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Meditações para a Quaresma: prepare-se para a Páscoa com Santo Afonso

Prepare-se para a Páscoa rezando diariamente com as meditações para a Quaresma, escritas por Santo Afonso de Ligório.

Meditações para a Quaresma: prepare-se para a Páscoa com Santo Afonso
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Meditações para a Quaresma: prepare-se para a Páscoa com Santo Afonso

Prepare-se para a Páscoa rezando diariamente com as meditações para a Quaresma, escritas por Santo Afonso de Ligório.

Data da Publicação: 09/02/2024
Tempo de leitura:
Autor: Redação Minha Biblioteca Católica
Data da Publicação: 09/02/2024
Tempo de leitura:
Autor: Redação Minha Biblioteca Católica

Unidos à toda a Igreja, iniciamos hoje um novo tempo litúrgico. E, para que possamos viver da melhor forma este período tão importante, contaremos com o grande auxílio de Santo Afonso de Ligório, através de suas meditações para a Quaresma.

Durante os próximos 40 dias, teremos posts diários no aqui no blog, com considerações que vão guiar nossos momentos de oração, ajudando-nos a estar dignamente preparados para a Páscoa.

Dia 1: A lembrança da morte e o jejum quaresmal

Memento homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris – Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar 1

Os insensatos que não creem na vida futura, estimulam-se com o pensamento da morte a passarem bem a vida. De maneira bem diferente devemos nós proceder, os que sabemos pela fé que a alma sobrevive ao corpo. Nós, lembrando-nos de que em breve temos de morrer, devemos cuidar da nossa eternidade e por meio de oração e penitência aplacar a justiça divina. É com este intuito que a Igreja, depois de pôr as cinzas sobre a cabeça, nos ordena o jejum da Quaresma.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Para compreendermos em toda a sua extensão o sentido destas palavras, imaginemos ver uma pessoa que acaba de exalar o último suspiro. Oh Deus, a cada um que vê este corpo, inspira nojo e horror! Não passaram bem nem 24 horas depois que aquela pessoa morreu e já o mau cheiro se faz sentir. É preciso abrir as janelas e queimar bastante incenso, a fim de que o fedor não infeccione a casa toda. Os parentes com pressa mandam levar o defunto para fora da casa e entregar à terra.

Metido que foi o cadáver na sepultura, vai se tornando amarelo e depois preto. Em seguida, aparece em todos os membros uma penugem branca e repelente, donde sai um pus infecto que corre pela terra e donde se gera uma multidão de vermes. Os ratos vêm também procurar o pasto neste cadáver, roendo-o uns por fora, ao passo que outros entram na boca e nas entranhas. Despegam-se e caem as faces, os lábios, os cabelos; escarnam-se os braços e as pernas apodrecidas, e afinal os vermes, depois de consumidas todas as carnes, consomem-se a si próprios. E deste corpo só restará um esqueleto fétido, que com o tempo se divide, ficando reduzido a um punhado de pó.

Eis aí o que é o homem, considerado como criatura mortal. Eis aí o estado a que tu também, meu irmão, serás, talvez em breve, reduzido: um punhado de pó fedorento. Nada importa ser alguém moço ou velho, são ou enfermo: a todos caberá a mesma sorte, o que a Igreja recorda pondo as cinzas bentas indistintamente sobre a cabeça de todos: Memento homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris – Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Os insensatos que não creem na vida futura e têm as verdades eternas por fábulas, estimulam-se, com a lembrança da morte, a levar vida folgada e a gozarem. Comedamus et bibamus; cras enim moriemur – Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos. 2 De maneira bem diferente, porém, diz Santo Agostinho, deve proceder o cristão, que pela fé sabe que a alma sobrevive ao corpo e que, depois da morte deste, terá de dar contas rigorosíssimas de tudo quanto tiver feito. O cristão, que se lembra que em breve deverá deixar o mundo, cuidará da sua eternidade e procurará aplacar a justiça divina com penitências e orações. É por isso exatamente que a Igreja, depois de nos ter posto as cinzas sobre a cabeça, ordena a seus ministros que notifiquem aos fiéis o jejum quaresmal: Canite tuba in Sion: sanctificate ieiunium – Fazei soar a trombeta em Sião, santificai o jejum.3

Conformemo-nos, portanto, com as intenções de nossa boa Madre Igreja; e como ela mesma o ordena, sejamos no santo tempo da Quaresma “mais sóbrios em palavras, na comida, na bebida, no sono, nos divertimentos”;4 e, o que é mais necessário, afastemo-nos mais de toda a culpa por meio de uma vida recolhida e consagrada à oração, porquanto, no dizer de São Leão, “sem proveito se subtrai o alimento ao corpo, se o espírito não se afasta mais da iniquidade”.

Ó meu amabilíssimo Redentor, consenti que eu una a minha salutar abstinência com a que Vós com tanto rigor por mim quisestes observar no deserto. Consenti também que nesta união eu a ofereça a vosso Divino Pai, como protestação de minha obediência à Igreja, em desconto de meus pecados, pela conversão dos pecadores e em sufrágio das almas santas do purgatório. Tenho intenção de renovar esta oferta todos os dias da Quaresma. “Vós, porém, ó Senhor, concedei-me a graça de começar este solene jejum com devida piedade e de continuá-lo com devoção constante”,5 a fim de que, chegada a Páscoa, depois de ter ressurgido convosco para a vida da graça, seja digno de ressuscitar também para a vida da glória. Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima.

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Jejum na Quarta-feira de cinzas: tudo o que um católico precisa saber
Como viver bem a Quaresma em 5 dicas práticas.

Dia 2: O amor de Jesus Cristo em dar-se a nós como alimento

In funiculis Adam traham eas, in vinculis caritatis (…) et declinavi ad eum ut vescerentur – Eu as atrairei com as cordas com que se atraem os homens, com as prisões da caridade (…) inclinei-me para ele, para que comesse 6.

Quanto se julgaria distinguido o súdito a quem o príncipe mandasse algumas iguarias da sua mesa? Jesus Cristo, porém, na santa comunhão, nos dá para sustento, não só uma parte da sua mesa, mas o seu próprio Corpo, a sua Alma e a sua Divindade. Será porventura uma pretensão exagerada da parte do Senhor, se, em compensação de tão grande dom, nos pede o nosso pobre coração todo inteiro? Todavia quantos cristãos não há que lho recusam completamente ou lho querem dar, mas dividido entre Ele e as criaturas?

Leia mais: Eucaristia: o pulsar do coração de Cristo

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Jesus Cristo não satisfez o seu amor, sacrificando a sua vida por nós num oceano de ignomínias e dores, a fim de patentear o amor que nos tinha. Além disso, e para nos obrigar mais fortemente a amá-lo, quis, na véspera da sua morte, deixar-se todo a nós como nosso alimento na santíssima Eucaristia. ― Deus é todo-poderoso, mas depois de dar-se a uma alma neste sacramento de amor, não lhe pode dar mais. Diz o Concílio de Trento que Jesus, dando-se aos homens na santa comunhão, derramou (por assim dizer) neste único dom todas as riquezas de seu amor infinito: Divitias sui erga homines amoris velut effudit.

Como não se julgaria honrado, escreve São Francisco de Sales, o vassalo a quem o príncipe enviasse algumas iguarias da sua mesa! E que seria se lhe desse para sustento alguma coisa da sua própria substância? Jesus Cristo, porém, na santa comunhão, nos dá para sustento, não só uma parte de sua mesa, não só uma parte da sua carne sacrossanta, mas o seu corpo inteiro: Accipite et comedite: hoc est corpus meum ― Tomai e comei, isto é o meu corpo.7 E com o corpo nos dá também a alma e a divindade. Numa palavra, diz São João Crisóstomo, Jesus Cristo dando-se a si próprio no Santíssimo Sacramento, dá tudo o que tem e não lhe resta mais nada para dar: Totum tibi dedit, nihil sibi reliquit.

É pois com razão que este dom é chamado por Santo Tomás “sacramento e penhor de amor”, e por São Bernardo “amor dos amores”: amor amorum, porque Jesus Cristo reúne e completa neste sacramento todas as outras finezas do seu amor para conosco. Pelo mesmo motivo Santa Maria Madalena de Pazzi chamava o dia em que Jesus instituiu este sacramento “o dia do amor”. Ó maravilha e prodígio do amor divino! Deus, o Senhor de todas as coisas, se faz todo nosso!

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Praebe, fili mi, cor tuum mihi ― Meu filho, dá-me teu coração.8 Eis o que Jesus Cristo nos diz lá de dentro do santo tabernáculo: Meu filho, em compensação do amor que te mostrei, dando-te o dom inapreciável do Santíssimo Sacramento, dá-me o teu coração e ama-me de hoje em diante com todas as tuas forças, com toda a tua alma. Parece-te porventura, meu irmão, que o nosso Salvador é exigente demais, depois de se ter dado a si próprio sem reserva? Todavia, quantos cristãos não há que recusam por completo seu coração a Jesus, ou querem dividi-lo entre Ele e as criaturas!

Ó meu caro Jesus, que mais podeis executar para nos atrair a vosso amor? Ah! Dai-nos a conhecer por que excesso de amor vos reduzistes a estado de alimento, para vos unir a pobres e vis pecadores como somos? Ó meu Redentor, vossa ternura para comigo tem sido tão grande, que não recusastes dar-vos muitas vezes todo a mim na santa comunhão; e eu, quantas vezes tive a ingratidão de vos expulsar da minha alma! Mas não é possível que desprezeis um coração contrito e humilhado. Por mim vos fizestes homem, por mim morrestes e chegastes a vos fazer meu alimento; após isto, que vos fica ainda por fazer no intuito de conquistardes meu amor? Ah! Não poder eu morrer de dor, cada vez que me lembro de ter assim desprezado vossa graça! Ó meu amor, arrependo-me de todo o meu coração de vos ter ofendido. Amo-vos, ó bondade infinita; amo-vos, ó amor infinito. Nada mais desejo senão amar-vos, e nada mais temo senão viver sem vos amar.

Meu amado Jesus, não recuseis vir à minha alma. Vinde, porque estou resolvido a morrer antes mil vezes, que repelir-vos de novo, e quero fazer tudo para vos agradar. Vinde e abrasai-me todo no vosso amor. Fazei com que me esqueça de todas as coisas, para não mais pensar senão em Vós, e só a Vós buscar, meu único e soberano bem. ― Ó Maria, minha Mãe, rogai por mim, e, por vossas orações, tornai-me reconhecido para com Jesus Cristo, que tanto amor me tem.

Confira também: Meditação de São Padre Pio sobre Nosso Senhor na Eucaristia

Dia 3: Comemoração da coroa de espinhos de Nosso Senhor Jesus Cristo

Et milites plectentes coronam de spinis, imposuerunt capiti eius – E os soldados tecendo de espinhos uma coroa, lha puseram sobre a cabeça 9.

Os bárbaros algozes, não contentes com a horrível carnificina feita em Jesus com a flagelação, lhe põem por escárnio uma coroa de espinhos na cabeça e apertam-na de modo que os espinhos penetraram até ao cérebro. Eis como o Senhor quis reparar a maldição fulminada contra a terra, isto é, contra Adão, em consequência da qual a natureza humana não pode produzir senão abrolhos e espinhos de culpas! Eis como Jesus quis expiar os nossos maus pensamentos!

Meditações para a Quaresma – Ponto I

Os bárbaros algozes ainda não contentes com a horrenda carnificina feita no corpo sacrossanto de Jesus Cristo com a flagelação, instigados pelos demônios e pelos judeus, querendo tratá-lo de rei de teatro, lhe põem aos ombros um farrapo de um vestido vermelho, à guisa de manto real; uma cana verde na mão à guisa de cetro, e na cabeça um feixe de espinhos entrelaçados em forma de coroa. E para que esta coroa não só lhe servisse de ludibrio, mas também lhe causasse grande dor, foi feita, na opinião comum dos escritores, em forma de capacete ou chapéu, de sorte que cobria toda a cabeça do Senhor, descia até sobre a testa.

Além disso, colhe-se do Evangelho de São Mateus, que os algozes com a mesma cana batiam nos espinhos compridos, a fim de entrarem mais dentro na cabeça. Com efeito, no dizer de São Pedro Damião, chegaram a penetrar até ao cérebro: spinae cerebrum perforantes. Se um só espinho encravado no pé de um leão o faz ressoar toda a floresta com seus dolorosos gemidos, imagina quão acerba deve ter sido a dor de Jesus Cristo que teve toda a sagrada cabeça perfurada, a parte mais sensível do corpo humano, ao qual se reúnem todos os nervos e sensações.

Tão atroz tormento não foi para Jesus de curta duração; bem ao contrário, foi o mais longo da sua Paixão, porquanto durou até à sua morte. Visto que os espinhos ficavam encravados na cabeça, todas as vezes que lhe tocavam na coroa ou na cabeça, sempre se lhe renovavam as dores. E o Cordeiro manso deixou-se atormentar à vontade dos algozes, sem proferir uma só palavra. Era tão grande a abundância de sangue que corria das feridas, que lhe cobria o rosto, ensopava os cabelos e a barba, e lhe enchia os olhos. São Boaventura chega a dizer que não era já o belo rosto de Senhor que se via, mas o rosto de um homem esfolado. Eis aí, exclama o Bem-Aventurado Dionísio Cartusiano, como quis ser tratado o Filho de Deus, para obter para nós a coroa de glória no Céu.

Meditações para a Quaresma – Ponto II

Maledicta terra in opere tuo (…) spinas et tribulos germinabit tibi ― A terra será maldita na tua obra (…) ela te produzirá espinhos e abrolhos.10 Esta maldição foi lançada por Deus contra Adão e toda a sua descendência; pois que pela terra, não se entende tão somente a terra material, senão também a natureza humana, que estando infectada pelo pecado de Adão, não produz senão espinhos de culpas. Para cura desta infecção, diz Tertuliano, foi mister que Jesus Cristo oferecesse a Deus o sacrifício do seu longo tormento da coroação de espinhos. Por isso Santo Agostinho não hesita em dizer que os espinhos não foram senão instrumentos inocentes; mas que os espinhos criminosos, que propriamente atormentaram a cabeça de Jesus Cristo, foram os nossos pecados, e em particular, os nossos maus pensamentos: Spinae quid nisi peccatores? É isso exatamente o que Jesus Cristo mesmo deu a entender, quando apareceu certa vez a Santa Teresa, coroado de espinhos. Quando a santa lhe testemunhava a sua compaixão, disse-lhe o Senhor: “Teresa, não te compadeças de mim pelas feridas que me abriram os espinhos dos judeus, mas antes pelas que me causam os pecados dos cristãos”. Ó minha alma, tu também atormentaste então a cabeça de teu Redentor com o teu frequente consentimento no pecado. Por piedade! abre ao menos agora os olhos, vê e chora amargamente o grande mal que fizeste.

Ah, meu Jesus, Vós não tínheis merecido ser tratado por mim como vos tenho tratado. Reconheço a minha ingratidão; arrependo-me de todo o meu coração. Peço-vos que não somente me perdoeis, mas que me deis tão grande dor, que durante a minha vida toda continue a chorar as injúrias que vos fiz. Sim, Jesus meu, perdoai-me, visto que vos quero amar sempre e sobre todas as coisas. “E Vós, ó eterno Pai, concedei-me que, venerando na terra, em memória da Paixão de Jesus Cristo, a sua coroa de espinhos, mereça ser um dia por Ele coroado no Céu com uma coroa de glória e honra”.11 Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e de Maria, sua Mãe.

Dia 4: Primeira dor de Maria Santíssima – Profecia de Simeão

Tuam ipsius animam pertransibit gladius – Uma espada transpassará a tua alma. 12

O Senhor usa esta compaixão conosco, de não nos deixar ver as cruzes que nos esperam, a fim de que as tenhamos de sofrer uma só vez. Maria Santíssima, ao contrário, depois da profecia de São Simeão, tinha sempre diante dos olhos e padecia continuamente todas as penas que a esperavam na Paixão do Filho. Mas se Jesus e Maria inocentes tanto padeceram por nosso amor, como ousaremos lamentar-nos, nós que somos pecadores, quando temos de padecer um pouco por amor deles?

Meditações para a Quaresma – Ponto I

Neste vale de lágrimas, cada homem nasce para chorar e cada um deve padecer sofrendo aqueles males que diariamente lhe acontecem. Mas quanto mais triste seria a vida, se cada um soubesse também os males futuros que o têm de afligir! O Senhor usa esta compaixão conosco, de não nos deixar ver as cruzes que nos esperam, a fim de que, se as temos de padecer, ao menos as padeçamos uma só vez. Mas Deus não usou semelhante compaixão para com Maria, a qual, porque Deus quis que fosse Rainha das Dores e toda semelhante ao Filho, teve sempre de ver diante dos olhos e de padecer continuamente todas as penas que a esperavam; e estas foram as penas da Paixão e Morte de seu amado Jesus.

Eis que no Templo de Jerusalém, Simeão, depois de ter recebido o divino infante em seus braços, lhe prediz que aquele seu Filho devia ser alvo de todas as contradições e perseguições dos homens e que por isso a espada de dor devia traspassar-lhe a alma: Et tuam ipsius animam pertransibit gladius. Davi, no meio de todas as suas delícias e grandezas reais, quando ouviu que o profeta Natan lhe anunciava a morte do filho, não tinha mais paz: chorava, jejuava, dormia à terra nua. Não é assim que fez Maria. Com suma paz recebeu ela a nova da morte do Filho e com a mesma paz continuou a sofrê-la; mas ainda assim, que dor não devia sentir o seu coração!

Nem serviu para lha mitigar o conhecimento que já de antemão tinha do sacrifício a fazer, pois que, como foi revelado a Santa Teresa, a bendita Mãe conheceu então em particular e mais distintamente todas as circunstâncias dos sofrimentos, tanto exteriores como interiores, que haviam de atormentar o seu Jesus na sua Paixão. Numa palavra, a mesma Bem-Aventurada Virgem disse a Santa Matilde, que a este aviso de São Simeão toda a sua alegria se converteu em tristeza.

Meditações para a Quaresma – Ponto II

A dor de Maria não achou alívio com o correr do tempo; ao contrário, ia sempre aumentando, à medida que Jesus, crescendo em sabedoria, em idade e em graça 13, junto de Deus e junto dos homens, se tornava mais amável aos olhos de sua Mãe, e se avizinhava mais o tempo da sua amargosa Paixão. Eis o que a própria divina Mãe revelou a Santa Brígida: “Cada vez que eu olhava para meu Filho, sentia o meu coração oprimido de nova dor e enchiam-se meus olhos de lágrimas”. O Abade Ruperto contempla Maria dizendo ao Filho enquanto o alimentava: “Fasciculus myrrhae dilectus meus mihi; inter ubera mea commorabitur – O meu amado é para mim como um ramalhete de mirra, colocado sobre meu peito 14. Ah, Filho meu, eu te aperto entre meus braços porque muito te amo; mas quanto mais te amo, tanto mais para mim te transformas em ramalhete de mirra e de dor, pensando em tuas penas. Tu és a fortaleza dos santos, e um dia entrarás em agonia; és a beleza do Paraíso, e um dia serás desfigurado; és o Senhor do mundo, mas um dia serás preso como um réu; és o Criador do universo, mas um dia te verei lívido pelas pancadas; numa palavra, tu és o Juiz de todos, a glória dos céus, o Rei dos reis, mas um dia serás sentenciado, desprezado, coroado de espinhos, tratado como rei de escárnio e pregado num infame patíbulo. E eu, que sou tua Mãe, eu, que te amo mais que a mim mesma, terei de ver-te morrer de dor, sem te poder dar o menor alívio: Fasciculus myrrhae dilectus meus mihi”.

Se, pois, Jesus, nosso Rei, e Maria, nossa Mãe, bem que inocentes, não recusaram por nosso amor padecer durante toda a sua vida uma pena tão atroz, não é justo que nós nos lamentemos, se padecemos um pouco; nós que porventura muitas vezes temos merecido o Inferno.

Saiba mais sobre a festa da Apresentação do Senhor e a profecia de Simeão

Dia 5: Jesus no deserto e as tentações das almas escolhidas

Iesus ductus est in desertum a spiritu, ut tentaretur a Diabolo – Jesus foi levado pelo espírito ao deserto, para ser tentado pelo Diabo. 15

Meu irmão, se o Senhor permite que sejas tentado, não desanimes, porquanto vê nisso um sinal de que Ele te ama e te quer fazer mais semelhante a Jesus Cristo, que, como refere o Evangelho de hoje, foi também tentado. Esforça-te, porém, a exemplo do próprio Redentor, por empregar todos os meios para seres vencedor. Especialmente refreia as tuas pequenas paixões desordenadas, mortificando-as pela penitência e recorre sempre a Deus pela oração contínua.

Meditações para a Quaresma – Ponto I

Os trabalhos que mais afligem nesta vida às almas amantes de Deus, não são tanto a pobreza, a enfermidade e as perseguições, como as tentações e as securas espirituais. Quando a alma goza da amorosa presença de Deus, todas as tribulações, em vez de a afligirem, mais a consolam, fornecendo-lhe a ocasião para oferecer a Deus algum penhor de seu amor. Mas ver-se pela tentação em perigo de perder a graça divina e temer na secura que já a perdeu, é isso uma pena demasiado amarga para quem ama deveras a Deus. Observemos, porém que é esta a sorte comum das almas santas: Quia acceptus eras Deo, necesse fuit, ut tentatio probaret te – Porque eras aceito de Deus, por isso foi necessário que a tentação te provasse 16.

Quem foi mais santo do que Jesus Cristo? Todavia Ele foi levado pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo Diabo. Em primeiro lugar, foi tentado de gula, porque tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, teve fome. E chegando-se a Ele o tentador, disse: Se és Filho de Deus, dize que estas pedras se convertam em pães 17.

Depois foi tentado de presunção, porque o Diabo o transportou à cidade santa e o pôs sobre o pináculo do templo e lhe disse: Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo, porque está escrito: Recomendou-te aos seus anjos, e eles te levarão nas palmas das mãos, a fim de que nem sequer tropeces numa pedra 18. Finalmente foi tentado de idolatria; porque o diabo, vendo-se vencido uma outra vez, o transportou ainda a um monte muito alto, e mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: Todas estas coisas te darei, se prostrado me adorares 19.

Meditações para a Quaresma – Ponto II

Os meios de que nos devemos servir para vencer as tentações são os mesmos que nosso divino Redentor nos ensina com o seu exemplo no Evangelho de hoje. Cum ieiunasset quadraginta diebus – Jesus jejuou quarenta dias. Para vencermos todas as tentações, e em particular a dos sentidos, é mister que nós também, especialmente neste tempo de Quaresma, mortifiquemos a carne pelo jejum, pela penitência, e pelo recolhimento, e que ao mesmo tempo avigoremos o espírito com meditações e orações, porque não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus 20.

Non tentabis Dominum Deum tuum – Não tentarás ao Senhor teu Deus 21. Para vencermos as tentações, devemos em segundo lugar evitar as ocasiões de pecado. Aqueles que se expõem voluntariamente aos perigos e não pretendem cair, tentam Deus para fazer milagres. A custódia dos anjos, diz São Bernardo, é prometida a quem caminha nos caminhos de Deus, viis suis, e não àquele que se expõe voluntariamente ao perigo de cair num abismo. Vade, Satana – Vai-te, Satanás 22.

Ó meu amabilíssimo Jesus, vejo que no passado caí e recaí tão miseravelmente, porque me descuidei de imitar os vossos divinos exemplos. Arrependo-me de todo o coração; peço-vos perdão e prometo que para o futuro serei mais cuidadoso. Mas fortalecei a minha fraqueza. Eu vo-lo peço pela mortificação que praticastes, abstendo-vos por quarenta dias de toda a alimentação, e pela humildade que mostrastes, permitindo ao demônio que vos tentasse como a qualquer outro filho de Adão. “Ó Deus, que purificais a vossa Igreja com a anual abstinência quaresmal: concedei à vossa família, que com boas obras execute o que de Vós deseja obter com a sua abstinência.” 23 Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Entenda o que são as tentações e como combatê-las.

Dia 6: Bem-aventurado o que não quer outra coisa senão a Deus

Beati pauperes spiritu, quoniam ipsorum est regnum coelorum – Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus 24.

Persuadamo-nos bem de que só Deus pode contentar-nos; mas não contenta senão àqueles que são pobres de espírito, isso é, de desejos terrestres, e nada querem fora dele. Se, portanto, nós também queremos achar a verdadeira felicidade, desfaçamo-nos de todo o afeto à terra, entreguemo-nos a Deus sem reserva e digamos frequentes vezes: Senhor, disponde de mim, e de tudo que é meu, segundo o vosso agrado; eu não quero senão o que Vós quereis.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Pelos pobres de espírito entendem-se aqueles que são pobres de desejos terrestres e nada querem fora de Deus. Estes são pobres nos desejos, mas não na realidade, porque desde a presente vida vivem contentes. Por isso o Senhor não diz: Ipsorum erit – Deles será, mas: Ipsorum est regnum coelorum – Deles é o reino dos céus; porquanto já nesta terra são ricos em bens espirituais que de Deus recebem. Apesar de pobres em bens temporais, vivem contentes em seu estado, em contraste com os ricos em desejos terrestres, que na vida presente sempre são pobres e vivem descontentes, por grandes que sejam as suas riquezas. Jesus Cristo, como diz o Apóstolo,25 quis ser pobre, para com o seu exemplo nos ensinar o desprezo dos bens terrestres e desta forma nos tornar ricos em bens celestes, que são imensamente mais preciosos e de duração eterna. Eis porque declara que, quem não renuncia a tudo quanto possui na terra com certo apego, não pode ser seu verdadeiro discípulo.26

Persuadamo-nos de que só Deus faz contentes, mas não faz plenamente contentes senão aquelas almas que o amam de todo o coração. Que lugar pode o amor de Deus achar num coração cheio de coisas terrestres? Muitas almas se queixam de que na meditação, na comunhão, nos outros exercícios de devoção não acham a Deus. Santa Teresa lhes diz: “Desprende o teu coração das criaturas e acharás Deus”.

Desfaçamo-nos, portanto, de todo o afeto terrestre e especialmente da vontade própria; demos a Deus toda a nossa vontade sem reserva e digamos-lhe: Senhor, disponde de mim e de tudo que é meu, segundo o vosso agrado. Não quero senão o que Vós quereis, e sei que não quereis senão o que é melhor para mim. Fazei que eu vos ame sempre, e nada mais desejo.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

O único meio para nos desprendermos das criaturas é a aquisição de um grande amor a Deus. Enquanto o amor divino não ficar sendo senhor de toda a nossa vontade, nunca chegaremos a ser santos. O meio, pois, para adquirirmos esse amor divino predominante é a santa oração. Roguemos, portanto, sempre a Deus que nos dê o seu amor e assim nos veremos desprendidos de todas as coisas criadas. O amor divino é um roubador que santamente nos tira todos os afetos terrestres. Como não há força capaz de resistir à morte, assim tampouco há impedimento, por insuperável que se nos afigure, que possa resistir ao amor divino. O amor vence tudo. Pelo seu amor a Deus os santos mártires venceram os tormentos mais atrozes e a morte mais dolorosa.

Por outro lado, se uma alma não chega a dar-se toda a Deus, acha-se sempre em perigo de abandoná-lo e perder-se; como, ao contrário, quem deveras se deu todo a Deus, pode estar certo de que não mais o abandonará, porque o Senhor é liberal e fiel para com o que se lhe dá sem reserva. Donde vem que algumas pessoas, que de primeiro levavam vida santa, vieram depois a cair tão profundamente, que deixaram bem pouca esperança acerca de sua salvação? Donde vem isso? Vem, respondo, de que não se tinham dado inteiramente a Deus; a sua própria queda é o sinal certo disso.

Meu Deus e meu verdadeiro amador: não permitais que minha alma, criada para vos amar, ame qualquer coisa senão a Vós e não seja toda vossa, visto que me resgatastes com o vosso Sangue. Ah, Jesus meu, como será possível que depois de ter conhecido o vosso amor para comigo, eu ame alguma coisa fora de Vós? Peço-vos, que me queirais atrair sempre mais ao íntimo do vosso Coração. Fazei com que me esqueça de tudo, a fim de não buscar nem desejar senão o vosso amor. Jesus meu, em Vós confio. Ó Maria, Mãe de Deus, em vós pus as minhas esperanças. Desprendei-me de tudo que não seja Deus, para que Ele seja o único objeto de todo o meu amor e de minha felicidade eterna.

Dia 7: Quanto é doce a morte do justo

Iustorum animae in manu Dei sunt, et non tanget illos tormentum mortis – As almas dos justos estão na mão de Deus, e não os tocará o tormento da morte 27.

É assim: os tormentos, que na morte afligem os pecadores, não afligem os santos, porque já antes desse tempo deixaram pelo afeto os bens terrestres, consideraram as honras como fumo e vaidade e viveram desapegados dos parentes, amando-os só em Deus. Doutra parte, que felicidade morrer entregando-se nos braços de Jesus Cristo, que quis sofrer uma morte tão amarga, a fim de nos obter uma morte doce e cheia de consolação! Irmão meu, se na primeira noite a morte te colhesse, qual seria a tua morte, a do justo ou a do pecador?

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

É assim: os tormentos que na morte afligem os pecadores, não afligem os santos: Non tanget illos tormentum mortis ― Não os tocará o tormento da morte. Os santos não se abalam com esse Proficiscere, anima ― Parte, ó alma, que tanto assusta os mundanos. Os santos não se afligem com o terem de deixar os bens da terra, porque nunca lhes tiveram o coração ligado. Deus é o Senhor do meu coração, diziam eles sempre, a minha porção é Deus para sempre ― Deus cordis mei et pars mea Deus in aeternum.28 Sois felizes, escrevia o Apóstolo a seus discípulos que pela causa de Jesus Cristo tinham sido despojados de seus bens, sois felizes, porque suportastes com alegria a rapina dos vossos bens, sabendo que tendes um cabedal melhor e permanente: Cognoscentes vos habere meliorem et manentem substantiam.29

Os santos não se afligem por deixarem as honras, porque desde muito as desprezaram e tiveram na conta do que efetivamente são, fumo e vaidade. Só estimaram a honra de amarem a Deus e de serem por Ele amados. Nem se afligem por deixarem os parentes, porque só os amaram em Deus; morrendo, recomendam-nos ao Pai celeste que os ama mais do que eles o podiam, e como esperam salvar-se, pensam que melhor lhes poderão valer na pátria celestial do que ficando na terra. Em suma, o que disseram durante toda a vida: Deus meus et omnia ― Meu Deus e meu tudo, repetem-no com mais consolação e ternura no momento da morte.

Quem morre no amor de Deus não se inquieta com as dores que acompanham a morte; antes, nelas se compraz pensando que a vida vai acabar e que depois não lhe resta mais tempo para sofrer por Deus e testemunhar-lhe outras provas do seu amor. Por isso, oferece-lhe com afeto e paz estes últimos restos da sua vida e consola-se unindo o sacrifício da sua morte ao sacrifício que Jesus Cristo ofereceu um dia por ele na cruz ao seu eterno Pai. E assim morre feliz, dizendo: In pace in idipsum dormiam et requiescam ― Em paz dormirei nele e repousarei.30 Oh! que felicidade morrer entregando-se e repousando nos braços de Jesus Cristo, que nos amou até à morte e quis sofrer uma morte tão dolorosa, a fim de nos obter uma morte doce e cheia de consolação! Meu irmão, quais seriam os teus sentimentos se tivesses de morrer neste instante?

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Ó meu amado Jesus, que para me obter uma morte suave, quisestes sofrer uma morte tão cruel no Calvário, quando é que vos verei? A primeira vez que vos terei de ver, ver-vos-ei como meu Juiz no próprio lugar em que expire. Que vos direi então? Que me direis? Não quero esperar até então para pensar nisso; quero meditá-lo agora. Dir-vos-ei:

Meu caro Redentor, sois Vós aquele que morreu por mim? Houve um tempo em que vos ofendi; fui ingrato para convosco e não merecia perdão; mas, ajudado pela vossa graça, entrei em mim mesmo, e no resto da vida chorei os meus pecados, e Vós me haveis perdoado. Perdoai-me agora novamente, que estou a vossos pés, e dai-me a absolvição geral das minhas faltas. Não merecia mais amar-vos tendo desprezado o vosso amor; mas pela vossa misericórdia me tendes atraído o coração, o qual, se vos não amou segundo o vosso mérito, amou-vos pelo menos sobre todas as coisas, deixando tudo para vos agradar. Que me dizeis agora? Verdade é que gozar o Paraíso e possuir-vos no vosso reino é uma felicidade grande demais para mim. Não tenho, porém, coragem de viver longe de Vós, mormente agora, que me deixastes ver o vosso amável e belo rosto. Peço-vos, pois, o Paraíso, não para ter mais gozo, mas para melhor vos amar.

Mandai-me para o Purgatório todo o tempo que vos aprouver. Manchado, como ainda estou, não quero entrar nessa pátria de pureza e ver-me entre essas almas puras. Mandai-me ao purgatório, mas não me expulseis para sempre da vossa presença. Basta-me que no dia que vos aprouver, me chameis ao Paraíso para nele cantar eternamente as vossas misericórdias. Por ora, ó meu amado Juiz, levantai a mão, abençoai-me e dizei-me que sou vosso e que Vós sois e sereis sempre meu. Eu sempre vos amarei, e Vós sempre também me amareis. Agora vou para longe de Vós, vou para o fogo; mas vou contente, porque vou para vos amar, meu Redentor, meu Deus, meu tudo. Vou contente, sim; mas sabei que, enquanto estiver longe de Vós, a minha maior pena será esse apartamento. Vou, Senhor, contar os instantes que decorrerão até que me chameis. Tende piedade de uma alma que vos ama com todas as suas forças e deseja ver-vos para melhor vos amar.

É assim, Jesus meu, que espero então falar-vos. Peço-vos entretanto que me deis a graça de viver de modo que possa dizer-vos então o que agora pensei. Dai-me a santa perseverança, dai-me o vosso amor. Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima.

Dia 8: Contas que terá de dar a Jesus Cristo quem não segue a vocação

Auferetur a vobis regnum Dei, et dabitur genti facienti fructus eius – Ser-vos-á tirado o reino de Deus, e será dado a um povo que faça os frutos dele 31.

Avivemos a nossa fé. A graça que o Senhor nos concedeu chamando-nos a viver em sua casa é muito mais excelente do que se nos tivesse chamado a sermos rei do reino mais extenso da terra. Quanto maior, porém, a graça, tanto mais o Senhor se irritará contra nós, se não lhe tivermos correspondido; tanto mais rigoroso será o vosso julgamento no dia das contas. Ai de nós, se não obedecermos à chamada divina, ou se por nossa culpa perdermos a vocação!

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

A graça da vocação ao estado religioso não é uma graça ordinária; ela é muito rara e Deus a poucos a concede: Non fecit taliter omni nationi – Não fez assim a todas as nações.32 Oh! Esta graça de ser chamado à vida perfeita e a ser doméstico de Deus em sua casa, quanto é superior à de ser chamado a ser rei do reino mais extenso do mundo! Pois, que comparação pode haver entre um reino temporal na terra e o reino eterno do Céu?

Quanto maior, porém a graça, tanto mais o Senhor se irritará contra quem não lhe tiver correspondido, e tanto mais rigoroso será o seu julgamento no dia das contas. Se um rei chamasse um pastorzinho para seu palácio, a fim de o servir entre os nobres de sua corte, quão grande não seria a indignação daquele príncipe, se o súdito recusasse o seu favor, para não deixar o seu pobre redil e o seu pequeno rebanho?

Deus bem conhece o preço das suas graças; por isso castiga rigorosamente àquele que as despreza. Ele é o Senhor: quando chama, quer ser obedecido, e obedecido prontamente; pelo que, quando com a sua luz chama uma alma à vida perfeita, e esta não corresponde, priva-a de sua luz e abandona-a no meio das trevas. Oh! Quantas almas desgraçadas veremos reprovadas no dia do juízo, porque não quiseram obedecer à voz de Deus!

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Agradece portanto ao Senhor, ter-te convidado a segui-lo; mas treme, se não correspondes à graça. Chamando-te Deus a servi-lo mais de perto, é sinal que Deus te quer salvo; mas só te quer salvo pelo caminho que te indica e escolhe. Se queres salvar-te seguindo o caminho que tu mesmo te escolhes, corres grande perigo de o não obteres. Pois, ficando no século ou a ele voltando, quando Deus te quer religioso, não receberás de Deus aqueles auxílios eficazes que te havia preparado em sua casa, e sem os quais não te salvarás. Oves meae vocem meam audiunt – As minhas ovelhas ouvem a minha voz.33 Quem não quer obedecer à voz de Deus, dá sinal de que não é ovelha de Jesus, mas será condenado com os bodes no vale de Josafá.

Senhor, Vós tivestes para comigo este excesso de bondade, de escolher-me de entre tantos outros, para me colocar entre os vossos servos prediletos e fazer-me morar na vossa casa. Conheço quanto esta graça é grande, e quanto eu dela era indigno. Eis-me aqui: quero corresponder a tamanho amor, quero obedecer-vos. Já que Vós fostes tão generoso para comigo, chamando-me, quando eu não vos procurava, e além disso vos era tão ingrato, não permitais que eu venha a cair nesta outra ingratidão suprema, de deixar-vos, a Vós que por meu amor derramastes o vosso Sangue e destes a vida, para novamente me entregar ao mundo, meu inimigo, que no passado tantas vezes me tem feito perder a vossa graça e a minha eterna salvação. Pois que me chamastes, dai-me a força para obedecer.

Já prometi obedecer-vos, e de novo vo-lo prometo; mas se Vós não me concedeis a graça da perseverança, não vos posso ser fiel. A Vós peço esta perseverança, quero-a e espero-a pelos vossos merecimentos. Dai-me a coragem de vencer as paixões da carne, com que o demônio quer que eu vos atraiçoe. Amo-vos, meu Jesus, e me consagro todo a Vós. Já sou vosso e vosso quero ser para sempre. Maria, Mãe e esperança minha, Vós sois a Mãe da Perseverança, que só com a vossa intercessão é concedida; vós me haveis de alcançar; em vós confio.

Dia 9: Quanto Jesus deseja unir-se conosco na santa comunhão

Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum, antequam patiar – Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa, antes que padeça 34.

Nenhuma abelha esvoaça com tanta avidez sobre as flores para lhes sorverem o mel, como Jesus vai morar nas almas que o desejam. Eis porque no Evangelho nos convida tantas vezes a que nos aproximemos dele na santa comunhão. Faz tantas promessas e tantas ameaças, para manifestar o grande desejo que tem de unir-se conosco. Que ingratidão, pois, se não correspondemos a tão grande amor!

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Jesus Cristo chama hora sua a noite em que devia começar a sua Paixão. Mas como é que pode chamar uma hora tão funesta a sua hora? É porque foi a hora por Ele almejada em toda a sua vida, visto que havia determinado que naquela noite havia de nos deixar a santa comunhão, destinada a consumar a sua união com as almas diletas, pelas quais devia em breve dar o sangue e a vida. Eis aqui o que naquela noite Jesus disse a seus discípulos: Desiderio desideravi hoc pascha manducare vobiscum ― Tenho desejado ansiosamente comer esta Páscoa convosco. Palavra pela qual o Redentor nos quis dar a entender o desejo ansioso que tinha de unir-se conosco neste Santíssimo Sacramento de amor: Desiderio desideravi ― Desejei ansiosamente; estas palavras, diz São Lourenço Justiniano, saíram do Coração de Jesus abrasado em imenso amor.

Ora, a mesma chama que então ardia no Coração de Jesus, ainda está ardendo ali até ao presente; e a todos nós renova o convite feito então aos apóstolos de o receberem: Accipite et comedite, hoc est corpus meum ― Tomai e comei: isto é o meu corpo.35 Além disso, para atrair-nos a recebê-lo com amor, promete o Paraíso: Qui manducat meam carnem, habet vitam aeternam ― Quem como a minha carne, tem a vida eterna.36 No caso contrário ameaça-nos com a morte eterna: Nisi manducaveritis carnem Filii hominis, non habebitis vitam in vobis ― Se não comerdes a carne do Filho do homem, não tereis a vida em vós.37

Estes convites, estas promessas, estas ameaças nasceram todas do desejo que tem Jesus Cristo de se unir conosco na santa comunhão, e este desejo nasce do amor que nos tem. “Não há abelha”, disse um dia o Senhor a Santa Matilde, “que com tanta avidez esvoace sobre as flores para lhes sorver o mel, como Eu anseio entrar nas almas que me desejam”. Porque Jesus nos ama, quer ser amado de nós, e porque nos deseja seus, quer ser desejado, como diz São Gregório: Sitit sitiri Deus. Bem-aventurada a alma que se aproxima da mesa da comunhão com grande desejo de se unir a Jesus Cristo!

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Adorável Jesus meu, não podeis dar-nos maiores provas de amor para nos fazer compreender quanto nos amais. Destes vossa vida por nós; ficastes no Santíssimo Sacramento, para que venhamos aí alimentar-nos de vossa carne, e quão grande desejo tendes que vos recebamos! Como podemos ser sabedores de tantas finezas de vosso amor, sem ficarmos abrasados neste mesmo amor? Longe de mim, afetos terrenos, saí de meu coração; vós é que me impedis de arder por Jesus como Ele arde por mim. Ó meu Redentor, que outros testemunhos de afeto posso eu ainda esperar, depois dos que me tendes dado? Por meu amor sacrificastes a vossa vida inteira; por meu amor abraçastes uma morte tão amarga e ignominiosa; por meu amor chegastes, por assim dizer, a aniquilar-vos, reduzindo-vos na Eucaristia a estado de alimento, para vos dardes todo a mim. Ah, Senhor! não permitais que eu seja ingrato a tão grande bondade.

Graças vos dou pelo tempo que me concedeis para chorar minhas ingratidões e vos amar. Arrependo-me, ó soberano Bem, de ter tantas vezes desprezado o vosso amor. Amo-vos, ó bondade infinita; amo-vos, ó tesouro infinito; amo-Vos, ó amor infinito, digno de infinito amor. Jesus, meu Deus, amo-vos sobre todas as coisas. Por piedade, ajudai-me, ó meu Jesus, a banir do meu coração todos os afetos que não são para Vós, para que daqui por diante não deseje, não busque e não ame senão a Vós. Meu amado Redentor, fazei com que eu vos ache sempre e sempre vos ame. Apoderai-vos de toda a minha vontade, para que queira somente o vosso beneplácito. Meu Deus, meu Deus, a quem então amarei, se não amo a Vós em quem se encontram todos os bens? Só a Vós quero, e nada mais. Ó Maria, minha Mãe, tomai meu coração e enchei-o de perfeito amor a Jesus.

Você sabe o que é o Sacramento da Eucaristia?

Dia 10: Comemoração da lança e dos cravos de Nosso Senhor Jesus Cristo

Unus militum lancea latus eius aperuit, et continuo exivit sanguis et aqua – Um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água 38.

Sendo o coração um dos primários órgãos da vida, claro está que tem parte principal nos afetos do homem, tanto nos bons como nos maus. Exatamente para sarar esta raiz viciada dos pecados, quis Jesus Cristo que seu Coração fosse traspassado pela lança, assim como pouco antes, para expiar a culpa de Adão em estender a mão ao fruto vedado, e para reparar os abusos da liberdade, quis que as mãos e os pés lhe fossem traspassados pelos cravos. Ó inventos admiráveis do amor de Deus! E nós não amaremos?

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Reflete um devoto escritor que na Paixão de Jesus Cristo tudo foi excesso assombroso. Hebreus e gentios, sacerdotes e seculares, todos juntos conspiraram para fazê-lo, como o predissera Isaías, o homem de dores e de desprezos. Causa horror a consideração do complexo de maus tratos e injúrias que fizeram Jesus sofrer em menos da metade de um dia, desde a captura até à morte. Mas quem não esperaria que ao menos depois da morte teriam deixado de ultrajá-lo? Todavia não sucedeu assim.

Refere São João, que os Judeus, para não deixarem os corpos na cruz durante o sábado de Páscoa, pediram a Pilatos que mandasse quebrar as pernas aos supliciados e que os fizessem descer da cruz.39 Eis que Maria, enquanto está chorando a morte do Filho, vê alguns homens, armados de barras de ferro, que se avizinham de Jesus. À tal vista, primeiramente tremeu de espanto, depois disse assim, como medita São Boaventura: Parai; ah! meu Filho já está morto! deixai de o injuriar e deixai também de me atormentar mais a mim, sua pobre Mãe! Mas, enquanto está assim falando, vê, ó Deus! um soldado que vibra com ímpeto uma lança e com ela abre o lado de Jesus: Unus militum lancea latus eius aperuit.

A esse golpe tremeu a cruz, o Coração de Jesus ficou dividido e saiu sangue e água. Não havia mais sangue além daquelas gotas restantes, que o Salvador também quis derramar, para nos fazer entender que não tinha mais sangue para nos dar. A injúria daquela lançada foi de Jesus, mas a dor foi toda de Maria Santíssima.

Minha alma, aproxima-te enternecida da cruz, une as tuas penas com as de tua querida Mãe e prostra-te assim aos pés do Senhor, a fim de que corra sobre ti esse sangue divino.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Sendo o coração um dos primários órgãos e como que princípio da vida, claro está que ele tem parte principal nos afetos do homem, segundo o que está escrito: Do coração saem os maus pensamentos, os homicídios, os furtos e as maledicências.40 Foi exatamente para sarar esta raiz viciada dos pecados, que Jesus quis ser ferido em seu Sacratíssimo Coração, assim como pouco antes, para expiar a culpa de Adão em estender a mão para o fruto vedado, e para reparar os abusos da liberdade humana, quis que lhe fossem traspassadas as mãos e os pés. Por isso é que a Igreja não hesita em venerar a lança e os cravos que tiveram a ventura de ser tintos com o sangue do Senhor. No Ofício, em sua honra exclama saudando-os: “A perfídia judaica escolheu-vos para instrumentos de perversidade; mas o Deus do Céu vos transformou em ministros de graça. Pelo que das chagas que abristes no corpo sacrossanto de Jesus, como de outras tantas fontes, nos brotam as graças celestes”.41

Meu irmão, unamos os nossos afetos aos de nossa boa Mãe, a Igreja. Peçamos ao Senhor perdão do abuso que nós também temos feito da liberdade. Roguemos-lhe que virando contra nós aqueles cravos e aquela lança, tire a vingança das ofensas que lhe fizemos, ferindo-nos o coração, as mãos e os pés. Os pés, para que de hoje em diante sejam impotentes em nos expor às ocasiões perigosas; as mãos, para que deixem de praticar o mal; o coração, para que, livre de todo apego desordenado às criaturas, arda sempre de amor divino: Omnisque corde e saucio profanus ardor exeat.42

Eis o que vos peço, ó meu Deus! “A Vós, que na fraqueza da natureza humana quisestes ser traspassado com cravos e ferido pela lança, suplico-vos, concedei-me, que venerando na terra a memória desses cravos e dessa lança, eu vá depois alegrar-me no Céu pelo glorioso triunfo de vossa vitória”.11 Fazei-o por amor do Coração aflitíssimo de Maria.

Dia 11: Segunda dor de Maria Santíssima – Fuga para o Egito

Accipe puerum et matrem eius, et fuge in Aegyptum – Toma o Menino e sua Mãe, e foge para o Egito 43.

A profecia de São Simeão acerca da Paixão de Jesus e das dores de Maria começou desde logo a realizar-se na fuga que teve de fazer para o Egito, a fim de subtrair o Filho à perseguição de Herodes. Pobre Mãe! quanto não devia ela sofrer tanto na viagem como durante a sua permanência naquele país entre os infiéis! Vendo a Sagrada Família na sua fuga, lembremo-nos que nós também somos peregrinos sobre a terra. Para sentirmos menos os sofrimentos do exílio, à imitação de São José tenhamos conosco no coração a Jesus e Maria.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Como cerva, que ferida pela flecha, aonde vai leva a sua dor, trazendo sempre consigo a flecha que a feriu; assim a divina Mãe, depois da profecia funesta de São Simeão, levava sempre consigo a sua dor com a memória contínua da Paixão do Filho. Tanto mais, que aquela profecia começou desde logo a realizar-se na fuga que o Menino Jesus teve de fazer para o Egito, a fim de se subtrair à perseguição de Herodes: Surge et accipe puerum et matrem eius et fuge in Aegyptum – Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe, e foge para o Egito.

Que pena, exclama São João Crisóstomo, devia causar ao Coração de Maria, o ouvir a intimação daquele duro exílio com seu Filho! “Ó Deus”, disse então Maria suspirando, como contempla o Bem-aventurado Alberto Magno, “deve, pois fugir dos homens aquele que veio a salvar os homens?”

Cada um pode considerar quanto padeceu a Santíssima Virgem naquela viagem. A estrada, conforme a descrição de São Boaventura, era áspera, desconhecida, cheia de bosques, pouco frequentada, e sobretudo muito longa, de modo que a viagem foi ao menos de trinta dias. O tempo era de inverno; por isso tiveram de viajar com neves, chuvas e ventos, por caminhos arruinados cheios de lama, sem terem quem os guiasse ou servisse. Maria tinha então quinze anos, e era uma donzela delicada, não acostumada a semelhantes viagens. Que dó fazia ver aquela Virgenzinha com o Menino nos braços e acompanhada somente de São José!

Pergunta São Boaventura: Quomodo faciebant de victu? Ubi nocte quiescebant? – De que alimentavam-se? Onde passavam as noites? E de que outra coisa podiam alimentar-se, senão de um pedaço de pão duro, trazido por São José, ou mendigado? Onde deviam dormir, especialmente no extenso deserto pelo qual deviam passar, senão sobre a terra, ao relento, com perigo de ladrões ou de feras em que abunda o Egito? Oh! Quem tivera encontrado aqueles três grandes personagens, por quem as haveria então reputado senão por três pobres mendigos e vagabundos?

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Opina Santo Anselmo que os santos peregrinos no Egito habitaram a cidade de Heliópolis. Considere-se aqui a grande pobreza em que deviam viver nos sete anos que ali permaneceram, como afirma Santo Antônio com Santo Tomás e outros. Eram estrangeiros, desconhecidos, sem rendimentos, sem dinheiro, sem parentes. Como diz São Basílio, chegaram com dificuldade a sustentar-se com os seus pobres trabalhos. Escreve Landolfo de Saxônia (e isto seja dito para consolação dos pobres), que Maria se achava em tão grande pobreza, que algumas vezes não tinha nem sequer um pouco de pão, que o Filho lhe pedia, obrigado pela fome.

Ver assim Jesus, Maria e José andarem fugitivos, peregrinando por este mundo, ensina-nos que também devemos viver nesta terra como peregrinos, sem que nos apeguemos aos bens que o mundo oferece, pois que em breve os havemos de deixar e de ir para a eternidade: Non habemus hic manentem civitatem, sed futuram inquirimus – Não temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura.44 Demais, ensina-nos que abracemos as cruzes, já que neste mundo não se pode viver sem cruz. A Bem-Aventurada Verônica de Binasco, agostiniana, foi levada em espírito a acompanhar Maria com o Menino Jesus na viagem ao Egito, finda a qual lhe disse a divina Mãe: “Filha, acabas de ver com quantas fadigas chegamos a este país; sabe, pois, que ninguém recebe graças sem padecer”.

Quem deseja sentir menos os trabalhos desta vida, deve, à imitação de São José, tomar consigo Jesus e Maria: Accipe puerum et matrem eius – Toma o Menino e sua Mãe. A quem pelo amor traz no coração este Filho e esta Mãe, se lhe tornam leves, quiçá doces e estimáveis, todas as penas. Amemo-los, pois, e consolemos a Maria acolhendo o seu Filho dentro dos nossos corações, que ainda hoje é continuamente perseguido pelos homens com os seus pecados.

Saiba o que a Igreja celebra na Festa dos Santos Inocentes.

Dia 12: A transfiguração de Jesus Cristo e as delícias do Paraíso

Domine, bonum est nos hic esse – Senhor, é bom estarmos aqui 45.

Consideremos hoje a beleza do Paraíso e raciocinemos assim: São Pedro e os seus felizes companheiros provaram apenas uma só gota da doçura celestial; não viram senão um raio da divindade. Todavia ficaram de tal modo arrebatados, que desejavam permanecer ali para sempre. O que será então de nós, quando nos saciarmos na fonte das delícias e virmos a Deus tal qual é, face a face? Para chegarmos a tão grande recompensa, devemos antes de mais nada combater e sofrer alguma coisa na terra.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

No Evangelho de hoje, lemos que certo dia Nosso Senhor, querendo dar a seus discípulos um antegozo da beleza do Paraíso, tomou consigo a Pedro, a Tiago e a João seu irmão, e os conduziu de parte a um alto monte e transfigurou-se diante deles. O seu rosto ficou refulgente como o sol, e suas vestiduras se fizeram brancas como a neve. E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com Ele. E tomando a palavra, disse Pedro a Jesus: Senhor, bom é que estejamos aqui: se queres, façamos três tabernáculos, um para ti, outro para Moisés e outro para Elias – Domine, bonum est nos hic esse.46

Detenhamo-nos também a considerar um pouco a beleza do Paraíso e raciocinemos assim: São Pedro e os seus felizes companheiros provaram apenas uma só gota da doçura celestial e nem assim puderam conter-se que não rogassem a Jesus lhes fosse concedido permanecerem sempre naquele lugar. Que será então de nós, quando o Senhor saciar os seus escolhidos da abundância de sua casa e os fizer beber na torrente das suas delícias?47 São Pedro e os outros dois apóstolos não viram senão um único raio da divindade de Jesus Cristo, o qual transluziu da sua sagrada humanidade. Todavia, não podendo sustentar tão viva luz, ficaram deslumbrados, e como fora de si, caíram de bruços sobre a terra. Que será então quando o Senhor se deixar ver a seus escolhidos face a face, como é em si mesmo? Tão bela sorte nos espera também a nós, meu irmão, se nos esforçamos por merecê-la ao menos no tempo de vida que ainda nos resta.

Ó doce esperança! Virá um dia em que nós também veremos a Deus como é, isto é, veremos a beleza incriada, que encerra, de modo infinitamente perfeito, todas as belezas espalhadas pelo universo: Similes ei erimus, quoniam videbimus eum sicuti est – Seremos semelhantes a Ele, porque o veremos como é. 48

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

A glória de que gozaram os três venturosos discípulos foi de curta duração; porque enquanto (Pedro) ainda falava, uma nuvem luminosa os envolveu. E logo saiu da nuvem uma voz que disse: Este é meu Filho amado, em quem pus toda a minha complacência: ouvi-O (…). Chegou-se a eles Jesus, tocou-os e lhes disse: Levantai-vos e não temais. Eles então, levantando os olhos, já não viram ninguém senão só Jesus: Neminem viderunt, nisi solum Iesum.49

Falavam da sua saída deste mundo.50 São Pedro é de certo modo repreendido porque desejava ficar sempre no gozo daquelas delícias: Non enim sciebat quid diceret – Não sabia o que dizia.51

Animemo-nos portanto e procuremos sofrer com paciência as atribulações que Deus nos envia, oferecendo-as ao Senhor em união com as penas que Jesus Cristo sofreu por nosso amor. Quando as cruzes nos afligirem, levantemos os olhos ao céu e consolemo-nos com a esperança do Paraíso. Tudo é pouco ou antes nada para merecermos o Reino do Céu.

Meu amado Redentor, agradeço-vos as luzes que me dais agora! São sinais de que me quereis salvo a gozar um dia convosco no Céu. Quero salvar-me, não tanto para gozar, como para vos agradar e amar. Amo-vos, Jesus, meu Deus, amo-vos sobre todas as coisas. Pesa-me de vos ter ofendido e proponho nunca mais tornar a ofender-vos. Mas já que me vedes destituído de toda a força, amparai a minha fraqueza, a fim de que eu vos seja fiel. “Guardai-me interior e exteriormente, para que me defendais de adversidades no corpo e limpeis a minha alma de maus pensamentos”.23 Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Dia 13: Como devemos preparar-nos para a morte

Dispone domui tuae, quia morieris tu et non vives – Dispõe de tua casa, porque morrerás e não viverás 52.

A experiência prova que morrem felizmente os que, no último momento, estão já mortos para o mundo, isto é, desligados dos bens de que nos deve separar a morte. É, pois, preciso que desde já aceitemos a privação dos bens, a separação dos parentes e de todas as coisas da terra, lembrando-nos que, se não o fizermos voluntariamente agora, necessariamente teremos de o fazer na morte, mas com risco da salvação eterna. Quem ainda não escolheu um estado de vida, tome aquele que houvera querido escolher na hora da morte.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Diz Santo Ambrósio que morrem felizmente os que, no tempo da sua morte, estão já mortos para o mundo, isto é, desligados daqueles bens de que forçosamente os deve separar a morte. Mister, pois, se torna que desde já aceitemos a privação dos bens, a separação dos parentes e de todas as coisas da terra. Se não fizermos isto voluntariamente durante a vida, seremos forçados a fazê-lo na morte, mas então com extrema dor e com risco da salvação eterna.

A este propósito observa Santo Agostinho que, para morrer em paz, é vantajosíssimo pormos em ordem durante a vida os negócios temporais, fazendo desde já a disposição dos bens que é preciso deixar, a fim de não termos de nos ocupar então senão da nossa união com Deus. Naquela hora convém que só se fale em Deus e no Paraíso. Os últimos momentos da vida são demasiadamente preciosos para serem desperdiçados em pensamentos terrestres. É na morte que se acaba a coroa dos escolhidos, porque é então que se recolhe a maior soma de merecimentos, aceitando os sofrimentos e a morte com resignação e amor.

Semelhantes sentimentos, porém, não os poderá ter na morte quem não os tiver excitado durante a vida. Com este fim, pessoas devotas têm por hábito renovarem todos os meses a protestação da boa morte com os atos cristãos de fé, esperança e caridade, com a confissão e comunhão, como se já estivessem no leito de morte, próximas a saírem deste mundo. Oh, como esta prática nos ajudará a caminharmos bem, a nos desprendermos do mundo e morrermos de boa morte! Beatus ille servus, quem, cum venerit dominus eius, inveniet sic facientem – Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, encontre a fazer isto.53

Quem espera a toda a hora a morte, ainda que esta venha subitamente, não pode deixar de morrer bem. Ao contrário, o que se não faz na vida, é dificílimo fazê-lo na morte. A grande serva de Deus, Irmã Catarina de Santo Alberto, da Ordem de Santa Teresa, estando para morrer, gemia e dizia: Minhas irmãs, não é o medo da morte que me faz gemer, porque há 25 anos que a estou esperando; gemo por ver tantas pessoas iludidas, que vivem no pecado, e esperam, para se reconciliarem com Deus à hora da morte, em que com dificuldade se pode pronunciar o nome de Jesus.

Leia mais: O sentido do sofrimento

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Examina-te, meu irmão, e vê se tens o coração apegado a alguma coisa terrestre: a alguma pessoa, a algum posto, a alguma casa, a alguma riqueza, a alguma sociedade, a alguns divertimentos, e lembra-te que não és eterno. Tudo terás de deixar um dia, e talvez em breve. Por que queres então ficar agarrado a esses objetos com risco de morreres cheio de inquietações? Oferece desde já tudo a Deus, estando disposto a privar-te de tudo, quando lhe agradar.

Se não tens ainda escolhido o estado de vida, toma o que na hora da morte quiseras ter escolhido e que te deixará morrer mais contente. Se já o escolheste, faze agora o que então quiseras ter feito no teu estado. Faze como se cada dia fosse o último de tua vida e cada ação a última que praticas: a última oração, a última confissão, a última comunhão. Imagina, numa palavra, a cada hora que já estás no leito da morte, ouvindo a intimação: Proficiscere de hoc mundo – Parte deste mundo, e por isso repete muitas vezes a protestação para a boa morte, dizendo:

Ó meu Deus, só poucas horas me restam; nelas vos quero amar quanto possa na vida presente, para mais vos amar na outra. Pouco tenho que vos oferecer; ofereço-vos os meus padecimentos e o sacrifício da minha vida, em união com o sacrifício que Jesus Cristo vos ofereceu por mim na Cruz. Senhor, as penas que sofro são poucas e leves em comparação com as que mereci; tais como são, aceito-as em testemunho do amor que vos tenho. Resigno-me a todos os castigos que me queirais infligir nesta vida e na outra, contanto que vos possa amar na eternidade.

Castiga-me tanto quanto vos aprouver, mas não me priveis do vosso amor. Sei que não merecia mais amar-vos, por ter tantas vezes desprezado o vosso amor; mas Vós não podeis repelir uma alma arrependida. Pesa-me, ó meu supremo bem, de vos haver ofendido. Amo-vos de todo o coração e em Vós ponho toda a minha confiança. A vossa morte, ó Redentor meu, é a minha esperança. Deposito a minha alma em vossas mãos chagadas. Maria, minha querida Mãe, socorrei-me nesse grande momento. Desde já vos entrego o meu espírito: dizei a vosso Filho que se apiede de mim. A vós me recomendo, livrai-me do Inferno.

Saiba mais: Sacerdote dá dicas de como se preparar para a morte na prática

Dia 14: Efeitos que em nós produz a divina graça

Infinitus thesaurus est hominibus; quo qui usi sunt, participes facti sunt amicitiae Dei – Ela é um tesouro infinito para os homens; do qual os que usaram têm sido feito participantes da amizade de Deus.

Porque havemos de ter inveja dos grandes do mundo? Se estamos na graça de Deus, participamos da sua própria natureza; somos, por assim dizer, um com Ele, e de momento a momento podemos adquirir tesouros imensos de merecimentos para a eternidade. A nossa alma é então tão bela aos olhos do Senhor, o qual põe nela a sua complacência. Tudo isto Jesus Cristo no-lo mereceu pela sua Paixão; e por isso devemos prestar-lhe contínuas ações de graças.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

No dizer de Santo Tomás de Aquino, o dom da graça é superior a todos os dons que uma criatura possa receber, porque a graça é a participação da própria natureza de Deus. Já antes tinha São Pedro dito o mesmo: Ut per haec (promissa) efficiamini divinae consortes naturae ― Para que por elas (as promessas) vos torneis participantes da natureza divina.54 Tal é a dignidade que Jesus Cristo nos mereceu pela sua Paixão: Ele nos comunicou o mesmo resplendor que recebeu de Deus.55 Numa palavra, quem está na graça de Deus, forma, de certo modo, uma pessoa com Deus: Unus spiritus est ― É um espírito com Ele.56 E, como disse o Redentor, na alma que ama a Deus, vem habitar a Santíssima Trindade: Ad eum veniemus, et mansionem apud eum faciemus ― Viremos a ele, e faremos nele morada.57

É tão bela aos olhos de Deus a alma em estado de graça, que Ele próprio lhe faz o elogio: Como és formosa amiga minha, como és formosa!58 Parece que Deus não pode apartar dela os olhos, nem cerrar os ouvidos a nenhum dos seus pedidos: Oculi Domini super iustos, et aures eius ad preces eorum ― Os olhos do Senhor estão sobre os justos e os seus ouvidos abertos aos rogos deles.59 Dizia Santa Brígida que nenhum homem poderia ver a beleza de uma alma na graça de Deus, sem morrer de alegria. E S. Catarina de Sena, tendo visto uma alma assim, afirmou que de boamente daria a vida para que nunca aquela alma perdesse tamanha beleza. Por isso a mesma santa beijava a terra que os sacerdotes pisaram, pensando que pelo seu ministério as almas eram colocadas na graça de Deus.

Além disso, quais tesouros de merecimentos não pode ajuntar a alma em estado de graça! Cada instante pode adquirir uma glória eterna, porquanto, como diz Santo Tomás, qualquer ato de amor produzido pela alma merece um Paraíso à parte.

Por que temos então inveja dos grandes do mundo? Estando na graça de Deus, podemos adquirir continuamente grandezas muito mais altas no Céu.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

A paz de que ainda na terra goza a alma em estado de graça só pode ser compreendida por aquele que a provou: Gustate et videte, quoniam suavis est Dominus ― Provai e vede quão suave é o Senhor.60 Não pode deixar de ser cumprida a palavra do Senhor: Gozam muita paz os que amam a divina lei.61 A paz do que vive unido com Deus excede todas as doçuras que nos podem advir dos sentidos ou do mundo: Pax Dei quae exsuperat omnem sensum.62

Ó meu Jesus, Vós sois o bom pastor que se deixou matar para nos dar a vida, a nós, vossas ovelhas. Quando eu fugia de Vós, não deixastes de correr atrás de mim e de me procurar; recebei-me, agora, que vos procuro e que volto arrependido a vossos pés. Restitui-me a graça, que miseravelmente perdi por minha culpa. De todo o coração me arrependo e quisera morrer de dor, quando penso nas inúmeras vezes que vos voltei as costas. Perdoai-me pelos merecimentos da morte cruel que por mim padecestes na Cruz.

Prendei-me com os doces laços do vosso amor e não permitais que outra vez me afaste de Vós. Dai-me forças para sofrer com paciência todas as cruzes que me envieis, visto ter merecido as penas eternas do Inferno. Fazei que abrace com amor os desprezos que me possam vir dos homens, visto ter merecido estar eternamente sob os pés dos demônios. Fazei, numa palavra, com que obedeça em tudo às vossas inspirações e vença, por vosso amor, qualquer respeito humano. Resolvido estou a servir de hoje em diante somente a Vós. Digam os outros o que quiserem; eu quero amar somente a Vós, meu Deus amabilíssimo, só a Vós quero agradar; mas dai-me o vosso auxílio sem o qual nada posso. Amo-vos, Jesus, meu Deus, amo-vos sobre todas as coisas, de todo o coração, e confio em vosso Sangue. Maria, minha esperança, ajudai-me com as vossas orações. Glorio-me de ser vosso servo, e vós vos gloriais de salvar os pecadores que a vós recorrem; socorrei-me, pois, e salvai-me.

Dia 15: Da dignidade de São José, Esposo da Virgem Maria

Iacob autem genuit Ioseph, virum Mariae, de qua natus est Iesus – Jacob gerou a José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus 63.

Para formarmos uma ideia da dignidade de São José, basta ponderarmos que, na qualidade de esposo de Maria e chefe da Sagrada Família, tinha verdadeiros direitos sobre a Mãe de Deus e seu divino Filho, que assumiram a obrigação de lhe obedecer, e lhe obedeceram em tudo. Quanto devemos, pois, honrar àquele a quem Deus honrou tanto! Quanto devemos confiar na eficácia de sua proteção! E tu, és-lhe realmente devoto? Recorres prontamente a ele em tuas necessidades?

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Considera em primeiro lugar a dignidade de São José por ser esposo de Maria. Nesta qualidade adquiriu o direito de lhe dar ordens, e Maria, na qualidade de esposa, assumiu a obrigação de obedecer a São José. O humílimo São José nunca se serviu de mandos para com a Santa Virgem, mas somente de pedidos, por venerar nela a grande santidade e a dignidade de Mãe de Deus. A humílima esposa, porém, entre todas as criaturas a mais humilde, considerava sempre aqueles pedidos como outras tantas ordens. Ó Maria, ó José, ó esposos santíssimos, que por vossa grande humildade vos fizestes tão amados de Deus, suplico-vos que me alcanceis o perdão de todos os meus atos de soberba, e a graça de sofrer daqui por diante com paciência todos os desprezos e injúrias que me vierem da parte dos homens, porquanto hei merecido ser pisado aos pés dos demônios no Inferno.

Considera em segundo lugar a alta dignidade de São José por lhe ser conferido por Deus o ofício de pai de Jesus Cristo: Et erat subditus illis ― E era-lhes submisso. Quem é que estava submisso?64 O Rei do mundo, o Filho de Deus e também verdadeiramente Deus Todo-Poderoso, eterno, perfeito, em tudo igual ao Pai. Este é quem na terra quis estar submisso a São José. Por si mesmo não tinha José autoridade sobre Jesus, por não ser o pai verdadeiro, mas tão somente o pai putativo. Como esposo, porém, e chefe de Maria, foi o chefe também de Jesus Cristo, enquanto homem, por ser o fruto das entranhas de Maria. Quem é dono de uma árvore, o é também dos frutos.

Eis porque a Beata Virgem o chamou pai de Jesus: Pater tuus et ego dolentes quaerebamos te ― Eu e teu pai angustiados te procuramos.65

Foi portanto a São José, como chefe daquela pequena família, que coube o ofício de mandar, e a Jesus o de obedecer; de sorte que Jesus nada fazia, não se movia, não tomava alimento nem repouso, senão segundo as ordens de José. Ó dignidade inefável!

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Devemos honrar muito àquele a quem Deus mesmo tanto tem honrado. E grande confiança devemos pôr na proteção de São José, que viu nesta terra o Senhor do mundo submisso às suas ordens. Escreve Santa Teresa: “O Senhor nos quis dar a entender que, assim como na terra quis ficar submisso a São José, assim faz agora no Céu tudo o que o santo lhe pede”.

Meu santo patriarca, pela grande reverência que, como a seu esposo, vos teve Maria, rogo-vos que me recomendeis a ela, e me alcanceis a graça de ser o seu verdadeiro e fiel servo até à morte. E pela submissão que na terra vos mostrou o Verbo Encarnado, obtende-me a graça de lhe obedecer e de amá-lo perfeitamente. No Céu Jesus se compraz em conceder todas as graças que vós pedis em favor daqueles que a vós se recomendam. Eu também, miserável como sou, me recomendo a vós, escolho-vos por meu advogado especial e prometo honrar-vos cada dia com algum obséquio particular. Meu pai, São José, por piedade, alcançai-me aquela graça que vós sabeis ser mais útil à minha alma, e especialmente a virtude da santa pureza.

“Sim, glorioso São José, pai e protetor das virgens, guarda fiel, a quem Deus confiou Jesus, a mesma inocência, e Maria, a virgem das virgens, eu vos peço e conjuro por Jesus e Maria, este duplo depósito a vós tão caro; com vosso eficaz auxílio dai-me conservar meu coração isento de toda mancha, e que, puro e casto, sirva constantemente a Jesus e Maria em perfeita castidade”. E vós, ó Mãe de Deus e minha Mãe Maria, pela santa humildade e obediência com que executastes tudo que vosso santo esposo José vos pedia, alcançai-me de Deus a graça da santa humildade e da perfeita obediência a seus preceitos divinos.

Que tal rezar também a Novena a São José?

Dia 16: Jesus presente nos altares para ser acessível a todos

Venite ad me omnes, qui laboratis et onerati estis; et ego reficiam vos – Vinde a mim todos os que estais cansados e carregados e eu vos aliviarei 66.

Nesta terra não é permitido a todos os súditos falar ao príncipe. O mais que os pobres podem esperar é falar-lhe por meio de terceira pessoa. Não é assim com o Rei do Céu, que está no Santíssimo Sacramento. Com este pode falar quem o deseje, e sem acanhamento. Procuremos, portanto, ir muitas vezes à sua audiência e expor-lhe todas as nossas necessidades. Peçamos-lhe particularmente que desligue o nosso coração de todas as coisas terrestres e o encha do seu santo amor.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Dizia Santa Teresa que nesta terra não é permitido a todos os súditos falar a seu príncipe. O mais que os pobres podem esperar é falhar-lhe por meio de terceira pessoa. Mas para conversar convosco, ó Rei do Céu, não se precisa de terceira pessoa; quem quiser, pode achar-vos no Santíssimo Sacramento, e falar-vos à vontade e sem acanhamento. Por isso a mesma santa dizia que Jesus Cristo velou a sua majestade sob as aparências do pão, para nos inspirar mais confiança e nos tirar todo o temor de nos aproximarmos dele.

Ah! Parece que lá dos altares Jesus ainda cada dia exclama e diz: Venite ad me omnes, qui laboratis et onerati estis, et ego reficiam vos ― Vinde a mim todos os que estais cansados e carregados, e eu vos aliviarei. Vinde a mim, vós pobres, vinde enfermos, vinde atribulados, vinde justos e pecadores; em mim achareis o remédio para todos os vossos males e aflições. O que Jesus Cristo deseja é consolar a quem a Ele recorre. Permanece presente sobre os altares tanto de dia como de noite para ser acessível a todos e comunicar a todos as suas graças.

Por isso os santos achavam na terra tão grande satisfação em estar na presença de Jesus sacramentado, que os dias e noites se lhes afiguravam como instantes. A Condessa de Feria, depois de entrar na Ordem de Santa Clara, nunca se fartava de ficar no coro a visitar o Santíssimo Sacramento. Perguntada uma vez o que fazia tanto tempo diante do santo tabernáculo, respondeu que eram tão grandes as delícias que nisso gozava, que queria ficar ali toda a eternidade. São João Francisco Regis, depois de passar o dia no confessionário ou no púlpito, passava as noites na igreja, e achando-a alguma vez fechada, deixava-se ficar à porta exposto ao frio e ao vento, para ao menos de longe fazer companhia a seu amado Senhor. São Filipe Néri exclamava à vista do Santíssimo Sacramento: “Eis aí o meu amor! Eis aí todo o meu amor!”

Ah! Se Jesus Cristo fosse também todo o nosso amor, a nós também os dias e noites passadas na sua presença se nos afigurariam como instantes!

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Em todas as vossas necessidades particulares, como no tomar ou dar conselho, nos perigos, nas aflições, enfermidades e tentações, especialmente nas contra a pureza, recorrei sempre a Jesus sacramentado, e não podendo fazê-lo de corpo, fazei-o pelo menos em espírito. Achando-vos diante do santo tabernáculo, dizei muitas vezes com São Filipe Néri: “Eis aí o meu amor! Eis aí todo o meu amor!”

Sim, meu amado Redentor, só a Vós quero amar; quero que sejais o único amor de minha alma. Sinto-me morrer de dor à lembrança de ter outrora amado as criaturas e minhas satisfações próprias mais que a Vós, e de ter virado as costas a Vós, ó bem infinito. Vós porém, para não me verdes perecer, me suportastes com tanta paciência, e em vez de me punirdes, me feristes o coração com tantas setas de amor, de sorte que não pude mais resistir às vossas finezas e me dei todo a Vós. Vejo que me quereis inteiramente para Vós. Mas já que o quereis, fazei-o; porquanto a Vós pertence fazer que assim seja.

Livrai-me de todo o apego à terra e a mim mesmo, e fazei com que eu procure agradar somente a Vós, não pense senão em Vós, não fale senão de Vós, e não deseje senão arder de amor para convosco, viver e morrer por Vós. Ó amor de meu Jesus, vem e apodera-te de todo o meu coração e expele dele todo o amor que não é para Deus. Amo-vos, ó Jesus sacramentado, amo-vos, minha vida, meu tesouro, meu amor, meu tudo. Ó Maria, minha esperança, rogai por mim e dai-me ser todo de Jesus.

Dia 17: Comemoração do Sagrado Sudário de Nosso Senhor Jesus Cristo

Et depositum (corpus) involvit sindone – Tendo descido (o corpo), amortalhou-o num lençol 67.

Para que estivéssemos sempre lembrados de seu amor, quis Jesus Cristo deixar a sua sagrada efígie estampada no Santo Sudário. Não faltam na vida de Jesus feitos gloriosos cuja imagem nos podia deixar. Sendo, porém, a cor rubra da Paixão a mais apropriada para representar o amor, deixou de parte todos os demais fatos da sua vida, e quis representar perante nós o homem das dores, a fim de que nos fosse tanto mais amável, quanto mais desfigurado. Amemo-lo, pois, de todo o coração e soframos de boamente alguma coisa por seu amor.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

“Duas coisas”, escreve Cícero, “fazem conhecer um amigo: fazer-lhe bem e sofrer por ele; e esta última coisa é a maior prova de um verdadeiro amor.” Deus já tinha feito brilhar o seu amor para com os homens, em grande número de benefícios; mas, diz São Pedro Crisólogo, julgou muito pouco para seu amor, somente fazer-lhes bem, se não achasse outro modo de lhe mostrar quanto o amava, sofrendo e morrendo por ele, como fez tomando a natureza humana. Por isso escreve o Apóstolo São Paulo que a morte de Jesus Cristo pela salvação dos homens demonstrou até onde chegava o amor de Deus para conosco, as suas miseráveis criaturas: Apparuit benignitas et humanitas Salvatoris nostri Dei – Apareceu a benignidade e o amor de Deus, nosso Salvador.68

A fim de que sempre nos lembrássemos deste seu excesso de amor, depois de consumada a Redenção do gênero humano, quis deixar-nos a sua imagem estampada no Sudário em que o envolveram depois da morte. Não faltavam, de certo, na vida de Jesus, mil feitos gloriosos, cuja representação nos podia deixar, tais como sejam a adoração dos Reis Magos, a transfiguração no Tabor, a ressureição de Lázaro, a multiplicação dos pães e mais outros. Mas, no dizer de São Bernardo, porque “a cor rubra da Paixão é a mais apropriada para representar o grau supremo e incomparável de amor, Jesus deixou de parte todo o fato glorioso, para se nos representar no estado de miséria predito por Isaías: Como homem de dores, objeto de desprezo e o último dos homens, ferido por Deus e humilhado como um leproso, o mais miserável dos filhos dos homens, coberto de chagas desde a cabeça aos pés, maltratado e desfigurado, até não ter mais parecença de homem – unde nec reputavimus eum”.69

Ah, meu amantíssimo Senhor, em vista de tantos testemunhos do vosso amor, quem poderá deixar de vos amar? Tinha razão Santa Teresa, ó meu amabilíssimo Jesus, de dizer que, quem não vos ama, prova que não vos conhece.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

O Padre Segneri Júnior aconselhou a uma filha espiritual sua que escrevesse ao pé do crucifixo estas palavras: “Eis aí como se ama!”. Parece que é isso também o que pelo sagrado Sudário Jesus Cristo quer dizer a cada um de nós, particularmente quando, para evitar algum incômodo, abandonamos o bem que mais lhe agrada, e chegamos talvez a renunciar à sua graça: Eis aí como se ama! Com razão dizia São Francisco de Sales: “Todas as chagas do Redentor são outras tantas bocas que nos dizem que devemos sofrer por amor dele; e a ciência dos santos consiste em sofrer constantemente por Jesus”.

Amemos, pois, a Jesus (assim nos exorta o amante Santo Agostinho), amemos a Jesus ao menos por gratidão, amemos de todo o coração ao Esposo Celeste, que nos deve ser tanto mais querido e aceito, quanto mais desfigurado se nos mostra. Devemos patentear este nosso amor sofrendo de boa vontade alguma coisa por Jesus, aceitando com resignação o que Ele mesmo nos envia para nosso bem.

Ó meu amado Salvador Jesus! Vejo-vos todo coberto de chagas; fito o vosso rosto, já não mais belo, mas todo horrendo de ver e manchado de escarros e sangue. Quanto mais desfigurado vos vejo, tanto mais belo vos acho e digno de amor. Que são estas chagas e contusões, se não sinais de vosso amor e de vossa ternura para comigo? Quisestes ser maltratado assim para tornar bela a minha alma e limpá-la das manchas do pecado. Agradeço-vos, meu Senhor; pesa-me de ter-me ajuntado aos algozes para vos maltratar. Aceito em espírito de penitência todas as cruzes que queirais enviar, e prometo amar-vos sempre de todo o meu coração. Ajudai-me com a vossa graça a ser-vos fiel. “Ó meu Deus, Vós, que deixastes os vestígios da vossa Paixão no Santo Sudário, no qual José de Arimateia envolveu o vosso Sacratíssimo Corpo: concedei-me, propício, que pelos merecimentos de vossa morte e sepultura chegue à glória da ressurreição.”70 Fazei-o pelo amor do Coração aflitíssimo de Maria.

Dia 18: Maria Santíssima, modelo de amor para com Deus

Ego Mater pulchrae dilectionis – Eu sou a Mãe do amor formoso 71.

O fogo de amor em que ardia o coração da Santíssima Virgem foi tão veemente, que ela não repetia os atos de amor, como fazem os outros santos, mas por um privilégio singular amou a Deus sempre atualmente, com um contínuo ato de amor. Mas se Maria amou e ama tanto a seu Deus, certamente ela não exige outra coisa de seus devotos, senão que o amem também. Como é que tu o amas? Se porventura te sentes frio, chega-te com confiança à tua amada Mãe e roga-lhe que te faça seu semelhante.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Deus, que é amor, veio ao mundo para acender em todos a chama do seu divino amor; mas nenhum coração ficou tão abrasado como o Coração de sua Mãe, o qual, sendo todo puro dos afetos terrenos, estava todo disposto para arder neste santo fogo. Por isso o Coração de Maria se tornou todo fogo e chamas, como se lê no Cântico dos Cânticos: Lampades eius, lampades ignis atque flammarum? As suas lâmpadas são umas lâmpadas de fogo e de chamas.72 Fogo, ardendo interiormente, como explica Santo Anselmo, e chamas resplandecendo para fora com o exercício das virtudes.

Revelou a própria Maria a Santa Brígida que neste mundo ela não teve outro pensamento, outro desejo, nem outro gosto senão Deus. Eis porque a sua alma bendita absorta sempre nesta terra na contemplação de Deus, fazia inúmeros atos de amor. Ou, para melhor dizer, como escreve Bernardino de Bustis, Maria não multiplicava os atos de amor, como fazem os outros santos; mas, por um privilégio singular, ela amou a Deus atualmente, com um contínuo ato de amor. Qual águia real, sempre tinha os olhos fixos no Divino Sol, de maneira (diz São Pedro Damião) que nem as ações da vida lhe impediam o amor, nem o amor lhe impedia a ação.

Acrescentam Santo Ambrósio, São Bernardino e outros, que nem mesmo o sono interrompia o ato de amor da Santíssima Virgem; de modo que podia verdadeiramente dizer com a Sagrada Esposa: Ego dormio, et cor meum vigilat? – Eu durmo e o meu coração vela.73 Foi figura de Maria o altar propiciatório, no qual nunca se extinguia o fogo, nem de dia, nem de noite. Numa palavra, afirma o Bem-aventurado Alberto Magno que Maria foi cheia de tão grande amor, que quase não podia caber mais amor numa pura criatura terrestre. Os próprios serafins podiam descer do Céu, para aprenderem no Coração de Maria como se deve amar a Deus. No reino celeste ela só, entre todos os santos, pode dizer a Deus: Senhor, se não vos amei quanto mereceis, ao menos amei-vos quanto me foi possível.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Já que Maria ama tanto a seu Deus, não há certamente coisa alguma que ela exija tanto de seus devotos como que o amem igualmente. É o que a divina Mãe disse à Bem-Aventurada Ângela de Foligno, num dia em que esta tinha comungado; é o que ela disse também a Santa Brígida: “Filha, se queres cativar o meu amor, ama o meu Filho”.

Pergunta Novarino, por que a Santa Virgem, à imitação da Esposa dos Cantares, rogava aos anjos que fizessem saber ao seu Senhor o grande amor que lhe consagrava, dizendo: Adiuro-vos (…) ut nuntietis ei, quia amore langueo? – Eu vos conjuro (…) que lhe façais saber que estou enferma de amor.74 Porventura não sabia Deus quanto ela o amava? Com certeza sabia-o, responde o autor sobredito, que a Virgem quis fazer patente a nós o seu amor; a fim de que, assim como ela estava ferida de amor, nos infligisse a mesma ferida: Ut vulnerata vulneret. Porque foi toda fogo em amar a Deus, por isso, como diz São Boaventura, abrasa e torna seus semelhantes todos os que a amam e a ela se avizinham. Pelo que Santa Catarina de Sena chamava a Maria Santíssima portatrix ignis – a portadora do fogo do amor divino. Se queremos também arder nesta beata chama, procuremos sempre avizinhar-nos à nossa Mãe Santíssima com súplicas e afetos.

Ah, Rainha do Amor, Maria! Sois vós, no dizer de São Francisco de Sales, a mais amável, a mais amada e a mais amante de todas as criaturas. Ah, minha Mãe! Vós que ardestes sempre e toda em amor a Deus, dignai-vos dar-me ao menos uma faísca desse amor. Rogastes a vosso Filho por aqueles esposos aos quais faltava o vinho: Vinum non habent – Eles não têm vinho:75 não rogareis por nós a quem falta o amor a Deus, ao qual temos tanta obrigação de amar? Dizei somente: Amorem non habent – Eles não têm amor, e alcançar-nos-eis o amor. Outra graça não vos pedimos senão esta. Ó minha Mãe! por quanto amais a Jesus, atendei-nos, rogai por nós.

Confira 4 formas de aumentar sua devoção a Nossa Senhora.

Dia 19: O demônio mudo e as confissões sacrílegas

Erat (Iesus) eiciens daemonium, et illud erat mutum – Estava (Jesus) expelindo um demônio, e ele era mudo 76.

O demônio mudo de que fala o Evangelho, significa o falso pejo com que o espírito infernal, depois de seduzir o cristão a ofender seu Deus, procura fazê-lo ocultar o pecado na confissão. Ah, quantas almas caem todos os dias no Inferno por este ardil diabólico! Meu irmão, se jamais o demônio te vier tentar assim, pensa que, se é vergonhoso ofender a um Deus tão bom, não o é o confessar o pecado cometido e o livrar-se dele. Quantos santos são venerados sobre os altares, que até fizeram uma confissão pública!

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

O demônio mudo de que fala o Evangelho é o falso pejo com que o espírito infernal procura fazer-nos calar na confissão os pecados cometidos, depois de primeiro nos ter cegado para não vermos o mal que cometemos e a ruína que nos preparamos ofendendo a Deus. Com efeito, exclama São João Crisóstomo, o demônio faz em todas as coisas o contrário do que Deus faz. O Senhor pôs vergonha no pecado, para que não o cometamos; mas depois de o havermos cometido, anima-nos a confessá-lo, prometendo o perdão a quem se acusa. O demônio, ao contrário, inspira confiança ao pecador com a esperança do perdão; mas cometido o pecado, cobre-o de vergonha, para que se não confesse.

Por este ardil diabólico, ó, quantas alma já foram precipitadas e ainda se precipitam cada dia no Inferno! Sim, porque os miseráveis convertem em veneno o remédio que Jesus Cristo nos preparou com seu Preciosíssimo Sangue, e ficam presas com uma dupla cadeia, cometendo depois do primeiro pecado outro mais grave: o sacrilégio.

Irmão meu, se por desgraça a tua alma está manchada pelo pecado, escuta o que te diz o Espírito Santo: Pro anima tua ne confundaris dicere verumNão mintas à custa da tua alma.77 Sabe, diz ele, que há duas qualidades de vergonha; deves fugir daquele que te faz inimigo de Deus, conduzindo-te ao pecado; mas não da que se sente ao confessá-lo e te faz receber a graça de Deus nesta vida e a glória do Paraíso na outra.

Se, pois, te queres salvar, não te envergonhes de fazer uma boa confissão; de outro modo a tua alma se perderá. As feridas gangrenosas levam à morte, e tais são os pecados calados na confissão; são chagas da alma que se gangrenaram.

Aprenda como fazer uma boa confissão.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Meu filho, vergonhoso é o entrar nesta casa, mas não o sair dela. Assim falou Sócrates a um seu discípulo que não quis ser visto ao sair de uma casa suspeita. É o que digo também àqueles que, depois de cometerem um pecado grave, tem pejo de o confessar. Meu irmão, coisa vergonhosa é ofender a um Deus tão grande e tão bom; mas não o é confessarmos o pecado cometido e livrar-nos dele. Foi porventura coisa vergonhosa para Santa Maria Madalena o confessar em público aos pés de Jesus Cristo que era uma mulher pecadora? Foi motivo de pejo confessar-se uma Santa Maria Egipcíaca, uma Santa Margarida de Cortona, um Santo Agostinho, e tantos outros penitentes, que algum tempo tinham sido grandes pecadores? Por meio de sua confissão fizeram-se santos.

Ânimo, pois, meu irmão, ânimo! (Falo a quem cometeu a falta de ocultar por vergonha um pecado.) Tem ânimo e dize tudo a um confessor. Dá glória a Deus e confunde o demônio que, como diz o Evangelho, quando saiu do homem, anda por lugares secos, buscando repouso, e não o acha.78

Porém, depois de teres confessado bem, prepara-te para novos e mais violentos assaltos da parte do Inimigo infernal. Ai de quem o deixa entrar novamente, depois de o haver expulso! Et fiunt novíssima hominis illius peiora prioribus – O último estado do homem virá a ser pior do que o primeiro.79

Ó meu amabilíssimo Jesus! Iluminai o meu espírito, a fim de que nunca mais me deixe obcecar pelo espírito maligno a cometer de novo o pecado. Pesa-me de vos haver ofendido, e proponho com a vossa graça antes morrer que tornar a ofender-vos. Mas, se por desgraça recair, dai-me força para sempre vencer o demônio mudo e confessar-me sinceramente ao vosso ministro. “Peço-vos, Deus Todo-Poderoso, que atendais propício às minhas humildes súplicas, e que em minha defesa estendais o braço de vossa majestade”. Doce Coração de Maria, sede minha salvação.23

Dia 20: Da verdadeira sabedoria

Et dedit illi scientiam sanctorum – E deu-lhe a ciência dos santos 80.

Oh, que bela ciência, a de saber amar a Deus e salvar a alma. É esta a ciência mais necessária de todas, porquanto, se soubéssemos tudo e não nos soubéssemos salvar, nada nos aproveitaria e seríamos eternamente infelizes; ao passo que seremos eternamente bem-aventurados se soubermos amar a Deus, ainda que no mais fôssemos completamente ignorantes. Quantos sábios estão no Inferno! Quantos, que aqui foram ignorantes, gozam no Paraíso! Que aproveitou àqueles a sua sabedoria? Que prejuízo causou a estes a sua ignorância?

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Compreendamos bem que os verdadeiros sábios são aqueles que sabem adquirir a graça de Deus e o Paraíso. Que bela ciência a de amar a Deus e salvar a alma! O livro onde se ensina a salvar a alma é de todos o mais necessário. Se soubéssemos tudo e não nos soubéssemos salvar, nada nos aproveitaria e seríamos para sempre desgraçados. Ao contrário, seremos eternamente felizes se soubermos amar a Deus, ainda que no mais fôssemos completamente ignorantes. “Beatus qui te novit, etsi alia nescit: Bem-aventurado o que vos conhece, ó Deus, embora ignore todas as outras coisas!” exclamava Santo Agostinho.

Certo dia Frei Gil disse a São Boaventura:

— Feliz de ti, Padre Boaventura, que sabes tantas coisas, e eu pobre ignorante nada sei; tu podes ser muito mais santo do que eu.

— Escuta – respondeu-lhe o Santo – se uma velhinha ignorante souber amar a Deus mais do que eu, ela será mais santa do que eu.

Surgunt indocti, et rapiunt coelum: Os ignorantes levantam-se e conquistam o céu”, disse Santo Agostinho. Quantos rústicos que não sabem ler, mas sabem amar a Deus, se salvam, e quantos sábios segundo o mundo se condenam! Aqueles, e não estes, são os verdadeiros sábios. Que grandes sábios foram um São Pascal, um São Feliz, capuchinho, um São João de Deus, apesar de ignorarem as ciências humanas! Que grandes sábios tantos mártires, tantas virgens, que renunciaram a ilustres alianças, indo morrer por amor de Jesus Cristo! Numa palavra, os que renunciam aos bens terrestres para se consagrarem a Deus, são chamados homens desenganados. Portanto, os que abandonam a Deus pelos bens do mundo, devem ser chamados homens enganados.

Irmão meu, em qual das duas falanges te queres achar? Para que faças boa escolha, aconselha-te São João Crisóstomo que visites os cemitérios, que são as mais excelentes escolas para aprender a vaidade dos bens terrestres e a ciência dos santos. “Proficiscamur ad sepulchra: Vamos aos túmulos. Dizei-me: sabes ali distinguir quem foi rei, nobre ou literato? Eu por mim – acrescenta o santo – não vejo senão um monte de ossos, de vermes e de podridão.”

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Irmão meu, se queres ser sábio, não basta conheceres a importância de teu fim: é preciso também empregares os meios para o alcançares. Todos se quereriam salvar e ser santos; mas como não procuram os meios, não se santificam e perdem-se. É preciso evitar as ocasiões, frequentar os sacramentos, fazer oração, e mais do que tudo, gravar no coração as máximas do Evangelho, como sejam: Quid prodest homini, si universum mundum lucretur? – Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro?81 É preciso perder tudo, até a vida, para salvar a alma.82 Para seguir Jesus Cristo, deve-se recusar ao amor-próprio a satisfação que deseja.83 A nossa salvação consiste em fazer a vontade de Deus.84 São estas as máximas e outras semelhantes, que devem frequentes vezes ser objeto da nossa meditação, se nós também quisermos ser verdadeiros sábios e salvar-nos.

Ó Pai de misericórdia, lançai um olhar sobre a minha miséria e tende piedade de mim. Iluminai-me e fazei-me conhecer o meu desvairamento passado, para o deplorar, e a vossa infinita bondade, para a amar. Ó meu Jesus: Ne tradas bestiis animas confitentes tibi – Não entregueis às feras as almas que Vos louvam.85 Derramastes o vosso Sangue para me salvar; não permitais que me torne ainda escravo do demônio, como já o fui no passado. Arrependo-me de vos ter deixado, ó supremo bem. Amaldiçoo todos os instantes em que, por minha própria vontade, consenti no pecado, e uno-me estreitamente à vossa santa vontade, que só deseja a minha felicidade.

Ó Pai Eterno, pelos merecimentos de Jesus Cristo, dai-me a força para executar tudo o que é do vosso agrado. Deixai-me antes morrer do que opor-me à vossa santa vontade. Ajudai-me com a vossa graça a depositar unicamente em Vós todo o meu amor, e a desligar-me de todos os afetos que não se referem a Vós. Amo-vos, ó Deus de minha alma, amo-vos sobre todas as coisas e de Vós espero todos os bens, o perdão, a perseverança em vosso amor e o Paraíso para vos amar eternamente. – Ó Maria, pedi estas graças para mim. Vosso Filho não vos recusa nada. Esperança minha, em vós confio.

Dia 21: A separação dos escolhidos e dos réprobos no Juízo Final

Exibunt angeli, et separabunt malos de medio iustorum – Sairão os anjos e separarão os maus do meio dos justos 86.

Quando todos os homens estiverem reunidos no vale de Josafá, virão os anjos separar os réprobos dos escolhidos. Estes ficarão à direita e aqueles serão, para sua confusão, impelidos para a esquerda. Oh, que triste separação! Meu irmão, de que lado nos acharemos nesse dia? À direita com os escolhidos, ou à esquerda com os condenados? Se quisermos estar à direita, deixemos o caminho que conduz à esquerda.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Assim que os homens tiverem ressuscitado, ser-lhes-á intimado que se dirijam todos ao vale de Josafá, para serem julgados. Quando todos estiverem ali reunidos, virão os anjos e separarão os réprobos dos escolhidos: Exibunt angeli, et separabunt malos de medio iustorum. Os justos ficarão à direita, e os condenados serão impelidos para a esquerda. Que mágoa não sentiria quem fosse banido da sociedade ou da Igreja! Mas que dor muito maior não sentirá, quando se vir expulso da companhia dos Santos! Unus assumetur, et alter relinquetur – Um será tomado, e outro será desprezado.87 Diz São Crisóstomo que, se os réprobos não tivessem outra pena a sofrer, esta confusão já seria para eles um suplício infernal.

Atualmente no mundo são julgados felizes os príncipes e os ricos; são desprezados os santos que vivem na pobreza e humildade. Ó cristãos fiéis, vós que amais a Deus, não vos aflijais porque neste mundo viveis desprezados e em tribulações: Tristitia vestra vertetur in gaudium – A vossa tristeza se há de converter em alegria.88 Então se dirá que vós sois os verdadeiros felizes, e tereis a honra de ser proclamados os cortesãos da corte de Jesus Cristo.

Que brilhante figura não fará então um São Pedro de Alcântara, que foi vilipendiado como apóstata! Um São João de Deus, que foi tratado como insensato! Um São Pedro Celestino, que morreu numa prisão depois de ter abdicado o papado! Que honra receberão então tantos mártires, cruciados aqui pelos algozes! Tunc laus erit unicuique a Deo – Então cada um terá de Deus o louvor.89 Que horrível figura, pelo contrário, não fará um Herodes, um Pilatos, um Nero, e tantos outros grandes da terra, agora condenados! Ó partidários do mundo, espero-vos no vale de Josafá. Aí mudareis sem dúvida de sentimentos; aí deplorareis a vossa loucura. Infelizes! Por uma curta aparição no teatro deste mundo, tendes de fazer depois o papel de condenados na tragédia do Juízo Final.

Saiba mais: o Céu, a morte o purgatório… o que são os novíssimos?

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Os escolhidos serão colocados à direita, ou antes, segundo o que diz o Apóstolo, para sua maior glória, serão elevados aos ares sobre as nuvens, para irem com os anjos ao encontro de Jesus Cristo, que deve vir do céu: Rapiemur cum illis in nubibus, obviam Christo in aera – Seremos arrebatados com eles nas nuvens ao encontro de Cristo.90 E os condenados, como um rebanho de cabritos destinados ao matadouro, serão impelidos para a esquerda, esperando pelo Juiz, que virá pronunciar publicamente a condenação de todos os seus inimigos. Meu irmão, de que lado nos acharemos nós nesse dia? À direita com os escolhidos, ou à esquerda com os réprobos?

Ó meu amado Redentor, ó Cordeiro de Deus, que viestes ao mundo, não para castigar, mas para perdoar os pecados: ah! perdoai-me sem demora, antes que chegue o dia em que deveis ser meu Juiz. Se eu então viesse a perder-me, à vossa vista, ó doce Cordeiro, que me tendes aturado com tanta paciência, a vossa vista seria o inferno do meu Inferno. Ah! perdoai-me, repito, sem demora. Com o socorro da vossa mão misericordiosa, fazei-me sair do precipício onde me fizeram cair os meus pecados. Arrependo-me, ó soberano bem, de vos ter ofendido tantas vezes. Amo-vos, ó meu Juiz, que tanto me haveis amado.

Suplico-vos pelos méritos da vossa morte, que me deis uma graça tão eficaz, que me torne de pecador em santo. Prometestes atender a quem vos roga: Clama ad me et exaudiam te – Clama por mim e Eu te atenderei.91 Não vos peço bens terrenos; peço-vos a vossa graça, o vosso amor e nada mais. Atendei-me, ó meu Jesus, pelo amor que me dedicastes morrendo por mim na Cruz. Meu amado Juiz, sou um culpado, mas um culpado que vos ama mais que a si próprio. Tende piedade de mim! Maria, minha Mãe, vinde depressa em meu auxílio, agora que me podeis ainda socorrer. Não me abandonastes quando vivia esquecendo-me de vós e de Deus. Socorrei-me, já que estou resolvido a servir-vos sempre e a nunca mais ofender a meu Senhor. Ó Maria, vós sois a minha esperança.

Dia 22: Da glória de São José, esposo da Virgem Maria

Qui custos est Domini sui, glorificabitur – O que é o guarda do seu Senhor, será glorificado 92.

Devemos ter por certo que a vida de São José, sob a vista e na companhia de Jesus e Maria, foi uma oração contínua, cheia de fé, de confiança, de amor, de resignação e de oferecimento. Visto que a recompensa é proporcionada aos merecimentos da vida, considera quão grande será no Paraíso a glória do santo patriarca. Com razão se admite que ele, depois da Bem-aventurada Virgem, leva vantagem a todos os demais santos. Por isso, quando São José quer obter alguma graça para seus devotos, não tanto pede, como de certo modo manda a Jesus e Maria.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

A glória que Deus confere no Céu a seus santos é proporcionada à santidade de vida que eles levaram na terra. Para termos uma ideia da santidade de São José, basta que consideremos unicamente o que diz o Evangelho: Ioseph autem vir eius, cum esset iustus – José seu esposo, como era homem justo.93 A expressão “homem justo” significa um homem que possui todas as virtudes, porquanto aquele a quem falta uma delas, não pode ser chamado justo.

Ora, se o Espírito Santo chamou a São José justo, na ocasião em que foi escolhido para esposo de Maria, avalia, que tesouros de amor divino e de todas as virtudes o nosso santo não devia auferir dos colóquios e da contínua convivência com a sua santa esposa, que lhe dava exemplos perfeitos de todas as virtudes. Se uma só palavra de Maria foi bastante eficaz para santificar ao Batista e para encher Santa Isabel do Espírito Santo, a que alturas não pensamos que deve ter chegado a bela alma de José pela convivência familiar com Maria, da qual gozou pelo espaço de tantos anos?

Além disso, que aumento de virtudes e de méritos não deve ter adquirido São José convivendo continuamente por tantos anos com a própria santidade, Jesus Cristo, servindo-o, alimentando-o e assistindo-lhe nesta terra?

Se Deus promete recompensar aquele que por seu amor dá um simples copo de água a um pobre, considera quão alta glória terá dado a José, que o salvou das mãos de Herodes, lhe forneceu vestidos e alimentos, o trouxe tantas vezes nos braços e carregou com tamanho afeto. Devemos ter por certo que a vida de São José, sob a vista e na companhia de Jesus e Maria, foi uma oração contínua, cheia de atos de fé, de confiança, de amor, de resignação e de oferecimento. Se, pois, a recompensa é proporcionada aos merecimentos ajuntados na vida, considera quão grande será a glória de São José no Paraíso!

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

São Agostinho compara os demais santos com estrelas, mas São José com o sol. O Padre Suárez diz que é muito aceitável a opinião que depois de Maria, São José leva vantagem a todos os demais santos em merecimento e em glória. Donde o Venerável Bernardino de Bustis conclui que São José, de certo modo, dá ordens a Jesus e Maria quando quer impetrar algum favor para os seus devotos.

Meu santo patriarca, agora que gozais no Céu sobre um trono elevado junto do vosso amadíssimo Jesus, que vos foi submisso na terra, tende compaixão de mim, que vivo no meio de tantos inimigos, maus espíritos e más paixões, que me dão combates contínuos para me fazerem perder a graça de Deus. Ah! pela felicidade que tivestes, de gozar na terra, sem interrupção, da companhia de Jesus e Maria, alcançai-me a graça de passar o resto de minha vida sempre unido a Deus e de morrer depois no amor de Jesus e Maria, para que um dia possa ir gozar, convosco, da sua companhia, no reino dos bem-aventurados.

E Vós, ó meu amado Jesus, meu amantíssimo Redentor, quando poderei ir gozar-vos e amar-vos no Paraíso, face a face, seguro de não vos poder mais perder? Enquanto viver, estarei exposto a tal perigo. Ah, meu Senhor e meu único bem, pelos merecimentos de São José, que Vós amais e honrais tanto no Céu; pelos merecimentos de vossa querida Mãe; e mais ainda, pelos merecimentos de vossa vida e morte, pelas quais merecestes para mim todo o bem e toda a esperança: não permitais que em tempo algum eu me separe nesta terra de vosso amor, a fim de que possa ir para a pátria do amor, a possuir-vos e amar-vos com todas as minhas forças e nunca mais em toda a eternidade afastar-me da vossa presença e do vosso amor.

Dia 23: Grandeza da dádiva que Jesus Cristo nos fez na Santíssima Eucaristia

In omnibus divites facti estis in illo – Em todas as coisas fostes enriquecidos n’Ele 94.

É tão grande a dádiva que Jesus Cristo nos fez na Santíssima Eucaristia, que, apesar de ser poderosíssimo, sapientíssimo e riquíssimo, não pode, nem sabe, nem tem para dar-nos outra mais excelente. Como é, pois, possível que os homens, tão sensíveis a qualquer delicadeza, fiquem insensíveis a tão grande dom e paguem o seu benfeitor com ingratidão. Se nós também fomos no passado tão ingratos, peçamos de todo o coração que Jesus nos perdoe.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Santo Agostinho, considerando a grandeza do dom que Jesus Cristo nos oferece na Santíssima Eucaristia, ficou tão enlevado, que escreveu esta celebre sentença, que com tal dádiva Jesus esgotou, por assim dizer, os seus atributos infinitos. Deus, assim diz o Santo Doutor, é poderosíssimo, e se quisesse, poderia, a um só sinal seu, criar mil mundos cada qual mais bonito. Contudo, apesar de ser todo poderoso, não nos pode oferecer outro dom mais precioso do que este: Cum esset omnipotens, plus dare non potuit. Deus é sapientíssimo, e a sua sabedoria, como diz o profeta real,95 não tem limites. Mas com toda a sua sabedoria, não sabe achar um dom mais excelente do que a Santíssima Eucaristia: Cum esset sapientissimus, plus dare nescivit. Deus afinal é riquíssimo e os seus tesouros são inesgotáveis. Todavia, com toda a sua riqueza, não tem joia mais preciosa ou mais estimável do que esta para nos presentear: Cum esset ditissimus, plus dare nescivit. E a razão é óbvia: na Santíssima Eucaristia Jesus Cristo nos dá não somente a sua humanidade, senão também a sua divindade. Para nos oferecer, pois, outro dom mais excelente do que este, mister seria que nos desse um Deus maior do que Ele mesmo; o que é impossível.

Tinha razão Isaías em exclamar: Notas facite adinventiones eius – Publicai, ó homens, as invenções amorosas de nosso bom Deus.96 Se o Redentor nos não tivesse feito espontaneamente este donativo quem é que lho ousaria pedir? Quem é que se atrevera a dizer-lhe: Senhor, se quereis fazer-nos conhecer o vosso amor, escondei-vos sob as espécies de pão e vinho e consenti que vos tomemos como nosso alimento? Mas o que nunca poderiam imaginar os homens, concebeu-o e cumpriu-o o grande amor de Jesus Cristo. Ó prodígio de amor!

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Santa Maria Magdalena de Pazzi costumava dizer que depois da comunhão a alma pode repetir a palavra de Jesus: Consummatum est – Está consumado. Visto que o meu Deus se me deu a si mesmo nesta comunhão, Ele fez um último esforço de seu amor para comigo, e não tem mais nada para me dar. Mas como é, pois, possível que os homens, de ordinário tão sensíveis a qualquer cortesia que se lhes faz, ficam tão insensíveis ao dom inapreciável do Santíssimo Sacramento e pagam a Jesus Cristo com a mais negra ingratidão? Ah! meu irmão, se no passado tu também foste um daqueles ingratos, pede sinceramente perdão e resolve-te a sacrificar de hoje em diante tudo por Jesus Cristo, assim como ele se sacrificou todo por ti neste inefável mistério.

Ó meu Jesus, o que é que vos levou a dar-vos inteiramente para nosso sustento? E depois deste dom, que mais vos resta para nos obrigar a amar-vos? Iluminai-nos, Senhor, e fazei-nos conhecer qual foi esse excesso de amor que vos levou a transformar-vos em alimento para vos unirdes a nós, pobres pecadores. Mas se vos dais inteiramente a nós, justo é que inteiramente nos demos a Vós. Ó meu Redentor, como é que pude ofender-vos, a Vós que me haveis amado tanto, e que não pudestes fazer mais para ganhar o meu amor? Por mim vos fizestes homem, por mim morrestes e vos fizestes meu alimento. Dizei-me, que vos restava fazer ainda?

Amo-vos, Bondade infinita: amo-vos, Amor infinito; Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas. Senhor, entrai frequentes vezes na minha alma, inflamai-me inteiramente no vosso santo amor e fazei com que tudo esqueça para só pensar em Vós e não amar senão a Vós. Maria Santíssima, rogai por mim. Com a vossa intercessão, tornai-me digno de receber muitas vezes o vosso Filho sacramentado.

Saiba o que é e como surgiu a Solenidade de Corpus Christi.

Dia 24: Comemoração das cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo

Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris – Tirareis com alegria águas das fontes do Salvador 97.

As chagas de Jesus são aquelas benditas fontes preditas por Isaías, das quais podemos tirar todas as graças, se as pedimos com fé. São fontes de misericórdia, fontes de esperança, e sobretudo fontes de amor; porquanto as suas águas, ao passo que purificam a alma das manchas da culpa, abrasam-na no santo amor. Avizinhemo-nos muitas vezes daquelas fontes do Salvador, para apagar a nossa sede das graças.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

As chagas de Jesus Cristo são aquelas benditas fontes preditas por Isaías, das quais podemos tirar todas as graças, se as pedimos com fé: Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris – Tirareis com alegria água das fontes do Salvador.

São em primeiro lugar fontes de misericórdia. Jesus Cristo quis que lhe fossem traspassados as mãos, os pés e o lado sacrossanto, a fim de aplacar por nós a divina justiça e ao mesmo tempo abrir-nos um asilo seguro, no qual nos pudéssemos subtrair às setas da ira de Deus.

Por isso, o Senhor mesmo nos anima, dizendo no Cântico dos Cânticos: Vem, pomba minha, nas aberturas da pedra;98 isto é, na interpretação de São Pedro Damião: vem dentro destas minhas chagas, onde acharás todo o bem para tua alma. Mais expressivas ainda são as palavras de que se serve na profecia de Isaías: Ecce in manibus meis descripsi te – Eis aí que te gravei em minhas mãos.99 Como se dissesse: Minha pobre ovelha, tem ânimo; não vês quanto me custaste? Eu te gravei em minhas mãos, nestas chagas que recebi por teu amor. Elas me solicitam sempre a ajudar-te e defender-te de teus inimigos; tem, pois, amor e confiança em mim.

As chagas de Jesus são também fontes de esperança ; porquanto, como escreve São Paulo, o Senhor quis morrer consumido pelas dores, a fim de merecer o Paraíso para todos os pecadores arrependidos e resolvidos a emendar-se: Et consummatus, factus est omnibus obtemperantibus causa salutis – E pela sua consumação foi feito autor da salvação para todos os que Lhe obedecem.100 Durante uma enfermidade, São Bernardo se viu certa vez transportado perante o tribunal de Deus, onde o demônio o acusava de seus pecados e lhe dizia que não merecia o Céu. Respondeu-lhe então o santo: “É verdade que eu não mereço o Paraíso; mas Jesus tem dois direitos para este reino: um por ser Filho verdadeiro de Deus, outro por tê-lo merecido com a sua morte. Contentando-se com o primeiro, cedeu-me o segundo, em virtude do qual peço e espero a glória celeste”. É isto, meu irmão, o que nós também podemos dizer: as chagas de Jesus Cristo são os nossos merecimentos, a nossa esperança: Vulnera tua merita mea.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

As chagas de Jesus Cristo são, em terceiro lugar, fontes de amor ; porque as águas que ali brotam purificam as almas e ao mesmo tempo abrasam-nas daquele santo fogo que o Senhor veio acender sobre a terra nos corações dos homens. Pelo que São Boaventura exclama: “Ó chagas que feris os corações mais duros e abrasais as almas mais frias de amor divino”.

São Paulo protestou solenemente de si: Non enim indicavi scire me aliquid inter vos, nisi Iesum Chistum, et hunc crucifixum – Não entendi saber entre vós coisa alguma senão a Jesus Cristo, e este crucificado.101 Não ignorava, de certo, o Apóstolo, que Jesus Cristo nascera numa gruta, que passara trinta anos de sua vida numa oficina, que ressuscitara e subira ao céu. Não obstante isso diz que não queria saber senão de Jesus crucificado, porque este mistério o excitava mais a amá-lo, visto que as sagradas chagas lhe diziam o amor imenso que Jesus nos teve. Recorramos, pois, frequentes vezes por meio de uma meditação atenta a estas fontes divinas do Salvador: Omnes sitientes venite ad aquas – Todos vós os que tendes sede, vinde às águas.102

terno Pai, lançai vossos olhos sobre as chagas de vosso divino Filho: estas chagas vos pedem todas as misericórdias para mim; perdoai-me, pois, as ofensas que vos fiz; apoderai-vos de meu coração todo, para que não ame, busque, nem deseje coisa alguma fora de Vós. Ó chagas de meu Redentor, formosas fornalhas de amor, recebei-me e inflamai-me, não com o fogo do Inferno que mereço, mas com a santa chama de amor a este Deus que quis morrer por mim, à força de tormentos. “E Vós, eterno Pai, que pela Paixão de vosso Filho Unigênito e pelo sangue que Ele derramou por suas cinco chagas, renovastes a natureza humana, perdida pelo pecado: concedei-me propício que, venerando na terra estas chagas divinas, eu mereça conseguir no Céu o fruto do Preciosíssimo Sangue de Jesus.”11 – Fazei-o pelo amor do próprio Jesus Cristo e de Maria Santíssima.

Dia 25: Terceira dor de Maria Santíssima – Perda de Jesus no Templo

Ecce pater tuus et ego dolentes quaerebamus te – Eis que teu pai e eu te andávamos buscando cheios de aflição 103.

A dor de Maria pela perda de Jesus foi sem dúvida uma das mais acerbas; porque ela então sofria longe de Jesus, e a humildade fazia-lhe crer que o Filho se tinha apartado dela por causa de alguma negligência sua. Sirva-nos esta dor de conforto nas desolações espirituais; e ensine-nos o modo de buscarmos a Deus, se jamais para nossa desgraça viermos a perdê-lo por nossa culpa. Lembremo-nos, porém, de que quem quiser achar a Jesus, não o deve buscar entre os prazeres e delícias, mas no pranto, entre as cruzes e mortificações, assim como Maria o procurou.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Quem nascer cego, pouco sente a pena de ser privado de ver a luz do dia; mas quem noutro tempo teve a vista e gozou a luz, muita pena sente em se ver dela privado. E assim igualmente as almas infelizes que, cegas pelo lodo desta terra, pouco têm conhecido a Deus, pouco sentem a pena de o não acharem. Ao contrário, quem, iluminado pela luz celeste, foi feito digno de achar no amor a doce presença do supremo bem, ó Deus! que tristeza sente em ver-se dela privado.

Vejamos portanto o muito que a Maria, acostumada a gozar continuamente a dulcíssima presença de seu Jesus, devia ser dolorosa a terceira espada que a feriu, quando, havendo-o perdido em Jerusalém, por três dias se viu dele separado. Alguns escritores opinam que esta dor não foi somente uma das maiores que teve Maria na sua vida, mas que foi em verdade a maior e mais acerba. E com razão, porque então ela não sofria em companhia de Jesus, como nas outras dores; e porque a sua humildade lhe fazia crer que Jesus se tinha afastado dela por alguma negligência no seu serviço. Por esta razão aqueles três dias lhe foram excessivamente longos e se lhe afiguraram séculos, cheios de amargura e de lágrimas.

Num quem diligit anima mea vidistis? ― Vistes porventura àquele a quem ama a minha alma?104 É assim que a divina Mãe, como a Esposa dos Cantares, andava perguntando por toda a parte. E depois, cansada pela fadiga, mas sem o ter achado, oh, com quanto maior ternura não terá dito o que disse Ruben de seu irmão: Puer non comparet, et ego quo ibo? ― O menino não aparece, e eu para onde irei?105 O meu Jesus não aparece, e eu não sei que mais possa fazer para o achar; mas aonde irei sem o meu tesouro? Ah, meu filho dileto! cara luz de meus olhos: faze-me saber onde estás, a fim de que eu não ande mais errando e buscando-te em vão. Numa palavra, afirma Orígenes que pelo amor que esta Santa Mãe tinha a seu Filho, padeceu mais nesta perda de Jesus que qualquer outro mártir no tormento que o privou da vida.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Esta dor de Maria, em primeiro lugar, deve servir de conforto àquelas almas que estão desoladas e não gozam a doce presença de seu Senhor, gozada em outros tempos. Chorem, sim, mas chorem com paz, como chorou Maria a ausência de seu Filho. Não temam por isso de terem perdido a divina graça, animando-se com o que disse Deus mesmo a S. Teresa: “Ninguém se perde sem o conhecer; e ninguém fica enganado sem querer ser enganado”. Se o Senhor se ausenta dos olhos da alma que o ama, nem por isso se ausenta do coração. Esconde-se muitas vezes para ser por ela buscado com mais desejo e amor. Mas quem quer achar a Jesus, é preciso que o busque, não entre as delícias e os prazeres do mundo, mas entre as cruzes e mortificações, como o buscou Maria: Dolentes quaerebamus te ― Nós Te andávamos buscando cheios de aflição.

Além disso, neste mundo não devemos buscar outro bem senão Jesus. Jó não foi, por certo, infeliz quando perdeu tudo o que possuía neste mundo, até descer a um monturo. Porque tinha consigo Deus, também então era feliz. Verdadeiramente infelizes e miseráveis são aquelas almas que perderam a Deus. Se, pois, Maria chorou a ausência do Filho, quanto mais deveriam chorar os pecadores que perderam a divina graça, e aos quais Deus diz: Vos non populus meus, et ego non ero vester ― Vós não sois meu povo, e eu não serei mais vosso.106

Mas a maior desgraça para aquelas pobres almas, diz Santo Agostinho, é que, se perdem um boi, não deixam de procurá-lo; se perdem uma ovelha, não poupam diligência para achá-la; se perdem um jumento, não têm mais repouso; mas se perdem o sumo Bem, que é Deus, comem, bebem e ficam quietos. Ah, Maria, minha Mãe amabilíssima, se por minha desgraça eu também perdi a Jesus pelos meus pecados, rogo-vos, pelos méritos das vossas dores, fazei que eu depressa o vá buscar e o ache, para nunca mais tornar a perdê-lo em toda a eternidade.

Meditamos sobre a perda do Menino Jesus no Templo ao contemplarmos os Mistérios Gozosos. Saiba tudo sobre eles!

Dia 26: A multidão faminta e as almas do Purgatório

Unde ememus panes ut manducent hi? – Onde compraremos pães para que estes comam? 107.

A tenra compaixão que moveu o Senhor a multiplicar os pães para dar de comer à multidão que o seguia, deve mover-nos a socorrer as almas do Purgatório, que são muito mais numerosas e muito mais famintas de seu alimento espiritual, que é Deus. O meio principal de que devemos usar para lhes levar socorro é a Santíssima Eucaristia. Em sufrágio dessas almas, visitemos frequentemente a Jesus sacramentado; aproximemo-nos da mesa da comunhão, e, se não podemos mandar celebrar missas, ouçamos ao menos todas as que as nossas ocupações nos permitam ouvir.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Refere o Evangelho que, estando Jesus assentado sobre um monte, levantou os olhos, e viu ao redor de si uma multidão de quase cinco mil pessoas, que o seguiam, porque viam os milagres que fazia sobre os enfermos. Em seguida, sabendo que um moço tinha cinco pães de cevada e dois peixes, tomou-os em suas mãos, e, tendo dado graças, os mandou distribuir à multidão. Não somente houve o bastante para todos se fartarem, mas com os pedaços que sobejaram, os apóstolos encheram doze cestos. Eis aí o grande milagre que Jesus Cristo fez por compaixão de tantos pobres corporalmente.

Ora, é justo, ou para dizer melhor, é necessário que tenhamos compaixão das almas de outra multidão muito mais numerosa e incomparavelmente mais faminta do seu alimento espiritual: devemos compadecer-nos das almas benditas do Purgatório. Pobres almas! São muitas as penas que padecem naquele cárcere de tormentos; porém, acima de tudo aflige-as a privação da dulcíssima presença de Deus, cuja beleza infinita já conhecem. Não há na linguagem humana palavras apropriadas para exprimir qual seja esta pena; mas ainda que possuíssemos as palavras adequadas, faltar-nos-ia a capacidade de compreendê-las, preocupados como estamos com as coisas terrestres.

Mas a pena que a privação de Deus traz consigo é bem compreendida pelas pobres almas que a padecem. Por isso levantam a sua voz lamentosa e pedem-nos que lhes saciemos a fome inconcebível de contemplarem quanto antes o objeto de seu amor: Miseremini mei, saltem vos, amici mei, quia manus Domini tetigit me – Compadecei-vos de mim, ao menos vós, que sois meus amigos, porque a mão do Senhor me feriu.108

Reze a Novena pelas almas do Purgatório.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

O milagre da multiplicação dos pães, assim como se conclui do Evangelho, foi feito para provar a presença verdadeira de Jesus na Eucaristia; e mesmo, segundo observavam os doutores, foi uma figura da mesa eucarística. Eis, pois, o meio eficacíssimo de que, à imitação do Redentor, devemos lançar mão para saciarmos a fome das almas benditas do purgatório. Visitemos muitas vezes o divino sacramento, comunguemos com frequência; sobretudo mandemos celebrar em alívio das almas o sacrifício incruento da Missa, ou ao menos ouçamos para sufragá-las todas as missas que pudermos. “Cada Missa que se celebra”, diz São Jerônimo, “faz sair várias almas do Purgatório”. E São Gregório acrescenta: “Quem assiste devotamente à Missa, alivia as almas dos fiéis defuntos e contribui para lhes serem perdoados completamente os pecados”.

Pelo que uma pessoa muito devota às almas do purgatório, cada vez que ouvia tocar a entrada para uma Missa, afigurava-se ver as almas no meio das chamas e ouvir os seus gritos lastimosos e angustiados. “Então”, assim dizia, “por urgentes que sejam as minhas ocupações, não posso deixar de assistir ao divino sacrifício, nem tenho coragem de lhes dizer: Esperai, porque hoje falta-me o tempo para vos ajudar”. Façamos do mesmo modo, e fiquemos certos de que aquelas santas prisioneiras saberão mostrar-se agradecidas. Além disso, virá o tempo em que, estando nós também no Purgatório, nos medirão a nós com a medida que nós tivermos medido aos outros.109

Ó dulcíssimo Jesus, pela compaixão que mostrastes para com as multidões famintas que vos acompanhavam, tende piedade das almas do purgatório. Volvei também para mim os vosso olhos piedosos, “e fazei, ó Deus todo-poderoso, que na aflição pelas minhas iniquidades, respire com a consolação de vossa graça”.23 Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Dia 27: Meios para alcançar o amor de Deus e a santidade

Desideria occidunt pigrum (…) qui autem iustus est tribuet, et non cessabit – Os desejos matam o preguiçoso; porém, o que é justo dará e não cessará 110.

Quem quiser ser santo não se deve contentar com o desejo, mas deve resolver-se a pôr depressa mãos à obra, porque o demônio não teme as almas irresolutas. Os meios para chegar a um fim tão sublime são particularmente dois: a oração, que faz o amor divino entrar no coração, e a mortificação, que dele remove a terra e o torna apto a receber o fogo divino. Ganhemos ânimo; comecemos desde já a empregar estes meios e nós também chegaremos a ser santos.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Quem mais ama a Deus é mais santo. Dizia São Francisco Borges que a oração faz entrar o amor divino no coração, ao passo que a mortificação dele remove a terra e fá-lo apto a receber aquele fogo sagrado. Quanto mais espaço a terra ocupa no coração, tanto menos lugar achará ali o santo amor: Sapientia (…) nec invenitur in terra suaviter viventium – A sabedoria (…) não se acha na terra dos que vivem em delícias.111 Por isso é que os santos sempre procuraram mortificar, o mais possível, o seu amor próprio e os seus sentidos. “Os santos são poucos, mas devemos viver com os poucos, se nos quisermos salvar com os poucos”, escreve São João Clímaco: Vive cum paucis, si vis regnare cum paucis. E São Bernardo diz: “Quem quer levar vida perfeita, deve levar vida singular: Perfectum non potest esse nisi singulare.”

Para sermos santos, devemos, antes de mais nada, ter o desejo de nos tornarmos santos: desejo e resolução. Alguns sempre desejam, mas nunca começam a pôr mãos à obra. “De semelhantes almas irresolutas”, dizia Santa Teresa, “o demônio não tem medo. Ao contrário, Deus é amigo das almas generosas.”

É, pois, um engano do demônio, no dizer da mesma seráfica santa, fazer-nos pensar que há orgulho em se querer tornar santo. Seria orgulho e presunção se metêssemos a nossa confiança em nossas obras ou resoluções; mas não se esperamos tudo de Deus, que então nos dará a força que nos falta. Desejemos, portanto, e ardentemente, chegar a um grau sublime de amor divino e digamos com coragem: Omnia possum in eo qui me confortat – Eu posso tudo naquele que me fortalece.112 Se não achamos em nós tão grande desejo, peçamo-lo instantemente a Jesus Cristo, que não deixará de no-lo dar.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Devemo-nos, portanto, alentar, tomar uma resolução e começar; lembrando-nos de que, na perfeição cristã, segundo a expressão de São Francisco de Sales, vale muito mais a prática do que a teoria. O que não podemos fazer com as nossas próprias forças, ser-nos-á possível com o auxílio de Deus, que prometeu dar-nos tudo o que lhe pedíssemos: Quodcumque volueritis, petetis, et fiet vobis.113

Ó meu amado Redentor, Vós desejais o meu amor e me mandais que vos ame de todo o coração. Sim, Jesus meu, quero amar-vos de todo o meu coração. Não, meu Deus – assim vos direi, confiado em vossa misericórdia – não me assustam os pecados que cometi, porque agora detesto-os e abomino-os mais do que qualquer outro mal, e sei que vos esqueceis das ofensas da alma que se arrepende e vos ama. Porque vos ofendi mais do que os outros, quero, com o auxílio que de Vós espero, amar-vos mais do que os outros.

Senhor meu, Vós me quereis santo, e eu quero tornar-me santo, não tanto para gozar no Paraíso, como para vos agradar. Amo-vos, bondade infinita! Jesus, meu Deus, amo-vos sobre todas as coisas, e me consagro todo a Vós, Vós sois o meu único bem, o meu único amor. Aceitai-me, ó meu amor, e fazei-me todo vosso, e não permitais que ainda vos dê desgosto. Fazei com que eu me consuma todo por Vós, assim como Vós vos consumistes todo por mim. Ó Maria, ó esposa mais amável do Espírito Santo, e a mais amada, obtende-me amor e fidelidade. Alcançai-me somente, ó minha Mãe, que eu seja sempre vosso devoto servo; porquanto quem se distingue na devoção para convosco, distingue-se também no amor a vosso divino Filho.

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Dia 28: Da nobreza da alma

Fili, in mansuetudine serva animam tuam, et da illi honorem secundum meritum suum – Filho, guarda a tua alma na mansidão, e dá-lhe honra segundo o seu merecimento 114.

A nossa alma é, sem dúvida, mais preciosa do que todos os bens do mundo, não só pela sua nobre origem, senão também, e muito mais, pelo preço do seu resgate e pela sublimidade do seu destino. Por isso o demônio estima-a tão alto, que para se apoderar dela não descansa. Ora dize-me: se o Inimigo vela sempre para perder a nossa alma, como podemos nós ficar dormindo o sono da tibieza?

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Devemos considerar bem que o negócio da nossa eterna salvação é um negócio das mais graves consequências, porque se trata da alma, e, tendo-se perdido esta, tudo está perdido. A alma, diz São João Crisóstomo, deve ser tida por nós como mais preciosa que todos os bens do mundo. E, para compreender esta verdade acrescenta São Eleutério, se não nos basta saber que Deus a criou à sua imagem e semelhança, seja-nos ao menos suficiente saber que Jesus Cristo pagou um preço de valor infinito para remir a alma da escravidão do demônio: “Si non credis Creatori, interroga Redemptorem: Se não acreditas no Criador, interroga ao Redentor”.

Assim é: para salvar nossas almas, o próprio Deus sacrificou seu Filho à morte; e o Verbo Eterno não duvidou resgatá-las a troco de seu sangue. Empti enim estis pretio magno – Fostes comprados por alto preço.115 Pelo que um Santo Padre, considerando o preço do resgate humano, chega a dizer: “Parece que o homem vale tanto como Deus”. Tinha muita razão São Filipe Néri de tratar de loucos aqueles sábios que não trabalham pela salvação da alma. Se tem tamanho valor a nossa alma, que bens do mundo poderemos dar em troca, se viermos a perdê-la? Quam dabit homo commutationem pro anima sua? – Que dará o homem em troca da sua alma?116

Se houvesse na terra homens mortais e outros imortais, e se os mortais vissem os imortais preocupados com as coisas do mundo, procurando granjear honras, bens e prazeres mundanos, dir-lhes-iam sem dúvida: Quanto sois insensatos! Podeis adquirir bens eternos e pensais nessas coisas miseráveis e passageiras? E é por elas que vos condenais a penas eternas na outra vida? Deixai esses bens terrestres para aqueles que, como nós, tudo veem acabar com a morte. Mas não! Todos somos imortais. Como é então que tantas pessoas perdem a alma em troca das miseráveis satisfações deste mundo?

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Devemos de hoje em diante empregar toda a diligência na salvação da nossa alma, e por isso devemos fugir das ocasiões perigosas, resistir às tentações e frequentar os sacramentos. Vede, diz Santo Agostinho; o demônio estima tanto uma alma, que para se apoderar dela, não dorme, mas anda continuamente ao redor de nós buscando perdê-la. Ora, se o inimigo vela sempre para a nossa perdição, havemos de ficar dormindo o sono da tibieza? Vigilat hostis, dormis tu?

Ah, meu Deus! de que serviram os longos anos que me haveis dado para adquirir a salvação eterna? Vós, ó Redentor meu, resgatastes a minha alma à custa do vosso sangue e me destes para trabalhar pela sua salvação, e eu não trabalhei senão para perdê-la, ofendendo-vos a Vós, que tanto me haveis amado. Agradeço-vos o tempo que ainda me concedeis para reparar tão grande perda. Perdi a alma e a vossa amável graça!

Senhor, arrependo-me e sinto-o de todo o coração. Ah, perdoai-me, pois que doravante estou resolvido a perder todos os bens, incluindo a vida, antes que perder a vossa amizade. Amo-vos sobre todas as coisas e tenho a firme vontade de vos amar sempre, ó Bem supremo, digno de todo o amor. Ajudai-me, ó meu Jesus, a fim de que esta resolução não seja semelhante às outras que formei no passado e que foram outras tantas infidelidades. Deixai-me antes morrer do que tornar a ofender-vos e deixar de vos amar. Ó Maria, esperança minha, salvai-me, obtendo-me a santa perseverança.

Dia 29: Sentença dos escolhidos e dos réprobos no Juízo Universal

Venite, benedicti Patris mei, possidete paratum vobis regnum (…). Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum – Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado (…). Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno 117.

No Juízo Final, a fim de que os réprobos sintam mais a grandeza do bem que perderam, será primeiro pronunciada a sentença dos escolhidos. E enquanto estes entrarem triunfantes no Paraíso, o divino Juiz se voltará para os réprobos, e amaldiçoando-os, condená-los-á a se afastarem dele para queimarem no fogo eterno. Meu irmão, com a vida que vais levando, qual das duas sentenças julgas que naquele dia será a tua?

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

São Bernardo diz que no Juízo Universal Jesus pronunciará primeiramente a sentença dos justos, chamando-os à glória do Paraíso, a fim de que os réprobos sintam maior pena à vista do que perderam. Jesus Cristo, pois, voltar-se-á para os escolhidos, e com o semblante cheio de benevolência lhes dirá: Venite, benedicti Patris mei – Vinde, benditos de meu Pai. São Francisco de Assis, sabendo por uma revelação que era predestinado à glória, não podia conter a alegria. Qual não será então a alegria dos que ouvirem estas palavras do Juiz: “Vinde, filhos benditos, entrai no reino que vos espera; não tendes mais nada a sofrer, nada mais a recear; estais salvos, e salvos por toda a eternidade. Abençoo o sangue que por vós derramei, e abençoo as lágrimas que vós derramastes sobre os vossos pecados. Vamos ao Paraíso onde juntos permaneceremos eternamente”. A Santíssima Virgem abençoará também os seus dedicados servos e os convidará a acompanhá-la à celeste morada; e assim cantando aleluia! aleluia! os escolhidos entrarão triunfantes no Paraíso, para possuírem, louvarem e amarem eternamente a Deus.

Ao contrário, os réprobos voltados para Jesus Cristo dir-lhe-ão: Que será feito de nós, desgraçados? – Vós, assim dirá o Juiz Eterno, já que haveis recusado e desprezado a minha graça: Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum – Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno. Discedite, apartai-vos, nunca mais vos quero ver nem ouvir. Maledicti, ide, malditos, ide, já que haveis desprezado a minha bênção. “Mas para onde, Senhor, para onde devem ir estes desgraçados?” In ignem, para o Inferno, onde devem arder em corpo e alma. “Mas, por quantos anos ou por quantos séculos?” O que? anos? séculos? In ignem aeternum, por toda a eternidade, enquanto Deus for Deus.

Ó pecado maldito, a que triste destino levarás um dia tantas pobres almas, remidas pelo sangue de Jesus Cristo! Ó almas desgraçadas, às quais está reservado um destino tão lastimável. Dize-me, meu irmão, qual das duas sentenças julgas que será a tua naquele dia. Queres ser um dia abençoado com os escolhidos à tua direita! Deixa então o caminho que te leva a ser maldito com os réprobos à esquerda.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Depois da sentença, os réprobos, segundo Santo Efrém, despedir-se-ão dos anjos, dos santos, dos parentes e da divina Mãe. E neste instante um vasto abismo se abrirá no meio do vale, e nele cairão juntamente os demônios e os condenados, que sobre si ouvirão fechar essas portas, que, durante toda a eternidade, nunca e nunca se hão de abrir.

Ah, meu Deus e meu Salvador, qual será a sentença que me tocará no último dia? Se neste momento, meu Jesus, me pedísseis contas da minha vida, que outra coisa poderia responder-vos, senão que mereço mil vezes o Inferno? Sim, meu amado Redentor, é verdade que mereço mil vezes o Inferno; mas sabei que vos amo e que vos amo mais que a mim mesmo. Quanto às ofensas que vos fiz, estou possuído de tal dor, que antes quisera ter sofrido todos os males que ter-vos desagradado. Ó Jesus meu, condenais os pecadores obstinados, mas não os que se arrependem e vos querem amar. Aqui me tendes aos vossos pés com o coração contrito; deixai-me ouvir uma palavra de perdão.

Já mo declarastes pela boca do profeta: Convertimini ad me, et convertar ad vos – Convertei-vos a mim, e Eu me converterei a vós.118 Tudo abandono, renuncio a todos os gozos, a todos os bens do mundo; converto-me e ligo-me a Vós, Redentor meu amabilíssimo. Ah! recebei-me em vosso Coração e ali abrasai-me com o vosso santo amor; inflamai-me de tal modo que nunca mais pense em separar-me de Vós. Jesus meu, salvai-me, e que a minha salvação consista em amar-vos sempre, e louvar para sempre as vossas misericórdias: Misericordias Domini in aeternum cantabo – Eternamente cantarei as misericórdias do Senhor.119 Maria, minha esperança, meu refúgio e minha Mãe, ajudai-me e alcançai-me a santa perseverança. Ainda não se perdeu ninguém que recorresse a vós; a vós me recomendo, tende piedade de mim.

Dia 30: União da alma com Jesus na santa comunhão

Qui manducat meam carnem et bibit meum sanguinem, in me manet et ego in illo – Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue fica em mim e Eu nele 120.

Jesus tinha-se dado aos homens como mestre, como modelo e como vítima; restava-lhe somente que se desse como alimento, a fim de fazer-se uma coisa conosco. É o que fez instituindo a Santa Eucaristia. Ó dignação de um Deus para com os homens! Mas como é que há tantos homens que não o amam e lhe respondem com ingratidão! Se no passado nós também temos sido do número desses ingratos, esforcemo-nos para amá-lo tanto mais para o futuro.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Diz São Diniz, o Areopagita, que o efeito principal do amor é procurar a união com o objeto amado. Exatamente para se unir com as nossas almas foi que Jesus Cristo instituiu a santa comunhão. Tendo-se dado a nós como Mestre, como modelo e como vítima só lhe restava dar-se a nós como nosso sustento, para fazer-se um só conosco, assim como o sustento se identifica com aquele que o toma. Foi o que fez instituindo este sacramento de amor.

Jesus Cristo não pode contentar-se com unir-se à nossa natureza humana; com este sacramento quis ainda achar o modo de unir-se a cada um de nós e de ser todo de quem o recebe. A este respeito escreveu São Francisco de Sales: “Em nenhuma outra ação pode o Salvador ser considerado nem mais terno nem mais amoroso do que nesta, na qual se aniquila, por assim dizer, e se reduz a manjar, a fim de entrar em nossas almas, e unir-se aos corações dos seus fiéis”.

Numa palavra, porque Jesus nos ama ardentemente, quer unir-se conosco pela Eucaristia, a fim de que nos tornemos uma coisa com Ele, e o seu Coração seja um só coração com o nosso. “Voluisti, ut tecum unum cor haberemus”, diz São Lourenço Justiniani: “Quisestes que tivéssemos um só coração convosco”. E primeiro já o dera a entender o próprio Jesus: Qui manducat meam carnem, in me manet et ego in illo – Quem come a minha carne permanece em mim e Eu nele. Assim, na comunhão Jesus une-se com a alma e a alma com Jesus, e esta união não é de mero afeto, mas verdadeira e real. “Como dois pedaços de cera derretidos se misturam”, diz São Cirilo de Alexandria, “assim o que comunga se torna uma coisa com Jesus Cristo”. Ó condescendência infinita de um Deus para com os homens! Mas como é então possível que estes não o amem e lhe respondam com ingratidão?

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Para nos mantermos sempre em união com Jesus Cristo, aproximemo-nos frequentemente e com as devidas disposições da mesa eucarística; e se és diretor de almas, exorta as tuas dirigidas à comunhão frequente. Costumava o Bem-aventurado João de Ávila dizer que os que censuram as pessoas que frequentam a comunhão fazem o papel do demônio, que tem grande ódio a este sacramento, porque dele as almas recebem o fervor para progredirem na perfeição. Quando comungamos, afiguremo-nos que Jesus Cristo nos diz o que um dia disse à sua querida serva Margarida de Ypres: “Vê, minha filha, a bela união entre nós; pois, ama-me, fiquemos sempre unidos no amor e nunca mais nos separemos”.

Ah, meu Jesus! eis o que vos peço e quero sempre pedir-vos na santa comunhão: Unidos fiquemos sempre, e jamais nos separemos. Sei que não vos separareis de mim, se não for eu o primeiro a me separar de Vós. Ai! todo o meu medo é que no futuro venha eu a separar-me de Vós pelo pecado, como fiz outrora. Por piedade, não o permitais, ó meu amadíssimo Redentor: Ne permittas me separari a te. Até a morte, estarei sempre exposto a este perigo; ah! conjuro-vos, pelos merecimentos de vossa Paixão, deixai-me antes morrer do que cair nesta desgraça. Repito-o e vos peço a graça de repeti-lo sempre: Não permitais que me separe de Vós! Não permitais que me separe de Vós!

Ó Deus de minha alma, amo-vos, amo-vos; quero amar-vos sempre, e não amar senão a Vós. Protesto à face do Céu e da Terra, só a Vós quero e nada mais. Jesus meu, escutai-me, eu o repito: só a Vós quero e nada mais. Ó Mãe de misericórdia, Maria, intercedei neste momento por mim; obtende-me a graça de não me separar mais de Jesus, e não amar mais senão a Jesus.

Dia 31: Comemoração do Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo

Redemisti nos, Domine, in sanguine tuo (…) et fecisti nos Deo nostro regnum – Remiste-nos, Senhor, em teu sangue, e fizeste-nos reino para Deus 121.

O Senhor não se contentou com pagar pela sua morte a pena a nós devida e anular com o seu sangue a sentença da nossa condenação eterna; quis ainda, no sacramento da penitência, preparar-nos um banho salutar de seu sangue, no qual pudéssemos, à vontade, lavar-nos das manchas do pecado. E nós não o amaremos de todo o coração? Tomemos o belo hábito de oferecer frequentemente este Preciosíssimo Sangue ao eterno Pai, para obtermos todas as graças de que precisamos.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

O nosso amantíssimo Redentor não veio ao mundo para outro fim, senão para salvar os pecadores. Por isso não se contentou com pagar pela sua morte a pena a nós devida e anular com o seu sangue a sentença da nossa eterna condenação;122 mas com o mesmo sangue quis ainda preparar-nos um banho salutar para nos limparmos das manchas dos nossos pecados: Dilexit nos, et lavit nos in sanguine suo – Ele nos amou e lavou em seu sangue.123 E isso não somente uma vez, senão quantas quisermos; porquanto, prevendo que, depois do batismo, tornaríamos a manchar-nos pelo pecado, estabeleceu, por meio do sacramento da penitência, que aquele banho durasse até à consumação dos séculos.

Pelo que o Apóstolo nos anima dizendo: Accessistis (…) ad mediatorem Iesum, et sanguinis aspersionem, melius loquentem quam Abel – Chegastes (…) ao mediador Jesus, e à aspersão do sangue, que fala melhor que o de Abel.124 Meus irmãos, assim parece dizer-nos, por mais pecadores que sejais, não percais a coragem; pois tendes de tratar, não com um mediador qualquer, mas com Jesus Cristo. Se o sangue dos bodes e dos touros sacrificados tirava aos hebreus as manchas corporais exteriores, a fim de que pudessem ser admitidos aos ministérios sagrados; quanto mais o sangue de Jesus Cristo, que por amor se ofereceu a pagar por nós, tirará das nossas almas os pecados para podermos servir ao nosso Deus?125

Ah! quanto melhor, conclui São Paulo, o sangue do Redentor implora por nós a divina misericórdia, do que o sangue de Abel bradava por vingança contra Caim! É o que o Senhor mesmo disse também a Santa Maria Madalena de Pazzi: “A minha justiça converteu-se em clemência pela vingança tomada no corpo inocente de Jesus Cristo. O sangue deste meu Filho não pede vingança, como o sangue de Abel, mas somente misericórdia e piedade, e à tal voz a minha justiça fica necessariamente aplacada. Este sangue liga-me, por assim dizer, as mãos, de modo que não posso mais movê-las para tomar vingança dos pecados, como antes tomavam.”

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Como fruto da presente meditação nutramos uma terna devoção ao sangue divino. Cada vez que meditares na Paixão de Jesus Cristo, chega-te a Ele em espírito e pede-lhe que te purpureie todo com o seu Preciosíssimo Sangue. No tribunal da penitência, afigura-te ver no confessor a própria pessoa do Redentor, que na absolvição derrama sobre ti o seu sangue; e quando fores comungar, imagina que chegas teus lábios ao lado sagrado de Jesus. Sobretudo habitua-te a oferecer muitas vezes ao eterno Pai o Preciosíssimo Sangue de Jesus Cristo, em satisfação pelos teus pecados, pelas necessidades da Santa Igreja, pela conversão dos pecadores e em sufrágio das almas do Purgatório.

“Ó Sangue preciosíssimo de vida eterna, mercê e resgate de todo o universo, bebida e lavacro de nossas almas, que defendeis continuamente a causa dos homens junto ao trono da suprema misericórdia, adoro-vos profundamente, e quisera, quanto me é possível, desagravar-vos de todas as injúrias e desprezos que continuais a receber da parte dos homens, e particularmente daqueles que temerariamente se atrevem a blasfemar contra vós. Quem não bendirá esse Sangue de infinito valor? Quem não se sentirá abrasado de amor a Jesus, que o derramou? Que seria de mim, se não fôra remido por esse Sangue divino? Quem vos fez correr até a última gota das veias de meu Senhor? Ah! Foi certamente o amor. Ó amor imenso que nos deu este bálsamo tão salutar! Ó bálsamo inestimável, brotado da fonte de um amor imenso! Fazei, ah! fazei que todos os corações, todas as línguas vos louvem, exaltem e agradeçam agora e sempre, até ao dia da eternidade.”

“E Vós, eterno Pai, que destinastes para Redentor do mundo vosso Filho unigênito e quisestes ser aplacado pelo seu sangue: suplico-vos, concedei-me que, enquanto estiver aqui na terra, eu venere solenemente esse preço de nossa salvação, e seja por ele de tal modo livrado de todos os males da vida presente, que mereça gozar eternamente os seus frutos no Céu.”126 Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e de Maria Santíssima.

Conheça e reze a belíssima Ladainha do Preciosíssimo Sangue de Jesus.

Dia 32: Dor de Maria Santíssima em consentir na morte de Jesus

Proprio Filio suo non pepercit, sed pro nobis omnibus tradidit illum – Não poupou a seu próprio Filho, mas entregou-o por nós todos 127.

Embora Maria Santíssima já tivesse consentido na morte de Jesus Cristo desde que aceitou a maternidade divina, quis todavia o Pai Eterno que ela renovasse o consentimento no tempo da Paixão, a fim de que, juntamente com a vida do Filho, fosse também sacrificado o coração da Mãe. Pelos merecimentos deste consentimento tão espontâneo como doloroso, a Santíssima Virgem foi feita reparadora do gênero humano, e credora de toda a nossa gratidão. Quantos, porém, lhe pagam com a ingratidão mais monstruosa, renovando pelo pecado a Paixão do Filho e as dores da Mãe!

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Ensina Santo Tomás que, conferindo a qualidade de mãe direitos especiais sobre os filhos, parece conveniente que Jesus, inocente e sem culpa própria merecedora de suplício, não fosse destinado à morte de cruz sem que a Santíssima Virgem consentisse e o oferecesse espontaneamente a morrer. Verdade é que Maria já dera o seu consentimento quando foi escolhida para Mãe do Redentor. Quis, porém, o eterno Pai que ela o renovasse no tempo da Paixão, a fim de que, juntamente com o sacrifício da vida do Filho, fosse também sacrificado o coração da Mãe.

A Bem-Aventurada Virgem, ao pensar no Filho amado, que em breve ia perder, tinha os olhos sempre arrasados de lágrimas, e, como ela mesma revelou à Santa Brígida, um suor frio corria-lhe pelo corpo, por causa do temor do doloroso espetáculo que se avizinhava. Eis que, chegando finalmente o dia destinado, veio Jesus e chorando se despediu da Mãe, para ir morrer. Diz Cornélio a Lápide que, para compreendermos a dor que Maria então sentiu, seria mister que compreendêssemos o amor que tal Mãe tinha a tal Filho. Como, porém, poderemos fazer ideia disso?

Ah! Os títulos unidos de serva e mãe, de filho e Deus acenderam no coração da Virgem um incêndio composto de mil incêndios, de tal modo que São Guilherme de Paris chega a dizer que Maria amou a Jesus Cristo tanto que uma pura criatura não seria quase capaz de amá-lo mais: Quantum capere potuit hominis modus. No tempo da Paixão, todo este incêndio de amor se converteu num mar de dor. Pelo que São Bernardino disse: “Todos os sofrimentos do mundo, se fossem ajuntados, não poderiam igualar à dor de Maria”. Pobre Mãe! E nós não nos compadeceremos dela?

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Dizem os Santos Padres que a Bem-Aventurada Virgem, pelos merecimentos que adquiriu oferecendo a Deus o grande sacrifício da vida de seu Filho, deve com razão ser chamada reparadora do gênero humano, restauradora das nossas misérias, Mãe de todos os fiéis cristãos, nova Eva que nos gerou para a vida, dissemelhante da outra Eva que foi a causa primeira da nossa perdição. Por isso o Bem-Aventurado Alberto Magno afirma que, assim como somos obrigados a Jesus Cristo pela Paixão a que se submeteu por nosso amor, somos obrigados igualmente a Maria pelo martírio que na ocasião da morte do Filho quis sofrer espontaneamente pela nossa salvação.

Infelizmente, porém, quantos cristãos, em vez de se mostrarem agradecidos, pagam à nossa boa Mãe com a mais monstruosa ingratidão! Disto exatamente se queixou a mesma Santíssima Virgem com a Bem-Aventurada Colleta, franciscana. Aparecendo-lhe um dia e mostrando-lhe Jesus Cristo, todo desfigurado pelas chagas: “Filha”, disse-lhe, “eis aí como os pecadores tratam continuamente a meu Filho, renovando-lhe a morte e a mim as dores”.

Ó minha bendita Mãe! é assim que os homens respondem ao amor que lhes mostrastes, consentindo em que vosso Jesus morresse pela nossa salvação. Ingratos como são, nem depois de o haverem crucificado deixam de persegui-lo com os seus pecados, e assim continuam também a afligir-vos, ó grande Rainha dos Mártires. Eu também fui um daqueles infelizes. Ah! minha Mãe dulcíssima, alcançai-me lágrimas para chorar tamanha ingratidão. Pela dor que sentistes, quando vosso Filho se despediu de vós para ir de encontro à morte, obtende-me a graça de contemplar sempre com fruto os mistérios dolorosos da sua Paixão, especialmente nestes dias em que a Igreja faz dela recordação especial. Esta graça eu vo-la peço pelo amor do mesmo Jesus Cristo; de vós a espero.

Leia mais: A Anunciação do Senhor e seus três sins.

Dia 33: Grande fruto que se tira da meditação da Paixão de Jesus Cristo

Abraham, pater vester, exultavit, ut videret diem meum: vidit et gavisus est – Abraão, vosso pai, desejou ansiosamente ver o meu dia: ele o viu e exultou de gozo 128.

Não é sem razão que Abraão e com ele os demais justos do Antigo Testamento desejavam tão ansiosamente ver o dia do Senhor. Sim, porque depois da vinda de Jesus Cristo, é impossível que uma alma crente que medita nas dores e ignomínias que Ele sofreu por nosso amor não se abrase em amor e não se resolva firmemente a tornar-se santa. Se, pois, queremos progredir no caminho de perfeição, meditemos a miúdo, e especialmente nestes dias, na Paixão do Redentor, e meditando afiguremo-nos que presenciamos os mistérios dolorosos.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Não é sem razão que o patriarca Abraão desejou ansiosamente ver o dia do Senhor; e que, tendo tido a ventura de vê-lo por uma revelação divina, ainda que em espírito somente, se alegrou em seu coração, como atesta o Evangelho de hoje. Sim, porque o tempo que se seguiu à vinda de Jesus Cristo já não é mais tempo de temor, mas tempo de amor: Tempus tuum, tempus amantium.129

Na antiga Lei, antes da Encarnação do Verbo, podia o homem, por assim dizer, duvidar se Deus o amava. Depois de o havermos visto, porém, morrendo por nós, exangue e vilipendiado sobre um patíbulo infame, já não podemos duvidar que Ele nos ame com toda a ternura. Quem poderá jamais compreender que excesso de amor levou o Filho de Deus a pagar a pena dos nossos pecados? E, todavia, isso é um ponto de fé: Dilexit nos, et lavit nos in sanguine suo – Ele nos amou, lavou-nos em seu sangue.130 Ó misericórdia infinita! Ó amor infinito de Deus!

Mas porque é que tantos cristãos olham com indiferença para Jesus Cristo crucificado? Que na Semana Santa assistem à comemoração da morte de Jesus, mas sem algum sentimento de ternura e gratidão, como se não se comemorasse um fato verdadeiro, ou não lhes dissesse respeito?

Não sabem, ou não creem, porventura, o que os Santos Evangelhos dizem acerca da Paixão de Jesus Cristo? Com certeza o creem, mas não refletem. Entretanto, é impossível que uma alma crente, que medita nas dores e ignomínias que Jesus Cristo padeceu por nosso amor, não se abrase de amor para com Ele e não tome uma forte resolução de tornar-se santa, a fim de não se mostrar ingrata para com um Deus tão amante. Caritas Christi urget nos – A caridade de Cristo nos constrange.131

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Meu irmão, se queres sempre crescer em amor para com Deus e progredir na perfeição, medita a miúdo na Paixão de Jesus Cristo, conforme o conselho que te dá São Boaventura: Quotidie mediteris Domini passionem. Especialmente nestes dias, que procedem a comemoração da sua morte dolorosíssima, guiado pelos Santos Evangelhos, contempla com olhos cristãos tudo que o Salvador sofreu nos principais teatros de seu padecimento; isto é, no horto das oliveiras, na cidade de Jerusalém e no monte Calvário.

Para que tires desta meditação o fruto mais abundante possível, representa-te os sofrimentos de Jesus Cristo tão vivamente que te pareça veres diante dos olhos o Redentor tão maltratado, e sentires em ti mesmo as chagas que nele abriram as pontas dos espinhos e dos cravos, a amargura do vinagre e fel, o pejo das ignomínias e dos desprezos: Hoc enim sentite in vobis, quod et in Christo Iesu – Senti em vós o que Jesus Cristo sentiu.132 Ao passo que assim meditas, repete muitas vezes com o Apóstolo: Tudo isso o Senhor tem feito e padecido por mim, para me mostrar o seu amor e ganhar o meu: Dilexit me, et tradidit semetipsum pro me – Ele me amou e se entregou por mim.133 E não o amarei?

Sim, amo-vos; Jesus, meu Deus, amo-vos sobre todas as coisas; e porque vos amo, pesa-me de vos haver ofendido, e proponho antes morrer do que vos tornar a ofender. “Vos, ó Senhor onipotente, lançai sobre mim um olhar benigno, para que por vossa proteção seja regido no corpo e defendido na alma.”134 Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

Dia 34: Conselho dos judeus e traição de Judas

Expedit vobis, ut unus moriatur homo pro populo, et non tota gens pereat – Convém que morra um homem pelo povo e que não pereça toda a nação 135.

Tendo os iníquos pontífices decretado a morte de Jesus Cristo, tiveram grande satisfação ao ver que Judas, um dos discípulos, se oferecia a traí-lo e entregar-lho nas mãos. O Senhor conhece perfeitamente a felonia de Judas e todavia não deixa de tratá-lo como amigo na mesma forma que dantes; olha-o com benevolência, não recusa a sua companhia e chega a prostrar-se-lhe aos pés para os lavar. Ó inefável benignidade! Que belo exemplo para nós, se o quisermos aproveitar!

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

No mesmo tempo em que Jesus andava derramando graças e fazendo milagres para benefício de todos, reúnem-se os primeiros personagens da cidade de Jerusalém a fim de tramarem a morte do autor da vida. Refere São João que se ajuntaram os pontífices e os fariseus em conselho e diziam: Que fazemos nós? Este homem faz muitos milagres; se o deixamos assim livre, todos crerão nele. Mas um deles, por nome Caifás, respondeu que lhes convinha que um homem morresse pelo povo, e não perecesse a nação toda. E desde aquele dia, diz o mesmo São João, pensavam em como haviam de o fazer morrer. Ah, Judeus! Não temais; vosso Redentor não fugirá, porquanto veio à terra exatamente para morrer, e pela sua morte livrar-vos a vós e a todos os homens da morte eterna.

Entretanto Judas apresenta-se aos pontífices e diz: Quid vultir mihi dare, et ego vobis eum tradam? – Que me quereis dar, e eu vo-lo entregarei?136 Oh! que alegria deviam sentir os Judeus, pelo ódio que devotavam a Jesus Cristo, ao verem que um dos seus discípulos o queria trair e entregar-lho nas mãos! Consideremos nisso o júbilo que, por assim dizer, reina no Inferno, quando uma alma, depois de servir a Jesus Cristo por muitos anos, vem a traí-lo por qualquer miserável bem ou vil satisfação.

Mas, ó Judas, já que estás resolvido a vender o teu Deus, exige pelo menos o preço que Ele vale. É um bem infinito, merecedor portanto de um preço infinito. Porque, pois, concluis o negócio por trinta dinheiros? At illi constituerunt ei triginta argenteos – E eles prometeram-lhe trinta dinheiros de prata.137 – Minha alma, deixa Judas, e fixa em ti mesma os teus pensamentos. Dize-me, por que preço vendeste tu mesma tantas vezes a graça divina ao demônio?

Ah, meu Jesus, quantas vezes vos virei as costas, e a Vós preferi um capricho, um empenho, um prazer passageiro e vil! Sabia que, pecando, perdia a vossa amizade e voluntariamente a troquei por um nada. Tivesse morrido antes de fazer-vos tão grande ultraje! Ó meu Jesus, arrependo-me de todo o coração e quisera morrer de dor.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Contemplemos agora a benignidade de Jesus Cristo, que, sabedor do ajuste feito por Judas, contudo, vendo-o, não o repele de si, nem o olha com maus olhos; admite-o em sua companhia, e ainda à sua mesa; repreende-o pela sua traição com o único intuito de chamá-lo à resipiscência; e vendo-o obstinado, chega a prostrar-se diante dele e a lavar-lhe os pés para desta arte o enternecer.

Ah, meu Jesus, é assim também que fizestes comigo. Eu vos desprezei e traí, e não me repelis; não deixais de olhar-me com amor, e me admitis à vossa mesa da santa comunhão. Meu amado Salvador, nada mais podeis fazer para me obrigar a vos amar. E eu terei ânimo de continuar a ofender-vos e pagar-vos com a minha ingratidão? Não, meu Deus, não quero mais abusar da vossa misericórdia. Agradeço-vos a luz com que me iluminais e prometo que mudarei de vida. Vejo que já não me podeis suportar mais tempo. Por que, pois, esperarei até que Vós mesmo me mandeis ao Inferno, ou me abandoneis em minha vida de perdição, castigo este maior do que a própria morte?

Meu Jesus, eis que me prostro aos vossos pés. Peço-vos perdão das ofensas a que vos fiz e rogo-vos que me recebais em vossa graça. Quem me dera poder recomeçar os anos passados; quisera empregá-los unicamente em vosso serviço, ó Senhor meu. Os anos, porém, não voltam mais; por piedade, fazei ao menos que empregue o que me resta de vida unicamente em amar-vos e fazer que outros também vos amem. Ó grande Mãe de Deus e minha Mãe Maria, socorrei-me com a vossa intercessão, pedi a Jesus que me faça todo seu. Peço-vos esta graça pela parte que tomastes na Paixão de vosso divino Filho.

Conheça a história de Judas Iscariotes, o apóstolo que traiu Jesus.

Dia 35: Última ceia de Jesus Cristo com os seus discípulos

Vespere autem facto, discumbebat (Iesus) cum discipulis suis – Chegada, pois, a tarde, pôs-se (Jesus) à mesa com os seus discípulos 138.

Imaginemos ver Jesus Cristo que, sentado à mesa com os discípulos, come o cordeiro pascal, figura do sacrifício dele mesmo, que no dia seguinte seria oferecido sobre o altar da Cruz. Imaginemos vê-lo também no momento de prostrar-se diante dos Apóstolos e de Judas para lhes lavar os pés. Vendo um Deus que se humilha a tal ponto por nosso amor, ficaremos sempre tão orgulhosos que não sabemos suportar uma palavra de desprezo, a mais leve falta de atenção?

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Sabendo Jesus que era chegada a hora de sua morte, em que devia partir deste mundo, como até então tinha amado os homens com amor excessivo, quis naquela hora dar-lhes as últimas e maiores demonstrações de seu amor. Vede-o, como sentado à mesa e todo inflamado de amor, se volta para os seus discípulos e lhes diz: Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum – Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa.139 Discípulos meus (e o mesmo disse Jesus então a todos nós), sabei que em toda a minha vida não tive outro desejo senão o de celebrar convosco esta última ceia; porquanto logo em seguida irei sacrificar-me pela vossa salvação.

Portanto, ó meu Jesus, tendes tão vivo desejo de dar a vida por nós, as vossas miseráveis criaturas? Ah! esse vosso desejo, como não deve excitar em nossos corações o desejo de padecer e morrer por vosso amor, visto que por nosso amor desejais tão ansiosamente padecer e morrer! Ó amado Redentor, fazei-nos saber o que quereis de nós; queremos agradar-vos em tudo. Queremos dar-vos gosto para respondermos ao menos um pouco ao grande amor que nos tendes.

Entretanto é posto na mesa o cordeiro pascal, figura de nosso Salvador mesmo. Assim como aquele cordeiro foi consumido na Última Ceia, assim o mundo veria no dia seguinte o divino Cordeiro, Jesus Cristo, consumido de dores sobre o altar da Cruz.

Itaque cum recubuisset ille (Ioannes) supra pectus Iesu – Tendo-se ele (João) reclinado sobre o peito de Jesus.140 Ó feliz de vós, João, discípulo predileto, que reclinando a cabeça sobre o peito de Jesus compreendestes a ternura do Coração do nosso amante Redentor para com as almas que o amam! Ah! meu dulcíssimo Senhor, que repetidas vezes me favorecestes com tão grande graça! Sim; pois que eu também compreendi a ternura do vosso afeto para comigo cada vez que me consolastes com luzes celestes e doçuras espirituais. Mas, não obstante isso, vos fui infiel! Suplico-vos que não me deixeis mais viver tão ingrato para com a vossa bondade! Quero ser todo vosso: aceitai-me e socorrei-me.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Deinde mittit (Iesus) aquam in pelvim, et coepit lavare pedes discipulorum – Depois (Jesus) deita água numa bacia e começa a lavar os pés dos discípulos.141 Minha alma, contempla a teu Jesus que se levanta da mesa, depõe suas vestiduras e, tomando uma toalha branca, se cinge. Em seguida deitando água numa bacia, de joelhos diante de seus discípulos, começa a lavar-lhes os pés. Eis, pois, que o Rei do mundo, o Unigênito de Deus, se humilha até lavar os pés a suas criaturas! Ó anjos, que dizeis a isso? Já teria sido um grande favor se Jesus Cristo lhes houvera permitido lavarem-lhe com lágrimas os pés divinos, assim como permitiu à Maria Madalena. Jesus, porém, quis prostrar-se aos pés dos seus servos, a fim de nos deixar no fim da sua vida este grande exemplo de humildade, e mais esta grande prova do amor que tem aos homens.

E nós, ó Senhor, seremos sempre tão orgulhosos que não sofremos uma palavra de desprezo, uma pequena falta de atenção, sem que logo fiquemos ressentidos, e nos venha o pensamento de vingança? Todavia, pelos nossos pecados temos merecido sermos calcados aos pés dos demônios no Inferno. Ah, meu Jesus, reconheço que é um grande castigo de meus pecados o terem-me feito soberbo, depois de me terem feito ingrato. Para o futuro não será assim; pois que o vosso exemplo me fez as humilhações sumamente amáveis. Prometo que de hoje em diante suportarei por vosso amor qualquer injúria e afronta que me seja feita; mais, desejo e peço ser humilhado convosco. Mas, ó Senhor, para que servem estes meus propósitos sem o vosso auxílio para executá-los? Já que me quereis salvo, ó meu Jesus desprezado, ajudai-me a suportar em paz todos os desprezos que em minha vida tenha de receber. Concedei-me esta graça pelo mérito dos opróbrios que sofrestes, e pelas dores de vossa e minha querida Mãe Maria.

Entenda qual a importância do sacerdote para a Igreja.

Dia 36: Jesus ora no Horto e transpira sangue

Tunc venit Iesus cum illis in villam, quae dicitur Gethsemani – Então foi Jesus com eles a uma herdade, que é chamada Getsêmani 142.

O Filho de Deus, para nos ensinar o modo de orar, pede no horto a seu Pai divino que o exima de beber o cálice de sua Paixão; com resignação, porém, acrescenta que se conforma em tudo à divina vontade. Prostra-se com a face na terra, e é tão grande o temor, o aborrecimento e a tristeza que lhe sobrevém pela previsão dos seus padecimentos e da nossa ingratidão, que chega a suar sangue. Ah, meu pobre Senhor, se eu menos houvera pecado, Vós menos teríeis sofrido.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Finda que foi a ação de graças depois da ceia, Jesus sai do cenáculo com os seus discípulos, entra no horto de Getsêmani e se põe em oração. Mas, ai! no mesmo instante assaltam-no juntos grande temor, grande aborrecimento e grande tristeza. Com o coração oprimido pela dor, o nosso Redentor diz que a sua alma bendita está triste até à morte: Tristis est anima mea usque ad mortem. Jesus quis que então lhe fosse presente aos olhos toda a funesta cena dos tormentos e opróbrios que lhe estavam preparados. Na Paixão, estes tormentos afligiram-no um após outro; mas ali no horto vieram cruciá-lo todos juntos, as bofetadas, os escarros, os açoites, os espinhos, os cravos e os vitupérios, que depois deveria sofrer. Submisso, aceita-os todos; mas, aceitando-os, treme, agoniza e ora.

Mas, meu Jesus, quem vos constrange a sofrer tantas penas? Constrange-me, responde, o amor que tenho aos homens. Ah! Que assombro devia causar no Céu o ver a força feita fraqueza! Um Deus aflito! E para quê? Para salvação dos homens, suas criaturas! Naquele horto foi oferecido o primeiro sacrifício: Jesus foi a vítima, o amor o sacerdote, e o ardor de seu afeto para com os homens foi o fogo sagrado que consumiu o sacrifício.

Pater mi, si possibile est, transeat a me calix iste – Pai meu, se é possível, passe de mim este cálice.143 Assim ora Jesus: meu Pai, se é possível, isenta-me de beber este cálice tão amargoso. Mas Jesus ora assim, não tanto para ficar isento, como para nos fazer compreender a pena que padece e aceita por nosso amor. Ora assim também para nos ensinar que nas tribulações nos é permitido pedir a Deus que nos livre; mas ao mesmo tempo devemo-nos conformar em tudo com a vontade divina, e dizer o que Ele disse: Verumtamen non sicut ego volo, sed sicut tu – Todavia não seja como eu quero, mas sim como tu.137

Sim, meu Senhor, por vosso amor abraço todas as cruzes que me queiras enviar. Vós, embora inocente, padecestes tanto por meu amor, e eu, pecador como sou, depois de haver tantas vezes merecido o Inferno, me recusei a sofrer para vos agradar e obter de Vós o perdão e a graça! Non sicut ego volo, sed sicut tu; seja feita não a minha vontade, mas, sim, sempre a vossa!

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Procidit super terram. Durante a sua oração, Jesus prostrou-se com a face em terra, porquanto, vendo-se coberto com a vestidura sórdida de todos os nossos pecados, parece que se envergonhava de levantar os olhos ao céu. Ó meu amado Redentor, não me animaria a vos pedir perdão de tantas injúrias que vos fiz se as vossas penas e os vossos merecimentos não me dessem confiança. Eterno Pai: Respice in faciem Christi tui – Ponde os olhos no rosto de vosso Cristo;144 olhai, não para as minhas iniquidades, mas para esse vosso Filho dileto, que treme, que agoniza e transpira sangue a fim de obter para mim o vosso perdão. Vede-o e tende piedade de mim.

Quê! Jesus meu, não há nesse jardim para vos suplicar nem algozes, nem açoites, nem espinhos, nem cravos; que é então que faz correr o vosso sangue? Ah! compreendo agora: não foi a previsão de vossos tormentos próximos a causa de vossa aflição, pois espontaneamente vos oferecestes a sofrê-las. Foi a vista de meus pecados; eles foram o cruel lagar que fez correr o sangue de vossas sagradas veias. De sorte que não vos foram desumanos os algozes, nem cruéis os açoites, os espinhos, a cruz; desumanos e cruéis vos foram, ó meu dulcíssimo Jesus, os meus pecados, que tanto vos afligiram no horto. Se eu menos houvera pecado, menos houvéreis Vós padecido. Eis então, ó meu Jesus, como correspondi ao amor que vos trouxe a morrer por mim: não fiz mais que ajuntar novas penas a tantas outras que tivestes de sofrer.

Ó meu amado Senhor, pesa-me de vos ter ofendido; sinto dor, mas não bastante; quisera conceber uma dor capaz de me tirar a vida. Ah! pela cruel agonia que sofrestes no horto, dai-me uma parte do horror que tivestes de meus pecados. Se outrora vos afligi por minha ingratidão, fazei que vos agrade daqui em diante por meu amor. Ó Maria, Mãe das dores, recomendai-me a vosso Filho aflito e triste por meu amor.

Reze os mistérios dolorosos do Santo Terço e medite e acompanhe Nosso Senhor até o calvário.

Dia 37: Jesus é preso, ligado e conduzido a Jerusalém

Comprehenderunt Iesum et ligaverunt eum – Eles prenderam a Jesus e o ligaram 145.

Imaginemos ver a Jesus, que, abandonado de seus discípulos, é preso, ligado e levado a desoras e com grande tumulto pelas ruas de Jerusalém. Ao verem-no assim, todos que o veneraram, já o odeiam e se envergonham de o terem tido pelo Messias. Se nós, à vista de um Deus tão humilhado por nosso amor e para nosso ensino, ainda amarmos os bens fugazes da terra, ambicionarmos as honras e preeminências, não somos dignos do nome de cristãos.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

O Redentor, sabendo que Judas se aproximava, acompanhado dos Judeus e dos soldados, levanta-se, banhado ainda no suor da agonia mortal. Com o rosto pálido, mas com o coração todo abrasado em amor, vai-lhes ao encontro para se lhes entregar nas mãos, e vendo-os chegados perto, diz: Quem quaeritis? – A quem buscais? – Afigura-te, minha alma, que neste momento Jesus te pergunta também: Dize-me, a quem buscas? Ah, meu Senhor, a quem poderei buscar senão a Vós, que descestes do Céu à Terra para me buscar e não me ver perdido?

Comprehenderunt Iesum, et ligaverunt eum – Eles prenderam a Jesus e o ligaram. Ó céus, um Deus ligado! Que diríamos, se víssemos um rei preso e ligado pelos seus servos? E que dizemos agora vendo um Deus entregue às mãos da gentalha? Ó cordas bem-aventuradas! Vós que ligastes o meu Redentor, ah! liga-me a Ele, mas liga-me de tal modo que nunca mais me possa separar de seu amor. Considera, minha alma, como um lhe liga as mãos, outro o injuria, mais outro o empurra, e o Cordeiro inocente se deixa ligar e empurrar quanto quiserem. Não procura fugir das mãos deles, não chama por auxílio, não se queixa de tantas injúrias, nem mesmo pergunta por que é tratado assim. Eis, pois, realizada a profecia de Isaías: Oblatus est quia ipse voluit, et non aperuit os suum; sicut ovis ad occisionem ducetur – Foi oferecido, porque ele mesmo quis, e não abriu a sua boca; ele será levado como uma ovelha ao matadouro.146

Mas onde é que se acham os seus discípulos? Que fazem? Já não podendo livrá-lo das mãos de seus inimigos, ao menos que o tivessem acompanhado para defenderem a inocência de Jesus perante os juízes, ou sequer para o consolarem com a sua presença! Mas não; o Evangelho diz: Tunc discipuli eius, relinquentes eum, omnes fugerunt – Então os seus discípulos desamparando-o, fugiram todos.147 Qual não devia ser a tristeza de Jesus, vendo que até os seus discípulos queridos fugiam e o desamparavam? Mas, ó céus, então o Senhor viu ao mesmo tempo todas aquelas almas que, sendo por Ele mais favorecidas, haviam de abandoná-lo depois e de lhe virar as costas.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Ligado como um malfeitor, o nosso Salvador entra em Jerusalém, onde poucos dias antes fora aclamado com tantas honras e louvores. Passa alta noite pelas ruas, entre lanternas e tochas, e tão grande é o alarido e tumulto, que todos deviam pensar que se levava qualquer grande criminoso. A gente chega à janela e pergunta: Quem é que foi preso? e respondem-lhe: Jesus, o Nazareno, que foi desmascarado como sendo um sedutor, um impostor, um falso profeta e réu de morte. Quais não deviam ser então em todo o povo os sofrimentos de desprezo e indignação, quando viram Jesus Cristo, acolhido primeiro como o Messias, preso por ordem dos juízes, como impostor!

Ah! como se trocou então a veneração em ódio, como se arrependeu cada um de o ter honrado, envergonhando-se de ter honrado um malfeitor, como se fosse o Messias! Eis, pois, a que estado se reduziu o Filho de Deus para nos mostrar o nada das honras e dos aplausos do mundo! E como é que eu, apesar de ver um Deus tão humilhado e injuriado por meu amor, como é que eu hei de viver tão amante dos bens fugazes da terra, ambicionar as honras, as dignidades, as preeminências, e não saber sofrer o mínimo desprezo? Ai de mim, pecador e soberbo!

Donde, ó meu Senhor, me pode vir tamanho orgulho, depois que mereci tantas vezes o Inferno? Meu Jesus, suplico-vos pelos merecimentos dos desprezos que sofrestes, dai-me a graça de vos imitar. Proponho com o vosso auxílio reprimir de hoje em diante todo o ressentimento e receber com paciência, alegria e contentamento todas as humilhações, todas as injúrias e todas as afrontas que me possam ser feitas. Proponho, além disso, para vos agradar, fazer todo bem possível a quem me despreza; ao menos falarei sempre bem dele e rogarei por ele. Vós, ó meu Senhor, pelas dores de Maria Santíssima, fortalecei estes meus propósitos e dai-me a graça de vos ser fiel.

Dia 38: Comemoração das Sete Dores de Maria Santíssima

O vos omnes qui transitis per viam, attendite et videte, si est dolor sicut dolor meus – Ó vós todos os que passais pelo caminho, atendei e vede, se há dor semelhante à minha dor 148.

Bem compete à Bem-Aventurada Virgem o título de Rainha dos Mártires, porque, semelhante em tudo a Jesus, sofreu, em toda a sua vida, no coração um martírio, ao mesmo tempo o mais longo e o mais doloroso. E o seu martírio não ficou estéril; muito ao contrário, produziu um fruto inestimável de vida eterna, de modo que todos os que se salvam, são disso devedores, depois de Jesus Cristo, às dores de Maria. Se nos queremos mostrar verdadeiros filhos da nossa aflita Mãe, imitemos a sua paciência e resignação.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Assim como Jesus se chama Rei de Dores e Rei dos Mártires, porque padeceu na sua vida mais que todos os outros mártires; assim Maria é com razão chamada Rainha dos Mártires. Mereceu este título por ter sofrido o martírio mais longo e mais doloroso que se possa padecer depois do de seu Filho.

A Virgem pôde dizer o que o Senhor disse pela boca de Davi: Defecit in dolore vita mea, et anni mei in gemitibus149 – A minha vida passou-se toda em dor e lágrimas, porquanto a minha dor, que era a compaixão de meu amado Filho, não se afastava jamais do meu pensamento, vendo eu sempre todas as penas e a morte que Ele um dia devia padecer. Revelou a mesma divina Mãe a Santa Brígida, que, ainda depois da morte do Filho e depois de sua ascensão ao céu, a lembrança da sua Paixão estava sempre fixa e recente no seu terno coração de mãe, quer comesse, quer trabalhasse.

O martírio de Maria foi também de todos o mais doloroso, porquanto, ao passo que os outros mártires tiveram o corpo dilacerado pelo ferro, ela teve a alma traspassada e martirizada, como já lhe predisse S. Simeão: Et tuam ipsius animam (doloris) gladius pertransibit – E uma espada (de dor) te traspassará a alma.150 Ora, quanto a alma é mais nobre que o corpo, tanto maior foi a dor de Maria que a de todos os mártires. A tudo isso acresce que ela padeceu sem alívio algum. Para os outros mártires, o seu amor a Jesus fazia-lhes os tormentos doces e suaves; para a divina Mãe, porém, o mesmo amor se lhe tornou cruel algoz, e fazia todo o seu martírio. Numa palavra, conclui um sábio escritor, o martírio de Maria na Paixão do Filho foi tão grande porque ela só podia dignamente compadecer-se da morte de um Deus feito homem.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

A dor de Maria na Paixão de Jesus Cristo não foi estéril, como a das mães comuns à vista dos filhos que sofrem. Não, foi, ao contrário, uma dor que produziu frutos abundantes de vida eterna. São Cipriano, falando dos mártires, disse que o seu sangue era como que uma semente de cristãos, querendo dizer que por um só homem que caía vítima da perseguição, surgiam logo muitos pagãos a pedirem o batismo e abraçarem a religião perseguida. Esta fecundidade, porém, do martírio, nada é em comparação da do martírio da Rainha dos Mártires.

Com efeito, sabemos que pelo mérito do sacrifício doloroso que Maria fez na morte de seu Filho, foi ela feita depositária dos merecimentos de Jesus Cristo, Corredentora do gênero humano e Mãe de todos os fiéis que lhe foram confiados na pessoa de João: Mulier, ecce filius tuus – Mulher, eis aí teu filho.151 De sorte que todos os que se salvaram, se salvam e ainda vierem a salvar-se, todos serão devedores da sua salvação, depois de Jesus Cristo, ao martírio do Coração de Maria. Se, portanto, nós também quisermos um dia ir gozar no Céu, sejamos devotos servos desta querida Mãe, e, à imitação dela, soframos com paciência as penas que tenhamos a sofrer, e todas as graças que queiramos pedir ao Senhor, peça-mo-las pelos merecimentos das incomensuráveis dores que ela sofreu no correr de toda a sua vida, e especialmente na Paixão de seu Filho.

Sim, ó Rainha dos Mártires, prometemos ser-vos fiéis; mas vós mesma deveis alcançar-nos esta graça. “E Vós, ó meu Deus, em cuja Paixão, segundo a profecia de Simeão, a alma dulcíssima da gloriosa Virgem e Mãe Maria foi traspassada por uma espada de dor: concedei propício que nós, que celebramos a memória de suas dores e padecimentos, possamos, pelos méritos gloriosos e intercessão de todos os santos que se acharam ao pé da Cruz, obter os felizes frutos dessa mesma Paixão”.70

Dia 39: Jesus é apresentado aos pontífices e por eles condenado à morte

At illi, tenentes Iesum, duxerunt ad Caiphan principem sacerdotum – Eles, prendendo a Jesus, o levaram a Caifás, príncipe dos sacerdotes 152.

Imaginemos ver a Jesus Cristo perante o tribunal de Caifás. Ali é esbofeteado, tratado de blasfemador, declarado réu de morte, e como tal, maltratado de mil modos. Jesus, porém, no meio de tantos opróbrios, nada perde de sua serenidade e doçura, e parece que com o seu silêncio nos diz: Se quiserdes desagravar-me das injúrias que me fazem, suportai por meu amor os desprezos, assim como eu os suporto por vosso amor.

Meditações para a Quaresma – Ponto I:

Eis que o Redentor é levado como em triunfo à presença de Caifás, que já o estava esperando, e, vendo-o diante de si, só e desamparado de seus discípulos, ficou cheio de contentamento. Minha alma, contempla o teu Senhor, que ali está todo humilde e manso. Contempla o seu belo rosto, que, no meio de tantas injúrias e desprezos não perdeu a sua serenidade e doçura.

O ímpio pontífice interroga Jesus sobre seus discípulos e sobre sua doutrina para achar algum pretexto de condenação. Jesus responde-lhe com humildade: Eu não falei em segredo, mas em público; todos estes que aqui estão podem dar testemunho do que eu falei. Senão, quando depois de uma resposta tão justa e tão branda, um algoz mais insolente avança do meio da chusma e, tratando Jesus de atrevido, lhe dá uma forte bofetada dizendo: É assim que respondes ao sumo sacerdote? Ó Deus, como pôde uma resposta tão humilde e tão modesta merecer tão grave insulto?

Entretanto, o Conselho procurava testemunhas para o condenar à morte; mas não encontravam; pelo que o pontífice vai novamente buscar matéria de condenação nas palavras de nosso Salvador mesmo, e lhe diz: Adiuro te per Deum vivum, ut dicas nobis, si tu es Christus Filius Dei – Eu te conjuro, pelo Deus vivo, que nos digas, se tu és o Cristo, o Filho de Deus.153 O Senhor, ouvindo que o conjuravam em nome de Deus, confessa a verdade e responde: “Sim, eu o sou: e um dia me verás, não tão desprezível como estou agora diante de ti, mas assentado num trono de majestade como juiz de todos os homens, acima das nuvens do céu”. Ouvindo estas palavras, o pontífice, em vez de prostrar-se com o rosto em terra para adorar a seu Deus, rasga seus vestidos e diz: Para que mais precisamos de testemunhas? Acabais de ouvir a blasfêmia. Quid vobis videtur? – Que vos parece?154 E todos os outros sacerdotes responderam que sem dúvida alguma Ele era réu de morte. Ah, meu Jesus, o mesmo disse também vosso eterno Pai, quando vos oferecestes a expiar os nossos pecados. Meu Filho, disse, já que queres satisfazer pelos homens, és réu de morte, e por isso é necessário que morras.

Meditações para a Quaresma – Ponto II:

Tunc expuerunt in faciem eius, et colaphis eum ceciderunt – Então cuspiram-lhe no rosto e deram-lhe bofetadas.155 Sendo Jesus Cristo declarado réu de morte, puseram-se todos a maltratá-lo como a um malfeitor. Um cospe-lhe no rosto, outro dá-lhe empuxões, mais outro lhe dá bofetadas. Vendando-lhe os olhos com um pano, escarnecem dele, chamando-o falso profeta, e dizendo: “Já que és profeta, profetiza agora quem Te bateu”. Escreve São Jerônimo que foram tantos os insultos e injúrias que naquela noite foram feitos ao Senhor, que só no dia do Juízo Final serão conhecidos todos.

O sofrimento de Jesus foi ainda aumentado pelo pecado de Pedro, que o renega e jura que nunca o conheceu.

Vai, minha alma, vai ter naquela prisão com o teu Senhor aflito, escarnecido e abandonado; agradece-lhe e consola-o com o teu arrependimento, visto que tu também algum tempo o desprezaste e renegaste. Dize-lhe que quiseras morrer de dor, lembrando-te que no passado lhe amarguraste tanto o doce Coração que tanto te amou. Dize-lhe que agora o amas e não queres senão padecer e morrer por seu amor.

Ah! Meu Jesus, esquecei os desgostos que vos dei, e lançai sobre mim um olhar de amor, assim como lançastes sobre Pedro, depois que vos renegou. Ó grande Filho de Deus, ó amor infinito, que padeceis por aqueles mesmos homens que vos odeiam e maltratam! Vós sois a glória do Paraíso: honra demasiada teríeis feito aos homens, se os houvéreis admitido somente a beijar-vos os pés. Mas, ó Deus, quem vos reduziu a esse extremo de ignomínia, de servirdes de ludibrio à gente mais vil do mundo? Dizei-me, meu Jesus, que posso fazer para vos desagravar da desonra que vossos algozes vos infligem com os seus insultos? Ouço-vos responder-me: Suporta por meu amor os desprezos, assim como eu os suportei por teu amor. Sim, Redentor meu, quero obedecer-vos. Ó Jesus, desprezado por minha causa, aceito e desejo ser desprezado por vossa causa, quanto vos agradar. Dai-me, porém, a graça para vos ser fiel. Fazei-o pelas dores da vossa e minha querida Mãe Maria.

Referências

  1. Gn 3,19[]
  2. Is 22,13.[]
  3. Jl 2,15.[]
  4. Hymn. Quadr.[]
  5. Or. fer. curr.[]
  6. Os 11,4[]
  7. I Cor 11,24.[]
  8. Pr 23, 26.[]
  9. Jo 19,2[]
  10. Gn 3, 17[]
  11. Or. festi cur.[][][]
  12. Lc 2,35[]
  13. Lc 2,52[]
  14. Ct 1,12[]
  15. Mt 4,1[]
  16. Tb 12,13[]
  17. Mt 4,2–3[]
  18. Mt 4,5–6[]
  19. Mt 4,8–9[]
  20. Mt 4,4[]
  21. Mt 4,7[]
  22. Mt 4,10[]
  23. Or. Dom. curr.[][][][]
  24. Mt 5,3[]
  25. I Cor 8, 9.[]
  26. Lc 14, 33.[]
  27. Sb 3,1[]
  28. Sl 72, 26.[]
  29. Hb 10, 34[]
  30. Sl 4,8.[]
  31. Mt 21,43[]
  32. Sl. 147,20.[]
  33. Jo 10,27.[]
  34. Lc 22,15[]
  35. Mt 26,26[]
  36. Jo 6,55[]
  37. Jo 6,54[]
  38. Jo 19,34[]
  39. Cf. Jo 19,31[]
  40. Mt 15,19[]
  41. Hymn. matut.[]
  42. Hymn. laud.[]
  43. Mt 2,13[]
  44. Hb 13,14[]
  45. Mt 17,4[]
  46. Mt 17,1–4[]
  47. Sl 35,9[]
  48. I Jo 3,2[]
  49. Mt 17,5.7–8[]
  50. Lc 9,31[]
  51. Mc 9,5[]
  52. Is 38,1[]
  53. Mt 24,46[]
  54. II Pd 1,4.[]
  55.  Cf. Jo 17,22.[]
  56. I Cor 6,17.[]
  57. Jo 14,23.[]
  58.  Ct 4,1.[]
  59. Sl 33,16.[]
  60. Sl 33,9.[]
  61. Sl 118,165.[]
  62. Fl 4,7.[]
  63. Mt 1,16[]
  64. Lc 2,51.[]
  65. Lc 2,48.[]
  66. Mt 11,28[]
  67. Lc 23, 53[]
  68. Tt 3,4.[]
  69. Is 53,3.[]
  70. Or. fest. curr.[][]
  71. Eclo 24,24[]
  72. Ct 8,6.[]
  73. Ct 5,2.[]
  74. Ct 5,8.[]
  75.  Jo 2,3.[]
  76. Lc 11,14[]
  77. Eclo 4,24.[]
  78.  Mt 12,43.[]
  79. Lc 11,26.[]
  80. Sb 10,10[]
  81. Mt 16,26.[]
  82. Jo 12,25.[]
  83. Cf. Mt 16,24.[]
  84. Cf. Sl 73,19.[]
  85. Sl 73,19.[]
  86. Mt 13,49[]
  87. Mt 24,40.[]
  88.  Jo 16,20.[]
  89. I Cor 4,5.[]
  90. I Ts 4,17.[]
  91. Jr 33,3.[]
  92. Pr 27,18[]
  93. Mt 1,19.[]
  94. 1Cor 1, 5[]
  95. Sl 145,5.[]
  96. Is 12,4.[]
  97. Is 12,3[]
  98. Ct 2,14.[]
  99. Is 49,16.[]
  100. Hb 5,9.[]
  101. I Cor 2,2.[]
  102. Is 55,1.[]
  103. Lc 2,48[]
  104. Ct 3,3.[]
  105. Gen 37,30.[]
  106. Os 1,9.[]
  107. Jo 6,5[]
  108. Jó 19,21.[]
  109. Mt 7,2.[]
  110. Pr 21, 25–26[]
  111. Jó 28,13.[]
  112. Fl 4,13.[]
  113. Jo 15,7.[]
  114. Ecl 10,31[]
  115. I Cor 6,20.[]
  116. Mt 16,26.[]
  117. Mt 25, 34–41[]
  118. Zc 1,3.[]
  119. Sl 88,2.[]
  120. Jo 6, 57[]
  121. Ap 5, 9[]
  122. Col 2,14.[]
  123. Ap 1,5.[]
  124. Hb 12,24.[]
  125. Hb 9,13.[]
  126. Or. festi curr.[]
  127. Rm 8, 32[]
  128. Jo 8, 56[]
  129. Ez 16,8.[]
  130. Ef 5,2.[]
  131. II Cor 5,14.[]
  132. Fl 2,5.[]
  133. Gl 2,20.[]
  134. Or Dom. curr.[]
  135. Jo 11, 50[]
  136. Mt 26,15.[]
  137. Idem.[][]
  138. Mt 26, 20[]
  139. Lc 22,15.[]
  140. Jo 13,25.[]
  141. Jo 13,5.[]
  142. Mt 26, 36[]
  143. Mt 26,39.[]
  144. Sl 83,10.[]
  145. Jo 18, 12[]
  146. Is 53,7.[]
  147. Mc 14,50.[]
  148. Lm 1,12[]
  149. Sl 30,11.[]
  150. Lc 2,35.[]
  151. Jo 19,26.[]
  152. Mt 26, 57[]
  153. Mt 26,63.[]
  154. Mt 26,65.[]
  155. Mt 26,67.[]

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    Redação Minha Biblioteca Católica

    O maior clube de leitores católicos do Brasil.

    Unidos à toda a Igreja, iniciamos hoje um novo tempo litúrgico. E, para que possamos viver da melhor forma este período tão importante, contaremos com o grande auxílio de Santo Afonso de Ligório, através de suas meditações para a Quaresma.

    Durante os próximos 40 dias, teremos posts diários no aqui no blog, com considerações que vão guiar nossos momentos de oração, ajudando-nos a estar dignamente preparados para a Páscoa.

    Dia 1: A lembrança da morte e o jejum quaresmal

    Memento homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris – Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar 1

    Os insensatos que não creem na vida futura, estimulam-se com o pensamento da morte a passarem bem a vida. De maneira bem diferente devemos nós proceder, os que sabemos pela fé que a alma sobrevive ao corpo. Nós, lembrando-nos de que em breve temos de morrer, devemos cuidar da nossa eternidade e por meio de oração e penitência aplacar a justiça divina. É com este intuito que a Igreja, depois de pôr as cinzas sobre a cabeça, nos ordena o jejum da Quaresma.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Para compreendermos em toda a sua extensão o sentido destas palavras, imaginemos ver uma pessoa que acaba de exalar o último suspiro. Oh Deus, a cada um que vê este corpo, inspira nojo e horror! Não passaram bem nem 24 horas depois que aquela pessoa morreu e já o mau cheiro se faz sentir. É preciso abrir as janelas e queimar bastante incenso, a fim de que o fedor não infeccione a casa toda. Os parentes com pressa mandam levar o defunto para fora da casa e entregar à terra.

    Metido que foi o cadáver na sepultura, vai se tornando amarelo e depois preto. Em seguida, aparece em todos os membros uma penugem branca e repelente, donde sai um pus infecto que corre pela terra e donde se gera uma multidão de vermes. Os ratos vêm também procurar o pasto neste cadáver, roendo-o uns por fora, ao passo que outros entram na boca e nas entranhas. Despegam-se e caem as faces, os lábios, os cabelos; escarnam-se os braços e as pernas apodrecidas, e afinal os vermes, depois de consumidas todas as carnes, consomem-se a si próprios. E deste corpo só restará um esqueleto fétido, que com o tempo se divide, ficando reduzido a um punhado de pó.

    Eis aí o que é o homem, considerado como criatura mortal. Eis aí o estado a que tu também, meu irmão, serás, talvez em breve, reduzido: um punhado de pó fedorento. Nada importa ser alguém moço ou velho, são ou enfermo: a todos caberá a mesma sorte, o que a Igreja recorda pondo as cinzas bentas indistintamente sobre a cabeça de todos: Memento homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris – Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Os insensatos que não creem na vida futura e têm as verdades eternas por fábulas, estimulam-se, com a lembrança da morte, a levar vida folgada e a gozarem. Comedamus et bibamus; cras enim moriemur – Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos. 2 De maneira bem diferente, porém, diz Santo Agostinho, deve proceder o cristão, que pela fé sabe que a alma sobrevive ao corpo e que, depois da morte deste, terá de dar contas rigorosíssimas de tudo quanto tiver feito. O cristão, que se lembra que em breve deverá deixar o mundo, cuidará da sua eternidade e procurará aplacar a justiça divina com penitências e orações. É por isso exatamente que a Igreja, depois de nos ter posto as cinzas sobre a cabeça, ordena a seus ministros que notifiquem aos fiéis o jejum quaresmal: Canite tuba in Sion: sanctificate ieiunium – Fazei soar a trombeta em Sião, santificai o jejum.3

    Conformemo-nos, portanto, com as intenções de nossa boa Madre Igreja; e como ela mesma o ordena, sejamos no santo tempo da Quaresma “mais sóbrios em palavras, na comida, na bebida, no sono, nos divertimentos”;4 e, o que é mais necessário, afastemo-nos mais de toda a culpa por meio de uma vida recolhida e consagrada à oração, porquanto, no dizer de São Leão, “sem proveito se subtrai o alimento ao corpo, se o espírito não se afasta mais da iniquidade”.

    Ó meu amabilíssimo Redentor, consenti que eu una a minha salutar abstinência com a que Vós com tanto rigor por mim quisestes observar no deserto. Consenti também que nesta união eu a ofereça a vosso Divino Pai, como protestação de minha obediência à Igreja, em desconto de meus pecados, pela conversão dos pecadores e em sufrágio das almas santas do purgatório. Tenho intenção de renovar esta oferta todos os dias da Quaresma. “Vós, porém, ó Senhor, concedei-me a graça de começar este solene jejum com devida piedade e de continuá-lo com devoção constante”,5 a fim de que, chegada a Páscoa, depois de ter ressurgido convosco para a vida da graça, seja digno de ressuscitar também para a vida da glória. Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima.

    Leia mais:
    Quarta-feira de cinzas: o que celebramos neste dia?
    Jejum na Quarta-feira de cinzas: tudo o que um católico precisa saber
    Como viver bem a Quaresma em 5 dicas práticas.

    Dia 2: O amor de Jesus Cristo em dar-se a nós como alimento

    In funiculis Adam traham eas, in vinculis caritatis (…) et declinavi ad eum ut vescerentur – Eu as atrairei com as cordas com que se atraem os homens, com as prisões da caridade (…) inclinei-me para ele, para que comesse 6.

    Quanto se julgaria distinguido o súdito a quem o príncipe mandasse algumas iguarias da sua mesa? Jesus Cristo, porém, na santa comunhão, nos dá para sustento, não só uma parte da sua mesa, mas o seu próprio Corpo, a sua Alma e a sua Divindade. Será porventura uma pretensão exagerada da parte do Senhor, se, em compensação de tão grande dom, nos pede o nosso pobre coração todo inteiro? Todavia quantos cristãos não há que lho recusam completamente ou lho querem dar, mas dividido entre Ele e as criaturas?

    Leia mais: Eucaristia: o pulsar do coração de Cristo

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Jesus Cristo não satisfez o seu amor, sacrificando a sua vida por nós num oceano de ignomínias e dores, a fim de patentear o amor que nos tinha. Além disso, e para nos obrigar mais fortemente a amá-lo, quis, na véspera da sua morte, deixar-se todo a nós como nosso alimento na santíssima Eucaristia. ― Deus é todo-poderoso, mas depois de dar-se a uma alma neste sacramento de amor, não lhe pode dar mais. Diz o Concílio de Trento que Jesus, dando-se aos homens na santa comunhão, derramou (por assim dizer) neste único dom todas as riquezas de seu amor infinito: Divitias sui erga homines amoris velut effudit.

    Como não se julgaria honrado, escreve São Francisco de Sales, o vassalo a quem o príncipe enviasse algumas iguarias da sua mesa! E que seria se lhe desse para sustento alguma coisa da sua própria substância? Jesus Cristo, porém, na santa comunhão, nos dá para sustento, não só uma parte de sua mesa, não só uma parte da sua carne sacrossanta, mas o seu corpo inteiro: Accipite et comedite: hoc est corpus meum ― Tomai e comei, isto é o meu corpo.7 E com o corpo nos dá também a alma e a divindade. Numa palavra, diz São João Crisóstomo, Jesus Cristo dando-se a si próprio no Santíssimo Sacramento, dá tudo o que tem e não lhe resta mais nada para dar: Totum tibi dedit, nihil sibi reliquit.

    É pois com razão que este dom é chamado por Santo Tomás “sacramento e penhor de amor”, e por São Bernardo “amor dos amores”: amor amorum, porque Jesus Cristo reúne e completa neste sacramento todas as outras finezas do seu amor para conosco. Pelo mesmo motivo Santa Maria Madalena de Pazzi chamava o dia em que Jesus instituiu este sacramento “o dia do amor”. Ó maravilha e prodígio do amor divino! Deus, o Senhor de todas as coisas, se faz todo nosso!

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Praebe, fili mi, cor tuum mihi ― Meu filho, dá-me teu coração.8 Eis o que Jesus Cristo nos diz lá de dentro do santo tabernáculo: Meu filho, em compensação do amor que te mostrei, dando-te o dom inapreciável do Santíssimo Sacramento, dá-me o teu coração e ama-me de hoje em diante com todas as tuas forças, com toda a tua alma. Parece-te porventura, meu irmão, que o nosso Salvador é exigente demais, depois de se ter dado a si próprio sem reserva? Todavia, quantos cristãos não há que recusam por completo seu coração a Jesus, ou querem dividi-lo entre Ele e as criaturas!

    Ó meu caro Jesus, que mais podeis executar para nos atrair a vosso amor? Ah! Dai-nos a conhecer por que excesso de amor vos reduzistes a estado de alimento, para vos unir a pobres e vis pecadores como somos? Ó meu Redentor, vossa ternura para comigo tem sido tão grande, que não recusastes dar-vos muitas vezes todo a mim na santa comunhão; e eu, quantas vezes tive a ingratidão de vos expulsar da minha alma! Mas não é possível que desprezeis um coração contrito e humilhado. Por mim vos fizestes homem, por mim morrestes e chegastes a vos fazer meu alimento; após isto, que vos fica ainda por fazer no intuito de conquistardes meu amor? Ah! Não poder eu morrer de dor, cada vez que me lembro de ter assim desprezado vossa graça! Ó meu amor, arrependo-me de todo o meu coração de vos ter ofendido. Amo-vos, ó bondade infinita; amo-vos, ó amor infinito. Nada mais desejo senão amar-vos, e nada mais temo senão viver sem vos amar.

    Meu amado Jesus, não recuseis vir à minha alma. Vinde, porque estou resolvido a morrer antes mil vezes, que repelir-vos de novo, e quero fazer tudo para vos agradar. Vinde e abrasai-me todo no vosso amor. Fazei com que me esqueça de todas as coisas, para não mais pensar senão em Vós, e só a Vós buscar, meu único e soberano bem. ― Ó Maria, minha Mãe, rogai por mim, e, por vossas orações, tornai-me reconhecido para com Jesus Cristo, que tanto amor me tem.

    Confira também: Meditação de São Padre Pio sobre Nosso Senhor na Eucaristia

    Dia 3: Comemoração da coroa de espinhos de Nosso Senhor Jesus Cristo

    Et milites plectentes coronam de spinis, imposuerunt capiti eius – E os soldados tecendo de espinhos uma coroa, lha puseram sobre a cabeça 9.

    Os bárbaros algozes, não contentes com a horrível carnificina feita em Jesus com a flagelação, lhe põem por escárnio uma coroa de espinhos na cabeça e apertam-na de modo que os espinhos penetraram até ao cérebro. Eis como o Senhor quis reparar a maldição fulminada contra a terra, isto é, contra Adão, em consequência da qual a natureza humana não pode produzir senão abrolhos e espinhos de culpas! Eis como Jesus quis expiar os nossos maus pensamentos!

    Meditações para a Quaresma – Ponto I

    Os bárbaros algozes ainda não contentes com a horrenda carnificina feita no corpo sacrossanto de Jesus Cristo com a flagelação, instigados pelos demônios e pelos judeus, querendo tratá-lo de rei de teatro, lhe põem aos ombros um farrapo de um vestido vermelho, à guisa de manto real; uma cana verde na mão à guisa de cetro, e na cabeça um feixe de espinhos entrelaçados em forma de coroa. E para que esta coroa não só lhe servisse de ludibrio, mas também lhe causasse grande dor, foi feita, na opinião comum dos escritores, em forma de capacete ou chapéu, de sorte que cobria toda a cabeça do Senhor, descia até sobre a testa.

    Além disso, colhe-se do Evangelho de São Mateus, que os algozes com a mesma cana batiam nos espinhos compridos, a fim de entrarem mais dentro na cabeça. Com efeito, no dizer de São Pedro Damião, chegaram a penetrar até ao cérebro: spinae cerebrum perforantes. Se um só espinho encravado no pé de um leão o faz ressoar toda a floresta com seus dolorosos gemidos, imagina quão acerba deve ter sido a dor de Jesus Cristo que teve toda a sagrada cabeça perfurada, a parte mais sensível do corpo humano, ao qual se reúnem todos os nervos e sensações.

    Tão atroz tormento não foi para Jesus de curta duração; bem ao contrário, foi o mais longo da sua Paixão, porquanto durou até à sua morte. Visto que os espinhos ficavam encravados na cabeça, todas as vezes que lhe tocavam na coroa ou na cabeça, sempre se lhe renovavam as dores. E o Cordeiro manso deixou-se atormentar à vontade dos algozes, sem proferir uma só palavra. Era tão grande a abundância de sangue que corria das feridas, que lhe cobria o rosto, ensopava os cabelos e a barba, e lhe enchia os olhos. São Boaventura chega a dizer que não era já o belo rosto de Senhor que se via, mas o rosto de um homem esfolado. Eis aí, exclama o Bem-Aventurado Dionísio Cartusiano, como quis ser tratado o Filho de Deus, para obter para nós a coroa de glória no Céu.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II

    Maledicta terra in opere tuo (…) spinas et tribulos germinabit tibi ― A terra será maldita na tua obra (…) ela te produzirá espinhos e abrolhos.10 Esta maldição foi lançada por Deus contra Adão e toda a sua descendência; pois que pela terra, não se entende tão somente a terra material, senão também a natureza humana, que estando infectada pelo pecado de Adão, não produz senão espinhos de culpas. Para cura desta infecção, diz Tertuliano, foi mister que Jesus Cristo oferecesse a Deus o sacrifício do seu longo tormento da coroação de espinhos. Por isso Santo Agostinho não hesita em dizer que os espinhos não foram senão instrumentos inocentes; mas que os espinhos criminosos, que propriamente atormentaram a cabeça de Jesus Cristo, foram os nossos pecados, e em particular, os nossos maus pensamentos: Spinae quid nisi peccatores? É isso exatamente o que Jesus Cristo mesmo deu a entender, quando apareceu certa vez a Santa Teresa, coroado de espinhos. Quando a santa lhe testemunhava a sua compaixão, disse-lhe o Senhor: “Teresa, não te compadeças de mim pelas feridas que me abriram os espinhos dos judeus, mas antes pelas que me causam os pecados dos cristãos”. Ó minha alma, tu também atormentaste então a cabeça de teu Redentor com o teu frequente consentimento no pecado. Por piedade! abre ao menos agora os olhos, vê e chora amargamente o grande mal que fizeste.

    Ah, meu Jesus, Vós não tínheis merecido ser tratado por mim como vos tenho tratado. Reconheço a minha ingratidão; arrependo-me de todo o meu coração. Peço-vos que não somente me perdoeis, mas que me deis tão grande dor, que durante a minha vida toda continue a chorar as injúrias que vos fiz. Sim, Jesus meu, perdoai-me, visto que vos quero amar sempre e sobre todas as coisas. “E Vós, ó eterno Pai, concedei-me que, venerando na terra, em memória da Paixão de Jesus Cristo, a sua coroa de espinhos, mereça ser um dia por Ele coroado no Céu com uma coroa de glória e honra”.11 Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e de Maria, sua Mãe.

    Dia 4: Primeira dor de Maria Santíssima – Profecia de Simeão

    Tuam ipsius animam pertransibit gladius – Uma espada transpassará a tua alma. 12

    O Senhor usa esta compaixão conosco, de não nos deixar ver as cruzes que nos esperam, a fim de que as tenhamos de sofrer uma só vez. Maria Santíssima, ao contrário, depois da profecia de São Simeão, tinha sempre diante dos olhos e padecia continuamente todas as penas que a esperavam na Paixão do Filho. Mas se Jesus e Maria inocentes tanto padeceram por nosso amor, como ousaremos lamentar-nos, nós que somos pecadores, quando temos de padecer um pouco por amor deles?

    Meditações para a Quaresma – Ponto I

    Neste vale de lágrimas, cada homem nasce para chorar e cada um deve padecer sofrendo aqueles males que diariamente lhe acontecem. Mas quanto mais triste seria a vida, se cada um soubesse também os males futuros que o têm de afligir! O Senhor usa esta compaixão conosco, de não nos deixar ver as cruzes que nos esperam, a fim de que, se as temos de padecer, ao menos as padeçamos uma só vez. Mas Deus não usou semelhante compaixão para com Maria, a qual, porque Deus quis que fosse Rainha das Dores e toda semelhante ao Filho, teve sempre de ver diante dos olhos e de padecer continuamente todas as penas que a esperavam; e estas foram as penas da Paixão e Morte de seu amado Jesus.

    Eis que no Templo de Jerusalém, Simeão, depois de ter recebido o divino infante em seus braços, lhe prediz que aquele seu Filho devia ser alvo de todas as contradições e perseguições dos homens e que por isso a espada de dor devia traspassar-lhe a alma: Et tuam ipsius animam pertransibit gladius. Davi, no meio de todas as suas delícias e grandezas reais, quando ouviu que o profeta Natan lhe anunciava a morte do filho, não tinha mais paz: chorava, jejuava, dormia à terra nua. Não é assim que fez Maria. Com suma paz recebeu ela a nova da morte do Filho e com a mesma paz continuou a sofrê-la; mas ainda assim, que dor não devia sentir o seu coração!

    Nem serviu para lha mitigar o conhecimento que já de antemão tinha do sacrifício a fazer, pois que, como foi revelado a Santa Teresa, a bendita Mãe conheceu então em particular e mais distintamente todas as circunstâncias dos sofrimentos, tanto exteriores como interiores, que haviam de atormentar o seu Jesus na sua Paixão. Numa palavra, a mesma Bem-Aventurada Virgem disse a Santa Matilde, que a este aviso de São Simeão toda a sua alegria se converteu em tristeza.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II

    A dor de Maria não achou alívio com o correr do tempo; ao contrário, ia sempre aumentando, à medida que Jesus, crescendo em sabedoria, em idade e em graça 13, junto de Deus e junto dos homens, se tornava mais amável aos olhos de sua Mãe, e se avizinhava mais o tempo da sua amargosa Paixão. Eis o que a própria divina Mãe revelou a Santa Brígida: “Cada vez que eu olhava para meu Filho, sentia o meu coração oprimido de nova dor e enchiam-se meus olhos de lágrimas”. O Abade Ruperto contempla Maria dizendo ao Filho enquanto o alimentava: “Fasciculus myrrhae dilectus meus mihi; inter ubera mea commorabitur – O meu amado é para mim como um ramalhete de mirra, colocado sobre meu peito 14. Ah, Filho meu, eu te aperto entre meus braços porque muito te amo; mas quanto mais te amo, tanto mais para mim te transformas em ramalhete de mirra e de dor, pensando em tuas penas. Tu és a fortaleza dos santos, e um dia entrarás em agonia; és a beleza do Paraíso, e um dia serás desfigurado; és o Senhor do mundo, mas um dia serás preso como um réu; és o Criador do universo, mas um dia te verei lívido pelas pancadas; numa palavra, tu és o Juiz de todos, a glória dos céus, o Rei dos reis, mas um dia serás sentenciado, desprezado, coroado de espinhos, tratado como rei de escárnio e pregado num infame patíbulo. E eu, que sou tua Mãe, eu, que te amo mais que a mim mesma, terei de ver-te morrer de dor, sem te poder dar o menor alívio: Fasciculus myrrhae dilectus meus mihi”.

    Se, pois, Jesus, nosso Rei, e Maria, nossa Mãe, bem que inocentes, não recusaram por nosso amor padecer durante toda a sua vida uma pena tão atroz, não é justo que nós nos lamentemos, se padecemos um pouco; nós que porventura muitas vezes temos merecido o Inferno.

    Saiba mais sobre a festa da Apresentação do Senhor e a profecia de Simeão

    Dia 5: Jesus no deserto e as tentações das almas escolhidas

    Iesus ductus est in desertum a spiritu, ut tentaretur a Diabolo – Jesus foi levado pelo espírito ao deserto, para ser tentado pelo Diabo. 15

    Meu irmão, se o Senhor permite que sejas tentado, não desanimes, porquanto vê nisso um sinal de que Ele te ama e te quer fazer mais semelhante a Jesus Cristo, que, como refere o Evangelho de hoje, foi também tentado. Esforça-te, porém, a exemplo do próprio Redentor, por empregar todos os meios para seres vencedor. Especialmente refreia as tuas pequenas paixões desordenadas, mortificando-as pela penitência e recorre sempre a Deus pela oração contínua.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I

    Os trabalhos que mais afligem nesta vida às almas amantes de Deus, não são tanto a pobreza, a enfermidade e as perseguições, como as tentações e as securas espirituais. Quando a alma goza da amorosa presença de Deus, todas as tribulações, em vez de a afligirem, mais a consolam, fornecendo-lhe a ocasião para oferecer a Deus algum penhor de seu amor. Mas ver-se pela tentação em perigo de perder a graça divina e temer na secura que já a perdeu, é isso uma pena demasiado amarga para quem ama deveras a Deus. Observemos, porém que é esta a sorte comum das almas santas: Quia acceptus eras Deo, necesse fuit, ut tentatio probaret te – Porque eras aceito de Deus, por isso foi necessário que a tentação te provasse 16.

    Quem foi mais santo do que Jesus Cristo? Todavia Ele foi levado pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo Diabo. Em primeiro lugar, foi tentado de gula, porque tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, teve fome. E chegando-se a Ele o tentador, disse: Se és Filho de Deus, dize que estas pedras se convertam em pães 17.

    Depois foi tentado de presunção, porque o Diabo o transportou à cidade santa e o pôs sobre o pináculo do templo e lhe disse: Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo, porque está escrito: Recomendou-te aos seus anjos, e eles te levarão nas palmas das mãos, a fim de que nem sequer tropeces numa pedra 18. Finalmente foi tentado de idolatria; porque o diabo, vendo-se vencido uma outra vez, o transportou ainda a um monte muito alto, e mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: Todas estas coisas te darei, se prostrado me adorares 19.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II

    Os meios de que nos devemos servir para vencer as tentações são os mesmos que nosso divino Redentor nos ensina com o seu exemplo no Evangelho de hoje. Cum ieiunasset quadraginta diebus – Jesus jejuou quarenta dias. Para vencermos todas as tentações, e em particular a dos sentidos, é mister que nós também, especialmente neste tempo de Quaresma, mortifiquemos a carne pelo jejum, pela penitência, e pelo recolhimento, e que ao mesmo tempo avigoremos o espírito com meditações e orações, porque não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus 20.

    Non tentabis Dominum Deum tuum – Não tentarás ao Senhor teu Deus 21. Para vencermos as tentações, devemos em segundo lugar evitar as ocasiões de pecado. Aqueles que se expõem voluntariamente aos perigos e não pretendem cair, tentam Deus para fazer milagres. A custódia dos anjos, diz São Bernardo, é prometida a quem caminha nos caminhos de Deus, viis suis, e não àquele que se expõe voluntariamente ao perigo de cair num abismo. Vade, Satana – Vai-te, Satanás 22.

    Ó meu amabilíssimo Jesus, vejo que no passado caí e recaí tão miseravelmente, porque me descuidei de imitar os vossos divinos exemplos. Arrependo-me de todo o coração; peço-vos perdão e prometo que para o futuro serei mais cuidadoso. Mas fortalecei a minha fraqueza. Eu vo-lo peço pela mortificação que praticastes, abstendo-vos por quarenta dias de toda a alimentação, e pela humildade que mostrastes, permitindo ao demônio que vos tentasse como a qualquer outro filho de Adão. “Ó Deus, que purificais a vossa Igreja com a anual abstinência quaresmal: concedei à vossa família, que com boas obras execute o que de Vós deseja obter com a sua abstinência.” 23 Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

    Entenda o que são as tentações e como combatê-las.

    Dia 6: Bem-aventurado o que não quer outra coisa senão a Deus

    Beati pauperes spiritu, quoniam ipsorum est regnum coelorum – Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus 24.

    Persuadamo-nos bem de que só Deus pode contentar-nos; mas não contenta senão àqueles que são pobres de espírito, isso é, de desejos terrestres, e nada querem fora dele. Se, portanto, nós também queremos achar a verdadeira felicidade, desfaçamo-nos de todo o afeto à terra, entreguemo-nos a Deus sem reserva e digamos frequentes vezes: Senhor, disponde de mim, e de tudo que é meu, segundo o vosso agrado; eu não quero senão o que Vós quereis.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Pelos pobres de espírito entendem-se aqueles que são pobres de desejos terrestres e nada querem fora de Deus. Estes são pobres nos desejos, mas não na realidade, porque desde a presente vida vivem contentes. Por isso o Senhor não diz: Ipsorum erit – Deles será, mas: Ipsorum est regnum coelorum – Deles é o reino dos céus; porquanto já nesta terra são ricos em bens espirituais que de Deus recebem. Apesar de pobres em bens temporais, vivem contentes em seu estado, em contraste com os ricos em desejos terrestres, que na vida presente sempre são pobres e vivem descontentes, por grandes que sejam as suas riquezas. Jesus Cristo, como diz o Apóstolo,25 quis ser pobre, para com o seu exemplo nos ensinar o desprezo dos bens terrestres e desta forma nos tornar ricos em bens celestes, que são imensamente mais preciosos e de duração eterna. Eis porque declara que, quem não renuncia a tudo quanto possui na terra com certo apego, não pode ser seu verdadeiro discípulo.26

    Persuadamo-nos de que só Deus faz contentes, mas não faz plenamente contentes senão aquelas almas que o amam de todo o coração. Que lugar pode o amor de Deus achar num coração cheio de coisas terrestres? Muitas almas se queixam de que na meditação, na comunhão, nos outros exercícios de devoção não acham a Deus. Santa Teresa lhes diz: “Desprende o teu coração das criaturas e acharás Deus”.

    Desfaçamo-nos, portanto, de todo o afeto terrestre e especialmente da vontade própria; demos a Deus toda a nossa vontade sem reserva e digamos-lhe: Senhor, disponde de mim e de tudo que é meu, segundo o vosso agrado. Não quero senão o que Vós quereis, e sei que não quereis senão o que é melhor para mim. Fazei que eu vos ame sempre, e nada mais desejo.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    O único meio para nos desprendermos das criaturas é a aquisição de um grande amor a Deus. Enquanto o amor divino não ficar sendo senhor de toda a nossa vontade, nunca chegaremos a ser santos. O meio, pois, para adquirirmos esse amor divino predominante é a santa oração. Roguemos, portanto, sempre a Deus que nos dê o seu amor e assim nos veremos desprendidos de todas as coisas criadas. O amor divino é um roubador que santamente nos tira todos os afetos terrestres. Como não há força capaz de resistir à morte, assim tampouco há impedimento, por insuperável que se nos afigure, que possa resistir ao amor divino. O amor vence tudo. Pelo seu amor a Deus os santos mártires venceram os tormentos mais atrozes e a morte mais dolorosa.

    Por outro lado, se uma alma não chega a dar-se toda a Deus, acha-se sempre em perigo de abandoná-lo e perder-se; como, ao contrário, quem deveras se deu todo a Deus, pode estar certo de que não mais o abandonará, porque o Senhor é liberal e fiel para com o que se lhe dá sem reserva. Donde vem que algumas pessoas, que de primeiro levavam vida santa, vieram depois a cair tão profundamente, que deixaram bem pouca esperança acerca de sua salvação? Donde vem isso? Vem, respondo, de que não se tinham dado inteiramente a Deus; a sua própria queda é o sinal certo disso.

    Meu Deus e meu verdadeiro amador: não permitais que minha alma, criada para vos amar, ame qualquer coisa senão a Vós e não seja toda vossa, visto que me resgatastes com o vosso Sangue. Ah, Jesus meu, como será possível que depois de ter conhecido o vosso amor para comigo, eu ame alguma coisa fora de Vós? Peço-vos, que me queirais atrair sempre mais ao íntimo do vosso Coração. Fazei com que me esqueça de tudo, a fim de não buscar nem desejar senão o vosso amor. Jesus meu, em Vós confio. Ó Maria, Mãe de Deus, em vós pus as minhas esperanças. Desprendei-me de tudo que não seja Deus, para que Ele seja o único objeto de todo o meu amor e de minha felicidade eterna.

    Dia 7: Quanto é doce a morte do justo

    Iustorum animae in manu Dei sunt, et non tanget illos tormentum mortis – As almas dos justos estão na mão de Deus, e não os tocará o tormento da morte 27.

    É assim: os tormentos, que na morte afligem os pecadores, não afligem os santos, porque já antes desse tempo deixaram pelo afeto os bens terrestres, consideraram as honras como fumo e vaidade e viveram desapegados dos parentes, amando-os só em Deus. Doutra parte, que felicidade morrer entregando-se nos braços de Jesus Cristo, que quis sofrer uma morte tão amarga, a fim de nos obter uma morte doce e cheia de consolação! Irmão meu, se na primeira noite a morte te colhesse, qual seria a tua morte, a do justo ou a do pecador?

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    É assim: os tormentos que na morte afligem os pecadores, não afligem os santos: Non tanget illos tormentum mortis ― Não os tocará o tormento da morte. Os santos não se abalam com esse Proficiscere, anima ― Parte, ó alma, que tanto assusta os mundanos. Os santos não se afligem com o terem de deixar os bens da terra, porque nunca lhes tiveram o coração ligado. Deus é o Senhor do meu coração, diziam eles sempre, a minha porção é Deus para sempre ― Deus cordis mei et pars mea Deus in aeternum.28 Sois felizes, escrevia o Apóstolo a seus discípulos que pela causa de Jesus Cristo tinham sido despojados de seus bens, sois felizes, porque suportastes com alegria a rapina dos vossos bens, sabendo que tendes um cabedal melhor e permanente: Cognoscentes vos habere meliorem et manentem substantiam.29

    Os santos não se afligem por deixarem as honras, porque desde muito as desprezaram e tiveram na conta do que efetivamente são, fumo e vaidade. Só estimaram a honra de amarem a Deus e de serem por Ele amados. Nem se afligem por deixarem os parentes, porque só os amaram em Deus; morrendo, recomendam-nos ao Pai celeste que os ama mais do que eles o podiam, e como esperam salvar-se, pensam que melhor lhes poderão valer na pátria celestial do que ficando na terra. Em suma, o que disseram durante toda a vida: Deus meus et omnia ― Meu Deus e meu tudo, repetem-no com mais consolação e ternura no momento da morte.

    Quem morre no amor de Deus não se inquieta com as dores que acompanham a morte; antes, nelas se compraz pensando que a vida vai acabar e que depois não lhe resta mais tempo para sofrer por Deus e testemunhar-lhe outras provas do seu amor. Por isso, oferece-lhe com afeto e paz estes últimos restos da sua vida e consola-se unindo o sacrifício da sua morte ao sacrifício que Jesus Cristo ofereceu um dia por ele na cruz ao seu eterno Pai. E assim morre feliz, dizendo: In pace in idipsum dormiam et requiescam ― Em paz dormirei nele e repousarei.30 Oh! que felicidade morrer entregando-se e repousando nos braços de Jesus Cristo, que nos amou até à morte e quis sofrer uma morte tão dolorosa, a fim de nos obter uma morte doce e cheia de consolação! Meu irmão, quais seriam os teus sentimentos se tivesses de morrer neste instante?

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Ó meu amado Jesus, que para me obter uma morte suave, quisestes sofrer uma morte tão cruel no Calvário, quando é que vos verei? A primeira vez que vos terei de ver, ver-vos-ei como meu Juiz no próprio lugar em que expire. Que vos direi então? Que me direis? Não quero esperar até então para pensar nisso; quero meditá-lo agora. Dir-vos-ei:

    Meu caro Redentor, sois Vós aquele que morreu por mim? Houve um tempo em que vos ofendi; fui ingrato para convosco e não merecia perdão; mas, ajudado pela vossa graça, entrei em mim mesmo, e no resto da vida chorei os meus pecados, e Vós me haveis perdoado. Perdoai-me agora novamente, que estou a vossos pés, e dai-me a absolvição geral das minhas faltas. Não merecia mais amar-vos tendo desprezado o vosso amor; mas pela vossa misericórdia me tendes atraído o coração, o qual, se vos não amou segundo o vosso mérito, amou-vos pelo menos sobre todas as coisas, deixando tudo para vos agradar. Que me dizeis agora? Verdade é que gozar o Paraíso e possuir-vos no vosso reino é uma felicidade grande demais para mim. Não tenho, porém, coragem de viver longe de Vós, mormente agora, que me deixastes ver o vosso amável e belo rosto. Peço-vos, pois, o Paraíso, não para ter mais gozo, mas para melhor vos amar.

    Mandai-me para o Purgatório todo o tempo que vos aprouver. Manchado, como ainda estou, não quero entrar nessa pátria de pureza e ver-me entre essas almas puras. Mandai-me ao purgatório, mas não me expulseis para sempre da vossa presença. Basta-me que no dia que vos aprouver, me chameis ao Paraíso para nele cantar eternamente as vossas misericórdias. Por ora, ó meu amado Juiz, levantai a mão, abençoai-me e dizei-me que sou vosso e que Vós sois e sereis sempre meu. Eu sempre vos amarei, e Vós sempre também me amareis. Agora vou para longe de Vós, vou para o fogo; mas vou contente, porque vou para vos amar, meu Redentor, meu Deus, meu tudo. Vou contente, sim; mas sabei que, enquanto estiver longe de Vós, a minha maior pena será esse apartamento. Vou, Senhor, contar os instantes que decorrerão até que me chameis. Tende piedade de uma alma que vos ama com todas as suas forças e deseja ver-vos para melhor vos amar.

    É assim, Jesus meu, que espero então falar-vos. Peço-vos entretanto que me deis a graça de viver de modo que possa dizer-vos então o que agora pensei. Dai-me a santa perseverança, dai-me o vosso amor. Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima.

    Dia 8: Contas que terá de dar a Jesus Cristo quem não segue a vocação

    Auferetur a vobis regnum Dei, et dabitur genti facienti fructus eius – Ser-vos-á tirado o reino de Deus, e será dado a um povo que faça os frutos dele 31.

    Avivemos a nossa fé. A graça que o Senhor nos concedeu chamando-nos a viver em sua casa é muito mais excelente do que se nos tivesse chamado a sermos rei do reino mais extenso da terra. Quanto maior, porém, a graça, tanto mais o Senhor se irritará contra nós, se não lhe tivermos correspondido; tanto mais rigoroso será o vosso julgamento no dia das contas. Ai de nós, se não obedecermos à chamada divina, ou se por nossa culpa perdermos a vocação!

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    A graça da vocação ao estado religioso não é uma graça ordinária; ela é muito rara e Deus a poucos a concede: Non fecit taliter omni nationi – Não fez assim a todas as nações.32 Oh! Esta graça de ser chamado à vida perfeita e a ser doméstico de Deus em sua casa, quanto é superior à de ser chamado a ser rei do reino mais extenso do mundo! Pois, que comparação pode haver entre um reino temporal na terra e o reino eterno do Céu?

    Quanto maior, porém a graça, tanto mais o Senhor se irritará contra quem não lhe tiver correspondido, e tanto mais rigoroso será o seu julgamento no dia das contas. Se um rei chamasse um pastorzinho para seu palácio, a fim de o servir entre os nobres de sua corte, quão grande não seria a indignação daquele príncipe, se o súdito recusasse o seu favor, para não deixar o seu pobre redil e o seu pequeno rebanho?

    Deus bem conhece o preço das suas graças; por isso castiga rigorosamente àquele que as despreza. Ele é o Senhor: quando chama, quer ser obedecido, e obedecido prontamente; pelo que, quando com a sua luz chama uma alma à vida perfeita, e esta não corresponde, priva-a de sua luz e abandona-a no meio das trevas. Oh! Quantas almas desgraçadas veremos reprovadas no dia do juízo, porque não quiseram obedecer à voz de Deus!

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Agradece portanto ao Senhor, ter-te convidado a segui-lo; mas treme, se não correspondes à graça. Chamando-te Deus a servi-lo mais de perto, é sinal que Deus te quer salvo; mas só te quer salvo pelo caminho que te indica e escolhe. Se queres salvar-te seguindo o caminho que tu mesmo te escolhes, corres grande perigo de o não obteres. Pois, ficando no século ou a ele voltando, quando Deus te quer religioso, não receberás de Deus aqueles auxílios eficazes que te havia preparado em sua casa, e sem os quais não te salvarás. Oves meae vocem meam audiunt – As minhas ovelhas ouvem a minha voz.33 Quem não quer obedecer à voz de Deus, dá sinal de que não é ovelha de Jesus, mas será condenado com os bodes no vale de Josafá.

    Senhor, Vós tivestes para comigo este excesso de bondade, de escolher-me de entre tantos outros, para me colocar entre os vossos servos prediletos e fazer-me morar na vossa casa. Conheço quanto esta graça é grande, e quanto eu dela era indigno. Eis-me aqui: quero corresponder a tamanho amor, quero obedecer-vos. Já que Vós fostes tão generoso para comigo, chamando-me, quando eu não vos procurava, e além disso vos era tão ingrato, não permitais que eu venha a cair nesta outra ingratidão suprema, de deixar-vos, a Vós que por meu amor derramastes o vosso Sangue e destes a vida, para novamente me entregar ao mundo, meu inimigo, que no passado tantas vezes me tem feito perder a vossa graça e a minha eterna salvação. Pois que me chamastes, dai-me a força para obedecer.

    Já prometi obedecer-vos, e de novo vo-lo prometo; mas se Vós não me concedeis a graça da perseverança, não vos posso ser fiel. A Vós peço esta perseverança, quero-a e espero-a pelos vossos merecimentos. Dai-me a coragem de vencer as paixões da carne, com que o demônio quer que eu vos atraiçoe. Amo-vos, meu Jesus, e me consagro todo a Vós. Já sou vosso e vosso quero ser para sempre. Maria, Mãe e esperança minha, Vós sois a Mãe da Perseverança, que só com a vossa intercessão é concedida; vós me haveis de alcançar; em vós confio.

    Dia 9: Quanto Jesus deseja unir-se conosco na santa comunhão

    Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum, antequam patiar – Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa, antes que padeça 34.

    Nenhuma abelha esvoaça com tanta avidez sobre as flores para lhes sorverem o mel, como Jesus vai morar nas almas que o desejam. Eis porque no Evangelho nos convida tantas vezes a que nos aproximemos dele na santa comunhão. Faz tantas promessas e tantas ameaças, para manifestar o grande desejo que tem de unir-se conosco. Que ingratidão, pois, se não correspondemos a tão grande amor!

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Jesus Cristo chama hora sua a noite em que devia começar a sua Paixão. Mas como é que pode chamar uma hora tão funesta a sua hora? É porque foi a hora por Ele almejada em toda a sua vida, visto que havia determinado que naquela noite havia de nos deixar a santa comunhão, destinada a consumar a sua união com as almas diletas, pelas quais devia em breve dar o sangue e a vida. Eis aqui o que naquela noite Jesus disse a seus discípulos: Desiderio desideravi hoc pascha manducare vobiscum ― Tenho desejado ansiosamente comer esta Páscoa convosco. Palavra pela qual o Redentor nos quis dar a entender o desejo ansioso que tinha de unir-se conosco neste Santíssimo Sacramento de amor: Desiderio desideravi ― Desejei ansiosamente; estas palavras, diz São Lourenço Justiniano, saíram do Coração de Jesus abrasado em imenso amor.

    Ora, a mesma chama que então ardia no Coração de Jesus, ainda está ardendo ali até ao presente; e a todos nós renova o convite feito então aos apóstolos de o receberem: Accipite et comedite, hoc est corpus meum ― Tomai e comei: isto é o meu corpo.35 Além disso, para atrair-nos a recebê-lo com amor, promete o Paraíso: Qui manducat meam carnem, habet vitam aeternam ― Quem como a minha carne, tem a vida eterna.36 No caso contrário ameaça-nos com a morte eterna: Nisi manducaveritis carnem Filii hominis, non habebitis vitam in vobis ― Se não comerdes a carne do Filho do homem, não tereis a vida em vós.37

    Estes convites, estas promessas, estas ameaças nasceram todas do desejo que tem Jesus Cristo de se unir conosco na santa comunhão, e este desejo nasce do amor que nos tem. “Não há abelha”, disse um dia o Senhor a Santa Matilde, “que com tanta avidez esvoace sobre as flores para lhes sorver o mel, como Eu anseio entrar nas almas que me desejam”. Porque Jesus nos ama, quer ser amado de nós, e porque nos deseja seus, quer ser desejado, como diz São Gregório: Sitit sitiri Deus. Bem-aventurada a alma que se aproxima da mesa da comunhão com grande desejo de se unir a Jesus Cristo!

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Adorável Jesus meu, não podeis dar-nos maiores provas de amor para nos fazer compreender quanto nos amais. Destes vossa vida por nós; ficastes no Santíssimo Sacramento, para que venhamos aí alimentar-nos de vossa carne, e quão grande desejo tendes que vos recebamos! Como podemos ser sabedores de tantas finezas de vosso amor, sem ficarmos abrasados neste mesmo amor? Longe de mim, afetos terrenos, saí de meu coração; vós é que me impedis de arder por Jesus como Ele arde por mim. Ó meu Redentor, que outros testemunhos de afeto posso eu ainda esperar, depois dos que me tendes dado? Por meu amor sacrificastes a vossa vida inteira; por meu amor abraçastes uma morte tão amarga e ignominiosa; por meu amor chegastes, por assim dizer, a aniquilar-vos, reduzindo-vos na Eucaristia a estado de alimento, para vos dardes todo a mim. Ah, Senhor! não permitais que eu seja ingrato a tão grande bondade.

    Graças vos dou pelo tempo que me concedeis para chorar minhas ingratidões e vos amar. Arrependo-me, ó soberano Bem, de ter tantas vezes desprezado o vosso amor. Amo-vos, ó bondade infinita; amo-vos, ó tesouro infinito; amo-Vos, ó amor infinito, digno de infinito amor. Jesus, meu Deus, amo-vos sobre todas as coisas. Por piedade, ajudai-me, ó meu Jesus, a banir do meu coração todos os afetos que não são para Vós, para que daqui por diante não deseje, não busque e não ame senão a Vós. Meu amado Redentor, fazei com que eu vos ache sempre e sempre vos ame. Apoderai-vos de toda a minha vontade, para que queira somente o vosso beneplácito. Meu Deus, meu Deus, a quem então amarei, se não amo a Vós em quem se encontram todos os bens? Só a Vós quero, e nada mais. Ó Maria, minha Mãe, tomai meu coração e enchei-o de perfeito amor a Jesus.

    Você sabe o que é o Sacramento da Eucaristia?

    Dia 10: Comemoração da lança e dos cravos de Nosso Senhor Jesus Cristo

    Unus militum lancea latus eius aperuit, et continuo exivit sanguis et aqua – Um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água 38.

    Sendo o coração um dos primários órgãos da vida, claro está que tem parte principal nos afetos do homem, tanto nos bons como nos maus. Exatamente para sarar esta raiz viciada dos pecados, quis Jesus Cristo que seu Coração fosse traspassado pela lança, assim como pouco antes, para expiar a culpa de Adão em estender a mão ao fruto vedado, e para reparar os abusos da liberdade, quis que as mãos e os pés lhe fossem traspassados pelos cravos. Ó inventos admiráveis do amor de Deus! E nós não amaremos?

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Reflete um devoto escritor que na Paixão de Jesus Cristo tudo foi excesso assombroso. Hebreus e gentios, sacerdotes e seculares, todos juntos conspiraram para fazê-lo, como o predissera Isaías, o homem de dores e de desprezos. Causa horror a consideração do complexo de maus tratos e injúrias que fizeram Jesus sofrer em menos da metade de um dia, desde a captura até à morte. Mas quem não esperaria que ao menos depois da morte teriam deixado de ultrajá-lo? Todavia não sucedeu assim.

    Refere São João, que os Judeus, para não deixarem os corpos na cruz durante o sábado de Páscoa, pediram a Pilatos que mandasse quebrar as pernas aos supliciados e que os fizessem descer da cruz.39 Eis que Maria, enquanto está chorando a morte do Filho, vê alguns homens, armados de barras de ferro, que se avizinham de Jesus. À tal vista, primeiramente tremeu de espanto, depois disse assim, como medita São Boaventura: Parai; ah! meu Filho já está morto! deixai de o injuriar e deixai também de me atormentar mais a mim, sua pobre Mãe! Mas, enquanto está assim falando, vê, ó Deus! um soldado que vibra com ímpeto uma lança e com ela abre o lado de Jesus: Unus militum lancea latus eius aperuit.

    A esse golpe tremeu a cruz, o Coração de Jesus ficou dividido e saiu sangue e água. Não havia mais sangue além daquelas gotas restantes, que o Salvador também quis derramar, para nos fazer entender que não tinha mais sangue para nos dar. A injúria daquela lançada foi de Jesus, mas a dor foi toda de Maria Santíssima.

    Minha alma, aproxima-te enternecida da cruz, une as tuas penas com as de tua querida Mãe e prostra-te assim aos pés do Senhor, a fim de que corra sobre ti esse sangue divino.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Sendo o coração um dos primários órgãos e como que princípio da vida, claro está que ele tem parte principal nos afetos do homem, segundo o que está escrito: Do coração saem os maus pensamentos, os homicídios, os furtos e as maledicências.40 Foi exatamente para sarar esta raiz viciada dos pecados, que Jesus quis ser ferido em seu Sacratíssimo Coração, assim como pouco antes, para expiar a culpa de Adão em estender a mão para o fruto vedado, e para reparar os abusos da liberdade humana, quis que lhe fossem traspassadas as mãos e os pés. Por isso é que a Igreja não hesita em venerar a lança e os cravos que tiveram a ventura de ser tintos com o sangue do Senhor. No Ofício, em sua honra exclama saudando-os: “A perfídia judaica escolheu-vos para instrumentos de perversidade; mas o Deus do Céu vos transformou em ministros de graça. Pelo que das chagas que abristes no corpo sacrossanto de Jesus, como de outras tantas fontes, nos brotam as graças celestes”.41

    Meu irmão, unamos os nossos afetos aos de nossa boa Mãe, a Igreja. Peçamos ao Senhor perdão do abuso que nós também temos feito da liberdade. Roguemos-lhe que virando contra nós aqueles cravos e aquela lança, tire a vingança das ofensas que lhe fizemos, ferindo-nos o coração, as mãos e os pés. Os pés, para que de hoje em diante sejam impotentes em nos expor às ocasiões perigosas; as mãos, para que deixem de praticar o mal; o coração, para que, livre de todo apego desordenado às criaturas, arda sempre de amor divino: Omnisque corde e saucio profanus ardor exeat.42

    Eis o que vos peço, ó meu Deus! “A Vós, que na fraqueza da natureza humana quisestes ser traspassado com cravos e ferido pela lança, suplico-vos, concedei-me, que venerando na terra a memória desses cravos e dessa lança, eu vá depois alegrar-me no Céu pelo glorioso triunfo de vossa vitória”.11 Fazei-o por amor do Coração aflitíssimo de Maria.

    Dia 11: Segunda dor de Maria Santíssima – Fuga para o Egito

    Accipe puerum et matrem eius, et fuge in Aegyptum – Toma o Menino e sua Mãe, e foge para o Egito 43.

    A profecia de São Simeão acerca da Paixão de Jesus e das dores de Maria começou desde logo a realizar-se na fuga que teve de fazer para o Egito, a fim de subtrair o Filho à perseguição de Herodes. Pobre Mãe! quanto não devia ela sofrer tanto na viagem como durante a sua permanência naquele país entre os infiéis! Vendo a Sagrada Família na sua fuga, lembremo-nos que nós também somos peregrinos sobre a terra. Para sentirmos menos os sofrimentos do exílio, à imitação de São José tenhamos conosco no coração a Jesus e Maria.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Como cerva, que ferida pela flecha, aonde vai leva a sua dor, trazendo sempre consigo a flecha que a feriu; assim a divina Mãe, depois da profecia funesta de São Simeão, levava sempre consigo a sua dor com a memória contínua da Paixão do Filho. Tanto mais, que aquela profecia começou desde logo a realizar-se na fuga que o Menino Jesus teve de fazer para o Egito, a fim de se subtrair à perseguição de Herodes: Surge et accipe puerum et matrem eius et fuge in Aegyptum – Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe, e foge para o Egito.

    Que pena, exclama São João Crisóstomo, devia causar ao Coração de Maria, o ouvir a intimação daquele duro exílio com seu Filho! “Ó Deus”, disse então Maria suspirando, como contempla o Bem-aventurado Alberto Magno, “deve, pois fugir dos homens aquele que veio a salvar os homens?”

    Cada um pode considerar quanto padeceu a Santíssima Virgem naquela viagem. A estrada, conforme a descrição de São Boaventura, era áspera, desconhecida, cheia de bosques, pouco frequentada, e sobretudo muito longa, de modo que a viagem foi ao menos de trinta dias. O tempo era de inverno; por isso tiveram de viajar com neves, chuvas e ventos, por caminhos arruinados cheios de lama, sem terem quem os guiasse ou servisse. Maria tinha então quinze anos, e era uma donzela delicada, não acostumada a semelhantes viagens. Que dó fazia ver aquela Virgenzinha com o Menino nos braços e acompanhada somente de São José!

    Pergunta São Boaventura: Quomodo faciebant de victu? Ubi nocte quiescebant? – De que alimentavam-se? Onde passavam as noites? E de que outra coisa podiam alimentar-se, senão de um pedaço de pão duro, trazido por São José, ou mendigado? Onde deviam dormir, especialmente no extenso deserto pelo qual deviam passar, senão sobre a terra, ao relento, com perigo de ladrões ou de feras em que abunda o Egito? Oh! Quem tivera encontrado aqueles três grandes personagens, por quem as haveria então reputado senão por três pobres mendigos e vagabundos?

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Opina Santo Anselmo que os santos peregrinos no Egito habitaram a cidade de Heliópolis. Considere-se aqui a grande pobreza em que deviam viver nos sete anos que ali permaneceram, como afirma Santo Antônio com Santo Tomás e outros. Eram estrangeiros, desconhecidos, sem rendimentos, sem dinheiro, sem parentes. Como diz São Basílio, chegaram com dificuldade a sustentar-se com os seus pobres trabalhos. Escreve Landolfo de Saxônia (e isto seja dito para consolação dos pobres), que Maria se achava em tão grande pobreza, que algumas vezes não tinha nem sequer um pouco de pão, que o Filho lhe pedia, obrigado pela fome.

    Ver assim Jesus, Maria e José andarem fugitivos, peregrinando por este mundo, ensina-nos que também devemos viver nesta terra como peregrinos, sem que nos apeguemos aos bens que o mundo oferece, pois que em breve os havemos de deixar e de ir para a eternidade: Non habemus hic manentem civitatem, sed futuram inquirimus – Não temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura.44 Demais, ensina-nos que abracemos as cruzes, já que neste mundo não se pode viver sem cruz. A Bem-Aventurada Verônica de Binasco, agostiniana, foi levada em espírito a acompanhar Maria com o Menino Jesus na viagem ao Egito, finda a qual lhe disse a divina Mãe: “Filha, acabas de ver com quantas fadigas chegamos a este país; sabe, pois, que ninguém recebe graças sem padecer”.

    Quem deseja sentir menos os trabalhos desta vida, deve, à imitação de São José, tomar consigo Jesus e Maria: Accipe puerum et matrem eius – Toma o Menino e sua Mãe. A quem pelo amor traz no coração este Filho e esta Mãe, se lhe tornam leves, quiçá doces e estimáveis, todas as penas. Amemo-los, pois, e consolemos a Maria acolhendo o seu Filho dentro dos nossos corações, que ainda hoje é continuamente perseguido pelos homens com os seus pecados.

    Saiba o que a Igreja celebra na Festa dos Santos Inocentes.

    Dia 12: A transfiguração de Jesus Cristo e as delícias do Paraíso

    Domine, bonum est nos hic esse – Senhor, é bom estarmos aqui 45.

    Consideremos hoje a beleza do Paraíso e raciocinemos assim: São Pedro e os seus felizes companheiros provaram apenas uma só gota da doçura celestial; não viram senão um raio da divindade. Todavia ficaram de tal modo arrebatados, que desejavam permanecer ali para sempre. O que será então de nós, quando nos saciarmos na fonte das delícias e virmos a Deus tal qual é, face a face? Para chegarmos a tão grande recompensa, devemos antes de mais nada combater e sofrer alguma coisa na terra.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    No Evangelho de hoje, lemos que certo dia Nosso Senhor, querendo dar a seus discípulos um antegozo da beleza do Paraíso, tomou consigo a Pedro, a Tiago e a João seu irmão, e os conduziu de parte a um alto monte e transfigurou-se diante deles. O seu rosto ficou refulgente como o sol, e suas vestiduras se fizeram brancas como a neve. E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com Ele. E tomando a palavra, disse Pedro a Jesus: Senhor, bom é que estejamos aqui: se queres, façamos três tabernáculos, um para ti, outro para Moisés e outro para Elias – Domine, bonum est nos hic esse.46

    Detenhamo-nos também a considerar um pouco a beleza do Paraíso e raciocinemos assim: São Pedro e os seus felizes companheiros provaram apenas uma só gota da doçura celestial e nem assim puderam conter-se que não rogassem a Jesus lhes fosse concedido permanecerem sempre naquele lugar. Que será então de nós, quando o Senhor saciar os seus escolhidos da abundância de sua casa e os fizer beber na torrente das suas delícias?47 São Pedro e os outros dois apóstolos não viram senão um único raio da divindade de Jesus Cristo, o qual transluziu da sua sagrada humanidade. Todavia, não podendo sustentar tão viva luz, ficaram deslumbrados, e como fora de si, caíram de bruços sobre a terra. Que será então quando o Senhor se deixar ver a seus escolhidos face a face, como é em si mesmo? Tão bela sorte nos espera também a nós, meu irmão, se nos esforçamos por merecê-la ao menos no tempo de vida que ainda nos resta.

    Ó doce esperança! Virá um dia em que nós também veremos a Deus como é, isto é, veremos a beleza incriada, que encerra, de modo infinitamente perfeito, todas as belezas espalhadas pelo universo: Similes ei erimus, quoniam videbimus eum sicuti est – Seremos semelhantes a Ele, porque o veremos como é. 48

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    A glória de que gozaram os três venturosos discípulos foi de curta duração; porque enquanto (Pedro) ainda falava, uma nuvem luminosa os envolveu. E logo saiu da nuvem uma voz que disse: Este é meu Filho amado, em quem pus toda a minha complacência: ouvi-O (…). Chegou-se a eles Jesus, tocou-os e lhes disse: Levantai-vos e não temais. Eles então, levantando os olhos, já não viram ninguém senão só Jesus: Neminem viderunt, nisi solum Iesum.49

    Falavam da sua saída deste mundo.50 São Pedro é de certo modo repreendido porque desejava ficar sempre no gozo daquelas delícias: Non enim sciebat quid diceret – Não sabia o que dizia.51

    Animemo-nos portanto e procuremos sofrer com paciência as atribulações que Deus nos envia, oferecendo-as ao Senhor em união com as penas que Jesus Cristo sofreu por nosso amor. Quando as cruzes nos afligirem, levantemos os olhos ao céu e consolemo-nos com a esperança do Paraíso. Tudo é pouco ou antes nada para merecermos o Reino do Céu.

    Meu amado Redentor, agradeço-vos as luzes que me dais agora! São sinais de que me quereis salvo a gozar um dia convosco no Céu. Quero salvar-me, não tanto para gozar, como para vos agradar e amar. Amo-vos, Jesus, meu Deus, amo-vos sobre todas as coisas. Pesa-me de vos ter ofendido e proponho nunca mais tornar a ofender-vos. Mas já que me vedes destituído de toda a força, amparai a minha fraqueza, a fim de que eu vos seja fiel. “Guardai-me interior e exteriormente, para que me defendais de adversidades no corpo e limpeis a minha alma de maus pensamentos”.23 Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

    Dia 13: Como devemos preparar-nos para a morte

    Dispone domui tuae, quia morieris tu et non vives – Dispõe de tua casa, porque morrerás e não viverás 52.

    A experiência prova que morrem felizmente os que, no último momento, estão já mortos para o mundo, isto é, desligados dos bens de que nos deve separar a morte. É, pois, preciso que desde já aceitemos a privação dos bens, a separação dos parentes e de todas as coisas da terra, lembrando-nos que, se não o fizermos voluntariamente agora, necessariamente teremos de o fazer na morte, mas com risco da salvação eterna. Quem ainda não escolheu um estado de vida, tome aquele que houvera querido escolher na hora da morte.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Diz Santo Ambrósio que morrem felizmente os que, no tempo da sua morte, estão já mortos para o mundo, isto é, desligados daqueles bens de que forçosamente os deve separar a morte. Mister, pois, se torna que desde já aceitemos a privação dos bens, a separação dos parentes e de todas as coisas da terra. Se não fizermos isto voluntariamente durante a vida, seremos forçados a fazê-lo na morte, mas então com extrema dor e com risco da salvação eterna.

    A este propósito observa Santo Agostinho que, para morrer em paz, é vantajosíssimo pormos em ordem durante a vida os negócios temporais, fazendo desde já a disposição dos bens que é preciso deixar, a fim de não termos de nos ocupar então senão da nossa união com Deus. Naquela hora convém que só se fale em Deus e no Paraíso. Os últimos momentos da vida são demasiadamente preciosos para serem desperdiçados em pensamentos terrestres. É na morte que se acaba a coroa dos escolhidos, porque é então que se recolhe a maior soma de merecimentos, aceitando os sofrimentos e a morte com resignação e amor.

    Semelhantes sentimentos, porém, não os poderá ter na morte quem não os tiver excitado durante a vida. Com este fim, pessoas devotas têm por hábito renovarem todos os meses a protestação da boa morte com os atos cristãos de fé, esperança e caridade, com a confissão e comunhão, como se já estivessem no leito de morte, próximas a saírem deste mundo. Oh, como esta prática nos ajudará a caminharmos bem, a nos desprendermos do mundo e morrermos de boa morte! Beatus ille servus, quem, cum venerit dominus eius, inveniet sic facientem – Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, encontre a fazer isto.53

    Quem espera a toda a hora a morte, ainda que esta venha subitamente, não pode deixar de morrer bem. Ao contrário, o que se não faz na vida, é dificílimo fazê-lo na morte. A grande serva de Deus, Irmã Catarina de Santo Alberto, da Ordem de Santa Teresa, estando para morrer, gemia e dizia: Minhas irmãs, não é o medo da morte que me faz gemer, porque há 25 anos que a estou esperando; gemo por ver tantas pessoas iludidas, que vivem no pecado, e esperam, para se reconciliarem com Deus à hora da morte, em que com dificuldade se pode pronunciar o nome de Jesus.

    Leia mais: O sentido do sofrimento

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Examina-te, meu irmão, e vê se tens o coração apegado a alguma coisa terrestre: a alguma pessoa, a algum posto, a alguma casa, a alguma riqueza, a alguma sociedade, a alguns divertimentos, e lembra-te que não és eterno. Tudo terás de deixar um dia, e talvez em breve. Por que queres então ficar agarrado a esses objetos com risco de morreres cheio de inquietações? Oferece desde já tudo a Deus, estando disposto a privar-te de tudo, quando lhe agradar.

    Se não tens ainda escolhido o estado de vida, toma o que na hora da morte quiseras ter escolhido e que te deixará morrer mais contente. Se já o escolheste, faze agora o que então quiseras ter feito no teu estado. Faze como se cada dia fosse o último de tua vida e cada ação a última que praticas: a última oração, a última confissão, a última comunhão. Imagina, numa palavra, a cada hora que já estás no leito da morte, ouvindo a intimação: Proficiscere de hoc mundo – Parte deste mundo, e por isso repete muitas vezes a protestação para a boa morte, dizendo:

    Ó meu Deus, só poucas horas me restam; nelas vos quero amar quanto possa na vida presente, para mais vos amar na outra. Pouco tenho que vos oferecer; ofereço-vos os meus padecimentos e o sacrifício da minha vida, em união com o sacrifício que Jesus Cristo vos ofereceu por mim na Cruz. Senhor, as penas que sofro são poucas e leves em comparação com as que mereci; tais como são, aceito-as em testemunho do amor que vos tenho. Resigno-me a todos os castigos que me queirais infligir nesta vida e na outra, contanto que vos possa amar na eternidade.

    Castiga-me tanto quanto vos aprouver, mas não me priveis do vosso amor. Sei que não merecia mais amar-vos, por ter tantas vezes desprezado o vosso amor; mas Vós não podeis repelir uma alma arrependida. Pesa-me, ó meu supremo bem, de vos haver ofendido. Amo-vos de todo o coração e em Vós ponho toda a minha confiança. A vossa morte, ó Redentor meu, é a minha esperança. Deposito a minha alma em vossas mãos chagadas. Maria, minha querida Mãe, socorrei-me nesse grande momento. Desde já vos entrego o meu espírito: dizei a vosso Filho que se apiede de mim. A vós me recomendo, livrai-me do Inferno.

    Saiba mais: Sacerdote dá dicas de como se preparar para a morte na prática

    Dia 14: Efeitos que em nós produz a divina graça

    Infinitus thesaurus est hominibus; quo qui usi sunt, participes facti sunt amicitiae Dei – Ela é um tesouro infinito para os homens; do qual os que usaram têm sido feito participantes da amizade de Deus.

    Porque havemos de ter inveja dos grandes do mundo? Se estamos na graça de Deus, participamos da sua própria natureza; somos, por assim dizer, um com Ele, e de momento a momento podemos adquirir tesouros imensos de merecimentos para a eternidade. A nossa alma é então tão bela aos olhos do Senhor, o qual põe nela a sua complacência. Tudo isto Jesus Cristo no-lo mereceu pela sua Paixão; e por isso devemos prestar-lhe contínuas ações de graças.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    No dizer de Santo Tomás de Aquino, o dom da graça é superior a todos os dons que uma criatura possa receber, porque a graça é a participação da própria natureza de Deus. Já antes tinha São Pedro dito o mesmo: Ut per haec (promissa) efficiamini divinae consortes naturae ― Para que por elas (as promessas) vos torneis participantes da natureza divina.54 Tal é a dignidade que Jesus Cristo nos mereceu pela sua Paixão: Ele nos comunicou o mesmo resplendor que recebeu de Deus.55 Numa palavra, quem está na graça de Deus, forma, de certo modo, uma pessoa com Deus: Unus spiritus est ― É um espírito com Ele.56 E, como disse o Redentor, na alma que ama a Deus, vem habitar a Santíssima Trindade: Ad eum veniemus, et mansionem apud eum faciemus ― Viremos a ele, e faremos nele morada.57

    É tão bela aos olhos de Deus a alma em estado de graça, que Ele próprio lhe faz o elogio: Como és formosa amiga minha, como és formosa!58 Parece que Deus não pode apartar dela os olhos, nem cerrar os ouvidos a nenhum dos seus pedidos: Oculi Domini super iustos, et aures eius ad preces eorum ― Os olhos do Senhor estão sobre os justos e os seus ouvidos abertos aos rogos deles.59 Dizia Santa Brígida que nenhum homem poderia ver a beleza de uma alma na graça de Deus, sem morrer de alegria. E S. Catarina de Sena, tendo visto uma alma assim, afirmou que de boamente daria a vida para que nunca aquela alma perdesse tamanha beleza. Por isso a mesma santa beijava a terra que os sacerdotes pisaram, pensando que pelo seu ministério as almas eram colocadas na graça de Deus.

    Além disso, quais tesouros de merecimentos não pode ajuntar a alma em estado de graça! Cada instante pode adquirir uma glória eterna, porquanto, como diz Santo Tomás, qualquer ato de amor produzido pela alma merece um Paraíso à parte.

    Por que temos então inveja dos grandes do mundo? Estando na graça de Deus, podemos adquirir continuamente grandezas muito mais altas no Céu.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    A paz de que ainda na terra goza a alma em estado de graça só pode ser compreendida por aquele que a provou: Gustate et videte, quoniam suavis est Dominus ― Provai e vede quão suave é o Senhor.60 Não pode deixar de ser cumprida a palavra do Senhor: Gozam muita paz os que amam a divina lei.61 A paz do que vive unido com Deus excede todas as doçuras que nos podem advir dos sentidos ou do mundo: Pax Dei quae exsuperat omnem sensum.62

    Ó meu Jesus, Vós sois o bom pastor que se deixou matar para nos dar a vida, a nós, vossas ovelhas. Quando eu fugia de Vós, não deixastes de correr atrás de mim e de me procurar; recebei-me, agora, que vos procuro e que volto arrependido a vossos pés. Restitui-me a graça, que miseravelmente perdi por minha culpa. De todo o coração me arrependo e quisera morrer de dor, quando penso nas inúmeras vezes que vos voltei as costas. Perdoai-me pelos merecimentos da morte cruel que por mim padecestes na Cruz.

    Prendei-me com os doces laços do vosso amor e não permitais que outra vez me afaste de Vós. Dai-me forças para sofrer com paciência todas as cruzes que me envieis, visto ter merecido as penas eternas do Inferno. Fazei que abrace com amor os desprezos que me possam vir dos homens, visto ter merecido estar eternamente sob os pés dos demônios. Fazei, numa palavra, com que obedeça em tudo às vossas inspirações e vença, por vosso amor, qualquer respeito humano. Resolvido estou a servir de hoje em diante somente a Vós. Digam os outros o que quiserem; eu quero amar somente a Vós, meu Deus amabilíssimo, só a Vós quero agradar; mas dai-me o vosso auxílio sem o qual nada posso. Amo-vos, Jesus, meu Deus, amo-vos sobre todas as coisas, de todo o coração, e confio em vosso Sangue. Maria, minha esperança, ajudai-me com as vossas orações. Glorio-me de ser vosso servo, e vós vos gloriais de salvar os pecadores que a vós recorrem; socorrei-me, pois, e salvai-me.

    Dia 15: Da dignidade de São José, Esposo da Virgem Maria

    Iacob autem genuit Ioseph, virum Mariae, de qua natus est Iesus – Jacob gerou a José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus 63.

    Para formarmos uma ideia da dignidade de São José, basta ponderarmos que, na qualidade de esposo de Maria e chefe da Sagrada Família, tinha verdadeiros direitos sobre a Mãe de Deus e seu divino Filho, que assumiram a obrigação de lhe obedecer, e lhe obedeceram em tudo. Quanto devemos, pois, honrar àquele a quem Deus honrou tanto! Quanto devemos confiar na eficácia de sua proteção! E tu, és-lhe realmente devoto? Recorres prontamente a ele em tuas necessidades?

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Considera em primeiro lugar a dignidade de São José por ser esposo de Maria. Nesta qualidade adquiriu o direito de lhe dar ordens, e Maria, na qualidade de esposa, assumiu a obrigação de obedecer a São José. O humílimo São José nunca se serviu de mandos para com a Santa Virgem, mas somente de pedidos, por venerar nela a grande santidade e a dignidade de Mãe de Deus. A humílima esposa, porém, entre todas as criaturas a mais humilde, considerava sempre aqueles pedidos como outras tantas ordens. Ó Maria, ó José, ó esposos santíssimos, que por vossa grande humildade vos fizestes tão amados de Deus, suplico-vos que me alcanceis o perdão de todos os meus atos de soberba, e a graça de sofrer daqui por diante com paciência todos os desprezos e injúrias que me vierem da parte dos homens, porquanto hei merecido ser pisado aos pés dos demônios no Inferno.

    Considera em segundo lugar a alta dignidade de São José por lhe ser conferido por Deus o ofício de pai de Jesus Cristo: Et erat subditus illis ― E era-lhes submisso. Quem é que estava submisso?64 O Rei do mundo, o Filho de Deus e também verdadeiramente Deus Todo-Poderoso, eterno, perfeito, em tudo igual ao Pai. Este é quem na terra quis estar submisso a São José. Por si mesmo não tinha José autoridade sobre Jesus, por não ser o pai verdadeiro, mas tão somente o pai putativo. Como esposo, porém, e chefe de Maria, foi o chefe também de Jesus Cristo, enquanto homem, por ser o fruto das entranhas de Maria. Quem é dono de uma árvore, o é também dos frutos.

    Eis porque a Beata Virgem o chamou pai de Jesus: Pater tuus et ego dolentes quaerebamos te ― Eu e teu pai angustiados te procuramos.65

    Foi portanto a São José, como chefe daquela pequena família, que coube o ofício de mandar, e a Jesus o de obedecer; de sorte que Jesus nada fazia, não se movia, não tomava alimento nem repouso, senão segundo as ordens de José. Ó dignidade inefável!

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Devemos honrar muito àquele a quem Deus mesmo tanto tem honrado. E grande confiança devemos pôr na proteção de São José, que viu nesta terra o Senhor do mundo submisso às suas ordens. Escreve Santa Teresa: “O Senhor nos quis dar a entender que, assim como na terra quis ficar submisso a São José, assim faz agora no Céu tudo o que o santo lhe pede”.

    Meu santo patriarca, pela grande reverência que, como a seu esposo, vos teve Maria, rogo-vos que me recomendeis a ela, e me alcanceis a graça de ser o seu verdadeiro e fiel servo até à morte. E pela submissão que na terra vos mostrou o Verbo Encarnado, obtende-me a graça de lhe obedecer e de amá-lo perfeitamente. No Céu Jesus se compraz em conceder todas as graças que vós pedis em favor daqueles que a vós se recomendam. Eu também, miserável como sou, me recomendo a vós, escolho-vos por meu advogado especial e prometo honrar-vos cada dia com algum obséquio particular. Meu pai, São José, por piedade, alcançai-me aquela graça que vós sabeis ser mais útil à minha alma, e especialmente a virtude da santa pureza.

    “Sim, glorioso São José, pai e protetor das virgens, guarda fiel, a quem Deus confiou Jesus, a mesma inocência, e Maria, a virgem das virgens, eu vos peço e conjuro por Jesus e Maria, este duplo depósito a vós tão caro; com vosso eficaz auxílio dai-me conservar meu coração isento de toda mancha, e que, puro e casto, sirva constantemente a Jesus e Maria em perfeita castidade”. E vós, ó Mãe de Deus e minha Mãe Maria, pela santa humildade e obediência com que executastes tudo que vosso santo esposo José vos pedia, alcançai-me de Deus a graça da santa humildade e da perfeita obediência a seus preceitos divinos.

    Que tal rezar também a Novena a São José?

    Dia 16: Jesus presente nos altares para ser acessível a todos

    Venite ad me omnes, qui laboratis et onerati estis; et ego reficiam vos – Vinde a mim todos os que estais cansados e carregados e eu vos aliviarei 66.

    Nesta terra não é permitido a todos os súditos falar ao príncipe. O mais que os pobres podem esperar é falar-lhe por meio de terceira pessoa. Não é assim com o Rei do Céu, que está no Santíssimo Sacramento. Com este pode falar quem o deseje, e sem acanhamento. Procuremos, portanto, ir muitas vezes à sua audiência e expor-lhe todas as nossas necessidades. Peçamos-lhe particularmente que desligue o nosso coração de todas as coisas terrestres e o encha do seu santo amor.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Dizia Santa Teresa que nesta terra não é permitido a todos os súditos falar a seu príncipe. O mais que os pobres podem esperar é falhar-lhe por meio de terceira pessoa. Mas para conversar convosco, ó Rei do Céu, não se precisa de terceira pessoa; quem quiser, pode achar-vos no Santíssimo Sacramento, e falar-vos à vontade e sem acanhamento. Por isso a mesma santa dizia que Jesus Cristo velou a sua majestade sob as aparências do pão, para nos inspirar mais confiança e nos tirar todo o temor de nos aproximarmos dele.

    Ah! Parece que lá dos altares Jesus ainda cada dia exclama e diz: Venite ad me omnes, qui laboratis et onerati estis, et ego reficiam vos ― Vinde a mim todos os que estais cansados e carregados, e eu vos aliviarei. Vinde a mim, vós pobres, vinde enfermos, vinde atribulados, vinde justos e pecadores; em mim achareis o remédio para todos os vossos males e aflições. O que Jesus Cristo deseja é consolar a quem a Ele recorre. Permanece presente sobre os altares tanto de dia como de noite para ser acessível a todos e comunicar a todos as suas graças.

    Por isso os santos achavam na terra tão grande satisfação em estar na presença de Jesus sacramentado, que os dias e noites se lhes afiguravam como instantes. A Condessa de Feria, depois de entrar na Ordem de Santa Clara, nunca se fartava de ficar no coro a visitar o Santíssimo Sacramento. Perguntada uma vez o que fazia tanto tempo diante do santo tabernáculo, respondeu que eram tão grandes as delícias que nisso gozava, que queria ficar ali toda a eternidade. São João Francisco Regis, depois de passar o dia no confessionário ou no púlpito, passava as noites na igreja, e achando-a alguma vez fechada, deixava-se ficar à porta exposto ao frio e ao vento, para ao menos de longe fazer companhia a seu amado Senhor. São Filipe Néri exclamava à vista do Santíssimo Sacramento: “Eis aí o meu amor! Eis aí todo o meu amor!”

    Ah! Se Jesus Cristo fosse também todo o nosso amor, a nós também os dias e noites passadas na sua presença se nos afigurariam como instantes!

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Em todas as vossas necessidades particulares, como no tomar ou dar conselho, nos perigos, nas aflições, enfermidades e tentações, especialmente nas contra a pureza, recorrei sempre a Jesus sacramentado, e não podendo fazê-lo de corpo, fazei-o pelo menos em espírito. Achando-vos diante do santo tabernáculo, dizei muitas vezes com São Filipe Néri: “Eis aí o meu amor! Eis aí todo o meu amor!”

    Sim, meu amado Redentor, só a Vós quero amar; quero que sejais o único amor de minha alma. Sinto-me morrer de dor à lembrança de ter outrora amado as criaturas e minhas satisfações próprias mais que a Vós, e de ter virado as costas a Vós, ó bem infinito. Vós porém, para não me verdes perecer, me suportastes com tanta paciência, e em vez de me punirdes, me feristes o coração com tantas setas de amor, de sorte que não pude mais resistir às vossas finezas e me dei todo a Vós. Vejo que me quereis inteiramente para Vós. Mas já que o quereis, fazei-o; porquanto a Vós pertence fazer que assim seja.

    Livrai-me de todo o apego à terra e a mim mesmo, e fazei com que eu procure agradar somente a Vós, não pense senão em Vós, não fale senão de Vós, e não deseje senão arder de amor para convosco, viver e morrer por Vós. Ó amor de meu Jesus, vem e apodera-te de todo o meu coração e expele dele todo o amor que não é para Deus. Amo-vos, ó Jesus sacramentado, amo-vos, minha vida, meu tesouro, meu amor, meu tudo. Ó Maria, minha esperança, rogai por mim e dai-me ser todo de Jesus.

    Dia 17: Comemoração do Sagrado Sudário de Nosso Senhor Jesus Cristo

    Et depositum (corpus) involvit sindone – Tendo descido (o corpo), amortalhou-o num lençol 67.

    Para que estivéssemos sempre lembrados de seu amor, quis Jesus Cristo deixar a sua sagrada efígie estampada no Santo Sudário. Não faltam na vida de Jesus feitos gloriosos cuja imagem nos podia deixar. Sendo, porém, a cor rubra da Paixão a mais apropriada para representar o amor, deixou de parte todos os demais fatos da sua vida, e quis representar perante nós o homem das dores, a fim de que nos fosse tanto mais amável, quanto mais desfigurado. Amemo-lo, pois, de todo o coração e soframos de boamente alguma coisa por seu amor.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    “Duas coisas”, escreve Cícero, “fazem conhecer um amigo: fazer-lhe bem e sofrer por ele; e esta última coisa é a maior prova de um verdadeiro amor.” Deus já tinha feito brilhar o seu amor para com os homens, em grande número de benefícios; mas, diz São Pedro Crisólogo, julgou muito pouco para seu amor, somente fazer-lhes bem, se não achasse outro modo de lhe mostrar quanto o amava, sofrendo e morrendo por ele, como fez tomando a natureza humana. Por isso escreve o Apóstolo São Paulo que a morte de Jesus Cristo pela salvação dos homens demonstrou até onde chegava o amor de Deus para conosco, as suas miseráveis criaturas: Apparuit benignitas et humanitas Salvatoris nostri Dei – Apareceu a benignidade e o amor de Deus, nosso Salvador.68

    A fim de que sempre nos lembrássemos deste seu excesso de amor, depois de consumada a Redenção do gênero humano, quis deixar-nos a sua imagem estampada no Sudário em que o envolveram depois da morte. Não faltavam, de certo, na vida de Jesus, mil feitos gloriosos, cuja representação nos podia deixar, tais como sejam a adoração dos Reis Magos, a transfiguração no Tabor, a ressureição de Lázaro, a multiplicação dos pães e mais outros. Mas, no dizer de São Bernardo, porque “a cor rubra da Paixão é a mais apropriada para representar o grau supremo e incomparável de amor, Jesus deixou de parte todo o fato glorioso, para se nos representar no estado de miséria predito por Isaías: Como homem de dores, objeto de desprezo e o último dos homens, ferido por Deus e humilhado como um leproso, o mais miserável dos filhos dos homens, coberto de chagas desde a cabeça aos pés, maltratado e desfigurado, até não ter mais parecença de homem – unde nec reputavimus eum”.69

    Ah, meu amantíssimo Senhor, em vista de tantos testemunhos do vosso amor, quem poderá deixar de vos amar? Tinha razão Santa Teresa, ó meu amabilíssimo Jesus, de dizer que, quem não vos ama, prova que não vos conhece.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    O Padre Segneri Júnior aconselhou a uma filha espiritual sua que escrevesse ao pé do crucifixo estas palavras: “Eis aí como se ama!”. Parece que é isso também o que pelo sagrado Sudário Jesus Cristo quer dizer a cada um de nós, particularmente quando, para evitar algum incômodo, abandonamos o bem que mais lhe agrada, e chegamos talvez a renunciar à sua graça: Eis aí como se ama! Com razão dizia São Francisco de Sales: “Todas as chagas do Redentor são outras tantas bocas que nos dizem que devemos sofrer por amor dele; e a ciência dos santos consiste em sofrer constantemente por Jesus”.

    Amemos, pois, a Jesus (assim nos exorta o amante Santo Agostinho), amemos a Jesus ao menos por gratidão, amemos de todo o coração ao Esposo Celeste, que nos deve ser tanto mais querido e aceito, quanto mais desfigurado se nos mostra. Devemos patentear este nosso amor sofrendo de boa vontade alguma coisa por Jesus, aceitando com resignação o que Ele mesmo nos envia para nosso bem.

    Ó meu amado Salvador Jesus! Vejo-vos todo coberto de chagas; fito o vosso rosto, já não mais belo, mas todo horrendo de ver e manchado de escarros e sangue. Quanto mais desfigurado vos vejo, tanto mais belo vos acho e digno de amor. Que são estas chagas e contusões, se não sinais de vosso amor e de vossa ternura para comigo? Quisestes ser maltratado assim para tornar bela a minha alma e limpá-la das manchas do pecado. Agradeço-vos, meu Senhor; pesa-me de ter-me ajuntado aos algozes para vos maltratar. Aceito em espírito de penitência todas as cruzes que queirais enviar, e prometo amar-vos sempre de todo o meu coração. Ajudai-me com a vossa graça a ser-vos fiel. “Ó meu Deus, Vós, que deixastes os vestígios da vossa Paixão no Santo Sudário, no qual José de Arimateia envolveu o vosso Sacratíssimo Corpo: concedei-me, propício, que pelos merecimentos de vossa morte e sepultura chegue à glória da ressurreição.”70 Fazei-o pelo amor do Coração aflitíssimo de Maria.

    Dia 18: Maria Santíssima, modelo de amor para com Deus

    Ego Mater pulchrae dilectionis – Eu sou a Mãe do amor formoso 71.

    O fogo de amor em que ardia o coração da Santíssima Virgem foi tão veemente, que ela não repetia os atos de amor, como fazem os outros santos, mas por um privilégio singular amou a Deus sempre atualmente, com um contínuo ato de amor. Mas se Maria amou e ama tanto a seu Deus, certamente ela não exige outra coisa de seus devotos, senão que o amem também. Como é que tu o amas? Se porventura te sentes frio, chega-te com confiança à tua amada Mãe e roga-lhe que te faça seu semelhante.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Deus, que é amor, veio ao mundo para acender em todos a chama do seu divino amor; mas nenhum coração ficou tão abrasado como o Coração de sua Mãe, o qual, sendo todo puro dos afetos terrenos, estava todo disposto para arder neste santo fogo. Por isso o Coração de Maria se tornou todo fogo e chamas, como se lê no Cântico dos Cânticos: Lampades eius, lampades ignis atque flammarum? As suas lâmpadas são umas lâmpadas de fogo e de chamas.72 Fogo, ardendo interiormente, como explica Santo Anselmo, e chamas resplandecendo para fora com o exercício das virtudes.

    Revelou a própria Maria a Santa Brígida que neste mundo ela não teve outro pensamento, outro desejo, nem outro gosto senão Deus. Eis porque a sua alma bendita absorta sempre nesta terra na contemplação de Deus, fazia inúmeros atos de amor. Ou, para melhor dizer, como escreve Bernardino de Bustis, Maria não multiplicava os atos de amor, como fazem os outros santos; mas, por um privilégio singular, ela amou a Deus atualmente, com um contínuo ato de amor. Qual águia real, sempre tinha os olhos fixos no Divino Sol, de maneira (diz São Pedro Damião) que nem as ações da vida lhe impediam o amor, nem o amor lhe impedia a ação.

    Acrescentam Santo Ambrósio, São Bernardino e outros, que nem mesmo o sono interrompia o ato de amor da Santíssima Virgem; de modo que podia verdadeiramente dizer com a Sagrada Esposa: Ego dormio, et cor meum vigilat? – Eu durmo e o meu coração vela.73 Foi figura de Maria o altar propiciatório, no qual nunca se extinguia o fogo, nem de dia, nem de noite. Numa palavra, afirma o Bem-aventurado Alberto Magno que Maria foi cheia de tão grande amor, que quase não podia caber mais amor numa pura criatura terrestre. Os próprios serafins podiam descer do Céu, para aprenderem no Coração de Maria como se deve amar a Deus. No reino celeste ela só, entre todos os santos, pode dizer a Deus: Senhor, se não vos amei quanto mereceis, ao menos amei-vos quanto me foi possível.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Já que Maria ama tanto a seu Deus, não há certamente coisa alguma que ela exija tanto de seus devotos como que o amem igualmente. É o que a divina Mãe disse à Bem-Aventurada Ângela de Foligno, num dia em que esta tinha comungado; é o que ela disse também a Santa Brígida: “Filha, se queres cativar o meu amor, ama o meu Filho”.

    Pergunta Novarino, por que a Santa Virgem, à imitação da Esposa dos Cantares, rogava aos anjos que fizessem saber ao seu Senhor o grande amor que lhe consagrava, dizendo: Adiuro-vos (…) ut nuntietis ei, quia amore langueo? – Eu vos conjuro (…) que lhe façais saber que estou enferma de amor.74 Porventura não sabia Deus quanto ela o amava? Com certeza sabia-o, responde o autor sobredito, que a Virgem quis fazer patente a nós o seu amor; a fim de que, assim como ela estava ferida de amor, nos infligisse a mesma ferida: Ut vulnerata vulneret. Porque foi toda fogo em amar a Deus, por isso, como diz São Boaventura, abrasa e torna seus semelhantes todos os que a amam e a ela se avizinham. Pelo que Santa Catarina de Sena chamava a Maria Santíssima portatrix ignis – a portadora do fogo do amor divino. Se queremos também arder nesta beata chama, procuremos sempre avizinhar-nos à nossa Mãe Santíssima com súplicas e afetos.

    Ah, Rainha do Amor, Maria! Sois vós, no dizer de São Francisco de Sales, a mais amável, a mais amada e a mais amante de todas as criaturas. Ah, minha Mãe! Vós que ardestes sempre e toda em amor a Deus, dignai-vos dar-me ao menos uma faísca desse amor. Rogastes a vosso Filho por aqueles esposos aos quais faltava o vinho: Vinum non habent – Eles não têm vinho:75 não rogareis por nós a quem falta o amor a Deus, ao qual temos tanta obrigação de amar? Dizei somente: Amorem non habent – Eles não têm amor, e alcançar-nos-eis o amor. Outra graça não vos pedimos senão esta. Ó minha Mãe! por quanto amais a Jesus, atendei-nos, rogai por nós.

    Confira 4 formas de aumentar sua devoção a Nossa Senhora.

    Dia 19: O demônio mudo e as confissões sacrílegas

    Erat (Iesus) eiciens daemonium, et illud erat mutum – Estava (Jesus) expelindo um demônio, e ele era mudo 76.

    O demônio mudo de que fala o Evangelho, significa o falso pejo com que o espírito infernal, depois de seduzir o cristão a ofender seu Deus, procura fazê-lo ocultar o pecado na confissão. Ah, quantas almas caem todos os dias no Inferno por este ardil diabólico! Meu irmão, se jamais o demônio te vier tentar assim, pensa que, se é vergonhoso ofender a um Deus tão bom, não o é o confessar o pecado cometido e o livrar-se dele. Quantos santos são venerados sobre os altares, que até fizeram uma confissão pública!

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    O demônio mudo de que fala o Evangelho é o falso pejo com que o espírito infernal procura fazer-nos calar na confissão os pecados cometidos, depois de primeiro nos ter cegado para não vermos o mal que cometemos e a ruína que nos preparamos ofendendo a Deus. Com efeito, exclama São João Crisóstomo, o demônio faz em todas as coisas o contrário do que Deus faz. O Senhor pôs vergonha no pecado, para que não o cometamos; mas depois de o havermos cometido, anima-nos a confessá-lo, prometendo o perdão a quem se acusa. O demônio, ao contrário, inspira confiança ao pecador com a esperança do perdão; mas cometido o pecado, cobre-o de vergonha, para que se não confesse.

    Por este ardil diabólico, ó, quantas alma já foram precipitadas e ainda se precipitam cada dia no Inferno! Sim, porque os miseráveis convertem em veneno o remédio que Jesus Cristo nos preparou com seu Preciosíssimo Sangue, e ficam presas com uma dupla cadeia, cometendo depois do primeiro pecado outro mais grave: o sacrilégio.

    Irmão meu, se por desgraça a tua alma está manchada pelo pecado, escuta o que te diz o Espírito Santo: Pro anima tua ne confundaris dicere verumNão mintas à custa da tua alma.77 Sabe, diz ele, que há duas qualidades de vergonha; deves fugir daquele que te faz inimigo de Deus, conduzindo-te ao pecado; mas não da que se sente ao confessá-lo e te faz receber a graça de Deus nesta vida e a glória do Paraíso na outra.

    Se, pois, te queres salvar, não te envergonhes de fazer uma boa confissão; de outro modo a tua alma se perderá. As feridas gangrenosas levam à morte, e tais são os pecados calados na confissão; são chagas da alma que se gangrenaram.

    Aprenda como fazer uma boa confissão.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Meu filho, vergonhoso é o entrar nesta casa, mas não o sair dela. Assim falou Sócrates a um seu discípulo que não quis ser visto ao sair de uma casa suspeita. É o que digo também àqueles que, depois de cometerem um pecado grave, tem pejo de o confessar. Meu irmão, coisa vergonhosa é ofender a um Deus tão grande e tão bom; mas não o é confessarmos o pecado cometido e livrar-nos dele. Foi porventura coisa vergonhosa para Santa Maria Madalena o confessar em público aos pés de Jesus Cristo que era uma mulher pecadora? Foi motivo de pejo confessar-se uma Santa Maria Egipcíaca, uma Santa Margarida de Cortona, um Santo Agostinho, e tantos outros penitentes, que algum tempo tinham sido grandes pecadores? Por meio de sua confissão fizeram-se santos.

    Ânimo, pois, meu irmão, ânimo! (Falo a quem cometeu a falta de ocultar por vergonha um pecado.) Tem ânimo e dize tudo a um confessor. Dá glória a Deus e confunde o demônio que, como diz o Evangelho, quando saiu do homem, anda por lugares secos, buscando repouso, e não o acha.78

    Porém, depois de teres confessado bem, prepara-te para novos e mais violentos assaltos da parte do Inimigo infernal. Ai de quem o deixa entrar novamente, depois de o haver expulso! Et fiunt novíssima hominis illius peiora prioribus – O último estado do homem virá a ser pior do que o primeiro.79

    Ó meu amabilíssimo Jesus! Iluminai o meu espírito, a fim de que nunca mais me deixe obcecar pelo espírito maligno a cometer de novo o pecado. Pesa-me de vos haver ofendido, e proponho com a vossa graça antes morrer que tornar a ofender-vos. Mas, se por desgraça recair, dai-me força para sempre vencer o demônio mudo e confessar-me sinceramente ao vosso ministro. “Peço-vos, Deus Todo-Poderoso, que atendais propício às minhas humildes súplicas, e que em minha defesa estendais o braço de vossa majestade”. Doce Coração de Maria, sede minha salvação.23

    Dia 20: Da verdadeira sabedoria

    Et dedit illi scientiam sanctorum – E deu-lhe a ciência dos santos 80.

    Oh, que bela ciência, a de saber amar a Deus e salvar a alma. É esta a ciência mais necessária de todas, porquanto, se soubéssemos tudo e não nos soubéssemos salvar, nada nos aproveitaria e seríamos eternamente infelizes; ao passo que seremos eternamente bem-aventurados se soubermos amar a Deus, ainda que no mais fôssemos completamente ignorantes. Quantos sábios estão no Inferno! Quantos, que aqui foram ignorantes, gozam no Paraíso! Que aproveitou àqueles a sua sabedoria? Que prejuízo causou a estes a sua ignorância?

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Compreendamos bem que os verdadeiros sábios são aqueles que sabem adquirir a graça de Deus e o Paraíso. Que bela ciência a de amar a Deus e salvar a alma! O livro onde se ensina a salvar a alma é de todos o mais necessário. Se soubéssemos tudo e não nos soubéssemos salvar, nada nos aproveitaria e seríamos para sempre desgraçados. Ao contrário, seremos eternamente felizes se soubermos amar a Deus, ainda que no mais fôssemos completamente ignorantes. “Beatus qui te novit, etsi alia nescit: Bem-aventurado o que vos conhece, ó Deus, embora ignore todas as outras coisas!” exclamava Santo Agostinho.

    Certo dia Frei Gil disse a São Boaventura:

    — Feliz de ti, Padre Boaventura, que sabes tantas coisas, e eu pobre ignorante nada sei; tu podes ser muito mais santo do que eu.

    — Escuta – respondeu-lhe o Santo – se uma velhinha ignorante souber amar a Deus mais do que eu, ela será mais santa do que eu.

    Surgunt indocti, et rapiunt coelum: Os ignorantes levantam-se e conquistam o céu”, disse Santo Agostinho. Quantos rústicos que não sabem ler, mas sabem amar a Deus, se salvam, e quantos sábios segundo o mundo se condenam! Aqueles, e não estes, são os verdadeiros sábios. Que grandes sábios foram um São Pascal, um São Feliz, capuchinho, um São João de Deus, apesar de ignorarem as ciências humanas! Que grandes sábios tantos mártires, tantas virgens, que renunciaram a ilustres alianças, indo morrer por amor de Jesus Cristo! Numa palavra, os que renunciam aos bens terrestres para se consagrarem a Deus, são chamados homens desenganados. Portanto, os que abandonam a Deus pelos bens do mundo, devem ser chamados homens enganados.

    Irmão meu, em qual das duas falanges te queres achar? Para que faças boa escolha, aconselha-te São João Crisóstomo que visites os cemitérios, que são as mais excelentes escolas para aprender a vaidade dos bens terrestres e a ciência dos santos. “Proficiscamur ad sepulchra: Vamos aos túmulos. Dizei-me: sabes ali distinguir quem foi rei, nobre ou literato? Eu por mim – acrescenta o santo – não vejo senão um monte de ossos, de vermes e de podridão.”

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Irmão meu, se queres ser sábio, não basta conheceres a importância de teu fim: é preciso também empregares os meios para o alcançares. Todos se quereriam salvar e ser santos; mas como não procuram os meios, não se santificam e perdem-se. É preciso evitar as ocasiões, frequentar os sacramentos, fazer oração, e mais do que tudo, gravar no coração as máximas do Evangelho, como sejam: Quid prodest homini, si universum mundum lucretur? – Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro?81 É preciso perder tudo, até a vida, para salvar a alma.82 Para seguir Jesus Cristo, deve-se recusar ao amor-próprio a satisfação que deseja.83 A nossa salvação consiste em fazer a vontade de Deus.84 São estas as máximas e outras semelhantes, que devem frequentes vezes ser objeto da nossa meditação, se nós também quisermos ser verdadeiros sábios e salvar-nos.

    Ó Pai de misericórdia, lançai um olhar sobre a minha miséria e tende piedade de mim. Iluminai-me e fazei-me conhecer o meu desvairamento passado, para o deplorar, e a vossa infinita bondade, para a amar. Ó meu Jesus: Ne tradas bestiis animas confitentes tibi – Não entregueis às feras as almas que Vos louvam.85 Derramastes o vosso Sangue para me salvar; não permitais que me torne ainda escravo do demônio, como já o fui no passado. Arrependo-me de vos ter deixado, ó supremo bem. Amaldiçoo todos os instantes em que, por minha própria vontade, consenti no pecado, e uno-me estreitamente à vossa santa vontade, que só deseja a minha felicidade.

    Ó Pai Eterno, pelos merecimentos de Jesus Cristo, dai-me a força para executar tudo o que é do vosso agrado. Deixai-me antes morrer do que opor-me à vossa santa vontade. Ajudai-me com a vossa graça a depositar unicamente em Vós todo o meu amor, e a desligar-me de todos os afetos que não se referem a Vós. Amo-vos, ó Deus de minha alma, amo-vos sobre todas as coisas e de Vós espero todos os bens, o perdão, a perseverança em vosso amor e o Paraíso para vos amar eternamente. – Ó Maria, pedi estas graças para mim. Vosso Filho não vos recusa nada. Esperança minha, em vós confio.

    Dia 21: A separação dos escolhidos e dos réprobos no Juízo Final

    Exibunt angeli, et separabunt malos de medio iustorum – Sairão os anjos e separarão os maus do meio dos justos 86.

    Quando todos os homens estiverem reunidos no vale de Josafá, virão os anjos separar os réprobos dos escolhidos. Estes ficarão à direita e aqueles serão, para sua confusão, impelidos para a esquerda. Oh, que triste separação! Meu irmão, de que lado nos acharemos nesse dia? À direita com os escolhidos, ou à esquerda com os condenados? Se quisermos estar à direita, deixemos o caminho que conduz à esquerda.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Assim que os homens tiverem ressuscitado, ser-lhes-á intimado que se dirijam todos ao vale de Josafá, para serem julgados. Quando todos estiverem ali reunidos, virão os anjos e separarão os réprobos dos escolhidos: Exibunt angeli, et separabunt malos de medio iustorum. Os justos ficarão à direita, e os condenados serão impelidos para a esquerda. Que mágoa não sentiria quem fosse banido da sociedade ou da Igreja! Mas que dor muito maior não sentirá, quando se vir expulso da companhia dos Santos! Unus assumetur, et alter relinquetur – Um será tomado, e outro será desprezado.87 Diz São Crisóstomo que, se os réprobos não tivessem outra pena a sofrer, esta confusão já seria para eles um suplício infernal.

    Atualmente no mundo são julgados felizes os príncipes e os ricos; são desprezados os santos que vivem na pobreza e humildade. Ó cristãos fiéis, vós que amais a Deus, não vos aflijais porque neste mundo viveis desprezados e em tribulações: Tristitia vestra vertetur in gaudium – A vossa tristeza se há de converter em alegria.88 Então se dirá que vós sois os verdadeiros felizes, e tereis a honra de ser proclamados os cortesãos da corte de Jesus Cristo.

    Que brilhante figura não fará então um São Pedro de Alcântara, que foi vilipendiado como apóstata! Um São João de Deus, que foi tratado como insensato! Um São Pedro Celestino, que morreu numa prisão depois de ter abdicado o papado! Que honra receberão então tantos mártires, cruciados aqui pelos algozes! Tunc laus erit unicuique a Deo – Então cada um terá de Deus o louvor.89 Que horrível figura, pelo contrário, não fará um Herodes, um Pilatos, um Nero, e tantos outros grandes da terra, agora condenados! Ó partidários do mundo, espero-vos no vale de Josafá. Aí mudareis sem dúvida de sentimentos; aí deplorareis a vossa loucura. Infelizes! Por uma curta aparição no teatro deste mundo, tendes de fazer depois o papel de condenados na tragédia do Juízo Final.

    Saiba mais: o Céu, a morte o purgatório… o que são os novíssimos?

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Os escolhidos serão colocados à direita, ou antes, segundo o que diz o Apóstolo, para sua maior glória, serão elevados aos ares sobre as nuvens, para irem com os anjos ao encontro de Jesus Cristo, que deve vir do céu: Rapiemur cum illis in nubibus, obviam Christo in aera – Seremos arrebatados com eles nas nuvens ao encontro de Cristo.90 E os condenados, como um rebanho de cabritos destinados ao matadouro, serão impelidos para a esquerda, esperando pelo Juiz, que virá pronunciar publicamente a condenação de todos os seus inimigos. Meu irmão, de que lado nos acharemos nós nesse dia? À direita com os escolhidos, ou à esquerda com os réprobos?

    Ó meu amado Redentor, ó Cordeiro de Deus, que viestes ao mundo, não para castigar, mas para perdoar os pecados: ah! perdoai-me sem demora, antes que chegue o dia em que deveis ser meu Juiz. Se eu então viesse a perder-me, à vossa vista, ó doce Cordeiro, que me tendes aturado com tanta paciência, a vossa vista seria o inferno do meu Inferno. Ah! perdoai-me, repito, sem demora. Com o socorro da vossa mão misericordiosa, fazei-me sair do precipício onde me fizeram cair os meus pecados. Arrependo-me, ó soberano bem, de vos ter ofendido tantas vezes. Amo-vos, ó meu Juiz, que tanto me haveis amado.

    Suplico-vos pelos méritos da vossa morte, que me deis uma graça tão eficaz, que me torne de pecador em santo. Prometestes atender a quem vos roga: Clama ad me et exaudiam te – Clama por mim e Eu te atenderei.91 Não vos peço bens terrenos; peço-vos a vossa graça, o vosso amor e nada mais. Atendei-me, ó meu Jesus, pelo amor que me dedicastes morrendo por mim na Cruz. Meu amado Juiz, sou um culpado, mas um culpado que vos ama mais que a si próprio. Tende piedade de mim! Maria, minha Mãe, vinde depressa em meu auxílio, agora que me podeis ainda socorrer. Não me abandonastes quando vivia esquecendo-me de vós e de Deus. Socorrei-me, já que estou resolvido a servir-vos sempre e a nunca mais ofender a meu Senhor. Ó Maria, vós sois a minha esperança.

    Dia 22: Da glória de São José, esposo da Virgem Maria

    Qui custos est Domini sui, glorificabitur – O que é o guarda do seu Senhor, será glorificado 92.

    Devemos ter por certo que a vida de São José, sob a vista e na companhia de Jesus e Maria, foi uma oração contínua, cheia de fé, de confiança, de amor, de resignação e de oferecimento. Visto que a recompensa é proporcionada aos merecimentos da vida, considera quão grande será no Paraíso a glória do santo patriarca. Com razão se admite que ele, depois da Bem-aventurada Virgem, leva vantagem a todos os demais santos. Por isso, quando São José quer obter alguma graça para seus devotos, não tanto pede, como de certo modo manda a Jesus e Maria.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    A glória que Deus confere no Céu a seus santos é proporcionada à santidade de vida que eles levaram na terra. Para termos uma ideia da santidade de São José, basta que consideremos unicamente o que diz o Evangelho: Ioseph autem vir eius, cum esset iustus – José seu esposo, como era homem justo.93 A expressão “homem justo” significa um homem que possui todas as virtudes, porquanto aquele a quem falta uma delas, não pode ser chamado justo.

    Ora, se o Espírito Santo chamou a São José justo, na ocasião em que foi escolhido para esposo de Maria, avalia, que tesouros de amor divino e de todas as virtudes o nosso santo não devia auferir dos colóquios e da contínua convivência com a sua santa esposa, que lhe dava exemplos perfeitos de todas as virtudes. Se uma só palavra de Maria foi bastante eficaz para santificar ao Batista e para encher Santa Isabel do Espírito Santo, a que alturas não pensamos que deve ter chegado a bela alma de José pela convivência familiar com Maria, da qual gozou pelo espaço de tantos anos?

    Além disso, que aumento de virtudes e de méritos não deve ter adquirido São José convivendo continuamente por tantos anos com a própria santidade, Jesus Cristo, servindo-o, alimentando-o e assistindo-lhe nesta terra?

    Se Deus promete recompensar aquele que por seu amor dá um simples copo de água a um pobre, considera quão alta glória terá dado a José, que o salvou das mãos de Herodes, lhe forneceu vestidos e alimentos, o trouxe tantas vezes nos braços e carregou com tamanho afeto. Devemos ter por certo que a vida de São José, sob a vista e na companhia de Jesus e Maria, foi uma oração contínua, cheia de atos de fé, de confiança, de amor, de resignação e de oferecimento. Se, pois, a recompensa é proporcionada aos merecimentos ajuntados na vida, considera quão grande será a glória de São José no Paraíso!

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    São Agostinho compara os demais santos com estrelas, mas São José com o sol. O Padre Suárez diz que é muito aceitável a opinião que depois de Maria, São José leva vantagem a todos os demais santos em merecimento e em glória. Donde o Venerável Bernardino de Bustis conclui que São José, de certo modo, dá ordens a Jesus e Maria quando quer impetrar algum favor para os seus devotos.

    Meu santo patriarca, agora que gozais no Céu sobre um trono elevado junto do vosso amadíssimo Jesus, que vos foi submisso na terra, tende compaixão de mim, que vivo no meio de tantos inimigos, maus espíritos e más paixões, que me dão combates contínuos para me fazerem perder a graça de Deus. Ah! pela felicidade que tivestes, de gozar na terra, sem interrupção, da companhia de Jesus e Maria, alcançai-me a graça de passar o resto de minha vida sempre unido a Deus e de morrer depois no amor de Jesus e Maria, para que um dia possa ir gozar, convosco, da sua companhia, no reino dos bem-aventurados.

    E Vós, ó meu amado Jesus, meu amantíssimo Redentor, quando poderei ir gozar-vos e amar-vos no Paraíso, face a face, seguro de não vos poder mais perder? Enquanto viver, estarei exposto a tal perigo. Ah, meu Senhor e meu único bem, pelos merecimentos de São José, que Vós amais e honrais tanto no Céu; pelos merecimentos de vossa querida Mãe; e mais ainda, pelos merecimentos de vossa vida e morte, pelas quais merecestes para mim todo o bem e toda a esperança: não permitais que em tempo algum eu me separe nesta terra de vosso amor, a fim de que possa ir para a pátria do amor, a possuir-vos e amar-vos com todas as minhas forças e nunca mais em toda a eternidade afastar-me da vossa presença e do vosso amor.

    Dia 23: Grandeza da dádiva que Jesus Cristo nos fez na Santíssima Eucaristia

    In omnibus divites facti estis in illo – Em todas as coisas fostes enriquecidos n’Ele 94.

    É tão grande a dádiva que Jesus Cristo nos fez na Santíssima Eucaristia, que, apesar de ser poderosíssimo, sapientíssimo e riquíssimo, não pode, nem sabe, nem tem para dar-nos outra mais excelente. Como é, pois, possível que os homens, tão sensíveis a qualquer delicadeza, fiquem insensíveis a tão grande dom e paguem o seu benfeitor com ingratidão. Se nós também fomos no passado tão ingratos, peçamos de todo o coração que Jesus nos perdoe.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Santo Agostinho, considerando a grandeza do dom que Jesus Cristo nos oferece na Santíssima Eucaristia, ficou tão enlevado, que escreveu esta celebre sentença, que com tal dádiva Jesus esgotou, por assim dizer, os seus atributos infinitos. Deus, assim diz o Santo Doutor, é poderosíssimo, e se quisesse, poderia, a um só sinal seu, criar mil mundos cada qual mais bonito. Contudo, apesar de ser todo poderoso, não nos pode oferecer outro dom mais precioso do que este: Cum esset omnipotens, plus dare non potuit. Deus é sapientíssimo, e a sua sabedoria, como diz o profeta real,95 não tem limites. Mas com toda a sua sabedoria, não sabe achar um dom mais excelente do que a Santíssima Eucaristia: Cum esset sapientissimus, plus dare nescivit. Deus afinal é riquíssimo e os seus tesouros são inesgotáveis. Todavia, com toda a sua riqueza, não tem joia mais preciosa ou mais estimável do que esta para nos presentear: Cum esset ditissimus, plus dare nescivit. E a razão é óbvia: na Santíssima Eucaristia Jesus Cristo nos dá não somente a sua humanidade, senão também a sua divindade. Para nos oferecer, pois, outro dom mais excelente do que este, mister seria que nos desse um Deus maior do que Ele mesmo; o que é impossível.

    Tinha razão Isaías em exclamar: Notas facite adinventiones eius – Publicai, ó homens, as invenções amorosas de nosso bom Deus.96 Se o Redentor nos não tivesse feito espontaneamente este donativo quem é que lho ousaria pedir? Quem é que se atrevera a dizer-lhe: Senhor, se quereis fazer-nos conhecer o vosso amor, escondei-vos sob as espécies de pão e vinho e consenti que vos tomemos como nosso alimento? Mas o que nunca poderiam imaginar os homens, concebeu-o e cumpriu-o o grande amor de Jesus Cristo. Ó prodígio de amor!

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Santa Maria Magdalena de Pazzi costumava dizer que depois da comunhão a alma pode repetir a palavra de Jesus: Consummatum est – Está consumado. Visto que o meu Deus se me deu a si mesmo nesta comunhão, Ele fez um último esforço de seu amor para comigo, e não tem mais nada para me dar. Mas como é, pois, possível que os homens, de ordinário tão sensíveis a qualquer cortesia que se lhes faz, ficam tão insensíveis ao dom inapreciável do Santíssimo Sacramento e pagam a Jesus Cristo com a mais negra ingratidão? Ah! meu irmão, se no passado tu também foste um daqueles ingratos, pede sinceramente perdão e resolve-te a sacrificar de hoje em diante tudo por Jesus Cristo, assim como ele se sacrificou todo por ti neste inefável mistério.

    Ó meu Jesus, o que é que vos levou a dar-vos inteiramente para nosso sustento? E depois deste dom, que mais vos resta para nos obrigar a amar-vos? Iluminai-nos, Senhor, e fazei-nos conhecer qual foi esse excesso de amor que vos levou a transformar-vos em alimento para vos unirdes a nós, pobres pecadores. Mas se vos dais inteiramente a nós, justo é que inteiramente nos demos a Vós. Ó meu Redentor, como é que pude ofender-vos, a Vós que me haveis amado tanto, e que não pudestes fazer mais para ganhar o meu amor? Por mim vos fizestes homem, por mim morrestes e vos fizestes meu alimento. Dizei-me, que vos restava fazer ainda?

    Amo-vos, Bondade infinita: amo-vos, Amor infinito; Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas. Senhor, entrai frequentes vezes na minha alma, inflamai-me inteiramente no vosso santo amor e fazei com que tudo esqueça para só pensar em Vós e não amar senão a Vós. Maria Santíssima, rogai por mim. Com a vossa intercessão, tornai-me digno de receber muitas vezes o vosso Filho sacramentado.

    Saiba o que é e como surgiu a Solenidade de Corpus Christi.

    Dia 24: Comemoração das cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo

    Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris – Tirareis com alegria águas das fontes do Salvador 97.

    As chagas de Jesus são aquelas benditas fontes preditas por Isaías, das quais podemos tirar todas as graças, se as pedimos com fé. São fontes de misericórdia, fontes de esperança, e sobretudo fontes de amor; porquanto as suas águas, ao passo que purificam a alma das manchas da culpa, abrasam-na no santo amor. Avizinhemo-nos muitas vezes daquelas fontes do Salvador, para apagar a nossa sede das graças.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    As chagas de Jesus Cristo são aquelas benditas fontes preditas por Isaías, das quais podemos tirar todas as graças, se as pedimos com fé: Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris – Tirareis com alegria água das fontes do Salvador.

    São em primeiro lugar fontes de misericórdia. Jesus Cristo quis que lhe fossem traspassados as mãos, os pés e o lado sacrossanto, a fim de aplacar por nós a divina justiça e ao mesmo tempo abrir-nos um asilo seguro, no qual nos pudéssemos subtrair às setas da ira de Deus.

    Por isso, o Senhor mesmo nos anima, dizendo no Cântico dos Cânticos: Vem, pomba minha, nas aberturas da pedra;98 isto é, na interpretação de São Pedro Damião: vem dentro destas minhas chagas, onde acharás todo o bem para tua alma. Mais expressivas ainda são as palavras de que se serve na profecia de Isaías: Ecce in manibus meis descripsi te – Eis aí que te gravei em minhas mãos.99 Como se dissesse: Minha pobre ovelha, tem ânimo; não vês quanto me custaste? Eu te gravei em minhas mãos, nestas chagas que recebi por teu amor. Elas me solicitam sempre a ajudar-te e defender-te de teus inimigos; tem, pois, amor e confiança em mim.

    As chagas de Jesus são também fontes de esperança ; porquanto, como escreve São Paulo, o Senhor quis morrer consumido pelas dores, a fim de merecer o Paraíso para todos os pecadores arrependidos e resolvidos a emendar-se: Et consummatus, factus est omnibus obtemperantibus causa salutis – E pela sua consumação foi feito autor da salvação para todos os que Lhe obedecem.100 Durante uma enfermidade, São Bernardo se viu certa vez transportado perante o tribunal de Deus, onde o demônio o acusava de seus pecados e lhe dizia que não merecia o Céu. Respondeu-lhe então o santo: “É verdade que eu não mereço o Paraíso; mas Jesus tem dois direitos para este reino: um por ser Filho verdadeiro de Deus, outro por tê-lo merecido com a sua morte. Contentando-se com o primeiro, cedeu-me o segundo, em virtude do qual peço e espero a glória celeste”. É isto, meu irmão, o que nós também podemos dizer: as chagas de Jesus Cristo são os nossos merecimentos, a nossa esperança: Vulnera tua merita mea.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    As chagas de Jesus Cristo são, em terceiro lugar, fontes de amor ; porque as águas que ali brotam purificam as almas e ao mesmo tempo abrasam-nas daquele santo fogo que o Senhor veio acender sobre a terra nos corações dos homens. Pelo que São Boaventura exclama: “Ó chagas que feris os corações mais duros e abrasais as almas mais frias de amor divino”.

    São Paulo protestou solenemente de si: Non enim indicavi scire me aliquid inter vos, nisi Iesum Chistum, et hunc crucifixum – Não entendi saber entre vós coisa alguma senão a Jesus Cristo, e este crucificado.101 Não ignorava, de certo, o Apóstolo, que Jesus Cristo nascera numa gruta, que passara trinta anos de sua vida numa oficina, que ressuscitara e subira ao céu. Não obstante isso diz que não queria saber senão de Jesus crucificado, porque este mistério o excitava mais a amá-lo, visto que as sagradas chagas lhe diziam o amor imenso que Jesus nos teve. Recorramos, pois, frequentes vezes por meio de uma meditação atenta a estas fontes divinas do Salvador: Omnes sitientes venite ad aquas – Todos vós os que tendes sede, vinde às águas.102

    terno Pai, lançai vossos olhos sobre as chagas de vosso divino Filho: estas chagas vos pedem todas as misericórdias para mim; perdoai-me, pois, as ofensas que vos fiz; apoderai-vos de meu coração todo, para que não ame, busque, nem deseje coisa alguma fora de Vós. Ó chagas de meu Redentor, formosas fornalhas de amor, recebei-me e inflamai-me, não com o fogo do Inferno que mereço, mas com a santa chama de amor a este Deus que quis morrer por mim, à força de tormentos. “E Vós, eterno Pai, que pela Paixão de vosso Filho Unigênito e pelo sangue que Ele derramou por suas cinco chagas, renovastes a natureza humana, perdida pelo pecado: concedei-me propício que, venerando na terra estas chagas divinas, eu mereça conseguir no Céu o fruto do Preciosíssimo Sangue de Jesus.”11 – Fazei-o pelo amor do próprio Jesus Cristo e de Maria Santíssima.

    Dia 25: Terceira dor de Maria Santíssima – Perda de Jesus no Templo

    Ecce pater tuus et ego dolentes quaerebamus te – Eis que teu pai e eu te andávamos buscando cheios de aflição 103.

    A dor de Maria pela perda de Jesus foi sem dúvida uma das mais acerbas; porque ela então sofria longe de Jesus, e a humildade fazia-lhe crer que o Filho se tinha apartado dela por causa de alguma negligência sua. Sirva-nos esta dor de conforto nas desolações espirituais; e ensine-nos o modo de buscarmos a Deus, se jamais para nossa desgraça viermos a perdê-lo por nossa culpa. Lembremo-nos, porém, de que quem quiser achar a Jesus, não o deve buscar entre os prazeres e delícias, mas no pranto, entre as cruzes e mortificações, assim como Maria o procurou.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Quem nascer cego, pouco sente a pena de ser privado de ver a luz do dia; mas quem noutro tempo teve a vista e gozou a luz, muita pena sente em se ver dela privado. E assim igualmente as almas infelizes que, cegas pelo lodo desta terra, pouco têm conhecido a Deus, pouco sentem a pena de o não acharem. Ao contrário, quem, iluminado pela luz celeste, foi feito digno de achar no amor a doce presença do supremo bem, ó Deus! que tristeza sente em ver-se dela privado.

    Vejamos portanto o muito que a Maria, acostumada a gozar continuamente a dulcíssima presença de seu Jesus, devia ser dolorosa a terceira espada que a feriu, quando, havendo-o perdido em Jerusalém, por três dias se viu dele separado. Alguns escritores opinam que esta dor não foi somente uma das maiores que teve Maria na sua vida, mas que foi em verdade a maior e mais acerba. E com razão, porque então ela não sofria em companhia de Jesus, como nas outras dores; e porque a sua humildade lhe fazia crer que Jesus se tinha afastado dela por alguma negligência no seu serviço. Por esta razão aqueles três dias lhe foram excessivamente longos e se lhe afiguraram séculos, cheios de amargura e de lágrimas.

    Num quem diligit anima mea vidistis? ― Vistes porventura àquele a quem ama a minha alma?104 É assim que a divina Mãe, como a Esposa dos Cantares, andava perguntando por toda a parte. E depois, cansada pela fadiga, mas sem o ter achado, oh, com quanto maior ternura não terá dito o que disse Ruben de seu irmão: Puer non comparet, et ego quo ibo? ― O menino não aparece, e eu para onde irei?105 O meu Jesus não aparece, e eu não sei que mais possa fazer para o achar; mas aonde irei sem o meu tesouro? Ah, meu filho dileto! cara luz de meus olhos: faze-me saber onde estás, a fim de que eu não ande mais errando e buscando-te em vão. Numa palavra, afirma Orígenes que pelo amor que esta Santa Mãe tinha a seu Filho, padeceu mais nesta perda de Jesus que qualquer outro mártir no tormento que o privou da vida.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Esta dor de Maria, em primeiro lugar, deve servir de conforto àquelas almas que estão desoladas e não gozam a doce presença de seu Senhor, gozada em outros tempos. Chorem, sim, mas chorem com paz, como chorou Maria a ausência de seu Filho. Não temam por isso de terem perdido a divina graça, animando-se com o que disse Deus mesmo a S. Teresa: “Ninguém se perde sem o conhecer; e ninguém fica enganado sem querer ser enganado”. Se o Senhor se ausenta dos olhos da alma que o ama, nem por isso se ausenta do coração. Esconde-se muitas vezes para ser por ela buscado com mais desejo e amor. Mas quem quer achar a Jesus, é preciso que o busque, não entre as delícias e os prazeres do mundo, mas entre as cruzes e mortificações, como o buscou Maria: Dolentes quaerebamus te ― Nós Te andávamos buscando cheios de aflição.

    Além disso, neste mundo não devemos buscar outro bem senão Jesus. Jó não foi, por certo, infeliz quando perdeu tudo o que possuía neste mundo, até descer a um monturo. Porque tinha consigo Deus, também então era feliz. Verdadeiramente infelizes e miseráveis são aquelas almas que perderam a Deus. Se, pois, Maria chorou a ausência do Filho, quanto mais deveriam chorar os pecadores que perderam a divina graça, e aos quais Deus diz: Vos non populus meus, et ego non ero vester ― Vós não sois meu povo, e eu não serei mais vosso.106

    Mas a maior desgraça para aquelas pobres almas, diz Santo Agostinho, é que, se perdem um boi, não deixam de procurá-lo; se perdem uma ovelha, não poupam diligência para achá-la; se perdem um jumento, não têm mais repouso; mas se perdem o sumo Bem, que é Deus, comem, bebem e ficam quietos. Ah, Maria, minha Mãe amabilíssima, se por minha desgraça eu também perdi a Jesus pelos meus pecados, rogo-vos, pelos méritos das vossas dores, fazei que eu depressa o vá buscar e o ache, para nunca mais tornar a perdê-lo em toda a eternidade.

    Meditamos sobre a perda do Menino Jesus no Templo ao contemplarmos os Mistérios Gozosos. Saiba tudo sobre eles!

    Dia 26: A multidão faminta e as almas do Purgatório

    Unde ememus panes ut manducent hi? – Onde compraremos pães para que estes comam? 107.

    A tenra compaixão que moveu o Senhor a multiplicar os pães para dar de comer à multidão que o seguia, deve mover-nos a socorrer as almas do Purgatório, que são muito mais numerosas e muito mais famintas de seu alimento espiritual, que é Deus. O meio principal de que devemos usar para lhes levar socorro é a Santíssima Eucaristia. Em sufrágio dessas almas, visitemos frequentemente a Jesus sacramentado; aproximemo-nos da mesa da comunhão, e, se não podemos mandar celebrar missas, ouçamos ao menos todas as que as nossas ocupações nos permitam ouvir.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Refere o Evangelho que, estando Jesus assentado sobre um monte, levantou os olhos, e viu ao redor de si uma multidão de quase cinco mil pessoas, que o seguiam, porque viam os milagres que fazia sobre os enfermos. Em seguida, sabendo que um moço tinha cinco pães de cevada e dois peixes, tomou-os em suas mãos, e, tendo dado graças, os mandou distribuir à multidão. Não somente houve o bastante para todos se fartarem, mas com os pedaços que sobejaram, os apóstolos encheram doze cestos. Eis aí o grande milagre que Jesus Cristo fez por compaixão de tantos pobres corporalmente.

    Ora, é justo, ou para dizer melhor, é necessário que tenhamos compaixão das almas de outra multidão muito mais numerosa e incomparavelmente mais faminta do seu alimento espiritual: devemos compadecer-nos das almas benditas do Purgatório. Pobres almas! São muitas as penas que padecem naquele cárcere de tormentos; porém, acima de tudo aflige-as a privação da dulcíssima presença de Deus, cuja beleza infinita já conhecem. Não há na linguagem humana palavras apropriadas para exprimir qual seja esta pena; mas ainda que possuíssemos as palavras adequadas, faltar-nos-ia a capacidade de compreendê-las, preocupados como estamos com as coisas terrestres.

    Mas a pena que a privação de Deus traz consigo é bem compreendida pelas pobres almas que a padecem. Por isso levantam a sua voz lamentosa e pedem-nos que lhes saciemos a fome inconcebível de contemplarem quanto antes o objeto de seu amor: Miseremini mei, saltem vos, amici mei, quia manus Domini tetigit me – Compadecei-vos de mim, ao menos vós, que sois meus amigos, porque a mão do Senhor me feriu.108

    Reze a Novena pelas almas do Purgatório.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    O milagre da multiplicação dos pães, assim como se conclui do Evangelho, foi feito para provar a presença verdadeira de Jesus na Eucaristia; e mesmo, segundo observavam os doutores, foi uma figura da mesa eucarística. Eis, pois, o meio eficacíssimo de que, à imitação do Redentor, devemos lançar mão para saciarmos a fome das almas benditas do purgatório. Visitemos muitas vezes o divino sacramento, comunguemos com frequência; sobretudo mandemos celebrar em alívio das almas o sacrifício incruento da Missa, ou ao menos ouçamos para sufragá-las todas as missas que pudermos. “Cada Missa que se celebra”, diz São Jerônimo, “faz sair várias almas do Purgatório”. E São Gregório acrescenta: “Quem assiste devotamente à Missa, alivia as almas dos fiéis defuntos e contribui para lhes serem perdoados completamente os pecados”.

    Pelo que uma pessoa muito devota às almas do purgatório, cada vez que ouvia tocar a entrada para uma Missa, afigurava-se ver as almas no meio das chamas e ouvir os seus gritos lastimosos e angustiados. “Então”, assim dizia, “por urgentes que sejam as minhas ocupações, não posso deixar de assistir ao divino sacrifício, nem tenho coragem de lhes dizer: Esperai, porque hoje falta-me o tempo para vos ajudar”. Façamos do mesmo modo, e fiquemos certos de que aquelas santas prisioneiras saberão mostrar-se agradecidas. Além disso, virá o tempo em que, estando nós também no Purgatório, nos medirão a nós com a medida que nós tivermos medido aos outros.109

    Ó dulcíssimo Jesus, pela compaixão que mostrastes para com as multidões famintas que vos acompanhavam, tende piedade das almas do purgatório. Volvei também para mim os vosso olhos piedosos, “e fazei, ó Deus todo-poderoso, que na aflição pelas minhas iniquidades, respire com a consolação de vossa graça”.23 Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

    Dia 27: Meios para alcançar o amor de Deus e a santidade

    Desideria occidunt pigrum (…) qui autem iustus est tribuet, et non cessabit – Os desejos matam o preguiçoso; porém, o que é justo dará e não cessará 110.

    Quem quiser ser santo não se deve contentar com o desejo, mas deve resolver-se a pôr depressa mãos à obra, porque o demônio não teme as almas irresolutas. Os meios para chegar a um fim tão sublime são particularmente dois: a oração, que faz o amor divino entrar no coração, e a mortificação, que dele remove a terra e o torna apto a receber o fogo divino. Ganhemos ânimo; comecemos desde já a empregar estes meios e nós também chegaremos a ser santos.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Quem mais ama a Deus é mais santo. Dizia São Francisco Borges que a oração faz entrar o amor divino no coração, ao passo que a mortificação dele remove a terra e fá-lo apto a receber aquele fogo sagrado. Quanto mais espaço a terra ocupa no coração, tanto menos lugar achará ali o santo amor: Sapientia (…) nec invenitur in terra suaviter viventium – A sabedoria (…) não se acha na terra dos que vivem em delícias.111 Por isso é que os santos sempre procuraram mortificar, o mais possível, o seu amor próprio e os seus sentidos. “Os santos são poucos, mas devemos viver com os poucos, se nos quisermos salvar com os poucos”, escreve São João Clímaco: Vive cum paucis, si vis regnare cum paucis. E São Bernardo diz: “Quem quer levar vida perfeita, deve levar vida singular: Perfectum non potest esse nisi singulare.”

    Para sermos santos, devemos, antes de mais nada, ter o desejo de nos tornarmos santos: desejo e resolução. Alguns sempre desejam, mas nunca começam a pôr mãos à obra. “De semelhantes almas irresolutas”, dizia Santa Teresa, “o demônio não tem medo. Ao contrário, Deus é amigo das almas generosas.”

    É, pois, um engano do demônio, no dizer da mesma seráfica santa, fazer-nos pensar que há orgulho em se querer tornar santo. Seria orgulho e presunção se metêssemos a nossa confiança em nossas obras ou resoluções; mas não se esperamos tudo de Deus, que então nos dará a força que nos falta. Desejemos, portanto, e ardentemente, chegar a um grau sublime de amor divino e digamos com coragem: Omnia possum in eo qui me confortat – Eu posso tudo naquele que me fortalece.112 Se não achamos em nós tão grande desejo, peçamo-lo instantemente a Jesus Cristo, que não deixará de no-lo dar.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Devemo-nos, portanto, alentar, tomar uma resolução e começar; lembrando-nos de que, na perfeição cristã, segundo a expressão de São Francisco de Sales, vale muito mais a prática do que a teoria. O que não podemos fazer com as nossas próprias forças, ser-nos-á possível com o auxílio de Deus, que prometeu dar-nos tudo o que lhe pedíssemos: Quodcumque volueritis, petetis, et fiet vobis.113

    Ó meu amado Redentor, Vós desejais o meu amor e me mandais que vos ame de todo o coração. Sim, Jesus meu, quero amar-vos de todo o meu coração. Não, meu Deus – assim vos direi, confiado em vossa misericórdia – não me assustam os pecados que cometi, porque agora detesto-os e abomino-os mais do que qualquer outro mal, e sei que vos esqueceis das ofensas da alma que se arrepende e vos ama. Porque vos ofendi mais do que os outros, quero, com o auxílio que de Vós espero, amar-vos mais do que os outros.

    Senhor meu, Vós me quereis santo, e eu quero tornar-me santo, não tanto para gozar no Paraíso, como para vos agradar. Amo-vos, bondade infinita! Jesus, meu Deus, amo-vos sobre todas as coisas, e me consagro todo a Vós, Vós sois o meu único bem, o meu único amor. Aceitai-me, ó meu amor, e fazei-me todo vosso, e não permitais que ainda vos dê desgosto. Fazei com que eu me consuma todo por Vós, assim como Vós vos consumistes todo por mim. Ó Maria, ó esposa mais amável do Espírito Santo, e a mais amada, obtende-me amor e fidelidade. Alcançai-me somente, ó minha Mãe, que eu seja sempre vosso devoto servo; porquanto quem se distingue na devoção para convosco, distingue-se também no amor a vosso divino Filho.

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    Dia 28: Da nobreza da alma

    Fili, in mansuetudine serva animam tuam, et da illi honorem secundum meritum suum – Filho, guarda a tua alma na mansidão, e dá-lhe honra segundo o seu merecimento 114.

    A nossa alma é, sem dúvida, mais preciosa do que todos os bens do mundo, não só pela sua nobre origem, senão também, e muito mais, pelo preço do seu resgate e pela sublimidade do seu destino. Por isso o demônio estima-a tão alto, que para se apoderar dela não descansa. Ora dize-me: se o Inimigo vela sempre para perder a nossa alma, como podemos nós ficar dormindo o sono da tibieza?

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Devemos considerar bem que o negócio da nossa eterna salvação é um negócio das mais graves consequências, porque se trata da alma, e, tendo-se perdido esta, tudo está perdido. A alma, diz São João Crisóstomo, deve ser tida por nós como mais preciosa que todos os bens do mundo. E, para compreender esta verdade acrescenta São Eleutério, se não nos basta saber que Deus a criou à sua imagem e semelhança, seja-nos ao menos suficiente saber que Jesus Cristo pagou um preço de valor infinito para remir a alma da escravidão do demônio: “Si non credis Creatori, interroga Redemptorem: Se não acreditas no Criador, interroga ao Redentor”.

    Assim é: para salvar nossas almas, o próprio Deus sacrificou seu Filho à morte; e o Verbo Eterno não duvidou resgatá-las a troco de seu sangue. Empti enim estis pretio magno – Fostes comprados por alto preço.115 Pelo que um Santo Padre, considerando o preço do resgate humano, chega a dizer: “Parece que o homem vale tanto como Deus”. Tinha muita razão São Filipe Néri de tratar de loucos aqueles sábios que não trabalham pela salvação da alma. Se tem tamanho valor a nossa alma, que bens do mundo poderemos dar em troca, se viermos a perdê-la? Quam dabit homo commutationem pro anima sua? – Que dará o homem em troca da sua alma?116

    Se houvesse na terra homens mortais e outros imortais, e se os mortais vissem os imortais preocupados com as coisas do mundo, procurando granjear honras, bens e prazeres mundanos, dir-lhes-iam sem dúvida: Quanto sois insensatos! Podeis adquirir bens eternos e pensais nessas coisas miseráveis e passageiras? E é por elas que vos condenais a penas eternas na outra vida? Deixai esses bens terrestres para aqueles que, como nós, tudo veem acabar com a morte. Mas não! Todos somos imortais. Como é então que tantas pessoas perdem a alma em troca das miseráveis satisfações deste mundo?

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Devemos de hoje em diante empregar toda a diligência na salvação da nossa alma, e por isso devemos fugir das ocasiões perigosas, resistir às tentações e frequentar os sacramentos. Vede, diz Santo Agostinho; o demônio estima tanto uma alma, que para se apoderar dela, não dorme, mas anda continuamente ao redor de nós buscando perdê-la. Ora, se o inimigo vela sempre para a nossa perdição, havemos de ficar dormindo o sono da tibieza? Vigilat hostis, dormis tu?

    Ah, meu Deus! de que serviram os longos anos que me haveis dado para adquirir a salvação eterna? Vós, ó Redentor meu, resgatastes a minha alma à custa do vosso sangue e me destes para trabalhar pela sua salvação, e eu não trabalhei senão para perdê-la, ofendendo-vos a Vós, que tanto me haveis amado. Agradeço-vos o tempo que ainda me concedeis para reparar tão grande perda. Perdi a alma e a vossa amável graça!

    Senhor, arrependo-me e sinto-o de todo o coração. Ah, perdoai-me, pois que doravante estou resolvido a perder todos os bens, incluindo a vida, antes que perder a vossa amizade. Amo-vos sobre todas as coisas e tenho a firme vontade de vos amar sempre, ó Bem supremo, digno de todo o amor. Ajudai-me, ó meu Jesus, a fim de que esta resolução não seja semelhante às outras que formei no passado e que foram outras tantas infidelidades. Deixai-me antes morrer do que tornar a ofender-vos e deixar de vos amar. Ó Maria, esperança minha, salvai-me, obtendo-me a santa perseverança.

    Dia 29: Sentença dos escolhidos e dos réprobos no Juízo Universal

    Venite, benedicti Patris mei, possidete paratum vobis regnum (…). Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum – Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado (…). Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno 117.

    No Juízo Final, a fim de que os réprobos sintam mais a grandeza do bem que perderam, será primeiro pronunciada a sentença dos escolhidos. E enquanto estes entrarem triunfantes no Paraíso, o divino Juiz se voltará para os réprobos, e amaldiçoando-os, condená-los-á a se afastarem dele para queimarem no fogo eterno. Meu irmão, com a vida que vais levando, qual das duas sentenças julgas que naquele dia será a tua?

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    São Bernardo diz que no Juízo Universal Jesus pronunciará primeiramente a sentença dos justos, chamando-os à glória do Paraíso, a fim de que os réprobos sintam maior pena à vista do que perderam. Jesus Cristo, pois, voltar-se-á para os escolhidos, e com o semblante cheio de benevolência lhes dirá: Venite, benedicti Patris mei – Vinde, benditos de meu Pai. São Francisco de Assis, sabendo por uma revelação que era predestinado à glória, não podia conter a alegria. Qual não será então a alegria dos que ouvirem estas palavras do Juiz: “Vinde, filhos benditos, entrai no reino que vos espera; não tendes mais nada a sofrer, nada mais a recear; estais salvos, e salvos por toda a eternidade. Abençoo o sangue que por vós derramei, e abençoo as lágrimas que vós derramastes sobre os vossos pecados. Vamos ao Paraíso onde juntos permaneceremos eternamente”. A Santíssima Virgem abençoará também os seus dedicados servos e os convidará a acompanhá-la à celeste morada; e assim cantando aleluia! aleluia! os escolhidos entrarão triunfantes no Paraíso, para possuírem, louvarem e amarem eternamente a Deus.

    Ao contrário, os réprobos voltados para Jesus Cristo dir-lhe-ão: Que será feito de nós, desgraçados? – Vós, assim dirá o Juiz Eterno, já que haveis recusado e desprezado a minha graça: Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum – Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno. Discedite, apartai-vos, nunca mais vos quero ver nem ouvir. Maledicti, ide, malditos, ide, já que haveis desprezado a minha bênção. “Mas para onde, Senhor, para onde devem ir estes desgraçados?” In ignem, para o Inferno, onde devem arder em corpo e alma. “Mas, por quantos anos ou por quantos séculos?” O que? anos? séculos? In ignem aeternum, por toda a eternidade, enquanto Deus for Deus.

    Ó pecado maldito, a que triste destino levarás um dia tantas pobres almas, remidas pelo sangue de Jesus Cristo! Ó almas desgraçadas, às quais está reservado um destino tão lastimável. Dize-me, meu irmão, qual das duas sentenças julgas que será a tua naquele dia. Queres ser um dia abençoado com os escolhidos à tua direita! Deixa então o caminho que te leva a ser maldito com os réprobos à esquerda.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Depois da sentença, os réprobos, segundo Santo Efrém, despedir-se-ão dos anjos, dos santos, dos parentes e da divina Mãe. E neste instante um vasto abismo se abrirá no meio do vale, e nele cairão juntamente os demônios e os condenados, que sobre si ouvirão fechar essas portas, que, durante toda a eternidade, nunca e nunca se hão de abrir.

    Ah, meu Deus e meu Salvador, qual será a sentença que me tocará no último dia? Se neste momento, meu Jesus, me pedísseis contas da minha vida, que outra coisa poderia responder-vos, senão que mereço mil vezes o Inferno? Sim, meu amado Redentor, é verdade que mereço mil vezes o Inferno; mas sabei que vos amo e que vos amo mais que a mim mesmo. Quanto às ofensas que vos fiz, estou possuído de tal dor, que antes quisera ter sofrido todos os males que ter-vos desagradado. Ó Jesus meu, condenais os pecadores obstinados, mas não os que se arrependem e vos querem amar. Aqui me tendes aos vossos pés com o coração contrito; deixai-me ouvir uma palavra de perdão.

    Já mo declarastes pela boca do profeta: Convertimini ad me, et convertar ad vos – Convertei-vos a mim, e Eu me converterei a vós.118 Tudo abandono, renuncio a todos os gozos, a todos os bens do mundo; converto-me e ligo-me a Vós, Redentor meu amabilíssimo. Ah! recebei-me em vosso Coração e ali abrasai-me com o vosso santo amor; inflamai-me de tal modo que nunca mais pense em separar-me de Vós. Jesus meu, salvai-me, e que a minha salvação consista em amar-vos sempre, e louvar para sempre as vossas misericórdias: Misericordias Domini in aeternum cantabo – Eternamente cantarei as misericórdias do Senhor.119 Maria, minha esperança, meu refúgio e minha Mãe, ajudai-me e alcançai-me a santa perseverança. Ainda não se perdeu ninguém que recorresse a vós; a vós me recomendo, tende piedade de mim.

    Dia 30: União da alma com Jesus na santa comunhão

    Qui manducat meam carnem et bibit meum sanguinem, in me manet et ego in illo – Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue fica em mim e Eu nele 120.

    Jesus tinha-se dado aos homens como mestre, como modelo e como vítima; restava-lhe somente que se desse como alimento, a fim de fazer-se uma coisa conosco. É o que fez instituindo a Santa Eucaristia. Ó dignação de um Deus para com os homens! Mas como é que há tantos homens que não o amam e lhe respondem com ingratidão! Se no passado nós também temos sido do número desses ingratos, esforcemo-nos para amá-lo tanto mais para o futuro.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Diz São Diniz, o Areopagita, que o efeito principal do amor é procurar a união com o objeto amado. Exatamente para se unir com as nossas almas foi que Jesus Cristo instituiu a santa comunhão. Tendo-se dado a nós como Mestre, como modelo e como vítima só lhe restava dar-se a nós como nosso sustento, para fazer-se um só conosco, assim como o sustento se identifica com aquele que o toma. Foi o que fez instituindo este sacramento de amor.

    Jesus Cristo não pode contentar-se com unir-se à nossa natureza humana; com este sacramento quis ainda achar o modo de unir-se a cada um de nós e de ser todo de quem o recebe. A este respeito escreveu São Francisco de Sales: “Em nenhuma outra ação pode o Salvador ser considerado nem mais terno nem mais amoroso do que nesta, na qual se aniquila, por assim dizer, e se reduz a manjar, a fim de entrar em nossas almas, e unir-se aos corações dos seus fiéis”.

    Numa palavra, porque Jesus nos ama ardentemente, quer unir-se conosco pela Eucaristia, a fim de que nos tornemos uma coisa com Ele, e o seu Coração seja um só coração com o nosso. “Voluisti, ut tecum unum cor haberemus”, diz São Lourenço Justiniani: “Quisestes que tivéssemos um só coração convosco”. E primeiro já o dera a entender o próprio Jesus: Qui manducat meam carnem, in me manet et ego in illo – Quem come a minha carne permanece em mim e Eu nele. Assim, na comunhão Jesus une-se com a alma e a alma com Jesus, e esta união não é de mero afeto, mas verdadeira e real. “Como dois pedaços de cera derretidos se misturam”, diz São Cirilo de Alexandria, “assim o que comunga se torna uma coisa com Jesus Cristo”. Ó condescendência infinita de um Deus para com os homens! Mas como é então possível que estes não o amem e lhe respondam com ingratidão?

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Para nos mantermos sempre em união com Jesus Cristo, aproximemo-nos frequentemente e com as devidas disposições da mesa eucarística; e se és diretor de almas, exorta as tuas dirigidas à comunhão frequente. Costumava o Bem-aventurado João de Ávila dizer que os que censuram as pessoas que frequentam a comunhão fazem o papel do demônio, que tem grande ódio a este sacramento, porque dele as almas recebem o fervor para progredirem na perfeição. Quando comungamos, afiguremo-nos que Jesus Cristo nos diz o que um dia disse à sua querida serva Margarida de Ypres: “Vê, minha filha, a bela união entre nós; pois, ama-me, fiquemos sempre unidos no amor e nunca mais nos separemos”.

    Ah, meu Jesus! eis o que vos peço e quero sempre pedir-vos na santa comunhão: Unidos fiquemos sempre, e jamais nos separemos. Sei que não vos separareis de mim, se não for eu o primeiro a me separar de Vós. Ai! todo o meu medo é que no futuro venha eu a separar-me de Vós pelo pecado, como fiz outrora. Por piedade, não o permitais, ó meu amadíssimo Redentor: Ne permittas me separari a te. Até a morte, estarei sempre exposto a este perigo; ah! conjuro-vos, pelos merecimentos de vossa Paixão, deixai-me antes morrer do que cair nesta desgraça. Repito-o e vos peço a graça de repeti-lo sempre: Não permitais que me separe de Vós! Não permitais que me separe de Vós!

    Ó Deus de minha alma, amo-vos, amo-vos; quero amar-vos sempre, e não amar senão a Vós. Protesto à face do Céu e da Terra, só a Vós quero e nada mais. Jesus meu, escutai-me, eu o repito: só a Vós quero e nada mais. Ó Mãe de misericórdia, Maria, intercedei neste momento por mim; obtende-me a graça de não me separar mais de Jesus, e não amar mais senão a Jesus.

    Dia 31: Comemoração do Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo

    Redemisti nos, Domine, in sanguine tuo (…) et fecisti nos Deo nostro regnum – Remiste-nos, Senhor, em teu sangue, e fizeste-nos reino para Deus 121.

    O Senhor não se contentou com pagar pela sua morte a pena a nós devida e anular com o seu sangue a sentença da nossa condenação eterna; quis ainda, no sacramento da penitência, preparar-nos um banho salutar de seu sangue, no qual pudéssemos, à vontade, lavar-nos das manchas do pecado. E nós não o amaremos de todo o coração? Tomemos o belo hábito de oferecer frequentemente este Preciosíssimo Sangue ao eterno Pai, para obtermos todas as graças de que precisamos.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    O nosso amantíssimo Redentor não veio ao mundo para outro fim, senão para salvar os pecadores. Por isso não se contentou com pagar pela sua morte a pena a nós devida e anular com o seu sangue a sentença da nossa eterna condenação;122 mas com o mesmo sangue quis ainda preparar-nos um banho salutar para nos limparmos das manchas dos nossos pecados: Dilexit nos, et lavit nos in sanguine suo – Ele nos amou e lavou em seu sangue.123 E isso não somente uma vez, senão quantas quisermos; porquanto, prevendo que, depois do batismo, tornaríamos a manchar-nos pelo pecado, estabeleceu, por meio do sacramento da penitência, que aquele banho durasse até à consumação dos séculos.

    Pelo que o Apóstolo nos anima dizendo: Accessistis (…) ad mediatorem Iesum, et sanguinis aspersionem, melius loquentem quam Abel – Chegastes (…) ao mediador Jesus, e à aspersão do sangue, que fala melhor que o de Abel.124 Meus irmãos, assim parece dizer-nos, por mais pecadores que sejais, não percais a coragem; pois tendes de tratar, não com um mediador qualquer, mas com Jesus Cristo. Se o sangue dos bodes e dos touros sacrificados tirava aos hebreus as manchas corporais exteriores, a fim de que pudessem ser admitidos aos ministérios sagrados; quanto mais o sangue de Jesus Cristo, que por amor se ofereceu a pagar por nós, tirará das nossas almas os pecados para podermos servir ao nosso Deus?125

    Ah! quanto melhor, conclui São Paulo, o sangue do Redentor implora por nós a divina misericórdia, do que o sangue de Abel bradava por vingança contra Caim! É o que o Senhor mesmo disse também a Santa Maria Madalena de Pazzi: “A minha justiça converteu-se em clemência pela vingança tomada no corpo inocente de Jesus Cristo. O sangue deste meu Filho não pede vingança, como o sangue de Abel, mas somente misericórdia e piedade, e à tal voz a minha justiça fica necessariamente aplacada. Este sangue liga-me, por assim dizer, as mãos, de modo que não posso mais movê-las para tomar vingança dos pecados, como antes tomavam.”

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Como fruto da presente meditação nutramos uma terna devoção ao sangue divino. Cada vez que meditares na Paixão de Jesus Cristo, chega-te a Ele em espírito e pede-lhe que te purpureie todo com o seu Preciosíssimo Sangue. No tribunal da penitência, afigura-te ver no confessor a própria pessoa do Redentor, que na absolvição derrama sobre ti o seu sangue; e quando fores comungar, imagina que chegas teus lábios ao lado sagrado de Jesus. Sobretudo habitua-te a oferecer muitas vezes ao eterno Pai o Preciosíssimo Sangue de Jesus Cristo, em satisfação pelos teus pecados, pelas necessidades da Santa Igreja, pela conversão dos pecadores e em sufrágio das almas do Purgatório.

    “Ó Sangue preciosíssimo de vida eterna, mercê e resgate de todo o universo, bebida e lavacro de nossas almas, que defendeis continuamente a causa dos homens junto ao trono da suprema misericórdia, adoro-vos profundamente, e quisera, quanto me é possível, desagravar-vos de todas as injúrias e desprezos que continuais a receber da parte dos homens, e particularmente daqueles que temerariamente se atrevem a blasfemar contra vós. Quem não bendirá esse Sangue de infinito valor? Quem não se sentirá abrasado de amor a Jesus, que o derramou? Que seria de mim, se não fôra remido por esse Sangue divino? Quem vos fez correr até a última gota das veias de meu Senhor? Ah! Foi certamente o amor. Ó amor imenso que nos deu este bálsamo tão salutar! Ó bálsamo inestimável, brotado da fonte de um amor imenso! Fazei, ah! fazei que todos os corações, todas as línguas vos louvem, exaltem e agradeçam agora e sempre, até ao dia da eternidade.”

    “E Vós, eterno Pai, que destinastes para Redentor do mundo vosso Filho unigênito e quisestes ser aplacado pelo seu sangue: suplico-vos, concedei-me que, enquanto estiver aqui na terra, eu venere solenemente esse preço de nossa salvação, e seja por ele de tal modo livrado de todos os males da vida presente, que mereça gozar eternamente os seus frutos no Céu.”126 Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e de Maria Santíssima.

    Conheça e reze a belíssima Ladainha do Preciosíssimo Sangue de Jesus.

    Dia 32: Dor de Maria Santíssima em consentir na morte de Jesus

    Proprio Filio suo non pepercit, sed pro nobis omnibus tradidit illum – Não poupou a seu próprio Filho, mas entregou-o por nós todos 127.

    Embora Maria Santíssima já tivesse consentido na morte de Jesus Cristo desde que aceitou a maternidade divina, quis todavia o Pai Eterno que ela renovasse o consentimento no tempo da Paixão, a fim de que, juntamente com a vida do Filho, fosse também sacrificado o coração da Mãe. Pelos merecimentos deste consentimento tão espontâneo como doloroso, a Santíssima Virgem foi feita reparadora do gênero humano, e credora de toda a nossa gratidão. Quantos, porém, lhe pagam com a ingratidão mais monstruosa, renovando pelo pecado a Paixão do Filho e as dores da Mãe!

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Ensina Santo Tomás que, conferindo a qualidade de mãe direitos especiais sobre os filhos, parece conveniente que Jesus, inocente e sem culpa própria merecedora de suplício, não fosse destinado à morte de cruz sem que a Santíssima Virgem consentisse e o oferecesse espontaneamente a morrer. Verdade é que Maria já dera o seu consentimento quando foi escolhida para Mãe do Redentor. Quis, porém, o eterno Pai que ela o renovasse no tempo da Paixão, a fim de que, juntamente com o sacrifício da vida do Filho, fosse também sacrificado o coração da Mãe.

    A Bem-Aventurada Virgem, ao pensar no Filho amado, que em breve ia perder, tinha os olhos sempre arrasados de lágrimas, e, como ela mesma revelou à Santa Brígida, um suor frio corria-lhe pelo corpo, por causa do temor do doloroso espetáculo que se avizinhava. Eis que, chegando finalmente o dia destinado, veio Jesus e chorando se despediu da Mãe, para ir morrer. Diz Cornélio a Lápide que, para compreendermos a dor que Maria então sentiu, seria mister que compreendêssemos o amor que tal Mãe tinha a tal Filho. Como, porém, poderemos fazer ideia disso?

    Ah! Os títulos unidos de serva e mãe, de filho e Deus acenderam no coração da Virgem um incêndio composto de mil incêndios, de tal modo que São Guilherme de Paris chega a dizer que Maria amou a Jesus Cristo tanto que uma pura criatura não seria quase capaz de amá-lo mais: Quantum capere potuit hominis modus. No tempo da Paixão, todo este incêndio de amor se converteu num mar de dor. Pelo que São Bernardino disse: “Todos os sofrimentos do mundo, se fossem ajuntados, não poderiam igualar à dor de Maria”. Pobre Mãe! E nós não nos compadeceremos dela?

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Dizem os Santos Padres que a Bem-Aventurada Virgem, pelos merecimentos que adquiriu oferecendo a Deus o grande sacrifício da vida de seu Filho, deve com razão ser chamada reparadora do gênero humano, restauradora das nossas misérias, Mãe de todos os fiéis cristãos, nova Eva que nos gerou para a vida, dissemelhante da outra Eva que foi a causa primeira da nossa perdição. Por isso o Bem-Aventurado Alberto Magno afirma que, assim como somos obrigados a Jesus Cristo pela Paixão a que se submeteu por nosso amor, somos obrigados igualmente a Maria pelo martírio que na ocasião da morte do Filho quis sofrer espontaneamente pela nossa salvação.

    Infelizmente, porém, quantos cristãos, em vez de se mostrarem agradecidos, pagam à nossa boa Mãe com a mais monstruosa ingratidão! Disto exatamente se queixou a mesma Santíssima Virgem com a Bem-Aventurada Colleta, franciscana. Aparecendo-lhe um dia e mostrando-lhe Jesus Cristo, todo desfigurado pelas chagas: “Filha”, disse-lhe, “eis aí como os pecadores tratam continuamente a meu Filho, renovando-lhe a morte e a mim as dores”.

    Ó minha bendita Mãe! é assim que os homens respondem ao amor que lhes mostrastes, consentindo em que vosso Jesus morresse pela nossa salvação. Ingratos como são, nem depois de o haverem crucificado deixam de persegui-lo com os seus pecados, e assim continuam também a afligir-vos, ó grande Rainha dos Mártires. Eu também fui um daqueles infelizes. Ah! minha Mãe dulcíssima, alcançai-me lágrimas para chorar tamanha ingratidão. Pela dor que sentistes, quando vosso Filho se despediu de vós para ir de encontro à morte, obtende-me a graça de contemplar sempre com fruto os mistérios dolorosos da sua Paixão, especialmente nestes dias em que a Igreja faz dela recordação especial. Esta graça eu vo-la peço pelo amor do mesmo Jesus Cristo; de vós a espero.

    Leia mais: A Anunciação do Senhor e seus três sins.

    Dia 33: Grande fruto que se tira da meditação da Paixão de Jesus Cristo

    Abraham, pater vester, exultavit, ut videret diem meum: vidit et gavisus est – Abraão, vosso pai, desejou ansiosamente ver o meu dia: ele o viu e exultou de gozo 128.

    Não é sem razão que Abraão e com ele os demais justos do Antigo Testamento desejavam tão ansiosamente ver o dia do Senhor. Sim, porque depois da vinda de Jesus Cristo, é impossível que uma alma crente que medita nas dores e ignomínias que Ele sofreu por nosso amor não se abrase em amor e não se resolva firmemente a tornar-se santa. Se, pois, queremos progredir no caminho de perfeição, meditemos a miúdo, e especialmente nestes dias, na Paixão do Redentor, e meditando afiguremo-nos que presenciamos os mistérios dolorosos.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Não é sem razão que o patriarca Abraão desejou ansiosamente ver o dia do Senhor; e que, tendo tido a ventura de vê-lo por uma revelação divina, ainda que em espírito somente, se alegrou em seu coração, como atesta o Evangelho de hoje. Sim, porque o tempo que se seguiu à vinda de Jesus Cristo já não é mais tempo de temor, mas tempo de amor: Tempus tuum, tempus amantium.129

    Na antiga Lei, antes da Encarnação do Verbo, podia o homem, por assim dizer, duvidar se Deus o amava. Depois de o havermos visto, porém, morrendo por nós, exangue e vilipendiado sobre um patíbulo infame, já não podemos duvidar que Ele nos ame com toda a ternura. Quem poderá jamais compreender que excesso de amor levou o Filho de Deus a pagar a pena dos nossos pecados? E, todavia, isso é um ponto de fé: Dilexit nos, et lavit nos in sanguine suo – Ele nos amou, lavou-nos em seu sangue.130 Ó misericórdia infinita! Ó amor infinito de Deus!

    Mas porque é que tantos cristãos olham com indiferença para Jesus Cristo crucificado? Que na Semana Santa assistem à comemoração da morte de Jesus, mas sem algum sentimento de ternura e gratidão, como se não se comemorasse um fato verdadeiro, ou não lhes dissesse respeito?

    Não sabem, ou não creem, porventura, o que os Santos Evangelhos dizem acerca da Paixão de Jesus Cristo? Com certeza o creem, mas não refletem. Entretanto, é impossível que uma alma crente, que medita nas dores e ignomínias que Jesus Cristo padeceu por nosso amor, não se abrase de amor para com Ele e não tome uma forte resolução de tornar-se santa, a fim de não se mostrar ingrata para com um Deus tão amante. Caritas Christi urget nos – A caridade de Cristo nos constrange.131

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Meu irmão, se queres sempre crescer em amor para com Deus e progredir na perfeição, medita a miúdo na Paixão de Jesus Cristo, conforme o conselho que te dá São Boaventura: Quotidie mediteris Domini passionem. Especialmente nestes dias, que procedem a comemoração da sua morte dolorosíssima, guiado pelos Santos Evangelhos, contempla com olhos cristãos tudo que o Salvador sofreu nos principais teatros de seu padecimento; isto é, no horto das oliveiras, na cidade de Jerusalém e no monte Calvário.

    Para que tires desta meditação o fruto mais abundante possível, representa-te os sofrimentos de Jesus Cristo tão vivamente que te pareça veres diante dos olhos o Redentor tão maltratado, e sentires em ti mesmo as chagas que nele abriram as pontas dos espinhos e dos cravos, a amargura do vinagre e fel, o pejo das ignomínias e dos desprezos: Hoc enim sentite in vobis, quod et in Christo Iesu – Senti em vós o que Jesus Cristo sentiu.132 Ao passo que assim meditas, repete muitas vezes com o Apóstolo: Tudo isso o Senhor tem feito e padecido por mim, para me mostrar o seu amor e ganhar o meu: Dilexit me, et tradidit semetipsum pro me – Ele me amou e se entregou por mim.133 E não o amarei?

    Sim, amo-vos; Jesus, meu Deus, amo-vos sobre todas as coisas; e porque vos amo, pesa-me de vos haver ofendido, e proponho antes morrer do que vos tornar a ofender. “Vos, ó Senhor onipotente, lançai sobre mim um olhar benigno, para que por vossa proteção seja regido no corpo e defendido na alma.”134 Doce Coração de Maria, sede minha salvação.

    Dia 34: Conselho dos judeus e traição de Judas

    Expedit vobis, ut unus moriatur homo pro populo, et non tota gens pereat – Convém que morra um homem pelo povo e que não pereça toda a nação 135.

    Tendo os iníquos pontífices decretado a morte de Jesus Cristo, tiveram grande satisfação ao ver que Judas, um dos discípulos, se oferecia a traí-lo e entregar-lho nas mãos. O Senhor conhece perfeitamente a felonia de Judas e todavia não deixa de tratá-lo como amigo na mesma forma que dantes; olha-o com benevolência, não recusa a sua companhia e chega a prostrar-se-lhe aos pés para os lavar. Ó inefável benignidade! Que belo exemplo para nós, se o quisermos aproveitar!

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    No mesmo tempo em que Jesus andava derramando graças e fazendo milagres para benefício de todos, reúnem-se os primeiros personagens da cidade de Jerusalém a fim de tramarem a morte do autor da vida. Refere São João que se ajuntaram os pontífices e os fariseus em conselho e diziam: Que fazemos nós? Este homem faz muitos milagres; se o deixamos assim livre, todos crerão nele. Mas um deles, por nome Caifás, respondeu que lhes convinha que um homem morresse pelo povo, e não perecesse a nação toda. E desde aquele dia, diz o mesmo São João, pensavam em como haviam de o fazer morrer. Ah, Judeus! Não temais; vosso Redentor não fugirá, porquanto veio à terra exatamente para morrer, e pela sua morte livrar-vos a vós e a todos os homens da morte eterna.

    Entretanto Judas apresenta-se aos pontífices e diz: Quid vultir mihi dare, et ego vobis eum tradam? – Que me quereis dar, e eu vo-lo entregarei?136 Oh! que alegria deviam sentir os Judeus, pelo ódio que devotavam a Jesus Cristo, ao verem que um dos seus discípulos o queria trair e entregar-lho nas mãos! Consideremos nisso o júbilo que, por assim dizer, reina no Inferno, quando uma alma, depois de servir a Jesus Cristo por muitos anos, vem a traí-lo por qualquer miserável bem ou vil satisfação.

    Mas, ó Judas, já que estás resolvido a vender o teu Deus, exige pelo menos o preço que Ele vale. É um bem infinito, merecedor portanto de um preço infinito. Porque, pois, concluis o negócio por trinta dinheiros? At illi constituerunt ei triginta argenteos – E eles prometeram-lhe trinta dinheiros de prata.137 – Minha alma, deixa Judas, e fixa em ti mesma os teus pensamentos. Dize-me, por que preço vendeste tu mesma tantas vezes a graça divina ao demônio?

    Ah, meu Jesus, quantas vezes vos virei as costas, e a Vós preferi um capricho, um empenho, um prazer passageiro e vil! Sabia que, pecando, perdia a vossa amizade e voluntariamente a troquei por um nada. Tivesse morrido antes de fazer-vos tão grande ultraje! Ó meu Jesus, arrependo-me de todo o coração e quisera morrer de dor.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Contemplemos agora a benignidade de Jesus Cristo, que, sabedor do ajuste feito por Judas, contudo, vendo-o, não o repele de si, nem o olha com maus olhos; admite-o em sua companhia, e ainda à sua mesa; repreende-o pela sua traição com o único intuito de chamá-lo à resipiscência; e vendo-o obstinado, chega a prostrar-se diante dele e a lavar-lhe os pés para desta arte o enternecer.

    Ah, meu Jesus, é assim também que fizestes comigo. Eu vos desprezei e traí, e não me repelis; não deixais de olhar-me com amor, e me admitis à vossa mesa da santa comunhão. Meu amado Salvador, nada mais podeis fazer para me obrigar a vos amar. E eu terei ânimo de continuar a ofender-vos e pagar-vos com a minha ingratidão? Não, meu Deus, não quero mais abusar da vossa misericórdia. Agradeço-vos a luz com que me iluminais e prometo que mudarei de vida. Vejo que já não me podeis suportar mais tempo. Por que, pois, esperarei até que Vós mesmo me mandeis ao Inferno, ou me abandoneis em minha vida de perdição, castigo este maior do que a própria morte?

    Meu Jesus, eis que me prostro aos vossos pés. Peço-vos perdão das ofensas a que vos fiz e rogo-vos que me recebais em vossa graça. Quem me dera poder recomeçar os anos passados; quisera empregá-los unicamente em vosso serviço, ó Senhor meu. Os anos, porém, não voltam mais; por piedade, fazei ao menos que empregue o que me resta de vida unicamente em amar-vos e fazer que outros também vos amem. Ó grande Mãe de Deus e minha Mãe Maria, socorrei-me com a vossa intercessão, pedi a Jesus que me faça todo seu. Peço-vos esta graça pela parte que tomastes na Paixão de vosso divino Filho.

    Conheça a história de Judas Iscariotes, o apóstolo que traiu Jesus.

    Dia 35: Última ceia de Jesus Cristo com os seus discípulos

    Vespere autem facto, discumbebat (Iesus) cum discipulis suis – Chegada, pois, a tarde, pôs-se (Jesus) à mesa com os seus discípulos 138.

    Imaginemos ver Jesus Cristo que, sentado à mesa com os discípulos, come o cordeiro pascal, figura do sacrifício dele mesmo, que no dia seguinte seria oferecido sobre o altar da Cruz. Imaginemos vê-lo também no momento de prostrar-se diante dos Apóstolos e de Judas para lhes lavar os pés. Vendo um Deus que se humilha a tal ponto por nosso amor, ficaremos sempre tão orgulhosos que não sabemos suportar uma palavra de desprezo, a mais leve falta de atenção?

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Sabendo Jesus que era chegada a hora de sua morte, em que devia partir deste mundo, como até então tinha amado os homens com amor excessivo, quis naquela hora dar-lhes as últimas e maiores demonstrações de seu amor. Vede-o, como sentado à mesa e todo inflamado de amor, se volta para os seus discípulos e lhes diz: Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum – Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa.139 Discípulos meus (e o mesmo disse Jesus então a todos nós), sabei que em toda a minha vida não tive outro desejo senão o de celebrar convosco esta última ceia; porquanto logo em seguida irei sacrificar-me pela vossa salvação.

    Portanto, ó meu Jesus, tendes tão vivo desejo de dar a vida por nós, as vossas miseráveis criaturas? Ah! esse vosso desejo, como não deve excitar em nossos corações o desejo de padecer e morrer por vosso amor, visto que por nosso amor desejais tão ansiosamente padecer e morrer! Ó amado Redentor, fazei-nos saber o que quereis de nós; queremos agradar-vos em tudo. Queremos dar-vos gosto para respondermos ao menos um pouco ao grande amor que nos tendes.

    Entretanto é posto na mesa o cordeiro pascal, figura de nosso Salvador mesmo. Assim como aquele cordeiro foi consumido na Última Ceia, assim o mundo veria no dia seguinte o divino Cordeiro, Jesus Cristo, consumido de dores sobre o altar da Cruz.

    Itaque cum recubuisset ille (Ioannes) supra pectus Iesu – Tendo-se ele (João) reclinado sobre o peito de Jesus.140 Ó feliz de vós, João, discípulo predileto, que reclinando a cabeça sobre o peito de Jesus compreendestes a ternura do Coração do nosso amante Redentor para com as almas que o amam! Ah! meu dulcíssimo Senhor, que repetidas vezes me favorecestes com tão grande graça! Sim; pois que eu também compreendi a ternura do vosso afeto para comigo cada vez que me consolastes com luzes celestes e doçuras espirituais. Mas, não obstante isso, vos fui infiel! Suplico-vos que não me deixeis mais viver tão ingrato para com a vossa bondade! Quero ser todo vosso: aceitai-me e socorrei-me.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Deinde mittit (Iesus) aquam in pelvim, et coepit lavare pedes discipulorum – Depois (Jesus) deita água numa bacia e começa a lavar os pés dos discípulos.141 Minha alma, contempla a teu Jesus que se levanta da mesa, depõe suas vestiduras e, tomando uma toalha branca, se cinge. Em seguida deitando água numa bacia, de joelhos diante de seus discípulos, começa a lavar-lhes os pés. Eis, pois, que o Rei do mundo, o Unigênito de Deus, se humilha até lavar os pés a suas criaturas! Ó anjos, que dizeis a isso? Já teria sido um grande favor se Jesus Cristo lhes houvera permitido lavarem-lhe com lágrimas os pés divinos, assim como permitiu à Maria Madalena. Jesus, porém, quis prostrar-se aos pés dos seus servos, a fim de nos deixar no fim da sua vida este grande exemplo de humildade, e mais esta grande prova do amor que tem aos homens.

    E nós, ó Senhor, seremos sempre tão orgulhosos que não sofremos uma palavra de desprezo, uma pequena falta de atenção, sem que logo fiquemos ressentidos, e nos venha o pensamento de vingança? Todavia, pelos nossos pecados temos merecido sermos calcados aos pés dos demônios no Inferno. Ah, meu Jesus, reconheço que é um grande castigo de meus pecados o terem-me feito soberbo, depois de me terem feito ingrato. Para o futuro não será assim; pois que o vosso exemplo me fez as humilhações sumamente amáveis. Prometo que de hoje em diante suportarei por vosso amor qualquer injúria e afronta que me seja feita; mais, desejo e peço ser humilhado convosco. Mas, ó Senhor, para que servem estes meus propósitos sem o vosso auxílio para executá-los? Já que me quereis salvo, ó meu Jesus desprezado, ajudai-me a suportar em paz todos os desprezos que em minha vida tenha de receber. Concedei-me esta graça pelo mérito dos opróbrios que sofrestes, e pelas dores de vossa e minha querida Mãe Maria.

    Entenda qual a importância do sacerdote para a Igreja.

    Dia 36: Jesus ora no Horto e transpira sangue

    Tunc venit Iesus cum illis in villam, quae dicitur Gethsemani – Então foi Jesus com eles a uma herdade, que é chamada Getsêmani 142.

    O Filho de Deus, para nos ensinar o modo de orar, pede no horto a seu Pai divino que o exima de beber o cálice de sua Paixão; com resignação, porém, acrescenta que se conforma em tudo à divina vontade. Prostra-se com a face na terra, e é tão grande o temor, o aborrecimento e a tristeza que lhe sobrevém pela previsão dos seus padecimentos e da nossa ingratidão, que chega a suar sangue. Ah, meu pobre Senhor, se eu menos houvera pecado, Vós menos teríeis sofrido.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Finda que foi a ação de graças depois da ceia, Jesus sai do cenáculo com os seus discípulos, entra no horto de Getsêmani e se põe em oração. Mas, ai! no mesmo instante assaltam-no juntos grande temor, grande aborrecimento e grande tristeza. Com o coração oprimido pela dor, o nosso Redentor diz que a sua alma bendita está triste até à morte: Tristis est anima mea usque ad mortem. Jesus quis que então lhe fosse presente aos olhos toda a funesta cena dos tormentos e opróbrios que lhe estavam preparados. Na Paixão, estes tormentos afligiram-no um após outro; mas ali no horto vieram cruciá-lo todos juntos, as bofetadas, os escarros, os açoites, os espinhos, os cravos e os vitupérios, que depois deveria sofrer. Submisso, aceita-os todos; mas, aceitando-os, treme, agoniza e ora.

    Mas, meu Jesus, quem vos constrange a sofrer tantas penas? Constrange-me, responde, o amor que tenho aos homens. Ah! Que assombro devia causar no Céu o ver a força feita fraqueza! Um Deus aflito! E para quê? Para salvação dos homens, suas criaturas! Naquele horto foi oferecido o primeiro sacrifício: Jesus foi a vítima, o amor o sacerdote, e o ardor de seu afeto para com os homens foi o fogo sagrado que consumiu o sacrifício.

    Pater mi, si possibile est, transeat a me calix iste – Pai meu, se é possível, passe de mim este cálice.143 Assim ora Jesus: meu Pai, se é possível, isenta-me de beber este cálice tão amargoso. Mas Jesus ora assim, não tanto para ficar isento, como para nos fazer compreender a pena que padece e aceita por nosso amor. Ora assim também para nos ensinar que nas tribulações nos é permitido pedir a Deus que nos livre; mas ao mesmo tempo devemo-nos conformar em tudo com a vontade divina, e dizer o que Ele disse: Verumtamen non sicut ego volo, sed sicut tu – Todavia não seja como eu quero, mas sim como tu.137

    Sim, meu Senhor, por vosso amor abraço todas as cruzes que me queiras enviar. Vós, embora inocente, padecestes tanto por meu amor, e eu, pecador como sou, depois de haver tantas vezes merecido o Inferno, me recusei a sofrer para vos agradar e obter de Vós o perdão e a graça! Non sicut ego volo, sed sicut tu; seja feita não a minha vontade, mas, sim, sempre a vossa!

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Procidit super terram. Durante a sua oração, Jesus prostrou-se com a face em terra, porquanto, vendo-se coberto com a vestidura sórdida de todos os nossos pecados, parece que se envergonhava de levantar os olhos ao céu. Ó meu amado Redentor, não me animaria a vos pedir perdão de tantas injúrias que vos fiz se as vossas penas e os vossos merecimentos não me dessem confiança. Eterno Pai: Respice in faciem Christi tui – Ponde os olhos no rosto de vosso Cristo;144 olhai, não para as minhas iniquidades, mas para esse vosso Filho dileto, que treme, que agoniza e transpira sangue a fim de obter para mim o vosso perdão. Vede-o e tende piedade de mim.

    Quê! Jesus meu, não há nesse jardim para vos suplicar nem algozes, nem açoites, nem espinhos, nem cravos; que é então que faz correr o vosso sangue? Ah! compreendo agora: não foi a previsão de vossos tormentos próximos a causa de vossa aflição, pois espontaneamente vos oferecestes a sofrê-las. Foi a vista de meus pecados; eles foram o cruel lagar que fez correr o sangue de vossas sagradas veias. De sorte que não vos foram desumanos os algozes, nem cruéis os açoites, os espinhos, a cruz; desumanos e cruéis vos foram, ó meu dulcíssimo Jesus, os meus pecados, que tanto vos afligiram no horto. Se eu menos houvera pecado, menos houvéreis Vós padecido. Eis então, ó meu Jesus, como correspondi ao amor que vos trouxe a morrer por mim: não fiz mais que ajuntar novas penas a tantas outras que tivestes de sofrer.

    Ó meu amado Senhor, pesa-me de vos ter ofendido; sinto dor, mas não bastante; quisera conceber uma dor capaz de me tirar a vida. Ah! pela cruel agonia que sofrestes no horto, dai-me uma parte do horror que tivestes de meus pecados. Se outrora vos afligi por minha ingratidão, fazei que vos agrade daqui em diante por meu amor. Ó Maria, Mãe das dores, recomendai-me a vosso Filho aflito e triste por meu amor.

    Reze os mistérios dolorosos do Santo Terço e medite e acompanhe Nosso Senhor até o calvário.

    Dia 37: Jesus é preso, ligado e conduzido a Jerusalém

    Comprehenderunt Iesum et ligaverunt eum – Eles prenderam a Jesus e o ligaram 145.

    Imaginemos ver a Jesus, que, abandonado de seus discípulos, é preso, ligado e levado a desoras e com grande tumulto pelas ruas de Jerusalém. Ao verem-no assim, todos que o veneraram, já o odeiam e se envergonham de o terem tido pelo Messias. Se nós, à vista de um Deus tão humilhado por nosso amor e para nosso ensino, ainda amarmos os bens fugazes da terra, ambicionarmos as honras e preeminências, não somos dignos do nome de cristãos.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    O Redentor, sabendo que Judas se aproximava, acompanhado dos Judeus e dos soldados, levanta-se, banhado ainda no suor da agonia mortal. Com o rosto pálido, mas com o coração todo abrasado em amor, vai-lhes ao encontro para se lhes entregar nas mãos, e vendo-os chegados perto, diz: Quem quaeritis? – A quem buscais? – Afigura-te, minha alma, que neste momento Jesus te pergunta também: Dize-me, a quem buscas? Ah, meu Senhor, a quem poderei buscar senão a Vós, que descestes do Céu à Terra para me buscar e não me ver perdido?

    Comprehenderunt Iesum, et ligaverunt eum – Eles prenderam a Jesus e o ligaram. Ó céus, um Deus ligado! Que diríamos, se víssemos um rei preso e ligado pelos seus servos? E que dizemos agora vendo um Deus entregue às mãos da gentalha? Ó cordas bem-aventuradas! Vós que ligastes o meu Redentor, ah! liga-me a Ele, mas liga-me de tal modo que nunca mais me possa separar de seu amor. Considera, minha alma, como um lhe liga as mãos, outro o injuria, mais outro o empurra, e o Cordeiro inocente se deixa ligar e empurrar quanto quiserem. Não procura fugir das mãos deles, não chama por auxílio, não se queixa de tantas injúrias, nem mesmo pergunta por que é tratado assim. Eis, pois, realizada a profecia de Isaías: Oblatus est quia ipse voluit, et non aperuit os suum; sicut ovis ad occisionem ducetur – Foi oferecido, porque ele mesmo quis, e não abriu a sua boca; ele será levado como uma ovelha ao matadouro.146

    Mas onde é que se acham os seus discípulos? Que fazem? Já não podendo livrá-lo das mãos de seus inimigos, ao menos que o tivessem acompanhado para defenderem a inocência de Jesus perante os juízes, ou sequer para o consolarem com a sua presença! Mas não; o Evangelho diz: Tunc discipuli eius, relinquentes eum, omnes fugerunt – Então os seus discípulos desamparando-o, fugiram todos.147 Qual não devia ser a tristeza de Jesus, vendo que até os seus discípulos queridos fugiam e o desamparavam? Mas, ó céus, então o Senhor viu ao mesmo tempo todas aquelas almas que, sendo por Ele mais favorecidas, haviam de abandoná-lo depois e de lhe virar as costas.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Ligado como um malfeitor, o nosso Salvador entra em Jerusalém, onde poucos dias antes fora aclamado com tantas honras e louvores. Passa alta noite pelas ruas, entre lanternas e tochas, e tão grande é o alarido e tumulto, que todos deviam pensar que se levava qualquer grande criminoso. A gente chega à janela e pergunta: Quem é que foi preso? e respondem-lhe: Jesus, o Nazareno, que foi desmascarado como sendo um sedutor, um impostor, um falso profeta e réu de morte. Quais não deviam ser então em todo o povo os sofrimentos de desprezo e indignação, quando viram Jesus Cristo, acolhido primeiro como o Messias, preso por ordem dos juízes, como impostor!

    Ah! como se trocou então a veneração em ódio, como se arrependeu cada um de o ter honrado, envergonhando-se de ter honrado um malfeitor, como se fosse o Messias! Eis, pois, a que estado se reduziu o Filho de Deus para nos mostrar o nada das honras e dos aplausos do mundo! E como é que eu, apesar de ver um Deus tão humilhado e injuriado por meu amor, como é que eu hei de viver tão amante dos bens fugazes da terra, ambicionar as honras, as dignidades, as preeminências, e não saber sofrer o mínimo desprezo? Ai de mim, pecador e soberbo!

    Donde, ó meu Senhor, me pode vir tamanho orgulho, depois que mereci tantas vezes o Inferno? Meu Jesus, suplico-vos pelos merecimentos dos desprezos que sofrestes, dai-me a graça de vos imitar. Proponho com o vosso auxílio reprimir de hoje em diante todo o ressentimento e receber com paciência, alegria e contentamento todas as humilhações, todas as injúrias e todas as afrontas que me possam ser feitas. Proponho, além disso, para vos agradar, fazer todo bem possível a quem me despreza; ao menos falarei sempre bem dele e rogarei por ele. Vós, ó meu Senhor, pelas dores de Maria Santíssima, fortalecei estes meus propósitos e dai-me a graça de vos ser fiel.

    Dia 38: Comemoração das Sete Dores de Maria Santíssima

    O vos omnes qui transitis per viam, attendite et videte, si est dolor sicut dolor meus – Ó vós todos os que passais pelo caminho, atendei e vede, se há dor semelhante à minha dor 148.

    Bem compete à Bem-Aventurada Virgem o título de Rainha dos Mártires, porque, semelhante em tudo a Jesus, sofreu, em toda a sua vida, no coração um martírio, ao mesmo tempo o mais longo e o mais doloroso. E o seu martírio não ficou estéril; muito ao contrário, produziu um fruto inestimável de vida eterna, de modo que todos os que se salvam, são disso devedores, depois de Jesus Cristo, às dores de Maria. Se nos queremos mostrar verdadeiros filhos da nossa aflita Mãe, imitemos a sua paciência e resignação.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Assim como Jesus se chama Rei de Dores e Rei dos Mártires, porque padeceu na sua vida mais que todos os outros mártires; assim Maria é com razão chamada Rainha dos Mártires. Mereceu este título por ter sofrido o martírio mais longo e mais doloroso que se possa padecer depois do de seu Filho.

    A Virgem pôde dizer o que o Senhor disse pela boca de Davi: Defecit in dolore vita mea, et anni mei in gemitibus149 – A minha vida passou-se toda em dor e lágrimas, porquanto a minha dor, que era a compaixão de meu amado Filho, não se afastava jamais do meu pensamento, vendo eu sempre todas as penas e a morte que Ele um dia devia padecer. Revelou a mesma divina Mãe a Santa Brígida, que, ainda depois da morte do Filho e depois de sua ascensão ao céu, a lembrança da sua Paixão estava sempre fixa e recente no seu terno coração de mãe, quer comesse, quer trabalhasse.

    O martírio de Maria foi também de todos o mais doloroso, porquanto, ao passo que os outros mártires tiveram o corpo dilacerado pelo ferro, ela teve a alma traspassada e martirizada, como já lhe predisse S. Simeão: Et tuam ipsius animam (doloris) gladius pertransibit – E uma espada (de dor) te traspassará a alma.150 Ora, quanto a alma é mais nobre que o corpo, tanto maior foi a dor de Maria que a de todos os mártires. A tudo isso acresce que ela padeceu sem alívio algum. Para os outros mártires, o seu amor a Jesus fazia-lhes os tormentos doces e suaves; para a divina Mãe, porém, o mesmo amor se lhe tornou cruel algoz, e fazia todo o seu martírio. Numa palavra, conclui um sábio escritor, o martírio de Maria na Paixão do Filho foi tão grande porque ela só podia dignamente compadecer-se da morte de um Deus feito homem.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    A dor de Maria na Paixão de Jesus Cristo não foi estéril, como a das mães comuns à vista dos filhos que sofrem. Não, foi, ao contrário, uma dor que produziu frutos abundantes de vida eterna. São Cipriano, falando dos mártires, disse que o seu sangue era como que uma semente de cristãos, querendo dizer que por um só homem que caía vítima da perseguição, surgiam logo muitos pagãos a pedirem o batismo e abraçarem a religião perseguida. Esta fecundidade, porém, do martírio, nada é em comparação da do martírio da Rainha dos Mártires.

    Com efeito, sabemos que pelo mérito do sacrifício doloroso que Maria fez na morte de seu Filho, foi ela feita depositária dos merecimentos de Jesus Cristo, Corredentora do gênero humano e Mãe de todos os fiéis que lhe foram confiados na pessoa de João: Mulier, ecce filius tuus – Mulher, eis aí teu filho.151 De sorte que todos os que se salvaram, se salvam e ainda vierem a salvar-se, todos serão devedores da sua salvação, depois de Jesus Cristo, ao martírio do Coração de Maria. Se, portanto, nós também quisermos um dia ir gozar no Céu, sejamos devotos servos desta querida Mãe, e, à imitação dela, soframos com paciência as penas que tenhamos a sofrer, e todas as graças que queiramos pedir ao Senhor, peça-mo-las pelos merecimentos das incomensuráveis dores que ela sofreu no correr de toda a sua vida, e especialmente na Paixão de seu Filho.

    Sim, ó Rainha dos Mártires, prometemos ser-vos fiéis; mas vós mesma deveis alcançar-nos esta graça. “E Vós, ó meu Deus, em cuja Paixão, segundo a profecia de Simeão, a alma dulcíssima da gloriosa Virgem e Mãe Maria foi traspassada por uma espada de dor: concedei propício que nós, que celebramos a memória de suas dores e padecimentos, possamos, pelos méritos gloriosos e intercessão de todos os santos que se acharam ao pé da Cruz, obter os felizes frutos dessa mesma Paixão”.70

    Dia 39: Jesus é apresentado aos pontífices e por eles condenado à morte

    At illi, tenentes Iesum, duxerunt ad Caiphan principem sacerdotum – Eles, prendendo a Jesus, o levaram a Caifás, príncipe dos sacerdotes 152.

    Imaginemos ver a Jesus Cristo perante o tribunal de Caifás. Ali é esbofeteado, tratado de blasfemador, declarado réu de morte, e como tal, maltratado de mil modos. Jesus, porém, no meio de tantos opróbrios, nada perde de sua serenidade e doçura, e parece que com o seu silêncio nos diz: Se quiserdes desagravar-me das injúrias que me fazem, suportai por meu amor os desprezos, assim como eu os suporto por vosso amor.

    Meditações para a Quaresma – Ponto I:

    Eis que o Redentor é levado como em triunfo à presença de Caifás, que já o estava esperando, e, vendo-o diante de si, só e desamparado de seus discípulos, ficou cheio de contentamento. Minha alma, contempla o teu Senhor, que ali está todo humilde e manso. Contempla o seu belo rosto, que, no meio de tantas injúrias e desprezos não perdeu a sua serenidade e doçura.

    O ímpio pontífice interroga Jesus sobre seus discípulos e sobre sua doutrina para achar algum pretexto de condenação. Jesus responde-lhe com humildade: Eu não falei em segredo, mas em público; todos estes que aqui estão podem dar testemunho do que eu falei. Senão, quando depois de uma resposta tão justa e tão branda, um algoz mais insolente avança do meio da chusma e, tratando Jesus de atrevido, lhe dá uma forte bofetada dizendo: É assim que respondes ao sumo sacerdote? Ó Deus, como pôde uma resposta tão humilde e tão modesta merecer tão grave insulto?

    Entretanto, o Conselho procurava testemunhas para o condenar à morte; mas não encontravam; pelo que o pontífice vai novamente buscar matéria de condenação nas palavras de nosso Salvador mesmo, e lhe diz: Adiuro te per Deum vivum, ut dicas nobis, si tu es Christus Filius Dei – Eu te conjuro, pelo Deus vivo, que nos digas, se tu és o Cristo, o Filho de Deus.153 O Senhor, ouvindo que o conjuravam em nome de Deus, confessa a verdade e responde: “Sim, eu o sou: e um dia me verás, não tão desprezível como estou agora diante de ti, mas assentado num trono de majestade como juiz de todos os homens, acima das nuvens do céu”. Ouvindo estas palavras, o pontífice, em vez de prostrar-se com o rosto em terra para adorar a seu Deus, rasga seus vestidos e diz: Para que mais precisamos de testemunhas? Acabais de ouvir a blasfêmia. Quid vobis videtur? – Que vos parece?154 E todos os outros sacerdotes responderam que sem dúvida alguma Ele era réu de morte. Ah, meu Jesus, o mesmo disse também vosso eterno Pai, quando vos oferecestes a expiar os nossos pecados. Meu Filho, disse, já que queres satisfazer pelos homens, és réu de morte, e por isso é necessário que morras.

    Meditações para a Quaresma – Ponto II:

    Tunc expuerunt in faciem eius, et colaphis eum ceciderunt – Então cuspiram-lhe no rosto e deram-lhe bofetadas.155 Sendo Jesus Cristo declarado réu de morte, puseram-se todos a maltratá-lo como a um malfeitor. Um cospe-lhe no rosto, outro dá-lhe empuxões, mais outro lhe dá bofetadas. Vendando-lhe os olhos com um pano, escarnecem dele, chamando-o falso profeta, e dizendo: “Já que és profeta, profetiza agora quem Te bateu”. Escreve São Jerônimo que foram tantos os insultos e injúrias que naquela noite foram feitos ao Senhor, que só no dia do Juízo Final serão conhecidos todos.

    O sofrimento de Jesus foi ainda aumentado pelo pecado de Pedro, que o renega e jura que nunca o conheceu.

    Vai, minha alma, vai ter naquela prisão com o teu Senhor aflito, escarnecido e abandonado; agradece-lhe e consola-o com o teu arrependimento, visto que tu também algum tempo o desprezaste e renegaste. Dize-lhe que quiseras morrer de dor, lembrando-te que no passado lhe amarguraste tanto o doce Coração que tanto te amou. Dize-lhe que agora o amas e não queres senão padecer e morrer por seu amor.

    Ah! Meu Jesus, esquecei os desgostos que vos dei, e lançai sobre mim um olhar de amor, assim como lançastes sobre Pedro, depois que vos renegou. Ó grande Filho de Deus, ó amor infinito, que padeceis por aqueles mesmos homens que vos odeiam e maltratam! Vós sois a glória do Paraíso: honra demasiada teríeis feito aos homens, se os houvéreis admitido somente a beijar-vos os pés. Mas, ó Deus, quem vos reduziu a esse extremo de ignomínia, de servirdes de ludibrio à gente mais vil do mundo? Dizei-me, meu Jesus, que posso fazer para vos desagravar da desonra que vossos algozes vos infligem com os seus insultos? Ouço-vos responder-me: Suporta por meu amor os desprezos, assim como eu os suportei por teu amor. Sim, Redentor meu, quero obedecer-vos. Ó Jesus, desprezado por minha causa, aceito e desejo ser desprezado por vossa causa, quanto vos agradar. Dai-me, porém, a graça para vos ser fiel. Fazei-o pelas dores da vossa e minha querida Mãe Maria.

    Referências

    1. Gn 3,19[]
    2. Is 22,13.[]
    3. Jl 2,15.[]
    4. Hymn. Quadr.[]
    5. Or. fer. curr.[]
    6. Os 11,4[]
    7. I Cor 11,24.[]
    8. Pr 23, 26.[]
    9. Jo 19,2[]
    10. Gn 3, 17[]
    11. Or. festi cur.[][][]
    12. Lc 2,35[]
    13. Lc 2,52[]
    14. Ct 1,12[]
    15. Mt 4,1[]
    16. Tb 12,13[]
    17. Mt 4,2–3[]
    18. Mt 4,5–6[]
    19. Mt 4,8–9[]
    20. Mt 4,4[]
    21. Mt 4,7[]
    22. Mt 4,10[]
    23. Or. Dom. curr.[][][][]
    24. Mt 5,3[]
    25. I Cor 8, 9.[]
    26. Lc 14, 33.[]
    27. Sb 3,1[]
    28. Sl 72, 26.[]
    29. Hb 10, 34[]
    30. Sl 4,8.[]
    31. Mt 21,43[]
    32. Sl. 147,20.[]
    33. Jo 10,27.[]
    34. Lc 22,15[]
    35. Mt 26,26[]
    36. Jo 6,55[]
    37. Jo 6,54[]
    38. Jo 19,34[]
    39. Cf. Jo 19,31[]
    40. Mt 15,19[]
    41. Hymn. matut.[]
    42. Hymn. laud.[]
    43. Mt 2,13[]
    44. Hb 13,14[]
    45. Mt 17,4[]
    46. Mt 17,1–4[]
    47. Sl 35,9[]
    48. I Jo 3,2[]
    49. Mt 17,5.7–8[]
    50. Lc 9,31[]
    51. Mc 9,5[]
    52. Is 38,1[]
    53. Mt 24,46[]
    54. II Pd 1,4.[]
    55.  Cf. Jo 17,22.[]
    56. I Cor 6,17.[]
    57. Jo 14,23.[]
    58.  Ct 4,1.[]
    59. Sl 33,16.[]
    60. Sl 33,9.[]
    61. Sl 118,165.[]
    62. Fl 4,7.[]
    63. Mt 1,16[]
    64. Lc 2,51.[]
    65. Lc 2,48.[]
    66. Mt 11,28[]
    67. Lc 23, 53[]
    68. Tt 3,4.[]
    69. Is 53,3.[]
    70. Or. fest. curr.[][]
    71. Eclo 24,24[]
    72. Ct 8,6.[]
    73. Ct 5,2.[]
    74. Ct 5,8.[]
    75.  Jo 2,3.[]
    76. Lc 11,14[]
    77. Eclo 4,24.[]
    78.  Mt 12,43.[]
    79. Lc 11,26.[]
    80. Sb 10,10[]
    81. Mt 16,26.[]
    82. Jo 12,25.[]
    83. Cf. Mt 16,24.[]
    84. Cf. Sl 73,19.[]
    85. Sl 73,19.[]
    86. Mt 13,49[]
    87. Mt 24,40.[]
    88.  Jo 16,20.[]
    89. I Cor 4,5.[]
    90. I Ts 4,17.[]
    91. Jr 33,3.[]
    92. Pr 27,18[]
    93. Mt 1,19.[]
    94. 1Cor 1, 5[]
    95. Sl 145,5.[]
    96. Is 12,4.[]
    97. Is 12,3[]
    98. Ct 2,14.[]
    99. Is 49,16.[]
    100. Hb 5,9.[]
    101. I Cor 2,2.[]
    102. Is 55,1.[]
    103. Lc 2,48[]
    104. Ct 3,3.[]
    105. Gen 37,30.[]
    106. Os 1,9.[]
    107. Jo 6,5[]
    108. Jó 19,21.[]
    109. Mt 7,2.[]
    110. Pr 21, 25–26[]
    111. Jó 28,13.[]
    112. Fl 4,13.[]
    113. Jo 15,7.[]
    114. Ecl 10,31[]
    115. I Cor 6,20.[]
    116. Mt 16,26.[]
    117. Mt 25, 34–41[]
    118. Zc 1,3.[]
    119. Sl 88,2.[]
    120. Jo 6, 57[]
    121. Ap 5, 9[]
    122. Col 2,14.[]
    123. Ap 1,5.[]
    124. Hb 12,24.[]
    125. Hb 9,13.[]
    126. Or. festi curr.[]
    127. Rm 8, 32[]
    128. Jo 8, 56[]
    129. Ez 16,8.[]
    130. Ef 5,2.[]
    131. II Cor 5,14.[]
    132. Fl 2,5.[]
    133. Gl 2,20.[]
    134. Or Dom. curr.[]
    135. Jo 11, 50[]
    136. Mt 26,15.[]
    137. Idem.[][]
    138. Mt 26, 20[]
    139. Lc 22,15.[]
    140. Jo 13,25.[]
    141. Jo 13,5.[]
    142. Mt 26, 36[]
    143. Mt 26,39.[]
    144. Sl 83,10.[]
    145. Jo 18, 12[]
    146. Is 53,7.[]
    147. Mc 14,50.[]
    148. Lm 1,12[]
    149. Sl 30,11.[]
    150. Lc 2,35.[]
    151. Jo 19,26.[]
    152. Mt 26, 57[]
    153. Mt 26,63.[]
    154. Mt 26,65.[]
    155. Mt 26,67.[]

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