecados cometidos muito melhor do que o fariam todas as penitências por nós livremente escolhidas. Eis a razão por que Santo Agostinho repreende o pecador que se lamenta das tribulações enviadas por Deus e lhe diz: “Meu irmão, quem te dera compreender que remédio eficaz são as tribulações para curar as chagas que te feriram os pecados!”.
Se somos justos, as tribulações nos desprendem o coração das coisas da Terra, visto que não achamos nela senão amarguras. Afeiçoam-nos aos bens do Céu, onde se acha a verdadeira felicidade, fazem-nos frequentemente lembrados de Deus e obrigam-nos a recorrer à Sua misericórdia, ao vermos que só Ele pode nos aliviar das nossas misérias. Ademais, as tribulações fazem-nos ganhar grandes tesouros de méritos junto de Deus, fornecendo-nos ocasião para praticar as virtudes que Lhe são mais caras, tais como a humildade, a paciência, a conformidade com a vontade divina, etc.
Numa palavra: são tais e tantas as vantagens das tribulações, que São Tiago chega a chamar bem-aventurado àquele que as sofre com paciência: Bem-aventurado o homem que sofre a provação 35.
Aquele que vive nesta terra em tribulações tem nisso um sinal certo de que é querido de Deus, e tanto mais querido quanto mais graves elas forem. Porque eras aceito a Deus, foi necessário que a tentação te provasse, disse o anjo a Tobias 36. Jesus disse o mesmo mais claramente a Santa Teresa d’Ávila: “Minha filha”, disse-lhe, “as almas mais queridas de meu Pai são aquelas que sofrem padecimentos mais graves”. A santa, pois, animada deste espírito, costumava dizer que não trocaria os seus sofrimentos por todos os tesouros do mundo.
Desse mesmo espírito nós também devemos estar animados, se quisermos um dia chegar ao Paraíso e ser glorificados como santos. Bem longe de nos lamentarmos nas tribulações, abracemo-las dando graças a Deus; aceitemo-las não somente conformando-nos com a vontade divina, mas alegrando-nos por Deus nos tratar como tratou a Jesus Cristo, o Homem de dores 37, e Maria Santíssima, a Rainha dos Mártires. Digamos muitas vezes como Jó: Se aceitamos de Deus a felicidade, não deveríamos também aceitar a infelicidade? 38. Se de boa vontade tenho recebido da mão de Deus os bens, isto é, a prosperidade terrestre; por que não receberei com mais satisfação os males, isto é, as tribulações que me são muito mais vantajosas do que a prosperidade? Faça o Senhor de mim e de tudo o que é meu segundo a sua vontade e seja sempre bendito o Seu santo nome: bendito seja o nome do Senhor 39.
Assim quero fazer, ó meu Deus. Mas Vós, que conheceis o meu nada, confortai-me com a Vossa santa graça, e excitai o meu coração a preparar os caminhos para o Vosso Filho unigênito, a fim de que, pela sua vinda, possa servir-vos pura e sinceramente.“Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo. Doce Coração de Maria, sede minha salvação.” 40
Deus, que é rico em misericórdia, por causa da extrema caridade com que nos amou, também quando mortos estávamos pelos pecados, nos vivificou juntamente com Cristo. 41
Pelas nossas culpas, nós, pobres pecadores, já estávamos todos mortos e condenados ao Inferno. Deus, porém, por causa do imenso amor que tem às nossas almas, quis restituir-nos à vida, enviando à Terra o Seu Filho unigênito para morrer por nós. Pois dizei-me: se Jesus Cristo morreu por amor a nós, não é mais do que justo que nós somente para Ele vivamos, e que Ele seja o único senhor dos nossos corações?
Considera que o pecado é a morte da alma, visto que esse inimigo de Deus nos priva da graça divina, que é a vida da alma. Assim nós, os pobres pecadores, já estávamos todos mortos por nossa culpa e todos condenados ao Inferno. Deus, porém, por causa do imenso amor que tem às nossas almas, quis restituir-nos à vida. Que fez? Enviou à Terra o Seu Filho unigênito a fim de morrer e, com a Sua morte, recuperar-nos a vida. É com razão que o Apóstolo chama esta obra de excesso de amor 41. Com efeito, nunca o homem pudera nutrir esperança de receber a vida de um modo tão amoroso, se Deus não houvera excogitado esse meio de remi-lo.
Estavam mortos todos os homens, e não havia para eles remédio. Mas o Filho de Deus, pelas entranhas de Sua misericórdia, desceu do Céu a restituir-nos à vida. É exatamente por isso que o Apóstolo chama Jesus Cristo nossa vida 42. Eis que o nosso Redentor, já encarnado e feito menino, nos diz: Eu vim para eles terem vida, e para a terem em maior abundância 43. Jesus veio e escolheu a morte para Si, a fim de nos dar a vida. É, pois, justo que vivamos unicamente para um Deus que se dignou de morrer por nós. É justo que o único senhor de nosso coração seja Jesus Cristo, porquanto deu o Seu Sangue e a Sua vida para ganhá-lo. Ó meu Deus, quem será tão ingrato e tão desgraçado que, sabendo pela fé que um Deus morreu para lhe granjear o amor, se recuse a amá-lo e, renunciando à amizade divina, queira fazer-se, por sua livre vontade, escravo do Inferno?
Ó meu Jesus, se Vós não tivésseis aceitado e padecido a morte por mim, teria eu ficado morto no meu pecado, sem esperança de me salvar e de poder amar-vos. Mesmo depois que com a Vossa morte me obtivestes a vida, eu muitas vezes tenho tornado a perdê-la voluntariamente pelos meus pecados. Morrestes para Vos assenhoreardes do meu coração, e eu, rebelando-me contra Vós, escravizei-o ao demônio. Tenho-vos desrespeitado e dito que não Vos queria para meu Senhor. Tudo isso é verdade, mas é também verdade que não quereis a morte do pecador, mas que se converta e viva, e Vós morrestes a fim de nos dardes a vida.
Amado Redentor meu, pesa-me de Vos ter ofendido; perdoai-me pelos merecimentos de Vossa Paixão. Dai-me a Vossa graça; dai-me aquela vida que me adquiristes com a Vossa morte, e de hoje em diante reinai como supremo senhor em meu coração. Não, não quero mais que seu senhor seja o demônio, que não é meu Deus, que não me ama e nada tem padecido por mim. Em tempos passados foi ele, não o verdadeiro senhor da minha alma, senão o injusto possuidor. Vós só, Jesus meu, sois o meu verdadeiro Senhor, Vós que me haveis criado e remido com o Vosso Sangue; Vós só me haveis amado e amado tanto. É justo que eu seja unicamente Vosso no tempo de vida que me resta. Dizei-me o que quereis que eu faça, pois que eu quero fazê-lo. Castigai-me como quiserdes: aceito tudo. Poupai-me somente o castigo de ter de viver sem o Vosso amor; fazei com que Vos ame, e depois disponde de mim segundo a Vossa vontade.
Maria Santíssima, meu refúgio e minha consolação, recomendai-me a vosso Filho; a Sua morte e a vossa intercessão são a minha única esperança.
Tirar-lhes-ás o espírito, e deixarão de ser, e tornar-se-ão no seu pó. 44
Imaginemos que estamos vendo uma pessoa que acaba de expirar. Contemplemos nesse cadáver a cabeça pendida sobre o peito, o cabelo desgrenhado, os olhos encovados, as faces descarnadas, o rosto cinzento, a língua e os lábios cor de ferro, o corpo frio e pesado. Quantas pessoas, à vista de um parente ou de um amigo morto, não mudaram de vida e deixaram o mundo?
Imagina que estás vendo uma pessoa que acaba de exalar o último suspiro. Contempla esse cadáver deitado ainda no leito, a cabeça caída sobre o peito, o cabelo desgrenhado, banhado ainda no suor da morte, os olhos encavados, as faces descarnadas, o rosto cinzento, a língua e os lábios cor de ferro, o corpo todo frio e pesado. Empalidece e treme quem quer que o veja. Quantas pessoas, à vista de um parente ou amigo defunto, não mudaram de vida e deixaram o mundo? Mais horror ainda inspira o cadáver quando começa a corromper-se. Não se passaram bem vinte e quatro horas que esse moço morreu, e já o mau cheiro se faz sentir. É preciso abrir as janelas e queimar bastante incenso; é preciso cuidar que em breve seja levado à igreja e posto debaixo da terra, para que não infeccione a casa toda.
Eis aí em que se tornou esse moço orgulhoso, esse dissoluto! Ainda há pouco acolhido e desejado nas sociedades, e agora feito objeto de horror e de abominação para quem o vê! Os parentes anseiam por fazê-lo levar para fora da casa e pagam aos coveiros para que o levem encerrado num caixão e o entreguem à sepultura. Outrora gabavam-se o espírito, a beleza, o trato fino e os bons ditos; mas pouco depois de sua morte perde-se a memória de tudo isso: A memória deles pereceu com ruído 45.
Ao ouvirem a notícia de sua morte, uns dizem que era homem honrado, outros que deixou os negócios em bom estado; uns lamentam-se, porque o defunto era-lhes útil; outros regozijam-se, porque a morte dele lhes traz proveito. Por fim, dentro em breve, já ninguém falará dele. Desde os primeiros dias, os parentes mais chegados não querem ouvir falar dele a fim de não se lhes avivar a saudade. Nas visitas de pêsames, trata-se de outros assuntos, e se alguém porventura fala do defunto, logo os parentes atalham: “Por favor, não pronuncia mais o seu nome”. E, entretanto, onde é que estará a alma daquele infeliz?
Pensai que, assim como vós fizestes na morte de vossos amigos, assim os outros farão para convosco. Os vivos aparecerão por sua vez na cena, ocupando os bens e os lugares dos mortos, e destes já não se faz ou quase não se faz caso ou menção. Os parentes afligir-se-ão ao princípio por alguns dias, mas depressa consolar-se-ão com a parte da herança que lhes couber, de tal sorte que dentro em breve até se regozijarão de vossa morte. No mesmo quarto onde exalastes a alma, e onde fostes julgado por Jesus Cristo, se jogará e se rirá como antigamente. E a vossa alma, onde estará então?
Ó Jesus, Redentor meu, agradeço-vos por não me terdes deixado morrer quando estava em desgraça convosco.
Há quantos anos não merecia estar no Inferno! Se eu tivesse morrido em tal dia, em tal noite, que seria de mim por toda a eternidade? Senhor, eu Vos agradeço e não quero mais resistir às Vossas chamadas. Quem sabe se as palavras que acabo de ler não são para mim o Vosso último convite! Confesso que não mereço misericórdia: tantas vezes me tendes perdoado e eu, ingrato, tenho tornado a ofender-vos. Mas já que não sabeis desprezar um coração que se humilha e se arrepende, eis aqui um traidor que a Vós recorre arrependido. Por piedade, não me afasteis. Verdade que é que Vos ultrajei mais que muitos outros, pois que, mais que muitos outros fui favorecido por Vós com luzes e graças, porém o sangue que derramastes por mim anima-me e oferece-me o perdão, se eu me arrepender. Sim, meu Bem supremo, arrependo-me de toda a minha alma de Vos ter desprezado. Perdoai-me a dai-me a graça de Vos amar para o futuro. Já demasiadamente Vos ofendi. Não quero empregar a vida que ainda me resta a ofender-vos, que- ro empregá-la a chorar sempre os desgostos que Vos dei, e a amar-vos de todo o meu coração. Ó Maria, esperança minha, rogai a Jesus por mim.
Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós. 46
A salvação ou a condenação de todos os homens não aumenta nem diminui em nada a felicidade do Filho de Deus, que é a bem-aventurança mesma. Todavia, Ele tem feito e padecido tanto por nós que, se a Sua beatitude dependesse da nossa, não teria podido padecer e fazer mais. Quão grande não deve ser, pois, nosso amor para com Jesus Cristo? E quão grande a nossa confiança de obtermos, pelos Seus merecimentos, todas as graças que desejemos!
Considera que o Verbo Eterno é o Deus infinitamente feliz em Si mesmo, de tal sorte que a Sua felicidade não pode ser aumentada. Nem mesmo a salvação ou a condenação de todos os homens podem acrescentar-lhe ou diminuir-lhe alguma coisa. Contudo, para nos salvar a nós, vermes miseráveis, Ele tem feito e padecido tanto que, se a Sua beatitude, no dizer de S. Tomás, tivesse sido dependente da do homem, não poderia fazer nem padecer mais. Com efeito, se Jesus Cristo não pudesse ser feliz sem a nossa redenção, como poderia humilhar-se mais do que Se humilhou, tomando sobre Si todas as nossas enfermidades, as humilhações da infância, as misérias da vida humana e uma morte tão desapiedada e ignominiosa? Só um Deus seria capaz de amar-nos tão excessivamente a nós míseros pecadores, tão indignos de sermos amados.
Diz um piedoso escritor: “Se Jesus Cristo nos tivesse permitido pedir-lhe a maior prova de seu amor, quem jamais se atreveria a pedir-lhe que se fizesse homem como nós, que se sujeitasse a todas as nossas misérias; ainda mais, que se fizesse de todos os homens o mais pobre, o mais desprezado, o mais maltratado, até morrer por mão do algoz e à força de tormentos num patíbulo infame, amaldiçoado e abando- nado de todos, mesmo de Seu próprio Pai, que desamparou o Filho, para não nos abandonar a nós em nossa perdição? Mas o que nós nem ousáramos conceber em pensamentos, o Filho de Deus o excogitou e realizou”. Desde o berço, o divino Menino Se ofereceu por nós aos trabalhos, aos opróbrios e à morte: Ele nos amou e se entregou a si mesmo por nós. Sim, Jesus nos amou, e por amor Se nos deu a Si mesmo, a fim de que, oferecendo-se ao Pai como vítima, em expiação de nossos delitos, possamos, em vista de Seus méritos, obter da divina bondade todas as graças que desejarmos. Esta vítima agrada mais ao Pai do que se Lhe fosse oferecida a vida de todos os homens e de todos os anjos. Ofereçamos, portanto, sempre a Deus os merecimentos de Jesus Cristo, e por eles busquemos e esperemos todo o bem.
Ó meu Jesus, eu seria por demais injusto para com a Vossa misericórdia e o Vosso amor, se, depois de me haverdes dado tantas provas do afeto que me tendes e do Vosso desejo de me salvar, eu desconfiasse de Vossa misericórdia e de Vosso amor. Meu amado Redentor, eu sou um pobre pecador, mas Vós assegurais que viestes para curar os enfermos. Eu sou um réprobo por causa de meus pecados, mas Vós viestes para salvar o que estava perdido 47. Que poderei, pois, temer, se quiser emendar-me e ser Vosso?
Só devo ter medo de mim mesmo e da minha fraqueza; mas a minha fraqueza e pobreza devem aumentar a minha confiança em Vós, que Vos gloriais de ser o refúgio dos pobres e prometestes atender a todos os seus desejos: O Senhor ouviu os desejos dos pobres 48). Eis a graça que Vos peço, ó meu Jesus, dai-me confiança em Vossos merecimentos, e fazei com que sempre me recomende a Deus pelos Vossos méritos. Pai Eterno, pelo amor de Jesus Cristo, livrai-me do Inferno e em primeiro lugar do pecado. Pelos méritos desse Vosso Filho, dai-me luz para conhecer a Vossa vontade; dai-me força contra as tentações; dai-me o dom do Vosso santo amor. Sobretudo suplico-vos a graça de sempre pedir que me ajudeis pelo amor de Jesus Cristo, que prometeu que haveis de conceder tudo quanto se pedir àqueles que Vos pedirem em seu nome. Se perseverar em pedir assim, serei salvo; se não o fizer, serei com certeza condenado.
Maria Santíssima, impetrai-me a grandíssima graça da oração, da perseverança em recomendar-me sempre a Deus e a vós, visto que obtendes de Deus tudo quanto quiserdes.
O homem de dores e experimentado nos trabalhos. 37
O primeiro Adão gozou durante algum tempo as delícias do paraíso terrestre; mas o segundo Adão, Jesus Cristo, não teve nem sequer um instante em Sua vida que não fosse cheio de aflições e agonias, porquanto desde o começo afligiu-o a dolorosa previsão de todas as penas e ignomínias que deveria padecer e, particularmente, a previsão da ingratidão que os homens Lhe dispensariam. Oh, céus! Nós também temos contribuído para contristar esse amabilíssimo coração.
O profeta Isaías chama a Jesus Cristo o homem de dores. E com razão, porquanto a natureza humana de Jesus foi criada expressamente para padecer, e, assim, desde o berço começou a sofrer as maiores dores, que os homens jamais têm sofrido. Para o primeiro homem, Adão, houve um tempo em que gozava as delícias do paraíso terrestre; mas o segundo Adão, Jesus Cristo, não teve nem sequer um instante de vida que não fosse cheio de aflições e agonias. Desde o berço afligiu-o a dolorosa previsão de todas as penas e ignomínias que deveria padecer no correr de Sua vida e particularmente na hora de Sua morte, quando deveria terminar a vida como que submergido num oceano de dores e de opróbrios, assim como o predisse Davi: Cheguei ao alto mar e a tempestade me submergiu 49.
Desde o seio de Maria, Jesus Cristo aceitou obediente a ordem de Seu Pai acerca da Sua Paixão e morte. De sorte que, já antes de nascer, previu os açoites e apresentou Seu corpo para recebê-los; previu os espinhos e apresentou-lhes a cabeça; previu as bofetadas e apresentou-lhes as faces; previu os cravos e apresentou-lhes as mãos e os pés; previu a cruz e apresentou a Sua vida. Daí é que o nosso Redentor, desde a primeira infância e a cada instante da Sua vida, padeceu um contínuo martírio, e a cada instante oferecia esse martírio por nós ao Pai Eterno.
Mas o que mais O atormentou foi a vista dos pecados que os homens haviam de cometer, mesmo depois da Sua tão dolorosa Redenção. Na luz divina, conhecia Jesus perfeitamente a malícia de cada pecado e veio ao mundo exatamente para tirar os pecados; porém, ao ver em seguida o número tão grande de pecados que ainda seriam cometidos, a angústia que o Coração de Jesus sofreu foi maior do que a que têm sofrido ou ainda sofrerão todos os homens da Terra.
Meu doce Redentor, quando é que começarei a ser grato para com Vossa bondade infinita? Quando começarei a reconhecer o amor que me tendes consagrado, e as penas que tendes sofrido por minha causa? Nos tempos passados, em vez de amor e de gratidão, paguei-vos com ofensas e desprezos. Deverei continuar a viver sempre tão ingrato para convosco, meu Deus, que nada poupastes para adquirir para Vós o meu amor? Não, Jesus meu, não há de ser assim. Nos dias de vida que ainda me restam, quero ser-vos grato; e Vós mesmo deveis ajudar-me nisso. Se Vos tenho ofendido, as Vossas penas, a Vossa morte, são a minha esperança. Prometestes perdoar a quem se arrepende. Arrependo-me de todo o meu coração de Vos ter desprezado. Cumpri a Vossa promessa, amor meu, e perdoai-me.
Ó meu caro Menino, contemplo-vos nessa manjedoura como que já pregado na cruz, visto que esta Vos está presente e Vós a aceitais por mim. Ó Menino crucificado – assim quero chamar-vos – eu Vos agradeço e Vos amo. Deitado sobre essa palha, padecendo por mim e preparando-vos para morrer por amor de mim, Vós mandais e me convidais a amar-vos: Amarás ao Senhor teu Deus 50. Não desejo outra coisa senão amar-vos. Já que quereis ser amado por mim, dai-me todo esse amor que pedis. O amor para convosco é um dom Vosso, e o dom mais precioso que podeis conferir a uma alma. Aceitai, ó meu Jesus, o amor de quem, pecando tantas vezes, Vos tem ofendido. Vós baixastes do Céu para buscar as ovelhas perdidas: buscai-me, pois, a mim, que eu não busco senão a Vós. Vós quereis a minha alma, e a minha alma não quer senão a Vós. Vós amais a quem Vos ama, segundo a vossa palavra: Eu amo a quem me ama 51. Eu Vos amo, amai-me também Vós; e se me amais, prendei-me ao Vosso amor, mas prendei-me de tal maneira que eu não possa mais separar-me de Vós.
Maria, minha Mãe, ajudai-me. Seja uma nova glória para vós verdes vosso Filho amado por um miserável pecador, que em outros tempos tanto o tem ofendido.
É a árvore de vida para aqueles que lançarem mão dela; e é bem-aventurado quem a não largar. 52
Se quisermos salvar-nos, é mister que nos resolvamos a carregar com paciência a cruz que Deus nos manda, e morrer nela por amor de Jesus Cristo, assim como Ele morreu na cruz por amor a nós. É esse também o meio para acharmos a paz nos sofrimentos. Quem recusa aceitar a cruz, de ordinário aumenta-lhe o peso; ao passo que quem a abraça e carrega com paciência, tira-lhe o peso e converte-a em consolação.
Na cruz acha-se a nossa salvação, a nossa força contra as tentações, o desapego dos prazeres terrenos; na cruz, em suma, acha-se o verdadeiro amor de Deus. Mister é, pois, que nos resolvamos a carregar com paciência a cruz que Deus nos envia, e a morrer nela por amor de Jesus Cristo, que morreu na Sua por amor a nós. Não há outro caminho por onde se entre no Céu, senão o da resignação nas tribulações até a morte. O meio para acharmos a paz nos próprios padecimentos, é a uniformidade com a vontade divina. Se não usarmos deste meio, dirijamo-nos aonde quisermos, façamos quanto pudermos, mas não conseguiremos subtrair-nos ao peso da cruz. Ao contrário, se a carregarmos de boa vontade, a cruz nos levará ao Céu, e nos dará a paz nesta terra.
O que faz quem rejeita a cruz? Aumenta-lhe o peso. Mas quem a abraça e carrega com paciência, alivia-a e converte-a em doçura. Deus é profundo com todos aqueles que de boa vontade carregam a cruz para Lhe agradarem. O padecimento não apraz a nossa natureza; porém, quando o amor divino reina num coração, fá-lo aceitável. Ah! Se considerássemos bem o estado de felicidade que gozaremos no Paraíso, se fôssemos fiéis a Deus em sofrermos sem lamentos os trabalhos da vida, decerto não nos queixaríamos de Deus, que nos envia cruzes. Antes havíamos de lhas agradecer, e até havíamos de pedir mais sofrimentos ainda. Se somos pecadores, devemo-nos consolar nas tribulações que vierem, e pensar que Deus nos castiga na vida presente porque é isso sinal certo de que Ele quer livrar-nos do castigo eterno. Ai do pecador que goza de prosperidade na Terra! Quem tiver de sofrer alguma grave tribulação, lance um olhar ao Inferno merecido, e toda a pena se lhe afigurará leve.
Se quisermos ser santos, devemos transformar o nosso gosto. Enquanto não chegarmos a achar doce o que é amargoso, e amargoso o que é doce, nunca nos poderemos unir perfeitamente com Deus. Toda a nossa segurança e perfeição está em sofrermos com resignação todas as contrariedades que nos vierem cada dia, e em sofremo-las para agrado de Deus, o que constitui o fim principal e mais nobre que podemos ter em vista em todas as nossas obras.
Portanto, ofereçamo-nos sempre a Deus, prontos a carregar toda a cruz que nos queira enviar. Conservemos-nos sempre preparados para sofrer por Seu amor todo o trabalho, a fim de que, quando nos venha algum, estejamos prontos a abraçá-lo. Quando se nos afigurar mais duro o peso da cruz, recorramos logo à oração, para que Deus nos dê força para a carregarmos com merecimento. Avivemos então, mais do que nunca, a nossa fé, e lancemos um olhar sobre Jesus crucificado, que está agonizando na cruz por amor a nós. Lancemos também um olhar para o céu e lembremo-nos do que diz São Paulo, a saber, que toda a tribulação terrestre, por mais dura que seja, não está em proporção com a glória que Deus nos prepara na vida. 53
Ó meu Jesus, quanto consolo me dá a Vossa Palavra: Convertei-vos a mim, e eu me converterei a vós 8. Eu Vos deixei por amor às criaturas e às minhas míseras satisfações; mas agora que deixo tudo e me converto a Vós, estou certo de que não me repelireis, uma vez que Vos quero amar. Recebei-me na Vossa graça e fazei-me conhecer o grande bem que sois e o amor que me tendes, a fim de que nunca mais me aparte de Vós. Jesus meu, perdoai-me os desgostos que Vos tenho dado, fazei que Vos ame sempre e nada mais quero.
Ó Maria, recomendai-me a vosso Filho; ele vos concede quanto lhe pedis; em vós confio.
A paciência vos é necessária, a fim de que fazendo a vontade de Deus alcanceis a promessa. 54
Deu-nos Deus a Santíssima Virgem, como exemplar de todas as virtudes, mas especialmente da paciência. Semelhante à rosa, ela cresceu e viveu sempre entre os espinhos das tribulações. Se, portanto, quisermos ser filhos desta Mãe, devemos procurar imitá-la, abraçando com resignação as cruzes; e não somente as que nos vierem diretamente de Deus, mas também as que nos vierem por parte dos homens, tais como sejam as perseguições e os desprezos.
Sendo esta terra um lugar de merecimentos, chama-se com razão vale de lágrimas 55. Todos somos aqui postos para padecer, e fazer, por meio da paciência, aquisição de nossas almas para a vida eterna, como já disse o Senhor: Na paciência possuireis as vossas almas (Lc 21,19). Deus nos deu a Virgem Maria por exemplar de todas as virtudes, mas especialmente da paciência. Entre outras coisas, pondera São Francisco de Sales que foi exatamente para este fim que, nas bodas de Caná, Jesus Cristo deu à Santíssima Virgem aquela resposta, como mostrando estimar pouco as suas súplicas: Que há entre mim e ti, mulher? 56. Foi exatamente para nos dar o exemplo da paciência da Sua santa Mãe.
Porém, que andamos excogitando? Toda a vida de Maria foi um exercício contínuo de paciência; porquanto, como o anjo revelou a Santa Brígida, a Santíssima Virgem, semelhante à rosa, cresceu e viveu sempre entre os espinhos das tribulações. Só a compaixão das penas do Redentor foi suficiente para fazê-la mártir de paciência, razão porque disse São Bernardino de Siena: “A Crucificada concebeu o Crucificado”.57 E o quanto ela sofreu, tanto na viagem ao Egito e na demora ali, como durante todo o tempo em que viveu com o Filho na oficina de Nazaré, não cansemos de apreciá-lo dignamente. Porém, deixando todo o mais de lado, não basta porventura só a companhia que Maria fez a Jesus moribundo no Calvário, para fazer conhecer quão constante e sublime foi a sua paciência? Ao pé da cruz de Jesus estava a sua Mãe 58. No dizer de Santo Alberto Magno, precisamente pelo merecimento desta sua paciência foi ela feita nossa Mãe, que, compadecendo com seu Filho, nos gerou à vida da graça.
Se desejamos ser filhos de Maria, é preciso que procuremos imitá-la na paciência, suportando em paz tanto as cruzes que nos vierem diretamente de Deus – isto é, a pobreza, as des- consolações espirituais, a enfermidade e a morte – como também as que nos vierem da parte dos homens – perseguições, desprezos, injúrias e seduções. São Gregório, ao explicar o seguinte trecho de Oseias: Fecharei o teu caminho com espinhos 59, diz que, assim como a sebe de espinhos guarda a vinha, assim também Deus cerca de tribulações os Seus servos, para que se não afeiçoem ao mundo. De modo que, conclui São Cipriano, a paciência é a virtude que nos livra do pecado e do Inferno, e nos enriquece com merecimentos na vida presente e com glória na outra. É a paciência que faz os santos, como diz São Tiago: Mas é preciso que a paciência efetue a sua obra, a fim de serdes perfeitos e íntegros, sem fraqueza alguma 60.
Por esta razão, São João viu todos os santos com palmas (símbolo do martírio) nas mãos 61; o que significa que todos os adultos que se salvam devem ser mártires – seja de sangue, seja de paciência. “Alegremo-nos, pois”, exclama São Gregório, “se sofremos com paciência as penas desta vida; podemos ser mártires, sem o ferro dos algozes.” Oh, quanto nos aproveitará no Céu cada pena sofrida por amor de Deus! Se alguma vez o peso da cruz se nos afigurar demasiadamente duro, recorramos a Maria, que é chamada a medicina dos corações angustiados e a consoladora dos aflitos.
Ah, Senhora minha suavíssima! Padecestes inocente com tanta paciência, e eu, réu do Inferno, recusarei padecer? Minha Mãe, peço-vos hoje esta graça, não de ficar livre de cruzes, mas de suportá-las com paciência. Por amor de Jesus vos peço que sem tardar me alcanceis de Deus esta graça; de vós a espero.
Eu sou a voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, assim como o disse o profeta Isaías. 62
À imitação de São João Batista, procuremos sempre, ao falar de nós mesmos ou sobre as coisas que nos dizem respeito, abaixar-nos e nunca nos exaltarmos acima dos outros. Quem se abaixa, nunca saíra prejudicado; mas, por pouco que alguém se exalte acima do que é, pode causar-se grande dano. Além disso, é sabido de todos que os louvores em boca própria não trazem honra, senão desprezo.
O Evangelho de hoje 63, como diz São Gregório, faz ressaltar claramente a humildade do Batista. Muito embora estivesse adornado de tais e tantas virtudes, como se pudesse ser ele o Messias prometido, não somente recusou terminantemente esse nome, dizendo: Eu não sou o Cristo 64, como ainda mais, protestou não ser digno nem sequer de desatar os cordões das sandálias do Redentor 65.
Constrangido, pois, a dar informações acerca de si próprio, cala a nobreza de seus pais, a dignidade sacerdotal, e apenas revela o que é indispensavelmente necessário, a saber, o seu ofício de Precursor de Jesus Cristo: Eu sou a voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor 62.
nte desejas agradar a Deus e, assim, preparar-te para fazer o divino Menino em teu coração. Evita de dizer qualquer palavra de louvor próprio, tanto acerca da tua conduta, dos teus talentos e exercícios de virtudes, como acerca da tua família, enaltecendo a nobreza, as riquezas, o parentesco. Em uma palavra, no falar do que te diz respeito ou de ti mesmo, procura sempre, à imitação do Batista, abaixar-te e nunca te exaltares acima dos outros. Fala antes do mal do que o bem; descobre antes os teus defeitos, do que as ações que talvez tenham aparência de virtudes. Abaixando-te, nunca te prejudicarás; mas, como diz São Bernardo, por pouco que te exaltes acima do que és na verdade, podes causar-te grande mal. Além disso é bem conhecido o adágio comum: “Louvor em boca própria é vitupério”.
Ademais, melhor será que nas conversações não fales absolutamente de ti próprio, nem para bem, nem para mal, considerando-te como pessoa tão vil, que nem sequer mereça ser mencionada. Quantas vezes não sucede que, contando coisas mesmo para a nossa própria confusão, insinue-se alguma oculta e fina soberba e que, interiormente, desejemos ser elogiados ou ao menos ser tidos por humildes e virtuosos?
Se, por acaso, sem culpa tua, te louvarem, procura então haver-te assim como se houveram os santos e nos ensinaram. Quer dizer: lança uma vista sobre tantos defeitos teus; confunde-te interiormente por não possuíres os méritos que te atribuem. Treme pensando que talvez a estima dos homens não seja a maior desgraça que te pode suceder, porquanto, pela vã complacência, pode te fazer perder todos os merecimentos que porventura tenhas adquirido perante Deus. Ademais, pode infectar-te o coração, fomentando-te o orgulho e, assim, ser a causa de tua queda e eterna condenação. Por isso, diz São Franciso de Sales que os louvores são um veneno doce e desapercebido, que mais de uma vez têm dado a morte à virtude e à piedade dos mais santos e piedosos. Sobretudo, quando perceberes que te elogiam, olha para Jesus Crucificado, que, por amor a ti, longe de buscar os louvores, preferiu ser o homem mais desprezado, ou, antes, o mais abjeto entre todos os homens: escória da humanidade 37.
Ó meu Jesus, envergonho-me de comparecer na Vossa presença! Vós, embora inocente, fostes por amor a mim cumulado de ignomínias, e eu, pecador, tão ávido sou de louvores e honras! Ah, meu Deus, como me vejo desigual a Vós! Isso me faz temer pela minha salvação eterna, visto que os predestinados Vos devem ser achados conformes. Mas não quero perder a confiança em Vossa misericórdia; Vós mesmo me deveis mudar. Amo-vos, Bondade infinita; arrependo-me dos desgostos que Vos tenho causado com o meu orgulho, e proponho sofrer por Vosso amor qualquer desprezo, qualquer injúria que me for feita. Vós, ó Senhor, inclinai os Vossos ouvidos às minhas súplicas e ilustrai as trevas do meu espírito com a graça de Vossa visita. Dai-me força para guardar fielmente o meu propósito. Quero sempre dizer-vos: “Ó Jesus, manso e humilde de coração, fazei o meu coração semelhante ao vosso”66. Ajudai-me também vós, ó Maria, a mais humilde de todas as criaturas.
O meu servo justo justificará muitos, e tomará sobre si as iniquidades deles. 67
Jesus Cristo quis não somente tomar a aparência de pecador, senão ainda tomar sobre Si todos os pecados dos homens e satisfazer por eles, como se fossem os Seus próprios. Desde criança, viu em particular todos os pecados de cada um de nós, e aquela vista Lhe cruciou a alma muito mais do que em seguida a crucifixão e a morte Lhe cruciaram o corpo. Eis aí a bela maneira como recompensamos o amor de nosso divino Salvador…
Considera que o Verbo Divino, fazendo-se homem, não somente quis tomar a aparência de pecador, como ainda tomar sobre Si todos os pecados dos homens e prestar contas por eles, como se fossem os Seus próprios: Tomará sobre si as iniquidades deles. E acrescenta Cornélio à Lápide 68: “…como se Ele mesmo as tivesse cometido”. Consideremos aqui como o Coração de Jesus Menino, já então carregado de todos os pecados do mundo, devia sentir-se oprimido e angustiado, vendo que a justiça divina exigia d’Ele plena satisfação. Ele conhecia bem a malícia de cada pecado, porquanto na luz da Divindade que sempre O acompanhava conhecia imensamente melhor do que todos os homens e todos os anjos a bondade infinita de Seu Pai, e o Seu infinito direito a ser respeitado e amado. E via diante de Si, como que em longas fileiras, uma multidão inumerável de pecados, a serem cometidos por aqueles mesmos homens pelos quais deveria padecer e morrer.
Uma só vez o Senhor deixou ver Santa Catarina de Gênova a fealdade de um único pecado venial. Foi tão grande o espanto e a dor da santa, que caiu sem sentidos por terra. Ora, qual não deve ter sido a aflição de Jesus Menino, quando, no mesmo instante em que baixou à terra, viu posta diante de Si a multidão imensa de todos os delitos humanos pelos quais deveria pagar! Então, viu em particular todos os pecados de cada um de nós. Diz o Cardeal Hugo que “os algozes o fizeram padecer exteriormente, crucificando-o; mas nós, interiormente, cometendo o pecado”. Quer dizer que cada pecado nosso afligiu mais a alma de Jesus Cristo do que a crucificação e a morte Lhe afligiram o corpo. Eis aí a bela maneira por que cada um que tem lembrança de haver ofendido o Salvador com pecados mortais, lhe recompensou o divino amor…
Meu amado Jesus, já que Vos tenho ofendido, sou indigno de receber graças; mas pelos merecimentos das dores que padecestes e oferecestes a Deus, ao ver todos os meus pecados, e em satisfazer por eles à divina justiça, concedei-me um raio da luz com a qual Vós conhecestes a malícia, e uma parte da abominação com que Vós então a detestastes. Será, pois, verdade, ó meu amável Salvador, que eu, desde que nascestes e em cada momento da Vossa vida, tenha sido o algoz de Vosso Coração, e algoz mais cruel do que aqueles que Vos crucificaram? E essa dor tê-la-ei renovado e aumentado todas as vezes que tornei a ofender-vos. Ó, Senhor, Vós já morrestes para me salvar; porém, para minha salvação não basta a Vossa morte, se de minha parte não deteste, mais do que qualquer outro mal, as ofensas que Vos tenho feito e não me arrependa delas com sincera dor. Vós mesmo deveis dar-me essa dor, e Vós a concedeis a quem a pede. Pelos merecimentos de todas as penas que padecestes em terra, eu Vos peço: dai-me a dor de meus pecados, mas uma dor que seja proporcional à minha maldade. Ajudai-me, ó Senhor, a fazer o ato de contrição que agora quero fazer.
Ó Deus eterno, supremo e infinito Bem, eu, verme miserável, tive ânimo de desrespeitar-vos e de desprezar a Vossa graça. Mais do que todos os outros males, detesto e odeio as injúrias que Vos tenho feito; delas me arrependo de todo o coração, não tanto por causa do Inferno merecido, como por ter ofendido a Vossa bondade infinita. Espero, pelos merecimentos de Jesus Cristo, obter o perdão; e com o perdão espero também obter a graça de Vos amar. Amo-vos, ó Deus, digno de um amor infinito, e sempre quero dizer-vos: eu Vos amo, eu Vos amo. Como a Vossa Santa Catarina de Gênova, ao contemplar-vos crucificado, também eu, prostrado agora a Vossos pés, quero dizer-vos: Meu Senhor, nenhum pecado mais, nenhum pecado mais. Não, Vós, ó Jesus, não mereceis ser ofendido: mereceis somente ser amado. Redentor meu, ajudai-me.
Maria, minha Mãe, valei-me; não vos peço outra coisa, senão que eu viva amando a Deus na vida que ainda me resta.
Serão atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos. (Ap 20,10)
Consideremos que o Inferno é o mais tristes dos cárceres, no qual se sofrem todas as penas, e todas elas eternamente. De sorte que passarão cem anos, passarão mil, e o Inferno apenas terá começado. Passarão cem mil séculos, passarão cem milhões, e o Inferno estará ainda no seu princípio. Ora, esse Inferno nos está também preparado, se não nos aplicarmos ao serviço de Deus, se O ofendermos pelo pecado. Quantos dentre os que, como nós, meditaram nesse horroroso cárcere, estão agora nele queimando para sempre!
Considera que o Inferno não tem fim; sofre-se nele todas as penas, e todas elas eternamente. De sorte que passarão cem anos de sofrimentos, passarão mil, e o Inferno terá apenas começado. Passarão cem mil, cem milhões, mil milhões de anos e de séculos, e o inferno estará ainda no seu princípio. Se um anjo fosse nesta hora dizer a um réprobo que Deus quer livrá-lo do Inferno, mas quando? Quando tiverem passado tantos milhões de séculos quantas são as gotas de água, as folhas das árvores, e os grãos de areia que existem no oceano e na Terra, vós havereis de ficar pasmos; porém, a verdade é que aquele réprobo sentiria mais alegria com tal notícia do que vós se vos dessem a notícia de haverdes sido eleito rei de um grande reino. Sim, porque o réprobo diria consigo: “É verdade que devem passar tantos séculos, mas chegará o dia em que terminarão”. Porém, os séculos hão de passar, e o Inferno estará no seu princípio; suceder-se-á tantas vezes igual número de séculos quantos são os grãos de areia, as gotas de água, as folhas das árvores, e ainda o Inferno estará no seu princípio. Cada réprobo de boa vontade proporia a Deus esta condição: “Senhor, aumenta as minhas penas tanto quanto Vos aprouver; prolongai-as tanto quanto for da Vossa vontade, mas pondera-lhe um termo qualquer dia e ficarei contente”. Mas não, esse fim nunca chegará.
Se o pobre réprobo pudesse ao menos iludir-se e consolar-se dizendo: “Quem sabe? Talvez um dia Deus se apiede de mim e me livre do Inferno!”. Mas não, o desgraçado réprobo terá incessantemente diante da vista a sentença de sua condenação eterna, e dirá: “Todas as penas que agora estou sofrendo, o fogo, os lamentos, nunca mais terão fim! Nunca! E quanto tempo durarão? Sempre, sempre! Oh, nunca! Oh, sempre! Oh, eternidade! Oh, inferno! Como?! Os homens o creem e pecam e continuam a viver no pecado?!”.
Irmão meu, põe sentido; lembra-te de que o Inferno é também para ti, se cometeres o pecado. Já está ardendo essa fornalha horrorosa debaixo de teus pés, e, no momento em que estás lendo isto, quantas almas caem nela? Lembra-te de que, se uma vez caíres ali, nunca mais poderás sair. Se alguma vez mereceste o Inferno, dá graças a Deus por não te ter lançado nele. Procura o mais depressa possível reparar o mal feito, chora os teus pecados e emprega os meios mais aptos para a tua salvação. Confessa-te o quanto antes, lê cada dia um pouco um livro espiritual; pratica a devoção a Maria Santíssima recitando cada dia o Terço e jejuando cada sábado: resiste às tentações, chamando logo por Jesus e Maria: foge das ocasiões do pecado, e se Deus te chamar para deixares o mundo, faze-o, obedece. Tudo quanto se fizer para livrar-se de uma eternidade de penas é pouco, é nada: “Nenhuma cautela é demasiada, quando é a eternidade que está em jogo”, como diz S. Bernardo. Quantos eremitas foram viver em grutas, nos desertos, a fim de fugir do Inferno! E tu, o que fazes depois de tê-lo merecido tantas vezes? Que fazes? Que fazes? Vê que te condenas. Entrega-te a Deus e dize-lhe:
“Eis-me aqui, ó Senhor meu: quero fazer tudo quanto me pedirdes. Graça Vos dou por me terdes suportado até hoje com tanta paciência; agradeço-vos as luzes que agora me destes, fazendo-me ver a minha insensatez, e o mal que fiz ultrajando-vos com tão numerosos pecados. Ah! Jesus, doce Salvador meu, detesto-os e arrependo-me de toda a minha alma. Amo-vos sobre todas as coisas. Vós não me condenastes ao Inferno, a fim de que eu comece a amar-vos. Sim, quero amar-vos, e quero amar-vos muito. Dai-me a força para compensar com o meu amor os desgostos que Vos tenho dado. Doce coração de Maria, sede minha salvação.69
Tirareis com gosto águas das fontes do Salvador! 70
Consideremos as quatro fontes de graças que possuímos em Jesus Cristo. Ele é uma fonte de misericórdia, na qual nos podemos limpar de nossas imundícias; uma fonte de paz e de consolação em nossas tribulações; uma fonte de devoção, que nos faz prontos, na obediência à voz divina; afinal, uma fonte de amor, que nos abrasa no fogo do amor divino. Aproximemo-nos com confiança, e, vamos frequentemente apagar a nossa sede nessas fontes inesgotáveis.
Considera as quatro fontes de graças que possuímos em Jesus Cristo, segundo a contemplação de São Bernardo. A primeira fonte é de misericórdia, na qual nos podemos limpar de todas as imundícias dos nossos pecados. O Redentor fez-nos manar esta fonte com as suas lágrimas e o seu sangue: Ele nos amou e nos lavou de nossos pecados em seu sangue 71.
A segunda fonte é de paz e de consolação em nossas tribulações. Invoca-me, diz o Senhor, no dia da tribulação, e eu te consolarei 72. “Quem tem sede das verdadeiras consolações, também nesta terra, venha a Mim e eu o saciarei”: Se alguém tiver sede, venha a mim e beba 73. “Quem prova a água de Meu amor, aborrecerá para sempre todas as delícias do mundo”: O que beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede 74. “E ficará plenamente satisfeito, quando entrar no reino dos bem-aventurados, porquanto a água da Minha graça o fará subir da Terra ao Céu”: Virá a ser nele uma fonte de água que jorre para a vida eterna 75. A paz que Deus dá às almas que O amam não é como a paz que o mundo promete nos prazeres sensuais, que deixam atrás de si mais amargura da alma do que paz. A paz que Deus dá leva vantagem a todos os gozos dos sentidos. Bem-aventurados, pois, aqueles que suspiram por esta fonte divina: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça 76.
A terceira fonte é de devoção. Oh, como se torna devoto e diligente em obedecer à voz divina, e como vai sempre crescendo em virtude, aquele que com frequência medita em tudo que Jesus Cristo tem feito por nosso amor! Será como a árvore plantada junto às correntes das águas 77.
Enfim, Jesus Cristo é a fonte de amor. Na minha meditação se abrasará o fogo 78. Não é possível que o que medita nos sofrimentos e nas ignomínias que Jesus padeceu por amor a nós, não seja abrasado no fogo sagrado, que Ele veio acender na Terra. E assim se verifica inteiramente que quem se aproveita das fontes benditas que possuímos em Jesus Cristo, tirará com gosto águas das fontes do Salvador: Vós tirareis com alegria água das fontes da salvação 70.
Ó meu doce e amado Salvador, quanto Vos devo! Como me constrangestes a amar-vos! Vós fizestes por mim o que nunca um filho teria feito por seu pai, nem um criado por seu senhor. Se, pois, me haveis amado mais que qualquer outro, é justo que Vos ame sobre todos os outros. Quisera morrer de dor, pensando que tanto padecestes por mim, e que chegastes a aceitar por meu amor a morte mais dolorosa e ignominiosa que um homem pode padecer, ao passo que eu tantas vezes tenho desprezado a Vossa amizade. Quantas vezes Vós me haveis perdoado e eu Vos tornei a desprezar! Mas os Vossos merecimentos são a minha esperança. Agora estimo a Vossa graça mais do que todos os reinos do universo. Amo-vos e por Vosso amor aceito qualquer pena, qualquer morte. Se não sou digno de morrer pela mão do algoz para defender Vossa glória, aceito ao menos de boa vontade aquela morte que me tenhais destinado; aceito-a do modo e no tempo que tenhais marcado.
Minha Mãe, Maria, impetrai-me a graça de viver e de morrer no amor de Jesus.
Eu sou pobre e vivo em trabalhos desde a minha mocidade. 79
Jamais alguém amou Deus e a própria alma como Jesus ama Seu Pai e as nossas almas. Por isso é que Jesus, vendo desde o seio de Maria todos os pecados em particular – e conhecendo tanto a injúria por eles feita ao Pai, como os males que deles deviam provir para as nossas almas – sofreu durante toda a Sua vida o martírio mais doloroso. Mas se Jesus se afligiu a tal ponto por pecados que não eram Seus próprios, é mais do que justo que nós também nos aflijamos, posto que os havemos cometido.
Considera que todas as penas e ignomínias que Jesus sofreu em Sua vida e na morte Lhe eram presentes desde o primeiro instante da Sua vida: A minha dor está sempre diante de mim 80. Desde o berço, Jesus começou a oferecer todas essas penas em satisfação por nossos pecados, principiando desde então a ser o nosso Redentor. Ele mesmo revelou a um Seu servidor que desde o começo de Sua vida até à morte sofreu, e sofreu tanto por qualquer um dos nossos pecados que, se houvesse tido tantas vidas quantos homens existem, teria morrido de dor igual número de vezes, se Deus não Lhe tivesse conservado a vida para sofrer ainda mais. Oh! Que martírio padeceu incessantemente o Coração amante de Jesus pela vista de todos os pecados dos homens! Segundo São Bernardino,81 desde que Jesus desceu ao seio de Maria, cada pecado em particular era-lhe presente, e cada pecado afligia-o imensamente.
Santa Margarida de Cortona nunca deixou de chorar as suas culpas. Certo dia, disse-lhe o confessor: “Margarida, deixa-te de chorar; o Senhor já te perdoou”. “Como?”, respondeu a santa, “como poderei dar-me por satisfeita com as lágrimas derramadas e com a dor daqueles pecados que afligiram o meu Jesus Cristo durante a Sua vida toda?”. Imitemos esta santa pecadora e, pensando muitas vezes nos nossos pecados, digamos frequentemente ao Senhor:
Ó meu Jesus, eis aqui a Vossos pés o ingrato, o perseguidor, que Vos fez sofrer durante toda a Vossa vida. Mas dir-vos-ei com Isaías 82: Tu livraste a minha alma, para que não pereça, lançaste atrás das tuas costas todos os meus pecados. Eu Vos ofendi e Vos traspassei o Coração com tantos pecados, mas Vós não recusastes tomar sobre Vós todas as minhas culpas. Eu por minha livre vontade tenho condenado a minha alma a arder no Inferno, cada vez que consenti em ofender-vos gravemente, e Vós, como preço de Vosso Sangue, não Vos cansastes de livrá-la e de fazer que não ficasse perdida. Meu amado Redentor, graças Vos dou, e quisera morrer de dor ao pensar que tenho ofendido tão gravemente a Vossa bondade infinita.
Ó meu amor, perdoai-me e vinde tomar posse de todo o meu coração. Dissestes que não Vos considerais indigno de entrar no coração de quem Vos abre a porta, e de fazer-lhe companhia: Se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo 83. Se em outros tempos Vos repulsei de mim, agora Vos amo e não quero outra coisa senão a Vossa graça. Eis que Vos abro a porta, entrai em meu pobre coração, mas entrai para nunca mais sair dele. Meu coração é pobre, mas entrando nele Vós o fareis rico. Serei rico enquanto Vos possuir, ó supremo Bem.
Ó Rainha do Céu, Mãe aflita desse aflito Filho, a vós também causei dores amargosas, porquanto tivestes tão grande parte nos sofrimentos de Jesus. Minha Mãe, perdoai-me e alcançai-me a graça de servir fielmente, agora que, como espero, Jesus de novo entrou em minha alma.
Faltam poucos dias para celebrarmos o Natal do Senhor!
A partir do dia 15 de dezembro, convidamos você a rezar conosco a Novena de Natal 2023, com meditações especiais de São Leão Magno.